Autora: LOUISE GONZAGA DE MENEZES
Orientador: Ricardo Simões Xavier dos Santos
RESUMO: Este trabalho tem como objetivo o estudo da possibilidade de aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica no âmbito do direito tributário. Destaca-se a importância da pessoa jurídica na contemporaneidade, e as implicações do princípio da autonomia patrimonial da sociedade. O instituto é o meio mais adequado para coibir os abusos praticados, sejam pelos sócios, administradores, gerentes, e sendo aplicado corretamente aperfeiçoa a personalidade jurídica. Toda via, o direito tributário possui uma divergência dos demais ramos do direito, que é em relação ao princípio da legalidade, onde se exige a expressa previsão da doutrina na legislação para que possa ser aplicada. Este atributo, próprio do Direito Tributário, impossibilita o fisco de alcançar terceiros quando a lei não autoriza. Apesar disso com a enorme divergência entre doutrinadores, o que se vê é uma progressiva evolução da teoria dentro da esfera tributária com a crescente utilização da desconsideração pela jurisprudência pátria.
Palavras-chave: Desconsideração da Personalidade Jurídica. Direito tributário. Aplicação. Princípio da legalidade. Responsabilidade do sócio. Responsabilidade de Terceiros.
ABSTRACT: This paper aims to study the possibility of applying the theory of disregard of legal entity under the tax law. It point out to the importance of the legal person in contemporaneity, and the implications of the principle of patrimonial autonomy of society. The institute is the proper way to restrain the abuses committed, whether by partners, directors, managers, and being properly applied it improves the legal entity. However, the tax law has a divergence from the other branches of law, when it comes to the principle of legality, which requires doctrine to be previously expressed in the legislation for it to be applied. Despite the divergence between instructors, it can be seen a gradual evolution of the theory within the tax sphere with the increasing use of disregard of legal entity by the Brazilian jurisprudence.
Keywords: Disregard of the Legal Personality. Tax Law. Application. Principle of legality. Social responsibility. Third party Liability.
SUMÁRIO: INTRODUÇÃO.1DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. 1.1.PESSOA JURÍDICA E PERSONALIDADE JURÍDICA. 1.2. CONCEITO DO INSTITUTO DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA . 1.3 TEORIAS DA DESCONSIDERAÇÃO. 1.4 REQUISITOS PARA A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. 1.4.1 A Personificação.1.4.2 A fraude e o abuso de direito relacionados à autonomia patrimonial. 1.4.2.1 Fraude. 1.4.2.2 O abuso de direito. 1.4.3 Imputação dos atos praticados pela pessoa jurídica . 1.5 Efeitos da desconsideração. 1.6 Desconsideração inversa.1.7 Incidência da desconsideração da personalidade jurídica no código de processo civil de 2015.1.7.1 Aspectos processuais da desconsideração da personalidade jurídica. 2. RESPONSABILIDADE DO SÓCIO NO DIREITO TRIBUTÁRIO. 2.1.RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA. 2.1.1.Responsabilidade tributária por solidariedade art. 124 a 125 do CTN. 2.1.2 Responsabilidade tributária por sucessão art. 129 a 133 do CTN; 2.1.3- Responsabilidade tributária de terceiros art. 134 e 135 do CTN. 2.1.3.1 Responsabilidade do art. 134 do CTN. 2.1.3.2 Responsabilidade do art. 135 do CTN. 3 DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA . 4. CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS
INTRODUÇÃO
Com o intuito de estimular a iniciativa privada e contribuir para o crescimento econômico, o ordenamento jurídico pátrio aprimorou a figura da pessoa jurídica, conferindo-a personalidade própria. Tal benesse, além de dar autonomia patrimonial a esse sujeito de direito, garante a separação entre o seus bens e de seus integrantes e como consequência, a limitação da responsabilidade destes últimos.
Porém, é evidente que a proteção legal dada a esse instituto deu margem para um uso fraudulento da pessoa jurídica por parte de seus membros, com o objetivo de se esquivar de obrigações contraídas, causando prejuízo a terceiros.
Assim nasceu a desconsideração da personalidade jurídica, como uma reação do ordenamento jurídico ao mau uso da autonomia patrimonial da sociedade, visando coibir as práticas que impediam a satisfação dos credores.
Este trabalho tem como objetivo analisar a teoria da desconsideração da personalidade jurídica, bem como a existência da possibilidade de sua aplicação no âmbito do Direito Tributário, tema controverso e promotor de discussões doutrinarias e jurisprudenciais. Foi utilizada na sua metodologia a pesquisa bibliográfica e jurisprudencial, através do método dedutivo, sendo elaborada a partir de doutrinas, princípios, normas jurídicas. O assunto foi abordado através de pesquisas em livros que tratam do tema e do posicionamento dos Tribunais. O estudo caracteriza-se pela pesquisa exploratória delineada a partir de utilização de revisão bibliográfica e de jurisprudências, utilizando-se de observações destas como instrumento de coleta de dados.
Para o bom desenvolvimento da pesquisa, dividiu-se a presente monografia em 3 capítulos. No Capitulo 2, conceitua-se a desconsideração da personalidade jurídica, seus requisitos, efeitos do instituto e uma breve discursão sobre a desconsideração inversa.
No Capitulo 3, voltou-se à análise da Responsabilidade tributária dos sócios, expondo o conceito, tipos de responsabilidade e aplicação da mesma.
Feitas as considerações sobre a teoria da desconsideração e sobre a responsabilidade tributária dos sócios, administradores ou gerentes, o capitulo 4 voltou-se às possibilidades de aplicação do instituto no âmbito tributário.
Diversos autores entendem já haver previsão legal que autoriza a aplicação do instituto no direito tributário. Referem-se aos artigos 134 e 135 do Código Tributário Nacional e, mais recentemente, o parágrafo único do art. 116 do mesmo diploma legal que adota a possibilidade de se desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com o escopo de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo. Encontramos também posicionamentos que justificam que o art. 50 do Código Civil Brasileiro desencadeou um movimento no sentido de se identificar sua repercussão no âmbito tributário.
Destaca-se que essa não é a opinião da grande maioria dos estudiosos. Muitos entendem que o nosso sistema jurídico tributário não possui norma processual específica para o instituto da desconsideração, provindo daí que o art. 135, inciso III, do CTN, não representa a desconsideração da personalidade jurídica, mas somente a responsabilidade tributária “pessoal” do sócio.
No Brasil é cada vez mais constante a utilização do véu da pessoa jurídica. Tal atitude delituosa se reveste-se de diversas formas e não há, no âmbito da lei tributária, forma de coibi-la amplamente. Contudo se considerarmos os avanços alcançados na interpretação e integração da lei e a modernidade do direito, que ganha foros de vinculação social, não se deve mais admitir interpretações restritas.
1 A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA
Segundo Coelho (2011, p. 153) a autonomia patrimonial possibilita a realização de atividades fraudulentas por parte de seus membros. Para impedi-los, a doutrina criou, a partir de teses jurisprudenciais, nos EUA, Inglaterra e Alemanha, a teoria da desconsideração da pessoa jurídica. Tal instituto permite que o Poder Judiciário retire o véu protetivo da empresa que é a sua autonomia patrimonial, sempre que for vislumbrado o seu mau uso. Sendo possível responsabilizar o sócio.
1.1 PESSOA JURÍDICA E PERSONALIDADE JURÍDICA
De acordo com Pereira (2000, p. 185) com a necessidade de unir o empenho de indivíduos para a realização dos mesmos objetivos e ao mesmo tempo impulsionar o agrupamento de atividades, assim como a complexidade da vida civil “sugerem ao direito equiparar à própria pessoa natural certos agrupamentos de indivíduos e certas destinações patrimoniais e lhe aconselham atribuir personalidade e capacidade de ação aos entes abstratos assim gerados”.
Desta forma o Gonçalves (2013, p. 216) conceitua pessoas jurídicas como “entidades a que a lei confere personalidade, capacitando-as a serem sujeitos de direitos e obrigações”.
Ligado a isso Monteiro (1993, p. 109) discorre sobre personalidade jurídica:
[...] a personalidade jurídica não é uma ficção, mais uma forma, uma investidura, um atributo que o Estado defere a certos entes, havidos como merecedores dessa situação. A pessoa jurídica tem, assim, realidade, não a realidade física (peculiar às ciências naturais), mas a realidade jurídica, ideal à realidade das instituições jurídicas. No âmbito do direito, portanto, as pessoas jurídicas são dotadas do mesmo subjetivismo outorgado às pessoas físicas.
Nesse sentido Gonçalves (2013, p. 220) também conceitua a personalidade jurídica como uma qualidade deferida pelo Estado a certas empresas dignas desse benefÍcio. O Estado não concede esse privilégio de forma aleatória, mas sim observando o preenchimento de todos os requisitos por ele determinado.
Segundo Tomazette (2012, p. 233/224) a personalidade jurídica surge com formação de uma sociedade, sendo presumidos alguns requisitos:
A doutrina não é unânime ao indicar os elementos necessários à constituição de uma pessoa jurídica, sem, contudo, chegar a divergências de maior importância. Em função disso, unindo as ideias de vários autores podemos chegar aos seguintes elementos: (a) vontade humana criadora; (b) a finalidade específica; (c) o substrato representado por um conjunto de bens ou de pessoas; e (d) a presença do estatuto e respectivo registro.
Assim, Koury (2000, p. 415), expõe que o objetivo principal da pessoa jurídica consiste na “criação de um centro de interesses autônomos em relações às pessoas que lhe deram origem, de modo que a estas não possam ser imputadas as condutas, os direitos e os deveres daquela”.
1.2 CONCEITO DO INSTITUTO DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA
De acordo com Coelho (2007, p. 126), “a autonomia patrimonial da pessoa jurídica, principio que a distingue de seus integrantes como sujeito autônomo de direito e obrigações, pode dar ensejo à realização de fraudes”. Dessa forma o autor afirma em sua obra (COELHO, 2012, p. 33, v. 2):
Em razão do princípio da autonomia patrimonial, as sociedades empresárias podem ser utilizadas como instrumento para a realização de fraude contra os credores ou mesmo abuso de direito. Na medida em que é a sociedade o sujeito titular dos direitos e devedor das obrigações, e não os seus sócios, muitas vezes os interesses dos credores ou terceiros são indevidamente frustrados por manipulações na constituição de pessoas jurídicas, celebração dos mais variados contratos empresariais, ou mesmo realização de operações societárias, como as de incorporação, fusão, cisão.
Tomazette (2013, p. 237) explica que a personalidade jurídica das sociedades “deve ser usada para propósitos legítimos e não deve ser pervertida”.
O autor esclarece que o ato da desconsideração é maneira de adequar a pessoa jurídica com as finalidades para as quais foi criada; é a forma prevenir e impedir o uso inadequado deste privilégio que é a pessoa jurídica, e de reconhecer a relatividade da personalidade das sociedades. (TOMAZETTE, 2013, p. 237).
O tema da desconsideração para Farias e Rosenvald (2014, p. 426), significa o desprezar, por parte do Poder Judiciário, da personalidade autônoma de uma pessoa jurídica, com o intuito de responsabilizar o patrimônio pessoal dos sócios pelas atitudes fraudulentas praticadas a sombra da sociedade. Ou seja, é a autorização judicial para que os sócios respondam, civilmente, pelas ações ilícitas, em virtude do contrato ou da lei.
Bruschi (2016, p. 138) discorre:
A desconsideração da personalidade jurídica pode ser conceituada como um meio de repressão à frustração da atividade executiva, caracterizada pela decretação da inoponibilidade (ineficácia relativa) do limite patrimonial da pessoa jurídica, permitindo que sejam atingidos os bens de seus sócios, ex-sócios, acionistas, ex-acionistas, administradores, ex-administradores e sociedades do mesmo grupo econômico; ou, ainda, que sejam atingidos os bens da pessoa jurídica por obrigações contraídas por elas, no caso da chamada “desconsideração inversa da personalidade jurídica.
Para este autor, supracitado, “trata-se, portanto, de caso de responsabilidade executiva secundária, em que os bens de terceiro, no caso o sócio, respondem pela obrigação assumida pelo devedor, que é a pessoa jurídica.” (BRUSCHI, 2016, p. 138).
Ainda sobre o conceito, Coelho (2012, p. 35) lembra:
A teoria da desconsideração da pessoa jurídica, é necessário deixar bem claro esse aspecto, não é uma teoria contra a separação subjetiva entre a sociedade empresária e seus sócios. Muito ao contrário, ela visa preservar o instituto, em seus contornos fundamentais, diante da possibilidade de o desvirtuamento vir a comprometê-lo.
Nesse sentido Tomazette (2013, p. 239) afirma:
[...] a desconsideração da personalidade jurídica é a retirada episódica, momentânea e excepcional da autonomia patrimonial da pessoa jurídica, a fim de estender os efeitos de suas obrigações à pessoa de seus titulares, sócios ou administradores, com o fim de coibir o desvio da função da pessoa jurídica, perpetrado por estes.
Inicialmente, no Brasil, as normas pertinentes ao instituto da Desconsideração surgiram com o Código de Defesa do Consumidor com fundamento no art. 28 (VADE MECUM, 2016, p. 666):
Art. 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração.
§ 1° (Vetado).
§ 2° As sociedades integrantes dos grupos societários e as sociedades controladas, são subsidiariamente responsáveis pelas obrigações decorrentes deste código.
§ 3° As sociedades consorciadas são solidariamente responsáveis pelas obrigações decorrentes deste código.
§ 4° As sociedades coligadas só responderão por culpa.
§ 5° Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores.
Posteriormente, com o desenvolvimento da teoria da desconsideração da personalidade jurídica, o Código Civil de 2002, em seu art. 50, consagrou em norma expressa tal teoria (VADE MECUM, 2016, p. 178):
Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.
Em consonância o inciso VII do art. 790 do Novo Código de Processo Civil de 2015 determina os bens dos sócios ficam sujeitos à execução, nos casos de desconsideração da pessoa jurídica. (BRUSCHI, 2016, p.138).
1.3 TEORIAS DA DESCONSIDERAÇÃO
Segundo Tomazette (2013, p. 243) a possibilidade de desviar as finalidades da pessoa jurídica foi fomentadora do estudo sobre a desconsideração, permitindo a superação da autonomia patrimonial, e afirmando que “embora seja um importante principio, não é um principio absoluto”.
Podemos vislumbrar na obra do doutrinador Coelho (1999) a existência de duas teorias que versam sobre a desconsideração da personalidade jurídica.
Coelho (1999, p. 35) de forma sintetizada constatou:
Há duas formulações para a teoria da desconsideração: a maior, pela qual o juiz é autorizado a ignorar a autonomia patrimonial das pessoas jurídicas, como forma de coibir fraudes e abusos praticados através dela, e a menor, em que o simples prejuízo do credor já possibilita afastar a autonomia patrimonial.
A respeito do tema Farias e Rosenvald (2014, p. 427) explicam que a teoria maior sustenta que só será possível se desconsiderar a personalidade jurídica em determinados momentos, ou seja, nos casos de se ignorar a autonomia patrimonial da pessoa jurídica como forma de combater as práticas fraudulentas e abusivas praticadas pelos sócios, e responsabilizar seu patrimônio pessoal.
A respeito da teoria maior, Tomazette subdivide o tema, fazendo as seguintes considerações (TOMAZETTE, 2013, p. 244):
Uma primeira vertente pode ser chamada de teoria maior subjetiva, na qual o pressuposto fundamental da desconsideração é o desvio da função da pessoa jurídica, que se constata na fraude e no abuso de direito relativos à autonomia patrimonial.
A segunda vertente é a adoção dos pressupostos da teoria maior objetiva, “entendendo que é a confusão patrimonial o requisito primordial da desconsideração”. (TOMAZETTE, 2013, p. 245).
Por outro lado, Farias e Rosenvald (2014, p. 428) discorrem que a teoria menor trata como desconsideração da personalidade jurídica “toda e qualquer hipótese de comprometimento do patrimônio pessoal do sócio por obrigação da empresa. Fundamenta o seu cerne no simples prejuízo do credor para afastar a autonomia patrimonial da pessoa jurídica”.
Contudo em obras mais recentes, o professor Coelho (2012, p.41) relata que desde 1970, juízes e tribunais tem aplicado os exatos entendimentos da teoria da desconsideração da personalidade jurídica, valendo-se dela somente nas hipóteses excepcionais em que é justificável o afastamento do princípio da autonomia patrimonial. Por conseguinte, a partir de novo entendimento, discorre que caso seja utilizada a teoria menor da desconsideração da personalidade jurídica, consiste em incorreção quanto à sua aplicação, conforme podemos verificar (COELHO, 2012, p.40):
Essa aplicação incorreta reflete, na verdade, a crise do princípio da autonomia patrimonial, quando referente a sociedades empresárias. Nela, adota-se, o pressuposto de que o simples desatendimento de crédito titularizado perante uma sociedade, em razão da insolvência ou falência desta, seria suficiente para a imputação de responsabilidade aos sócios ou acionistas.
O autor Coelho (2012, p. 41) supracitado, ainda acrescenta sobre o tema:
Em 1999, quando era significativa a quantidade de decisões judiciais desvirtuando a teoria da desconsideração, cheguei a chamar sua aplicação incorreta de “teoria menor”, reservando à correta a expressão “teoria maior”. Mas a evolução do tema na jurisprudência brasileira não permite mais falar em duas teorias distintas, razão pela qual esses conceitos de “maior” e “menor” mostram-se, agora, felizmente, ultrapassados.
Nesta mesma linha de pensamento Tomazette, apesar de ter apreciado o desdobramento da teoria desconsideração, também possui uma visão contraria quanto à aplicação da teoria menor (2013, p. 246):
Embora não aplicada a todos os ramos do direito, não vemos razoabilidade na aplicação dessa teoria menor. Tal teoria praticamente ignora a ideia de autonomia patrimonial das pessoas jurídicas e não se coaduna com a própria origem de aplicação da teoria da desconsideração. Ao contrário de proteger, a teoria menor acaba por minar a existência da autonomia patrimonial, em nada favorecendo aqueles que se dignam a exercer atividades econômicas.
Na maioria dos casos o ordenamento jurídico brasileiro adota a teoria maior, sendo exigido o desvio da finalidade social ou a confusão patrimonial para que se caracterize a desconsideração. (BRUSCHI, 2016, p. 140).
1.4 REQUISITOS PARA A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA
De acordo com Tomazette (2013, p. 246) para que ocorra a desconsideração faz-se necessário uma prova concreta de que a finalidade da pessoa jurídica foi desviada, sendo se suma importância que sejam preenchidos todos os requisitos para a aplicação do instituto.
1.4.1 A personificação
Tomazette (2013, p. 247) explica que, se observamos a simples terminologia usada, pode-se concluir que a desconsideração só será aceita quando a sociedade tem personalidade jurídica.
O autor supracitado (TOMAZZETE, 2013, p. 247) discorre que no ordenamento brasileiro a personificação das sociedades se dá com o registro dos atos competentes. Sem este procedimento não há que se falar em personificação, mesmo que a sociedade possua atos constitutivos.
Além do mais, de acordo com a análise do art. 990 do nosso Código Civil de 2002, “todos os sócios respondem solidária e ilimitadamente pelas obrigações sociais” (VADE MECUM, 2016, p. 229).
Neste contexto Tomazette (2013, p. 247) conclui que “a aplicação da desconsideração presume-se que pressupõe uma sociedade na qual o exaurimento do patrimônio social não seja suficiente para levar responsabilidade aos sócios”. Assim, o autor expõe que a exigência da responsabilidade limitada apesar de ser de cunho eminentemente prático, não impede que haja desconsideração em uma sociedade composta por sócios de responsabilidade ilimitada, tendo em vista que um dos seus principais objetivos é de proteger a sociedade.
1.4.2 A fraude e o abuso de direito relacionados à autonomia patrimonial
Segundo Tomazette (2013, p. 248), o principal pressuposto para aplicação da desconsideração é o desvio da função da pessoa jurídica, que está presente na fraude e no abuso de direito em razão da autonomia patrimonial, tendo em vista que o instituto é uma forma de limitar o uso da pessoa jurídica para os fins aos quais ela foi destinada.
Toda via Comparato (1983, p. 283) entende que o requisito primordial da desconsideração é a confusão patrimonial.
Tomazette discorda de tal posicionamento. O autor afirma que a confusão patrimonial pode levar à desconsideração da personalidade jurídica, contudo, não é seu principal requisito (2013, p. 245):
A confusão patrimonial não é por si só suficiente para coibir todos os casos de desvio da função da pessoa jurídica, pois há casos nos quais não há confusão de patrimônios, mas há o desvio da função da pessoa jurídica, autorizando a superação da autonomia patrimonial. Outrossim, há casos em que a confusão patrimonial provém de uma necessidade decorrente da atividade, sem que haja um desvio na utilização da pessoa jurídica.
Por essa razão o autor entende que a fraude e o abuso de direito relacionados à autonomia patrimonial são os fundamentos básicos da aplicação da desconsideração. (TOMAZETTE, 2013, p. 248).
1.4.2.1 Fraude
Para Tomazette (2013, p. 248), a autonomia patrimonial é um instrumento que protege o patrimônio do sócio, prevenindo possíveis riscos da atividade empresarial. Contudo, o individuo que ilicitamente usar da autonomia patrimonial como forma de se ocultar deixar de cumprir suas obrigações, estará diante de uma fraude relacionada à autonomia patrimonial.
O supracitado autor (TOMAZETTE, 2013, p. 250) ressalta que, para à aplicação da desconsideração, não se faz necessário somente à existência de uma fraude, se não houver sua ligação com a utilização da autonomia patrimonial.
1.4.2.2 O abuso de direito
De acordo com Tomazette, a personalidade jurídica é um direito conferido às sociedades para os seus fins específicos. No entanto, tal finalidade poderá ser desvirtuada, não podendo mais se falar no uso do direito, mas sim no seu abuso, o que não deve ser aceito. Neste sentido, o autor sintetiza que “é abusivo qualquer ato que por sua motivação e por seu fim, vá contra o destino, contra a função do direito que se exerce”. (TOMAZETTE, 2013, p. 250).
Continua o citado autor (2013, p.251) em seu pensamento afirmando que em oposição à fraude, no abuso de direito a finalidade de prejudicar não é fundamental, ocorrendo na verdade o mau uso da pessoa jurídica.
1.4.3 Imputação dos Atos Praticados pela Pessoa Jurídica
De acordo com Tomazette (2013, p. 253), sendo aplicada a teoria da desconsideração, os atos devem ser imputados à pessoa jurídica. Feito isso os sócios ou administradores serão responsabilizados. Porém, existem algumas hipóteses que não há o que falar sobre tal instituto.
O autor em sua obra ressalta que existem casos em que a desconsideração não será aplicada. Essas hipóteses ocorrem quando o sócio ou administrador violar a lei ou o contrato social, não sendo preciso desconsiderar a empresa, a responsabilidade será direta e pessoal aos sócios, vez que decorre de preceito legal. (TOMAZETTE, 2013, p. 253).
1.5 EFEITOS DA DESCONSIDERAÇÃO
Guimarães (2004, p.236) discorre que a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica (disregard doctrine) terá por consequência atingir aquele que fez uso indevido da distinção da autonomia patrimonial da pessoa jurídica - o sócio - sendo este pessoa física ou jurídica.
Segundo Brushi (2016, p.145) os efeitos resultantes da decretação da fraude de execução, da desconsideração da personalidade jurídica e da procedência da ação pauliana, ao ser reconhecido a fraude contra credores, são os mesmos; os limites dos patrimônios do devedor e do terceiro tornam-se relativamente ineficazes “em relação à atividade jurisdicional executiva que seria frustrada, caso a eficácia de tais limites não fosse relativizada”.
1.6 DESCONSIDERAÇÃO INVERSA
Coelho (2012, p.40) ao abordar a desconsideração inversa da personalidade jurídica, define esta como sendo o afastamento do conceito da autonomia patrimonial da pessoa jurídica no intuito de levar a responsabilidade à sociedade por obrigação do sócio.
Vale ressaltar ainda as palavras de Diniz (2009, p.316):
A doutrina da desconsideração da personalidade jurídica visa impedir a fraude contra credores, levantando o véu corporativo, desconsiderando a personalidade jurídica num dado caso concreto, ou seja, declarando a ineficácia especial da personalidade jurídica para determinados efeitos, portanto, para outros fins permanecerá incólume. Com isso alcançar-se-ão pessoas e bens que dentro dela se escondem para fins ilícitos ou abusivos, pois a personalidade jurídica não pode ser um tabu que entrave a ação do órgão judicante.
Tomazette (2013, p.280) também disciplina acerca da desconsideração inversa da personalidade jurídica:
Com efeito, é possível que o sócio use uma pessoa jurídica, para esconder o seu patrimônio pessoal dos credores, tranferindo-o por inteiro à pessoa jurídica e evitando com isso o acesso dos credores a seus bens. Em muitos desses casos, será possível visualizar a fraude (teoria maior subjetiva) ou a confusão patrimonial (teoria maior objetiva) e, em razão disso, vem sendo admitida a desconsideração inversa para responsabilizar a sociedade por obrigações pessoais do sócio.172 O mesmo raciocínio da desconsideração tradicional é usado aqui para evitar o mau uso da pessoa jurídica.
Dessa forma, Coelho afirma que a desconsideração inversa da personalidade jurídica, objetiva combater a fraude pelo desvio de bens (COELHO, 2012, p.40):
[...] Quando, porém, a pessoa jurídica reveste forma associativa ou fundacional, ao seu integrante ou instituidor não é atribuído nenhum bem correspondente à respectiva participação na constituição do novo sujeito de direito. Quer dizer, o sócio da associação ou o instituidor da fundação, desde que mantenham controle total sobre os seus órgãos administrativos, podem concretizar com maior eficácia a fraude do desvio de bens.
Sendo assim, de acordo com a visão de Gagliano e Pamplona Filho (2009, p.238), a desconsideração inversa ocorre quando o sócio coloca em nome da empresa seus próprios bens, com o objetivo de prejudicar terceiros. Diante disso, deve-se aplicar a desconsideração inversa da personalidade jurídica da sociedade com o propósito de atingir o patrimônio social, que na verdade, pertence ao individuo fraudador.
1.7 INCIDENTE DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA NO CÓDIGO DE PROCESSO CÍVIL DE 2015
Segundo Didier Jr. (2015, p.513/514), o direito brasileiro criou a desconsideração da personalidade jurídica, cabendo assim ao direito processual criar um mecanismo que pudesse efetivá-lo. Desta forma, o CPC prevê o incidente do instituto, tratando-se da intervenção de terceiro, onde se provoca o ingresso deste em juízo, na busca de responsabilizá-lo patrimonialmente.
Nesse sentido o § 2º, art.134 do Código de Processo Civil de 2015 expõe (BECKER, 2016).
Art. 134 O incidente de desconsideração é cabível em todas as fases do processo de conhecimento, no cumprimento de sentença e na execução fundada em título executivo extrajudicial.
§ 2o Dispensa-se a instauração do incidente se a desconsideração da personalidade jurídica for requerida na petição inicial, hipótese em que será citado o sócio ou a pessoa jurídica.
Bruschi (2016, p.159) discorre que o Código de Processo Civil de 2015 assegura a realização do contraditório antes de ser desconsiderada a personalidade jurídica, extinguindo-se o que era anteriormente assentado pela doutrina e pela jurisprudência, na medida em que se realizava a desconsideração, impedido o sócio de dispor livremente de seu bem sem a sua oitiva. Dessa forma retardava-se o direito do exercício do contraditório, sendo necessária a oposição de embargos de terceiro como um processo incidental.
1.7.1 Aspectos Processuais da Desconsideração da Personalidade Jurídica
Didier Jr. (2015, p.519) em sua obra expõe as características do incidente de desconsideração da personalidade jurídica:
a) Cabe em todas as fases do processo de conhecimento, no cumprimento da sentença e na execução d e título extrajudicial (art. 134, caput, CPC). Assim, não é possível desconsiderar a personalidade jurídica sem a observância desse procedimento - mesmo na execução de título extrajudicial e no cumprimento de sentença.
b) A desconsideração da personalidade jurídica não pode ser determinada ex officio pelo órgão julgador. O incidente de desconsideração da personalidade jurídica depende de pedido da parte ou do Ministério Público, nos casos que justificam a sua intervenção (art. 133, CPC).
De acordo com o autor, o inciso VI, do art. 932 do CPC, explica que “cabe ao relator decidir o requerimento de desconsideração da personalidade jurídica, quando formulado perante o tribunal”(DIDIER JR., 2015, p.519).
c) Nada obstante ser exemplo de intervenção de terceiro, admite-se a instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica no âmbito dos juizados Especiais Cíveis (art. 1.062, C PC).
d) O requerimento de desconsideração da personalidade jurídica será dirigido ao sócio ou à pessoa jurídica, cujo patrimônio se busca alcançar. Como o incidente serve também apara a desconsideração inversa - muito utilizada em questões de família, quando um dos cônjuges esconde seus bens em uma pessoa jurídica -, será bem frequente o direcionamento do requerimento de desconsideração a uma pessoa jurídica.
Como já foi dito anteriormente, Didier Jr. (2015, p.520) ressalta que, este requerimento poderá ser formulado na petição inicial. Desta forma o autor irá dirigir o pedido em face da sociedade, que eventualmente, será o pedido de desconsideração contra o sócio.
e) O incidente de desconsideração da personalidade jurídica, além de trazer sujeito novo, amplia também o objeto litigioso do processo. Acresce-se ao processo um novo pedido: aplicação da sanção da desconsideração da personalidade jurídica ao terceiro.
O autor explica que no pedido de instauração do incidente devem estar preenchidos os pressupostos legais que autorizem a intervenção, sob pena de inépcia (DIDIER JR., 2015, p.520).
f) Instaurado o incidente, o terceiro será citado para manifestar-se e requerer as provas cabíveis, em quinze dias (art. 135, CPC). Com essa regra, concretiza-se o princípio do contraditório. Conforme sempre defendemos neste Curso, não é possível desconsiderar a personalidade jurídica sem a observância do princípio do contraditório. O dispositivo encerra, assim, antiga controvérsia.
g) A instauração do incidente suspende o processo, salvo quando a desconsideração foi requerida na petição inicial, quando, como vimos, não é caso de intervenção de terceiro (art. 134, § 2°, CPC). A instauração deve ser imediatamente comunicada ao distribuidor, para que proceda às anotações devidas (art. 1 34, § 1 °, CPC).
h) O incidente será resolvido por decisão interlocutória - impugnável por agravo de instrumento (art. 1.015, IV, CPC). Se for por decisão de relator, o caso é de agravo interno (art. 136, par. ú n., CPC). Se porventura o juiz decidir o incidente na sentença, o caso é de apelação (art. 1.022, CPC).
i) Aplica-se ao incidente de desconsideração da personalidade jurídica o regime da tutela provisória da urgência. Pode-se, então, pedir a antecipação dos efeitos da desconsideração, uma vez preenchidos os pressupostos gerais da tutela de urgência (arts. 300 e segs., CPC).
j) Acolhido o requerimento de desconsideração, a alienação em fraude à execução, feita após a instauração do incidente, será ineficaz em relação ao requerente (art. 137, CPC).
k) O Ministério Público somente intervirá no incidente de desconsideração de personalidade jurídica, se ocorrer uma das hipóteses do art. 178 do CPC.
Dessa forma o autor (DIDIER JR., 2015, p.520/521) expõe que não bastam afirmações genéricas da parte que queira desconsiderar a personalidade jurídica, embasadas nos princípios da efetividade e da dignidade humana. Ao solicitar a desconsideração, a parte deve observar que o instituto é formado pela prática de atos ilícitos, devendo a conduta imprópria está descrita no requerimento para que o terceiro possa defender–se da acusação.
2 RESPONSABILIDADE DO SÓCIO NO DIREITO TRIBUTÁRIO
Segundo Sabbag (2012, p.737/738), a responsabilidade de terceiros está disciplinada nos art. 134 e 135 do CTN. Tal responsabilidade não se restringe apenas à transmissão patrimonial, mas abrange o dever legal ou contratual que certas pessoas devem ter de zelar o patrimônio de outrem. Os terceiros devedores são, geralmente, administradores ou gestores da vida patrimonial de certos contribuintes, motivo pelo qual o CTN os responsabiliza pelas ações praticadas em sua gerencia.
2.1 RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA
Martins (2000, p.200) define Responsabilidade Tributária como:
Responsabilidade tributária é a imposição legal da sujeição passiva da obrigação tributária a uma pessoa física ou jurídica que, sem revestir a condição de contribuinte, vincula-se com o respectivo fato gerador, seja como exclusão da responsabilidade do contribuinte “substituto”, seja assumindo com o contribuinte, supletivamente, a responsabilidade total ou parcial (transferência) pelo cumprimento da obrigação.
Minardi (2015, p.331) explica que a lei impõe a um individuo, denominado responsável tributário, o dever de pagar pelo inadimplemento da obrigação tributária, mesmo que não tenha cometido o fato gerador. Desta forma, elimina a responsabilidade do contribuinte (autor do fato gerador) ou, “o atribui em caráter supletivo para o cumprimento da obrigação tributária”.
Bruschi (2016, p.44) em sua obra discorre sobre a existência de dois tipos de devedores tributários estabelecidos por lei: o contribuinte (sujeito passivo direto) e o responsável (sujeito passivo indireto) tributário.
O art. 121 do Código Tributário Nacional faz a distinção entre contribuinte e responsável tributário, sendo ambos chamados de sujeito passivo da obrigação tributária (VADE MECUM, 2016, p.801):
Art. 121. Sujeito passivo da obrigação principal é a pessoa obrigada ao pagamento de tributo ou penalidade pecuniária.
Parágrafo único. O sujeito passivo da obrigação principal diz-se:
I - contribuinte, quando tenha relação pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo fato gerador;
II - responsável, quando, sem revestir a condição de contribuinte, sua obrigação decorra de disposição expressa de lei.
Alexandre (2010, p.313) explica que existem duas espécies de responsabilidade tributária podendo ser classificada como responsável por substituição ou ainda por transferência.
Bruschi (2016, p.44/45) observa que na responsabilidade por substituição a lei escolhe o responsável para cumprir a obrigação principal, substituindo o lugar do contribuinte. Deste modo apesar de não ter realizado o fato gerador, o responsável esta indiretamente vinculado com o contribuinte. Por outro lado, nos casos de responsabilidade por transferência a lei escolhe um terceiro para ocupar o polo passivo em momento posterior ao surgimento da obrigação tributária.
Minardi (2015, p.331) discorre que esta responsabilidade por transferência abrange três casos de responsabilidade: por sucessão, por solidariedade e de terceiros.
2.1.1 Responsabilidade tributária por solidariedade Art 124 e 125 do CTN
O art. 124 do CTN estatui o seguinte (VADE MECUM, 2016, p.802):
Art. 124. São solidariamente obrigadas:
I - as pessoas que tenham interesse comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação principal;
II - as pessoas expressamente designadas por lei.
Parágrafo único. A solidariedade referida neste artigo não comporta benefício de ordem.
Brusch (2016, p.46) explica que no inciso I do art. 124 do CTN, o “interesse jurídico comum que implica na efetiva participação na ocorrência do fato gerador da obrigação”. O autor exemplifica que são responsáveis solidários os co-proprietários de imóvel urbano pelo pagamento do IPTU. Já em referencia ao inciso II, do citado artigo, explica que podem ser responsáveis tributários aqueles indivíduos designados por lei.
O art. 125 do CTN expõe os efeitos da responsabilidade solidária (VADE MECUM, 2016, p.802).
Art. 125. Salvo disposição de lei em contrário, são os seguintes os efeitos da solidariedade:
I - o pagamento efetuado por um dos obrigados aproveita aos demais;
II - a isenção ou remissão de crédito exonera todos os obrigados, salvo se outorgada pessoalmente a um deles, subsistindo, nesse caso, a solidariedade quanto aos demais pelo saldo;
III - a interrupção da prescrição, em favor ou contra um dos obrigados, favorece ou prejudica aos demais.
Machado (2010, p.155) afirma que mesmo os estabelecimentos da mesma pessoa jurídica serem sujeitos autônomos, por força da lei eles são solidariamente obrigados a realizar os pagamentos pelas dividas de ICMS uns dos outros.
2.1.2 Responsabilidade tributária dos sucessores Art. 129 a 133 do CTN
De acordo com Alexandre (2010, p.325) o art. 129 do CTN da inicio ao tema responsabilidade dos sucessores, dispondo o seguinte:
Art.129: O disposto nesta Seção aplica-se por igual aos créditos tributários definitivamente constituídos ou em curso de constituição à data dos atos nela referidos, e aos constituídos posteriormente aos mesmos atos, desde que relativos a obrigações tributárias surgidas até a referida data.
O doutrinador Harada (2010, p.486) elucida que a responsabilidade sucessória da obrigação tributaria ocorre quando outro individuo é obrigada a cumprir prestação não paga, mesmo após o lançamento do fato gerador no outro sujeito passivo.
Neste sentido Machado (2010, p.160) destaca:
No que se refere à atribuição de responsabilidade aos sucessores, importante é saber a data da ocorrência do fato gerador. Não importa a data do lançamento, vale dizer, da constituição definitiva do crédito tributário, em virtude da natureza declaratória deste, no que diz respeito à obrigação tributaria.
A responsabilidade do adquirente de bens imóveis segundo ensina Harada (2012, p.487) tem como fundamento o art. 130 do CTN, veja-se:
[...] quanto aos impostos que tem como fato gerador a propriedade, o domínio útil ou a posse de bens imóveis, bem como em relação às taxas de serviço e a contribuição de melhoria, relacionadas com esses bens imóveis. Trata-se de ampliação do conceito que se encontrava no parágrafo único do art. 677 do estatuto civil antigo, não reproduzido pelo Código Civil vigente. Ressalva, entretanto, essa responsabilidade do adquirente quando constar do título de transferência à prova de quitação fiscal. Da mesma forma, o parágrafo único, no caso de arrematação, elege a regra da sub-rogação do encargo tributário no respectivo preço.
O doutrinador Paulsen (2012, p.238/239) discorre que a responsabilidade dos sucessores em razão da morte está prevista no art. 131 incisos I, II e III, veja-se:
O art. 131 estabelece a responsabilidade pessoal do adquirente ou remitente (quem realiza o resgate de dívida) pelos tributos relativos aos bens adquiridos ou remidos (inciso I), do sucessor a qualquer título e do cônjuge meeiro, pelos tributos limitada ao montante do quinhão, do legado ou da meação (inciso II) e do espólio, pelos tributos devidos pelo de cujus até a data da abertura da sucessão (inciso III).
Para Harada (2012, p.487) apresenta seu posicionamento em relação à responsabilidade decorrente de fusão, transformação e incorporação de empresas, com fundamento no art. 132:
A pessoa jurídica que resultar de fusão, transformação ou incorporação de outra ou em outra responde pelos tributos devidos, até a data do ato, pelas pessoas jurídicas coparticipantes. Esse principio sucessório é estendido ao sócio remanescente ou ao espólio quando continuar a exploração de atividade da pessoa jurídica extinta, quer sob a mesma, quer sob outra denominação social quer, ainda, sob firma individual.
Bruschi (2016, p.48) intitula que a responsabilidade por sucessão do adquirente de fundo de comércio ou estabelecimento, como sendo “a responsabilidade por sucessão decorrente da aquisição “a qualquer titulo” do estabelecimento (comercial, industrial ou profissional) ou do fundo de comércio é regulada pelo art. 133 do CTN”.
Sabbag (2012, p.736/737) discorre que o mencionado artigo foi alterado pela LC n. 118/2005, com o acréscimo de três parágrafos. O autor afirma de acordo com suas análises do § 1º do art. 133 do CTN, o adquirente de uma empresa que esta em processo de falência ou em recuperação judicial não será responsabilizado pelos tributos devidos anteriormente à aquisição. Tal alteração tem como objetivo estimular às alienações, incentivando a realização de negócios com a referida garantia oferecida ao comprador.
Em seqüência o autor discorre sobre o § 2º do art. 133 do CTN, afirmando que o dispositivo traz ressalvas à aplicação do parágrafo anterior, com o intuito de evitar fraudes, nos casos em que seja comprovado que o comprador tenha grau de envolvimento com o devedor, (nas condições de parente, sócio, agente do falido, etc.), impõe-se a retomada da responsabilidade. Por fim, menciona o parágrafo § 3º do art. 133, que em processo de falência, o produto da alienação da empresa ficará depositado à disposição do juízo pelo prazo de 1 (um) ano, contado da data da alienação, e somente poderá ser sacado no caso de pagamentos extra concursais ou de créditos que preferem ao tributário (SABBAG, 2012, p.737).
2.1.3 Responsabilidade tributária de terceiros Arts 134 e 135 do CTN
De acordo com Alexandre (2010, p.344), ao tratar sobre responsabilidade de terceiros o Código Tributário Nacional apresenta dois dispositivos. O autor explica que em ambos os casos, os terceiros são responsabilizados pelo descumprimento do dever de arcar com a obrigação tributária do patrimônio do contribuinte. O que distingue os mencionados dispositivos é que por um lado o terceiro responsável não cometeu um ato ilícito, agindo regularmente face aos ditames da lei, do contrato social ou dos estatutos (CTN, art. 134); por outro lado o art. 135 do CTN dispõe sobre o terceiro que atua irregularmente.
2.1.3.1 Responsabilidade do Art. 134 do CTN
Minardi afirma que o art. 134 do CTN determina que alguns indivíduos sejam responsabilizados solidariamente por participação no ato que resultou no fato gerador do tributo ou que dele venha se omitir, na impossibilidade da exigência do cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte (MINARDI, 2015, p.350).
Art. 134. Nos casos de impossibilidade de exigência do cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte, respondem solidariamente com este nos atos em que intervierem ou pelas omissões de que forem responsáveis: I - os pais, pelos tributos devidos por seus filhos menores; II - os tutores e curadores, pelos tributos devidos por seus tutelados ou curatelados; III - os administradores de bens de terceiros, pelos tributos devidos por estes; IV - o inventariante, pelos tributos devidos pelo espólio; V - o síndico e o comissário, pelos tributos devidos pela massa falida ou pelo concordatário; VI - os tabeliães, escrivães e demais serventuários de ofício, pelos tributos devidos sobre os atos praticados por eles, ou perante eles, em razão do seu ofício; VII - os sócios, no caso de liquidação de sociedade de pessoas. Parágrafo único. O disposto neste artigo só se aplica, em matéria de penalidades, às de caráter moratório.
Os indivíduos citados no art.134, do CTN, se praticarem atos com excesso de poder, infringirem a lei ou o contrato social, assumem total responsabilidade pelos respectivos créditos tributários. Deixam de responder apenas pela impossibilidade do cumprimento da obrigação tributária e passam a assumir o papel de responsáveis solidários. (MACHADO, 2010, p.167).
Sobre o conteúdo Sabbag (2012, p.743) ensina que de acordo com o inciso VII do art. 134 do CTN, os sócios serão solidariamente responsáveis pelos tributos devidos pelas “sociedades de pessoas”.
Tais sociedades, especialmente mercantis, são aquelas nas quais subsiste responsabilidade subsidiária e ilimitada dos sócios pelas dívidas sociais. Estão praticamente extintas, pois a praxe mercantil adstringe-se à formatação de sociedades em que a responsabilidade do sócio fica limitada ao capital subscrito, desaparecendo com a respectiva integralização (sociedades anônimas e sociedades por quotas de responsabilidade limitada). Assim, a estas sociedades citadas S.A. e LTDA. não se aplica a regra inserta neste inciso. Ademais, de há muito o STF já se posiciona, entendendo que as sociedades por quota de responsabilidade limitada não são sociedades de pessoas.
O autor (SABBAG,2012, p.743) ressalta que existe a possibilidade de os dirigentes de tais sociedades serem responsabilizados com fundamento no art. 135, III, do CTN.
2.1.3.2 Responsabilidade do Art. 135 do CTN
Segundo Alexandre (2010, p.351) a responsabilidade de terceiros decorrentes de atuação irregular provém da interpretação do art. 135 do CTN:
Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos:
I - as pessoas referidas no artigo anterior;
II - os mandatários, prepostos e empregados;
III - os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado.
Machado (p.168) em sua obra faz questão de dar relevância à responsabilidade tributária e a abrangência do art.135, inciso III, do CTN, fazendo um estudo sobre as hipóteses em que os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado respondem pelas obrigações tributárias das quais sejam contribuintes. O autor explica que, em se tratando de sociedades onde a legislação não especifica as limitações das responsabilidades dos sócios, não existe qualquer dificuldade. Por outro lado, quando se trata das sociedades limitadas e nas sociedades anônimas, a questão fica mais trabalhosa.
Na mesma linha de pensamento o autor (MACHADO, p.168) continua:
As leis societárias, mesmo quando limitam a responsabilidade dos sócios, atribuem aos administradores responsabilidade pelos atos praticados com violação da lei, do contrato ou estatuto. E o próprio art. 135, inciso III, do Código Tributário Nacional estabelece que os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado respondem pessoalmente pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos.
Coélho (2012, p.746) em sua linha de pensamento disserta que o art. 135 remove a solidariedade e a subsidiariedade do art. 134. A autora explica que neste ponto a responsabilidade é transferida inteiramente para os terceiros, ficando livres os seus dependentes e representados. O terceiro passa a ter responsabilidade plena, pessoal e exclusiva. Isto se dará no momento em que praticarem atos que prejudiquem a pessoa jurídica que representam, toda vez que forem verificados atos com excesso de poderes ou infração de lei, do contrato social ou do estatuto.
3 DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA
O instituto da desconsideração da pessoa jurídica (disregard of legal entily) originou-se na jurisprudência dos Estados Unidos e teve seu desenvolvimento teórico na Alemanha, chamando a atenção dos juristas europeus. Em 1916 ancorou no Brasil como um tema de indagação teórica, e a partir disso tem sido um agente muito importante em diversos estudos do nosso país, inclusive no Direito Tributário. (AMARO, 2006, p.239).
Segundo Coelho (2011, p.155) a teoria da desconsideração da personalidade jurídica está consubstanciada nos “arts. 28 do Código de Defesa do Consumidor, 18 da Lei Antitruste (LIOE), 4º da legislação protetora do meio ambiente (Lei n. 9.605/98) e 50 do Código Civil”.
Amaro (2006, p.239) disserta que tal doutrina pretende, em determinados momentos em que a pessoa jurídica for utilizada de forma abusiva ou fraudulenta, ela deve ser desconsiderada, responsabilizando o sócio pelos atos praticados pela pessoa jurídica.
O autor (AMARO, 2006, p.239) acima citado, afirma que o problema que nos interessa é saber se existe a possibilidade de se aplicar a desconsideração da pessoa jurídica no direito tributário, tendo em vista o principio da legalidade.
Machado (2010, p.56) entende que o Direito Tributário tem por finalidade “limitar o poder de tributar e proteger o cidadão contra os abusos desse poder”. O autor, com fundamento no art. 150, inciso I, da Constituição Federal, elucida que nenhum tributo será exigido ou aumentado sem que a lei o estabeleça (MACHADO, 2010, p.66).
O art. 97, inciso III, do CTN fomenta que somente a lei poderá determinar o sujeito passivo da obrigação tributária. (VADE MECUM, 2016, p.800). Desta forma Bruschi (2016, p.166) explica que, no art. 121, parágrafo único, do CTN, o legislador afirma que o sujeito passivo poderá assumir a feição de contribuinte ou responsável tributário.
Dessa forma Becker (1972, p.486) explicita:
O tributo deve ser cobrado da pessoa que esteja em relação econômica com o ato, fato ou negócio que dá origem à tributação; por outras palavras; o tributo deve ser cobrado da pessoa que tira uma vantagem econômica do ato, fato ou negócio tributado.
Também trazemos à baila a interpretação de Nogueira (1986, p.157):
Pode-se dizer, então, que o contribuinte é a pessoa ligada materialmente ao evento tributado, e essa sua vinculação ao fato econômico tributado explica-se por duas razões básicas: 1ª) é a vantagem decorrente do fato que vai possibilitar o pagamento do tributo; e 2ª) dessa forma, atende-se ao princípio fundamental de justiça tributária, qual seja, o da capacidade contributiva.
Isto posto, Difini (2008, p.215) elucida que os responsáveis tributários estão delimitados no art. 134, do CTN:
A efetivação da obrigação do responsável tributário, pois, depende sempre da impossibilidade de sua exigência do contribuinte. A rigor, sua responsabilidade é sempre subsidiária (e não solidária), pois a solidariedade não comporta beneficio de ordem (art. 124, parágrafo único), que é justamente a possibilidade de exigir que primeiro se busque a execução dos bens do devedor principal.
Dessa forma faz-se necessário esclarecer, preliminarmente, que os posicionamentos quanto à aplicação da desconsideração da personalidade jurídica nas relações tributárias possuem uma grande divergência, por não haver previsão legal.
No que concerne a corrente contrária ao instituto, Amaro (p.240) posiciona-se:
É importante referir essa distinção porque nossa lei tributária apresenta vários exemplos em que a responsabilidade de uma pessoa jurídica é imputada a terceiros, solidária ou subsidiariamente. Não existe aí desconsideração da pessoa jurídica. O que se dá é que, independentemente da forma societária adotada (por exemplo, sociedade cujo sócio seja ilimitadamente responsável, ou sociedade onde ele tenha sua responsabilidade limitada ao capital), a lei tributária, em certas situações atribui, de modo expresso, a responsabilidade tributária (subsidiária, solidária ou exclusiva) a pessoa do sócio.
Machado (2010, p.167) delimita que: as pessoas citadas no art. 134 do CTN bem como os mandatários, prepostos e empregados (inc. I, art. 135 do CTN), os diretores, gerentes ou representantes de pessoa jurídica de direito privado (inc. II, art. 135 do CTN), são responsabilizados pelos créditos de obrigações tributarias, pelas praticas de atos com excesso de poderes ou infração de lei, do contrato social ou de seus estatutos, por eles cometidos.
O autor Machado (2010, p.168) esclarece que, para que ocorra a incidência da responsabilidade tributária não basta a simples condição de sócio:
O que gera a responsabilidade, nos termos do art. 135, III, do CTN, é a condição de administrador de bens alheios. Por isto a lei fala em diretores, gerentes ou representantes. Não em sócios. Assim, se o sócio não e diretor, nem gerente, isto e, se não pratica atos de administração da sociedade, responsabilidade não tem pelos débitos tributários desta.
Outros doutrinadores, também em favor da inviabilidade da aplicação da desconsideração da personalidade jurídica, justificam sua impossibilidade através do principio da legalidade. Neste sentido Amaro (2006, p.240/241) conclui:
Resta examinar desconsideração da pessoa jurídica (propriamente dita), que seria feita pelo juiz, para responsabilizar outra pessoa (o sócio) sem apoio em prévia descrição legal de hipótese de responsabilização do terceiro, à qual a situação concreta pudesse corresponder. Nessa formulação teórica da doutrina da desconsideração, não vemos possibilidade de sua aplicação em nosso direito tributário. Nas diversas situações em que o legislador quer levar a responsabilidade tributária além dos limites da pessoa jurídica, ele descreve as demais pessoas vinculadas ao cumprimento da obrigação tributária. Trata-se, ademais, de preceito do próprio Código Tributário Nacional que, na definição do responsável tributário, exige norma expressa de lei (arts. 121, parágrafo único, II, e 128), o que, aliás, representa decorrência do principio da legalidade. Sem expressa disposição de lei, que eleja terceiro como responsável em dadas hipóteses descritas pelo legislador, não é lícito ao aplicador da lei ignorar (ou desconsiderar) o sujeito passivo legalmente definido e imputar a responsabilidade tributária a terceiro.
Filho (2005, p.77) utiliza-se do argumento de que a aplicação da desconsideração só poderia ser demandada mediante o condicionamento de lei complementar, em consonância com o art. 146, III, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988:
Um limite material intransponível é o princípio da legalidade. Portanto, a regra não pode, sem recepção por intermédio de outra, ser aplicada no campo do direito tributário. Nessa seara, as relações envolvem o emprego de poder heterônomo no que difere da natureza paritária das relações privadas. Não fosse por esta razão seria pelo fato de que, em face do art. 146 da Constituição Federal, esta matéria só poderia ser veiculada por Lei Complementar.
Para os defensores da desconsideração da personalidade jurídica, como Torres (2003, p.470), na aplicação na legislação tributária, o instituto poderá ser adotado tanto “quando se esteja em presença de leis especiais quanto na hipótese de aplicação de uma regra geral que a autorize, à luz de determinados pressupostos”.
Koury (2000, p.166) também se posiciona em favor no instituto:
Poder-se-ia afirmar, então, que se aplica a Disregard Doctrine no Direito Tributário sempre que se verifica a existência de um direito comum, entre empresas integrantes de grupos, na situação que constitua o fato gerador da obrigação tributária, bem como nas hipóteses normativamente consagradas pelo legislador brasileiro.
Do mesmo modo, Requião (2012, p.455) também defende a teoria:
Não temos dúvida de que a doutrina, pouco divulgada em nosso país, levada à consideração de nossos Tribunais, poderia ser perfeitamente adotada, para impedir a consumação de fraude contra credores e mesmo contra o Fisco, tendo como escudo a personalidade jurídica da sociedade.
Em qualquer caso, todavia, focalizamos essa doutrina com o propósito de demonstrar que a personalidade jurídica não constitui um direito absoluto, mas está sujeita e contida pela teoria da fraude contra credores e pela teoria do abuso de direito.
Para os que apoiam a aplicação da desconsideração, o “art. 135, III, do CTN permite atingir a pessoa do diretor, gerente ou representante da empresa, à luz da teoria da desconsideração da pessoa jurídica” (SABBAG, 2012, p.747).
Segundo Ferreira (2011) uma questão que também gera conflito na doutrina relaciona-se ao que está exposto no parágrafo único do art. 116 do CTN, implantada no referido diploma em 2001 por intermédio da Lei Complementar n. 104. Desta maneira, tal norma recebe inúmeras criticas quanto a sua constitucionalidade, vez que, muitos estudiosos a consagram como norma atilelista, sendo admitido no nosso ordenamento jurídico, bem como necessita de lei ordinária para que possa produzir seus efeitos jurídicos.
Vejamos o dispositivo (VADE MECUM, 2016, p.801):
Art. 116: Salvo disposição de lei em contrário, considera-se ocorrido o fato gerador e existentes os seus efeitos:
[...]
Parágrafo único: A autoridade administrativa poderá desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária, observados os procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária.
Entretanto, nas palavras de Santiago (2008) a tese não deve ser empregada:
Primeiramente, cumpre esclarecer que o parágrafo único do artigo 116 do CTN não contempla uma regra antielisiva, mas sim uma regra antielusiva, já que, como é sabido, a elisão fiscal corresponde ao comportamento do sujeito passivo da obrigação tributaria de tentar praticar o ato ou negócio jurídico de modo a enquadrá-lo em um hipótese de imunidade, isenção ou incidência tributária menos gravosa, é o que se chama planejamento tributário; por outro lado, a elusão fiscal corresponde a prática de negócios jurídicos simulados para dissimular a ocorrência do fato gerador da obrigação tributária, furtando-se do seu cumprimento.
Ademais, o autor salienta que o parágrafo único do art. 116 do CTN, estabelece a possibilidade de não serem consideradas “as formas como os sujeitos passivos da relação tributária realizaram seus atos e negócios jurídicos”, possibilitando a decisão por parte da autoridade da quantia do crédito tributário. Compreende-se, assim, que não se alude à superação do princípio da separação patrimonial entre a pessoa jurídica e os sócios ou administradores, para a aplicação da responsabilidade tributária a estes (SANTIAGO, 2008).
Ferreira (2011) assevera que:
Como dito, tal dispositivo legal não poderá ser aplicado de forma independente, uma vez que não se encontra em seu bojo critérios a serem observados pela autoridade fiscal para utilizar a desconsideração. A interpretação conjunta do parágrafo único do art. 116 do CTN com o artigo 50 do Código Civil parece ser a forma mais coerente de se aplicar a disregard doctrine no direito tributário, pois dessa maneira se assegura que o agente fiscal observará os elementos caracterizadores do abuso da personalidade jurídica, ensejando a respectiva desconsideração.
Castro (2007) defende que desconsideração da personalidade jurídica nos ramos do direito privado pode e deve ser aproveitado no âmbito do direito tributário, já familiarizado, embora parcialmente, com a prática. Portanto, o art. 50 do novo Código Civil assegura à possibilidade de se afastar a personalidade jurídica quando esta pretender a proteção indevida de patrimônios individuais em detrimento do Fisco.
Do mesmo modo, Paulsen (2007, p.60) defende que a desconsideração da personalidade jurídica deve ser aplicada no âmbito do direito:
A dissolução irregular tem sido considerada como causa para o redirecionamento porque se presume, em tal caso, a confusão de patrimônios, com locupletamento dos sócios. Não seria o caso, contudo, de invocação do art. 135, III, do CTN, porquanto o crédito tributário não decorre da dissolução irregular. Mais pertinente é o art. 50 do Código Civil de 2002: ‘Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.
Contudo, assim como na doutrina, verifica-se o desentendimento quanto a função dos artigos 134, VII, e 135, III, do Código Tributário Nacional, evidenciando-se ou não o instituto da desconsideração da pessoa jurídica, conforme ementas transcritas abaixo:
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. RESPONSABILIDADE PESSOAL DO SÓCIO-GERENTE. DISSOLUÇÃO IRREGULAR DA EMPRESA EXECUTADA. A dissolução irregular da empresa, assim compreendido o encerramento de suas atividades sem a observância das obrigações perante o fisco, configura, ipso facto, a gestão ilícita da pessoa jurídica, haja vista a inexorável ofensa aos diplomas legais de regência. - Plenamente justificável, portanto, a responsabilização pessoal do sócio-gerente da sociedade executada. Inteligência dos artigos 134 e 135 do Código Tributário Nacional. Agravo de instrumento provido.
(TRF-5 - AGTR: 53038 SE 2003.05.99.002158-3, Relator: Desembargador Federal Jose Maria Lucena, Data de Julgamento: 01/12/2005, Primeira Turma, Data de Publicação: Fonte: Diário da Justiça - Data: 15/12/2005 - Página: 625 - Nº: 240 - Ano: 2005).
TRIBUTÁRIO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO FISCAL. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. RESPONSABILIDADE. SÓCIO. ART. 135, III, DO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL. COMPROVAÇÃO DE INFRAÇÕES. INEXISTÊNCIA. REDIRECIONAMENTO. IMPOSSIBILIDADE. 1. A responsabilidade solidária só pode ser verificada se presentes os requisitos dispostos no art. 135, III, do Código Tributário Nacional. 2. Os diretores, gerentes ou representantes das pessoas jurídicas de direito privado podem ser responsabilizados, pessoalmente, não por serem sócios, quotistas ou acionistas da pessoa jurídica, mas pelo fato de exercerem a sua administração e possuírem poderes de gerência, pelos quais cometem abusos, excessos ou infrações à lei, estatuto ou contrato social. 3. Não logrou a União comprovar que houve, por parte dos diretores, gerentes ou representantes da pessoa jurídica de direito privado, a prática de atos com excesso de poderes, infração a lei, contrato social ou estatuto, ou ainda, que esses atos tenham, efetivamente, dado origem ao crédito tributário em execução, para fins de responsabilização pessoal pelas dívidas fiscais da empresa, ou que tenha ocorrido a dissolução irregular da sociedade. 4. Agravo de instrumento a que se dá provimento.
(TRF-1 - AG: 429449520134010000 MT 0042944-95.2013.4.01.0000, Relator: DESEMBARGADORA FEDERAL MARIA DO CARMO CARDOSO, Data de Julgamento: 22/11/2013, OITAVA TURMA, Data de Publicação: e-DJF1 p.468 de 10/01/2014).
AGRAVO DE INSTRUMENTO EXECUÇÃO FISCAL MULTA AMBIENTAL INCLUSÃO DOS SÓCIOS DA EMPRESA NO POLO PASSIVO VIABILIDADE ENCERRAMENTO DA ATIVIDADE DA EMPRESA NO LOCAL ONDE ESTAVA SEU ESTABELECIMENTO, ESTANDO EM LUGAR INCERTO E NÃO SABIDO PRESUNÇÃO DE DISSOLUÇÃO DA SOCIEDADE FRAUDE QUANTO À COBRANÇA DA MULTA APLICAÇÃO DO ART. 4º DA LEI Nº 9.605/95, BEM COMO DOS ARTS. 134, VII, E 135, III, DO CTN, ALÉM DA SÚMULA Nº 435 DO STJ RECONHECIMENTO RECURSO PROVIDO. Considerando que, a teor da certidão exarada pelo Oficial de Justiça, a empresa devedora, que já fora citada por edital, não mais se encontrava no endereço cadastrado, plenamente possível a inclusão dos sócios gerentes no polo passivo quando não mais encontrada a pessoa jurídica, com fulcro no art. 4º da Lei nº 9.605/95 e das previsões dos arts. 134, VII, e 135, III, ambos do CTN; art. 4º, V, da Lei 6.830/80 e, ainda, a Súmula 435 do Superior Tribunal de Justiça, sendo de rigor, portanto, a desconsideração da personalidade jurídica da empresa executada.
(TJ-SP - AI: 00528221520138260000 SP 0052822-15.2013.8.26.0000, Relator: Paulo Ayrosa, Data de Julgamento: 25/04/2013, 2ª Câmara Reservada ao Meio Ambiente, Data de Publicação: 25/04/2013).
Outras decisões, porém, compreendem no artigo 135, III, não se enquadra a desconsideração da personalidade jurídica e sim como hipótese de responsabilidade tributária por substituição:
EXECUÇÃO FISCAL. DISSOLUÇÃO IRREGULAR DE SOCIEDADE POR COTAS DE RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA. CITAÇÃO DO SÓCIO-GERENTE, NA QUALIDADE DE RESPONSÁVEL TRIBUTÁRIO, POR SUBSTITUIÇÃO. CTN ART. 135, III E DECRETO 3.708/19, ART. 10. I. Dissolvida irregularmente sociedade por cotas de responsabilidade limitada e não possuindo a empresa extinta bens suficientes para a satisfação do crédito tributário reclamado, é plenamente possível a citação dos responsáveis tributários, por substituição, estejam ou não os seus nomes incluídos na inicial executória ou na Certidão da Dívida Ativa correspondente, a teor do que prescreve o art. 135, III, do Código Tributário Nacional, e o art. 10, do Decreto nº 3.708/19. II. Precedentes do STF, do STJ e desta Corte de Justiça Regional. III. Agravo de Instrumento provido.
(TRF-1 - AG: 23705 BA 95.01.23705-2, Relator: JUIZ EUSTAQUIO SILVEIRA, Data de Julgamento: 24/08/2000, TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: 07/12/2000 DJ p.108).
AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO FISCAL. REDIRECIONAMENTO DA DEMANDA CONTRA O SÍNDICO DA MASSA FALIDA. APURAÇÃO DA RESPONSABILIDADE. DESNECESSIDADE DE AÇÃO AUTÔNOMA. Em execução fiscal contra sociedade por quotas, não se localizando bens suficientes para o adimplemento da obrigação tributária, pode o processo ser redirecionado contra o responsável pela mesma, a teor do estatuído no art. 135, do CTN. Não há obrigatoriedade de processo prévio para a substituição do sujeito passivo responsável pelo credito tributário pelo simples fato de que não se trata de desconsideração da personalidade jurídica, mas sim de redirecionamento do processo, através da aplicação pura e simples da lei. Inteligência do art. 4º, da Lei n. 6.830/1980, e do art. 134, do CTN. Precedente do STF. Agravo de instrumento provido.
(TRF-3 - AI: 18592 SP 2002.03.00.018592-4, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL MÁRCIO MORAES, Data de Julgamento: 01/07/2010, TERCEIRA TURMA, )
Assim, de acordo com Santiago (2008) finalmente pode-se afirmar que, de acordo com os defensores da aplicação da desconsideração da personalidade jurídica no campo do direito tributário, e ainda em consonância com os ditames do art. 50 do Código Civil, “a intervenção judicial revela-se indispensável, uma vez que expressamente exigida pela lei”.
Não obstante, quando analisamos a necessidade de se utilizar e adequar o instituto aos aspectos do direito tributário, pode-se afirmar que a sua aplicação no processo administrativo harmoniza-se com os princípios da celeridade e da economia, que conduzem a satisfação do crédito tributário, não devendo ser esquecido, todavia, em hipótese alguma que não poderá ser afetado o contraditório e a ampla defesa. (SANTIAGO, 2008).
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com o estudo desenvolvido pode-se concluir que a desconsideração da personalidade jurídica é atualmente um instrumento de extrema importância para combater as condutas fraudulentas e abusivas que têm se tornado cada vez mais frequentes no cenário nacional, especialmente no âmbito das relações jurídicas tributárias.
Apesar disso, vimos que o instituto somente se faria legitimo se fossem devidamente comprovadas às circunstâncias autorizadas e previstas em lei material. Sendo assim, sua aplicação deveria ser vista de forma excepcional.
A doutrina nacional é muito divergente a respeito da aplicabilidade do instituto da desconsideração da personalidade jurídica no campo do direito tributário. Muitos estudiosos sustentam ser impossível sua aplicação em detrimento ao princípio da legalidade que conduz o direito tributário, enquanto outros sustentam esta possibilidade de sua aplicação nas relações jurídicas tributárias, através de norma genérica.
No entanto, doutrinadores que defendem a aplicação da desconsideração não estão em harmonia quanto ao fundamento legal em que esta se sustenta. Diante disso, entre os fundamentos expostos, destacam-se o artigo 116, parágrafo único do Código Tributário Nacional, os artigos 134 e 135, III, do mesmo diploma, e o artigo 50 do Código Civil Brasileiro.
Portanto, podemos perceber que o instituto da desconsideração da pessoa jurídica encontra-se em grande evolução no direito brasileiro, seja pela enorme gama doutrinária e jurisprudencial existente sobre o tema, seja pelas praticas de inovações legislativas, contemplando o fortalecimento do instituto da pessoa jurídica, em especial no âmbito do Direito Tributário, conferindo maior segurança aos sujeitos passivos da obrigação tributária, tendo em vista que a desconsideração da personalidade jurídica não seria realizada segundo a mera decisão do administrador ou juiz, mas sim se sustentando em critérios legais antecipadamente definidos.
Entretanto, verifica-se que os fundamentos legais apresentados pela doutrina não acatam satisfatoriamente as particularidades do direito tributário. Em razão disso, constata-se a necessidade de que seja elaborada uma lei que adicione no Código Tributário Nacional um dispositivo específico que contemple a desconsideração da personalidade jurídica, estabelecendo todas diretrizes necessárias para uma correta aplicação, eliminando todas as controvérsias a respeito do instituto.
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