DEYVISON EMANUEL LIMA DE MENEZES: advogado, doutorando em Direito pela Universidad Nacional de Mar del Plata (Argentina), especialista em Direito Civil e Processo Civil, em Direito Administrativo e Direito e Processo do Trabalho.
Resumo: o presente artigo procura demonstrar que mesmo o crime de adultério ter sido abolido do Código Penal essa prática ainda pode trazer consequência no Direito Civil, principalmente porque a relação entre o casal tem base na fidelidade recíproca, conforme prevê o Código Civil.
Palavras: adultério, dever de fidelidade reciproca e indenização.
Sumario: 1- Introdução, 2- Do dever de fidelidade, 3- Da responsabilidade civil e entendimento jurisprudencial, 4- Conclusão, 5- Referência Bibliográfica.
1- INTRODUÇÃO
O presente artigo visa analisar a caracterização dos danos morais decorrentes do adultério, asseverando que tal responsabilização decorre da quebra do dever de fidelidade recíproca entre o casal. Para tanto, irá se analisar se o dano moral cabe somente ao cônjuge adúltero ou pode envolver a(o) amante no pagamento de indenização decorrente do comprovado dano moral, necessitando ainda, de comprovação da situação humilhante e do sofrimento anormal.
2- DO DEVER DE FIDELIDADE
Desde ano de 2005, o adultério deixou de ser considerado um crime, embora tal ato possa trazer diversas consequências jurídicas, diversa da criminal.
Embora o adultério não seja considerado mais um ilícito penal, ambos cônjuges ainda possuem o dever moral e jurídico de fidelidade reciproca, nos termos do artigo 1.566 do Código Civil.[1]
Art. 1.566. São deveres de ambos os cônjuges:
I - fidelidade recíproca;
II - vida em comum, no domicílio conjugal;
III - mútua assistência;
IV - sustento, guarda e educação dos filhos;
V - respeito e consideração mútuos.
Para Diniz o adultério é um ilícito civil e caracteriza a falência da moral familiar.
“Sob o ponto de vista moral e jurídico, merecem reprovação tanto a infidelidade do marido como a da mulher, por ser fator de perturbação da estabilidade do lar e da família.
É preciso não olvidar que não é só o adultério (ilícito civil) que viola o dever de fidelidade recíproca, mas também atos injuriosos, que, pela sua licenciosidade, com acentuação sexual, quebram a fé conjugal, p. ex.: relacionamento homossexual, namoro virtual, inseminação artificial heteróloga não consentida etc.” (DINIZ, 2009, p. 133).[2]
O Professor Rui Stoco vai além dos pensamentos de Diniz afirmando que a infidelidade ofende não só a honra objetiva da pessoa, mas o dogma religioso.
“… que o adultério é a traição da confiança de todos: do marido, mulher e filhos, parentes e amigos. É a ofensa às instituições e até mesmo ao dogma religioso. É o menoscabo, escárnio, vilipendio ao companheiro, com o desfazimento da afettio societatis. Ofende a honra objetiva da pessoa, de sorte a causar mágoa, tristeza, frustração e angústia. Não se exige que esse comportamento se exteriorize e chegue ao conhecimento externo; que ganhe publicidade. O só comportamento já causa mal à pessoa, ofendendo a sua dignidade, ferindo o seu amor próprio. Caracteriza, portanto, ofensa grave e, para alguns, insuportável. Então, se a ofensa moral está ínsita – in re ipsa – mostra-se exagerado e desarrazoado impor que, para que se o reconheça a obrigação de o cônjuge infiel reparar, se exija que essa infidelidade ganhe publicidade e se converta em despudorada exibição pública.”[3]
Ocorre que nos últimos anos vem crescendo os casos de pessoas que buscam a Poder Judiciário com o objetivo de obter uma indenização por danos morais em razão da traição do cônjuge.
O constrangimento indevido e desnecessário experimentado pela vítima, devido à traição, poderia gerar sim a indenização por danos mais, conforme Said Cahali comenta:
"a privação ou diminuição daqueles bens que têm um valor precípuo na vida do homem e que são a paz, a tranqüilidade de espírito, a liberdade individual, a integridade individual, a integridade física, a honra e os demais sagrados afetos, classificando-se desse modo, em dano que afeta a parte social do patrimônio moral (honra, reputação, etc.) e dano que molesta a parte afetiva do patrimônio moral (dor, tristeza, saudade, etc.), dano moral que provoca direta ou indiretamente dano patrimonial (cicatriz deformante, etc.) e dano moral puro (dor, tristeza, etc.)"[4]
Sendo assim, percebesse que os autores concordam que a infidelidade e o dever de lealdade, previsto no Código Civil, ferido pelas partes gera um dano emocional tão grande que merece ser indenizado por aquele que provocou o ilícito civil.
3- DA RESPONSABILIDADE CIVIL E DO ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL
Diante da repercussão dessa prática no judiciário foi construída pela jurisprudência as hipóteses em que se aplica a responsabilidade civil.
Deve ser observado que o simples fato de ocorrer uma traição, embora seja um ato moralmente inaceitável, não enseja automaticamente a fixação de uma indenização compensatória por esse fato.
Para ocorrer a aplicação do dano moral em razão de uma infidelidade conjugal, inicialmente deve ser aplicada a responsabilidade civil subjetiva, sendo assim, deve ocorrer uma análise do caso concreto para verificar o preenchimento de todos os requisitos legais, como a ocorrência de um ato ilícito, culposo ou doloso, o nexo de causalidade e o dano, nos termos dos artigos 186, 927 do Código Civil.
Conforme entendimento jurisprudencial sobre o tema, para que a traição se configure como um ato possível de indenização, deve ficar comprovado no caso concreto que os acontecimentos superarão os meros dissabores, desilusões e aborrecimentos de uma traição, ou seja, o cônjuge traído precisa comprovar em juízo que a traição gerou danos aos direitos da personalidade.
Nesse liame os Tribunais vêm entendendo que para a ocorrência do dano moral se faz necessário que a pessoa traída cumpra seu ônus processual, nos termos do artigo 373, I do CPC e apresente provas da infidelidade e que a mesma teve como consequências situações de humilhação, constrangimento, abalo a honra, imagem, reputação, lesões concretas aos direitos da personalidade, pois a traição isolada, não enseja a aplicação da responsabilidade civil.
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. VIOLAÇÃO AOS DEVERES DO MATRIMÔNIO. FIDELIDADE E LEALDADE RECÍPROCOS. 1- Embora a atual legislação civil tenha previsto como consequência para a infidelidade conjugal apenas a dissolução do contrato matrimonial, a moderna doutrina civilista, vista de forma global, entende que a violação dos deveres inerentes à sociedade conjugal, é capaz de provocar dano moral no cônjuge que sofre a traição. 2- O adultério por si só não gera o dever de indenizar por dano moral. Mas os constrangimentos e humilhações sociais que a vítima sofre com a divulgação, a propalação do fato e a sua repercussão, no seu meio social e familiar, enseja a condenação em danos morais . APELAÇÃO CÍVEL CONHECIDA E DESPROVIDA. (TJGO, APELACAO 0124042-29.2013.8.09.0006, Rel. ORLOFF NEVES ROCHA, 1ª Câmara Cível, julgado em 03/08/2018, DJe de 03/08/2018).[5]
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0002963-55.2010.8.08.0026 APELANTE: ADELSON DE CASTRO APELADOS: VALDINEIA SANTOS FERREIRA e WEDSON DA SILVA RELATOR: DES. SUBST. JÚLIO CÉSAR COSTA DE OLIVEIRA ACÓRDÃO EMENTA : APELAÇÃO CÍVEL – UNIÃO ESTÁVEL - DANO MORAL – SUPOSTA INFIDELIDADE – DEVER DE INDENIZAR – RECURSO IMPROVIDO. 1.Não há dúvidas quanto à incidência das regras de responsabilidade civil nas relações do âmbito familiar, devendo o caso em comento ser analisado à luz do artigo 186 do Código Civil. Assim, para que seja caracterizado o dano moral, e gerado o dever de indenizar, é necessária a comprovação de existência do dano, do nexo de causalidade entre o fato e o dano e da culpa do agente. 2.Com relação ao apontado cúmplice do convivente infiel, não há como se imputar o dever de indenizar, já que ele não possui, legal ou contratualmente, vínculo obrigacional com o convivente supostamente traído, não sendo possível exigir sua responsabilização pelo descumprimento de deveres inerente ao casamento. 3.Ainda que a união estável imponha o dever de fidelidade recíproca e de lealdade, a violação pura e simples de um dever jurídico familiar não é suficiente para caracterizar o direito de indenizar. A prática de adultério, isoladamente, não se mostra suficiente a gerar um dano moral indenizável, sendo necessário que a postura do cônjuge infiel seja ostentada de forma pública, comprometendo a reputação, a imagem e a dignidade do companheiro. 4.Recurso improvido. VISTOS, relatados e discutidos estes autos, ACORDAM os Desembargadores que integram a Primeira Câmara Cível do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo, à unanimidade de votos, NEGAR PROVIMENTO ao recurso. Vitória⁄ES, 06 de outubro de 2015. PRESIDENTE RELATOR (TJ-ES - APL: 00029635520108080026, Relator: ANNIBAL DE REZENDE LIMA, Data de Julgamento: 06/10/2015, PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 14/10/2015)[6]
Ademais em caso de uma condenação por danos morais quem possui legitimidade para figurar no polo passivo da ação em regrar é o traidor que possui o dever legal e moral de fidelidade recíproca, sendo que o cúmplice da traição não pode ser responsabilizado juridicamente por esse fato isoladamente.
Frisa-se que em caso de condenação por danos morais a indenização será fixada de acordo com a extensão do dano verificado no caso concreto, com fulcro no artigo 944 do Código Civil, não podendo ensejar o enriquecimento ilícito da pessoa traída, entretendo, a indenização deve reparar o dano e servir de desestímulo para novas condutas ilícitas.
Em suma, para a ocorrência da responsabilidade civil em virtude da traição deve ficar comprovado que a traição ultrapassou os meros aborrecimentos e causou danos concretos a pessoa traída, seja através de situações humilhantes, constrangedoras ou exposição da intimidade. Comprovando esses fatos o causador do dano deve arcar com o pagamento de uma indenização que seja capaz de reparar os danos causados.
4- CONCLUSÃO
Conclui-se que para ocorrer a aplicação dos danos morais deve ocorrer uma análise no caso concreto com o objetivo de verificar que os fatos comprovados nos autos são capazes de violar ou não os direitos da personalidade, evitando a banalização do instituto, devendo ainda ser observado o ônus da prova para a comprovação dos fatos e danos.
5- REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
CODIGO CIVIL, disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm. Acessado em 18 de janeiro de 2021.
CAHALI, Yussef Said. Dano Moral, Editora Revista dos Tribunais, SP, 1998, 2ª edição.pg. 20.
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro, volume 5: Direito de Família. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009.
STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil: responsabilidade civil e sua interpretação doutrinária e jurisprudencial. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001.
TJGO, disponível em: https://tj-go.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/932332640/apelacao-apl-1240422920138090006/inteiro-teor-932332659. Acesso em: 01 de janeiro de 2021.
TJSE. Disponível em: < https://tj-es.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/359500120/apelacao-apl-29635520108080026>. Acesso em: 10 de janeiro de 2021.
[1]CODIGO CIVIL, disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm> Acessado em 18 de janeiro de 2021.
[2] DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro, volume 5: Direito de Família. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009.
[3] STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil: responsabilidade civil e sua interpretação doutrinária e jurisprudencial. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001.
[4] CAHALI, Yussef Said. Dano Moral, Editora Revista dos Tribunais, SP, 1998, 2ª edição.pg. 20.
[5]TJGO, disponível em: <https://tj-go.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/932332640/apelacao-apl-1240422920138090006/inteiro-teor-932332659> Acesso em: 01 de janeiro de 2021.
[6]TJSE. Disponível em: < https://tj-es.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/359500120/apelacao-apl-29635520108080026> Acesso em: 10 de janeiro de 2021.
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