Coautor: Paulo Roberto Ulhoa
Vivemos um momento de profundas e importantes transformações, seja a nível nacional, seja a nível global. O modelo de mercado, pautado pelas finalidades do capital, já há algum tempo – e, principalmente, a partir da crise financeira de 2008 –, se mostra incapaz de aliar crescimento econômico com distribuição de renda e preservação ambiental.
Mundo a fora as democracias representativas assim como a nossa, onde governantes e governados se misturavam em representações políticas essenciais à participação do povo nas decisões do Estado, são, dia após dia, substituídas por governos tecnocráticos, que se preocupam mais em salvar o modelo de capital que sustenta os Estados modernos, do que garantir, efetivamente, a participação do povo no poder, e é nesse cenário que o Decreto Presidencial 8.243/2014 surge.
Mas quem é esse povo, alijado de participação na condução e na tomada de decisões do Estado moderno, em especial na última década?
Para responder esse questionamento, podemos dizer que esse povo pode ser visto como sociedade civil. Mas quem é a sociedade civil? É a partir daqui que a análise do Decreto 8.243/2014 – que institui a Política Nacional de Participação Social (PNPS) e o Sistema Nacional de Participação Social (SNPS) –, se faz importante.
Em seu art. 2º, I, o citado Decreto, determina que seja compreendido como sociedade civil “o cidadão, os coletivos, os movimentos sociais institucionalizados ou não institucionalizados, suas redes e suas organizações”, ou seja, sociedade civil e, consequentemente, o povo, abrange todas aquelas pessoas que vivem sob a égide de um dado Estado, sejam elas de idade, sexo, etnia, cultura ou credo distintos.
Neste ínterim, a Constituição Federal de 1988 (CF/88), em seu art. 1º, Parágrafo único, trouxe como um dos princípios fundamentais do Estado brasileiro, o fato de que “todo poder emana do povo (...)”, que poderá exercê-lo de forma direta ou indireta (através de seus representantes).
A democracia representativa que embasa quase a totalidade dos Estados ocidentais tem como um dos fundamentos a participação do povo no Estado, afinal, seria possível democracia sem povo?
Por isso, o Decreto Presidencial 8.243/2014 deve ser analisado pelo que representa em nível de participação do povo, da sociedade civil, nas decisões que conduzem o Estado, e não a partir de discursos políticos sem fundamentos, sem análise crítica, a fim de deslegitimar um importante marco de democratização do Poder Executivo Federal (por ser um decreto presidencial, sua obrigatoriedade se restringe a administração pública federal).
Não se trata de uma mudança de regime por decreto, ou seja, a desconstituição de um modelo representativo presidencialista, por um modelo de participação, mas, ao contrário, da instituição de elementos que assegurarão a maior proximidade do povo das decisões do Estado.
Quanto mais participação do povo nas decisões do Estado, quanto mais democracia, quanto mais direitos fundamentais melhor (art. 5, §2º, da CF/88).
O Decreto 8.243/2014, pelo que determina, portanto, não pode ser visto como um passo para um golpe, uma mudança constitucional de regime, uma norma inconstitucional – pois é possível sua edição pelo Presidente da República, nos termos do art. 84, IV e VI, “a”, da CF/88 – ou o que o valha.
Por fim, é de se destacar que já existe previsão constitucional para a existência de conselhos de educação, de saúde, bem como da participação popular na criação do orçamento público – que, aliás, é a regra, nos termos do art. 48, da Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar 101/2000).
O citado Decreto não está fora dos interesses constitucionais do Poder Executivo Federal, mas, ao contrário, faz parte de uma nova perspectiva constitucional latino-americana – o novo constitucionalismo latino-americano –, cujo um dos marcos iniciais foi a própria CF/88 e, pelo qual, se quer alcançar democracias consensuais, por onde todos, e não só alguns, efetivamente, participem da condução do Estado.
Com um Poder Executivo mais poroso – decorrência do Decreto 8.243/2014 – as demais parcelas sociais que, em razão de sua cor de pele, classe social, sexo, opção sexual, credo, idade, etnia e cultura, foram, historicamente, alijadas da participação na condução das políticas públicas (federais), terão a possibilidade de fazer parte de algo que, também, lhes é inato: o Poder.
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