Resumo: O instituto da denúncia espontânea, previsto no art. 138 do Código Tributário Nacional (CTN), é visto como uma medida valorizadora da boa-fé objetiva do sujeito passivo da obrigação tributária e, concomitantemente, uma forma da Administração Fazendária diminuir os custos em processos fiscalizatórios. Com espeque nesta premissa, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) assevera que o mero depósito judicial integral do débito tributário não enseja o benefício da denúncia espontânea, haja vista não proporcionar o imprescindível balanceamento entre o custo de conformidade e custo administrativo.
Palavras-chave: Denúncia espontânea. Art. 138 do CTN. Boa-fé objetiva. Custo de conformidade e custo administrativo. STJ.
1) INTRODUÇÃO
O benefício da denúncia espontânea é um instituto estimulador da conduta honesta, proba e leal do sujeito passivo da obrigação tributária, valorizando o princípio da boa-fé objetiva. Nos dizeres de Nelson Rosenvald, a boa fé-objetiva “compreende um modelo de eticização de conduta social, verdadeiro standard jurídico ou regra de comportamento, caracterizado por uma atuação de acordo com determinados padrões sociais de lisura, honestidade e correção”[1].
O devedor, antes da instauração de qualquer procedimento administrativo ou medida de fiscalização pelo Fisco, confessa para este que praticou uma infração tributária e paga os tributos em atraso em conjunto com os juros de mora. Em decorrência desta conduta, são excluídas da cobrança as multas punitivas e moratórias contra ele, conforme preconiza o art. 138 do CTN:
Art. 138. A responsabilidade é excluída pela denúncia espontânea da infração, acompanhada, se for o caso, do pagamento do tributo devido e dos juros de mora, ou do depósito da importância arbitrada pela autoridade administrativa, quando o montante do tributo dependa de apuração.
Parágrafo único. Não se considera espontânea a denúncia apresentada após o início de qualquer procedimento administrativo ou medida de fiscalização, relacionados com a infração.
2) REQUISITOS DA DENÚNCIA ESPONTÂNEA
Conforme jurisprudência pacífica do STJ, para que haja o deferimento da denúncia espontânea é necessário que ela seja eficaz. Para tanto, é possível elencar como requisitos i) a confissão da infração (denúncia); ii) pagamento integral do tributo, incluindo os juros moratórios; e iii) espontaneidade, ou seja, os dois primeiros devem ocorrer em data anterior a qualquer procedimento fiscalizatório da Fazenda referente à infração denunciada.
No que tange ao pagamento, é salutar destacar que este deve ser realizado integralmente e à vista, não havendo possibilidade de parcelamento. Na hipótese deste ocorrer, obstaculizado estará o afastamento da multa, com arrimo no art. 155, §1º, do Codex Tributário:
Art. 155-A. O parcelamento será concedido na forma e condição estabelecidas em lei específica.
§ 1º Salvo disposição de lei em contrário, o parcelamento do crédito tributário não exclui a incidência de juros e multas. (grifo meu)
Neste sentido caminha o entendimento pacífico do Superior Tribunal de Justiça:
“PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. ART. 545 DO CPC. RECURSO ESPECIAL. DENÚNCIA ESPONTÂNEA. CTN, ART. 138. PAGAMENTO INTEGRAL DO DÉBITO FORA DO PRAZO. IRRF. TRIBUTO SUJEITO A LANÇAMENTO POR HOMOLOGAÇÃO. DIFERENÇA NÃO CONSTANTE DA DCTF. POSSIBILIDADE DE EXCLUSÃO DA MULTA MORATÓRIA. 1. É cediço na Corte que "Não resta caracterizada a denúncia espontânea, com a conseqüente exclusão da multa moratória, nos casos de tributos sujeitos a lançamento por homologação declarados pelo contribuinte e recolhidos fora do prazo de vencimento." (REsp n.º 624.772/DF, Primeira Turma, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ de 31/05/2004) 2. A inaplicabilidade do art. 138 do CTN aos casos de tributo sujeito a lançamento por homologação funda-se no fato de não ser juridicamente admissível que o contribuinte se socorra do benefício da denúncia espontânea para afastar a imposição de multa pelo atraso no pagamento de tributos por ele próprio declarados. Precedentes: REsp n.º 402.706/SP, Primeira Turma, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJ de 15/12/2003; AgRg no REsp n.º 463.050/RS, Primeira Turma, Rel. Min. Francisco Falcão, DJ de 04/03/2002; e EDcl no AgRg no REsp n.º 302.928/SP, Primeira Turma, Rel. Min. José Delgado, DJ de 04/03/2002. 3. Não obstante, configura denúncia espontânea, exoneradora da imposição de multa moratória, o ato do contribuinte de efetuar o pagamento integral ao Fisco do débito principal, corrigido monetariamente e acompanhado de juros moratórios, antes de iniciado qualquer procedimento fiscal com o intuito de apurar, lançar ou cobrar o referido montante, tanto mais quando este débito resulta de diferença de IRRF, tributo sujeito a lançamento por homologação, que não fez parte de sua correspondente Declaração de Contribuições e Tributos Federais. 4. In casu, o contribuinte reconhece a existência de erro em sua DCTF e recolhe a diferença devida antes de qualquer providência do Fisco que, em verdade, só toma ciência da existência do crédito quando da realização do pagamento pelo devedor. 5.Ademais, a inteligência da norma inserta no art. 138 do CTN é justamente incentivar ações como a da empresa ora agravada que, verificando a existência de erro em sua DCTF e o conseqüente autolançamento de tributos aquém do realmente devido, antecipa-se a Fazenda, reconhece sua dívida, e procede ao recolhimento do montante devido, corrigido e acrescido de juros moratórios. 6. Exigir qualquer penalidade após a espontânea denúncia é conspirar contra a ratio essendi da norma inserida no art 138 do CTN, malferindo o fim inspirador do instituto, voltado a animar e premiar o contribuinte que não se mantém obstinado ao inadimplemento. (...)” (STJ, Primeira Turma, AGA - AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO – 600847, Data da Publicação: 05/09/2005.) – grifo meu
Ademais, é importante salientar que o termo final para apresentação da confissão se dá com o início do procedimento administrativo apurador da infração por parte da Administração Tributária, o qual se consubstancia no documento denominado “Termo de Início de Fiscalização”, previsto no art. 196 do CTN:
Art. 196. A autoridade administrativa que proceder ou presidir a quaisquer diligências de fiscalização lavrará os termos necessários para que se documente o início do procedimento, na forma da legislação aplicável, que fixará prazo máximo para a conclusão daquelas.
Parágrafo único. Os termos a que se refere este artigo serão lavrados, sempre que possível, em um dos livros fiscais exibidos; quando lavrados em separado deles se entregará, à pessoa sujeita à fiscalização, cópia autenticada pela autoridade a que se refere este artigo.
Nos dizeres de Luciano Amaro, “não basta o início de qualquer procedimento ou a existência de qualquer medida de fiscalização por parte da repartição fiscal competente para apurar a infração praticada. É necessário, além disso, que a atuação do Fisco esteja relacionada com a infração, no sentido de que o prosseguimento normal dos trabalhos tenha a possibilidade (não a certeza) de identificar a prática da infração. Se a medida de fiscalização diz respeito limitadamente ao exame de determinado assunto, e a infração se refere à matéria estranha àquela que esteja sendo objeto da investigação, a espontaneidade não estará afastada.”[2]
3) ENFOQUE AXIOLÓGICO E ECONÔMICO DO INSTITUTO
Na esteira do entendimento doutrinário, há dois aspectos levados em consideração na denúncia espontânea: axiológico e econômico. No que toca ao primeiro, traduz-se no comportamento considerado moral e adequado do infrator adiantar-se de forma espontânea à Administração Tributária, denunciar-se e, se for o caso, pagar o tributo devido. Ou seja, a conduta ética é traduzida em arrependimento e sinceridade do contribuinte e traz a ele o benefício da exclusão da responsabilidade pela infração, em verdadeiro perdão concedido pela Lei.
Quanto ao elemento econômico, a denúncia espontânea opera-se sob a ótica da relação custo-benefício para a Administração Tributária, tendo em vista que a antecipação do pagamento do tributo pelo contribuinte, sem o prévio exame da autoridade, somando-se à obrigação tributária acessória de entregar documento no qual é feita a declaração e a confissão de débito, tendo por consequência a constituição do crédito tributário, substitui, nessa medida, o lançamento que deveria ser realizado pela autoridade administrativa.
Portanto, no momento em que o legislador previu essa benesse fiscal, o fez para que houvesse uma diminuição do custo administrativo (custo da Administração Tributária) e acrescendo um custo de conformidade ao contribuinte, aumentando seu custo total. Nos dizeres do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp 962.379-RS (DJe 28/10/2010), julgado conforme o rito do art. 543-C do CPC, e do exame da Súmula n. 360 do STJ ("O benefício da denúncia espontânea não se aplica aos tributos sujeitos a lançamento por homologação regularmente declarados, mas pagos a destempo"), conclui-se somente admite é admitida denúncia espontânea quando o Fisco é preservado dos custos administrativos de lançamento.
Nas palavras do Ministro Mauro Campbell Marques, “a denúncia espontânea somente se configura quando a Administração Tributária é preservada dos custos administrativos correspondentes à fiscalização, constituição, administração, cobrança administrativa e cobrança judicial dos créditos tributários. Assim é a denúncia espontânea: uma relação de troca entre o custo de conformidade (custo suportado pelo contribuinte para se adequar ao comportamento exigido pelo Fisco) e o custo administrativo (custo no qual incorre a máquina estatal para as atividades acima elencadas) balanceada pela regra prevista no art. 138 do CTN”.
4) DEPÓSITO JUDICIAL INTEGRAL NÃO CONFIGURA DENÚNCIA ESPONTÂNEA
Tendo em vista a necessidade da relação de troca entre o custo de conformidade e custo administrativo, percebe-se que o mero depósito integral do débito tributário e dos respectivos juros de mora para futura discussão do débito tributário, ainda que seja realizado anteriormente a qualquer procedimento de fiscalização, não configurará denúncia espontânea.
O Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do EREsp 1.131.090-RJ, de relatoria do Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 28/10/2015, DJe 10/2/2016, esclarece a questão:
“No caso em análise, além de não haver relação de troca entre custo de conformidade e custo administrativo a atrair caracterização da denúncia espontânea, na hipótese, houve a criação de um novo custo administrativo para a Administração Tributária em razão da necessidade de ir a juízo para discutir o crédito tributário cuja exigibilidade encontra-se suspensa pelo depósito, ao contrário do que ocorre, v.g., em casos ordinários de constituição de crédito realizado pelo contribuinte pela entrega da declaração acompanhada do pagamento integral do tributo. Por fim, observe-se que o atual entendimento de ambas as Turmas de Direito Público desta Corte (AgRg nos EDcl no REsp 1.167.745-SC, Primeira Turma, DJe 24/5/2011- e AgRg no AREsp 13.884-RS, Segunda Turma, DJe 8/9/2011) é no sentido de que apenas o pagamento integral do débito que segue à sua confissão é apto a dar ensejo à denúncia espontânea.” – grifo meu
5) CONCLUSÃO
Com supedâneo no exposto acima, percebe-se que o instituto da denúncia espontânea se mostra como importante instrumento estimulador da boa-fé objetiva do sujeito passivo da obrigação tributária, assim como gerador de economia para Administração Tributária ao eximi-la do custo administrativo dos procedimentos fiscalizatórios.
A via de mão dupla no momento da concessão da benesse é salutar, pois ao prestigiar a conduta leal, proba e honesta do sujeito passivo da obrigação tributária no momento em que, espontaneamente, confessa os ilícitos praticados e paga o valor total (custo de conformidade), a Administração tributária deixará de aplicar as multas punitivas e moratórias e economizará os valores que seriam despendidos no procedimento que o Fisco teria para realizar à sua exigência (custo administrativo).
Desta feita, está em perfeita sintonia com o ordenamento jurídico a decisão prolatada pelo Superior Tribunal de Justiça no sentido de afastar a denúncia espontânea quando ocorrer o depósito judicial integral do débito tributário e dos respectivos juros de mora, visto que ensejará novos custos à Administração Tributária por conta da necessidade de discutir, no âmbito jurisdicional, o crédito tributário com exigibilidade suspensa em razão do depósito (art. 151, II, do Código Tributário Nacional).
REFERÊNCIAS
ROSENVALD, Nelson. Dignidade humana e boa-fé no código civil. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 80.
AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2006., p. 452.
Advogado. Aprovado no concurso para Procurador da Procuradoria-Geral do Estado do Paraná, aprovado no concurso para Procurador da Procuradoria-Geral do Município de Salvador, aprovado no concurso para Procurador da Procuradoria-Geral do Município de Palmas. Pós-graduado em Direito Constitucional pela Universidade Cândido Mendes.<br>
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