MARIA JÚLIA CAMPELO RODRIGUES[1]
(coautora)
RESUMO: No presente artigo pretende-se analisar a textura aberta do Direito e o instituto imunidade tributária dos templos de qualquer culto, positivado no artigo 150, inciso VI, alínea “b” da Constituição Federal, bem como as diferentes compreensões do termo “templo”. Será feita uma desconstrução do instituto da imunidade tributária, para analisar suas características e da imunidade religiosa, mais especificamente. Por fim, o estudo analisa as diferentes acepções conferidas pela doutrina ao termo “templo”, devido à sua textura aberta, para fins de fruição da imunidade tributária, bem como o posicionamento do Supremo Tribunal Federal diante dessa divergência.
Palavras-chave: TEXTURA ABERTA; IMUNIDADE TRIBUTÁRIA; TEMPLO DE QUALQUER CULTO.
ABSTRACT: This study aims to analyze the open texture of law and the institute of tax immunity of temples of any cult, established in Article 150, item VI, point "b" of the Federated Constitution, as well as the different understandings of the term "temple". A deconstruction of the institute of tax immunity will be made, to analyze its characteristics and of religious immunity, more specifically. Finally, the study analyzes the different meanings conferred by the doctrine to the term "temple", due to its open texture, for the purpose of fruition of tax immunity, as well as the understanding of the Supreme Court regarding this divergence.
Keywords: OPEN TEXTURE; TAX IMMUNITY; TEMPLE OF ANY WORSHIP.
SUMÁRIO: 1.Introdução. 2. A textura aberta do Direito 3. Imunidades Tributárias. 4. Imunidade dos templos de qualquer culto. 4.1. Templo como coisa. 4.2. Templo como atividade. 4.3. Templo como entidade. 5. Considerações Finais. 7. Bibliografia
A doutrina do positivista Herbert Hart influenciou a análise da linguagem no direito, inclusive, o estudo sobre as ambiguidades e vaguezas que as normas podem eventualmente apresentar, o que se conhece como “textura aberta” do direito. Este será um dos fios condutores no desenvolvimento deste trabalho.
De início, será feita uma digressão do instituto da imunidade tributária, para explorar suas características e peculiaridades. As imunidades tributárias, previstas no texto constitucional, atuam como uma limitação ao poder de tributar das pessoas políticas competentes, contudo, nesse espectro, há divergências suscitadas pela doutrina acerca do alcance dessas imunidades
Em especial, será analisada a imunidade dos templos de qualquer culto, prevista no artigo 150, inciso VI, alínea “b”, da Constituição Federal, e a evolução histórica dessa imunidade, bem como os fundamentos e princípios que balizam a sua aplicação.
É certo que a imunidade religiosa abarca os “templos de qualquer culto”, contudo, o termo “templo” é dotado de textura aberta, o que causa incerteza e vagueza na sua aplicação, e, como decorrência, existem diferentes interpretações sobre o tema.
Assim, serão analisadas as acepções da imunidade religiosa, no que tange à sua abrangência. O tema do presente estudo foi escolhido devido à relevância da imunidade no ordenamento jurídico brasileiro, em razão de ser um benefício constitucionalmente previsto para eximir inúmeros destinatários da carga tributária no país.
O presente estudo não pretende esgotar o tema, mas apenas promover o debate acerca de uma questão já bastante controvertida, com a análise das principais correntes doutrinárias acerca das acepções do termo “templo” para delimitar o alcance da imunidade dos templos de qualquer culto.
Em termos metodológicos, para atingir os objetivos do trabalho que se pretende desenvolver, utilizar-se-á o método analítico-dedutivo, pautado na pesquisa jurídico-normativa bibliográfica descritiva, de cunho qualitativo. Será revisada a produção doutrinária referente à textura aberta do direito, em geral, e da discussão acerca da concepção do termo “templo” para a fruição da imunidade tributária prevista no artigo 150, VI, “b” da Constituição Federal, em particular.
A interpretação é elemento fundamental do direito. Na verdade, pode-se dizer que o direito é também um produto da interpretação. A historicidade influencia na criação das normas, que observam o contexto vivido, mas, com o passar do tempo, as interpretações normativas tendem a acompanhar as transformações sociais.
Uma das influências da doutrina do positivista Herbert Hart é o chamado Giro-linguístico, movimento impulsionado por Martin Heidegger e Ludwig Wittgenstein. Em seus ensinamentos, os precursores do movimento enfatizam a importância da linguagem na medida em que afirmam “a linguagem é a morada do ser, o lugar onde o sentido se mostra”[2] e “os limites da minha linguagem significam o limite do meu mundo”[3], respectivamente.
Esse movimento trouxe uma mudança na concepção filosófica do século XX, tirando a linguagem de uma posição coadjuvante no conhecimento, fazendo com que ela passasse a assumir um papel central, auxiliando na construção do sentido. Na verdade, a linguagem preexiste à compreensão, e a realidade é determinada pelos significados que são atribuídos aos signos.
Segundo Aristóteles, o homem é um animal político, e nesse sentido, a vida em comunidade não dispensa a comunicação, que é construída muitas vezes de palavras, seja no campo social, ou no campo político-jurídico.[4]
Direcionando tal pensamento para o presente estudo, todo o Direito é formado por estruturações linguísticas, e positivado em enunciados jurídicos-prescritivos. O Direito é um produto da sociedade, que prescreve e regula as condutas intersubjetivas, pautadas em valores específicos daquela sociedade[5], através de construções linguísticas válidas. Nas palavras de Tácio Lacerda Gama:
Criar ou extinguir direitos, que surgem na medida em que estão constituídos em linguagem, requer produção de mais linguagem. Nada no direito acontece de forma automática. É insólita a ideia de normas sendo criadas ou se extinguindo por conta própria, como se fossem entes vivos. Uma vez aceita a premissa de que o direito é um conjunto de normas, que se manifestam em linguagem, não dá para conceber que acontecimentos sociais, destituídos de uma linguagem competente, promovam qualquer tipo de alteração a esse conjunto.[6]
Nesse sentido, resta superada a ideia da hermenêutica clássica, na qual o exegeta extrai o sentido dos textos normativos, como se ele fosse ofertado pelo legislador. O intérprete do direito atribui significado às estruturações linguísticas, construindo sua interpretação por meio da lógica e da semântica. É necessário um trabalho construtivo de valoração da norma, através da semiótica, ponderando a influência do contexto social em que se encontra o intérprete.
Nas palavras do professor Paulo de Barros Carvalho:
“[...] os enunciados linguísticos não contêm, em si mesmos, significações. São objetos percebidos pelos nossos órgãos sensoriais que, a partir de tais percepções, ensejam, intrassubjetivamente, as correspondentes significações. São estímulos que desencadeiam em nós produções de sentido.”[7]
A partir da atribuição de valor às normas, nem sempre se chegará ao mesmo resultado interpretativo, posto que a análise possui um caráter subjetivo.
Com a virada linguística, a linguagem passou a ser o centro das investigações filosóficas. Isso porque o Direito é manifestado por meio da linguagem, portanto, compreendendo melhor a linguagem, consequentemente, haverá maior facilidade na compreensão e interpretação do estudo do direito.
Com efeito, a legislação é dotada de algum grau de indeterminação e vagueza, uma vez que o legislador não consegue prever todas as situações fáticas passíveis de acontecerem dentro do mundo real. Portanto, a legislação, por ser caracterizada pela generalidade, enfrenta a dificuldade de ser indeterminada em certos aspectos práticos. Assim, conclui-se que as leis são dotadas da chamada “textura aberta”, sendo esta intrínseca ao texto normativo.
A textura aberta é a consequência da imprecisão da lei, sendo fonte de indeterminação e vagueza do direito. Isso porque, o legislador não consegue prever o futuro, as normas não conseguem decidir antecipadamente a resolução de casos difíceis, necessitando, para a aplicação em casos específicos, uma análise do aplicador do aplicador do direito.
Nesse cenário, a função dos intérpretes, mais especificamente, dos juízes, que são aqueles que detém autoridade para solucionar tais questões, é fundamental para a aplicação da legislação. Isso porque, o intérprete vai utilizar os critérios de intepretação para solucionar a crise de significado dentro do enquadramento das regras predefinidas, respaldado na legislação e nos precedentes.
Ocorre que, a textura aberta, acaba por conferir, de certo modo, uma competência aos intérpretes para ampliar ou restringir a aplicação de determinada norma, quanto àqueles casos não previamente abrangidos especificamente pela legislação.
Desse modo, desde que haja a necessária observância das regras gerais, haverá segurança jurídica, e assim, será possível a solução de interesses conflitantes com particularidades fáticas inéditas.
Portanto, a textura aberta do direito não significa que o direito é indeterminado e aberto, nem que a decisão proferida por um tribunal será o que irá definir o direito, mas as regras possuem exceção, por não ser possível se prever todas as possibilidades reais no texto legislativo. Desse modo, as regras oferecem os padrões dentro dos quais será tomada a decisão do julgador, analisando o caso concreto, de modo a dirimir a controvérsia.
Os juízes, portanto, não criam as normas, mas decidem dentro dos padrões de julgamento permitido pelas regras. Apenas se manifestam mantendo e delimitando os padrões aplicados ao caso particular.
Essa textura aberta é verificada na imunidade tributária garantida aos templos de qualquer culto, prevista no artigo 150, inciso VI, alínea “b” da Constituição Federal, conforme se passará a analisar a seguir.
Antes de adentrar na imunidade dos templos de qualquer culto, é necessário compreender o instituto da a imunidade tributária per si, o qual está previsto na Constituição de 1988
As imunidades tributárias são uma das chamadas “incompetências”[8] relacionadas ao poder de tributar, elas reduzem a abrangência da competência conferida às pessoas políticas. Há situações especificadas no texto da Carta Magna que o legislador constitucional considerou de maior relevância, devido a um interesse social, as quais estão impedidas de serem oneradas com exações fiscais.
Na lição de Souto Maior Borges:
A regra jurídica de imunidade insere-se no plano das regras negativas de competência. O setor social abrangido pela imunidade está fora do âmbito da tributação. Previamente excluído, como vimos, não poderá ser objeto de exploração pelos entes públicos.[9]
Ou seja, há previsão constitucional que limita a competência para a criação de hipótese de incidência sobre certas situações ou comportamentos protegidos, que são prioridades ante a arrecadação tributária.
Essas limitações ao poder de tributar garantem que será inválida eventual lei que seja editada incluindo na sua hipótese de incidência algum dos grupos ou situações abarcados pela imunidade constitucional.
A alternativa, nesses casos, é exatamente a abstenção da oneração com exação fiscal, não há outra opção conferida ao Poder Legislativo. Nesse sentido, importante ressaltar a lição de Roque Carrazza:
Em razão disso, equivoca-se quem apregoa que imunidade é renúncia, da pessoa política ao direito (poder) de tributar. Tal renúncia já foi feita pelo povo brasileiro que, reunido em Assembleia Nacional Constituinte, editou a Constituição da República Federativa do Brasil. Portanto, como as regras de imunidade passam ao largo da competência tributária das pessoas políticas, estas não podem renunciar a direito que não possuem.[10]
Assim, pode-se compreender que as situações tratadas na Constituição, que garantem imunidade tributária, atuam para garantir uma não-incidência de exação fiscal direcionada a certos grupos ou situações. E, diferentemente do que ocorre com as isenções fiscais, não pode haver revogação das normas imunizantes.
O artigo 150, inciso VI, da Constituição Federal é o responsável por delimitar as principais hipóteses abarcadas pela imunidade tributária, a qual pode ser conferida em razão da natureza jurídica, como é o caso das instituições sem fins lucrativos, da operação jurídica, como é o caso da venda de livros ou da situação jurídica, dentre outras hipóteses.
Assim, pode-se afirmar que as imunidades tributárias são uma forma de limitação do poder de tributar, pois vedam o legislador de instituir tributo pautado nas situações específicas delimitadas pelo texto constitucional, são as “hipóteses de não incidência constitucionalmente qualificadas”[11].
O principal destinatário das imunidades tributárias é o legislador ordinário, pois cabe a ele a edição de todos os elementos necessários para caracterizar a hipótese de incidência do tributo ao qual lhe cabe a competência. E, sendo assim, encontra uma barreira para instituir tributos incidente sobre as situações delimitadas pela imunidade.
Em um segundo momento, o beneficiário das imunidades constitucionais não poderia ser outro, senão aquelas pessoas ou coisas que se enquadram nas situações especificadas, as quais não serão atingidas por certas exações fiscais.
Importante frisar que as situações previstas no texto constitucional como imunes possuem caráter subjetivo, uma vez que assumem a posição de imunes aqueles que, em razão da sua natureza jurídica, estão relacionados com situações ou bens específicos, os quais, por prestígio constitucional, estão fora do alcance da tributação das pessoas políticas.
Com efeito, a intenção do constituinte originário não era eximir um grupo de pessoas determinadas, mas sim preservar valores pregoados pela constituição. Esses valores sociais, religiosos, políticos, dentre outros, demonstram, de certo modo, as prioridades estabelecidas pela Constituição Federal, na medida em que serão beneficiados por não serem alvo de tributação.
Portanto, pode-se concluir que as imunidades caracterizam uma área proibida ao alcance das pessoas políticas competentes, ou seja, atuam como uma regra de incompetência. São normas constitucionais de eficácia plena e são aplicadas independentemente de legislação infraconstitucional.
As imunidades atuam na redução do campo de atuação do legislador ordinário, na medida em que as leis tributárias não podem dispor sobre aquelas situações abarcadas pelo texto constitucional, sob pena de clara inconstitucionalidade.
O artigo 150, inciso VI, alínea “b” da Constituição Federal consagra a imunidade de tributação dos templos religiosos. Conforme já afirmado, toda imunidade traz consigo a proteção de um axioma, de um valor já previsto no texto da constituição.
A imunidade dos templos de qualquer culto tem por finalidade proteger o direito fundamental às liberdades de crença e de culto religioso, evitando, assim, que o Estado reprima ou interfira no seu exercício através da imposição de impostos.
A liberdade religiosa é direito fundamental consagrado no art. 18 da Declaração Universal dos Direitos Humanos[12], da qual o Brasil é signatário. Segundo Roque Carrazza:
“O conceito de religião é aberto, abarcando qualquer crença transcendental de pessoas que se reúnem com a certeza íntima de que estão moralmente obrigadas pelos mandamentos que dela emanam”. [13]
Portanto, pode-se destacar que a liberdade de crença, prevista no artigo 5º[14] e a laicidade do Estado, prevista no art. 19, inciso I[15], ambos do texto constitucional, são os dois fundamentos principais da imunidade religiosa.
Assim, por determinação constitucional, é garantida a liberdade de os cidadãos escolherem suas crenças, cultos e qual religião vão seguir, inclusive a possibilidade de escolher não crer e/ou nem seguir nenhum deles. Assim, o Estado brasileiro não deve privilegiar qualquer culto religioso ou igreja e, deve respeitar todos os cidadãos independentemente da opção religiosa de cada um.
Porém, nem sempre foi assim. A laicidade do estado veio apenas com a Proclamação da República, com a promulgação da Constituição de 1891. A Constituição Federal de 1824 ainda adotava a religião católica Apostólica Romana como a religião oficial do Império, nos termos do seu artigo 5º, a seguir:
Art. 5. A Religião Catholica Apostolica Romana continuará a ser a Religião do Imperio. Todas as outras Religiões serão permitidas com seu culto domestico, ou particular em casas para isso destinadas, sem fórma alguma exterior do Templo.
É importante destacar que as outras religiões não eram proibidas, o que era vedado era apenas a exposição pública de outras crenças. Portanto, elas ficavam limitadas, apenas podendo ser realizadas dentro das casas dos adeptos e de seus respectivos templos.
A Constituição Federal outorgada em 1891, após a Proclamação da República inovou no tema, trazendo uma norma que vedava o embaraço aos cultos por via da tributação, conforme seu artigo 11, §2º, a seguir reproduzido:
Art 11 - É vedado aos Estados, como à União:
2 º) estabelecer, subvencionar ou embaraçar o exercício de cultos religiosos;
Foi apenas a Constituição Federal de 1946 que introduziu a imunidade dos templos de qualquer culto no ordenamento brasileiro, nos termos do artigo 31, inciso V, alínea “b”, o que foi mantido pelos sucessivos textos constitucionais:
Art 31 - A União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios é vedado:
V - lançar impostos sobre:
b) templos de qualquer culto, bens e serviços de Partidos Políticos, instituições de educação e de assistência social, desde que as suas rendas sejam aplicadas integralmente no País para os respectivos fins;
A Constituição atual manteve essa previsão no art. 150, VI, b, o qual determina que:
Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
[...]
VI - instituir impostos sobre:
[...]
b) templos de qualquer culto;
Ocorre que, a partir desse texto enxuto, começam a surgir alguns problemas e discussões devido à textura aberta do dispositivo. E a maior parte deles vem sendo resolvida pelo judiciário, especificamente, o Supremo Tribunal Federal (“STF”), como principal guardião da Constituição.
Uma das principais discussões em torno do dispositivo é quanto ao conceito de templos. Existem três principais correntes doutrinárias que buscam responder esse questionamento para a fruição da imunidade tributária: (i) a que identifica o templo como coisa; (ii) a que identifica o templo como atividade; e, (iii) a que identifica o templo como entidade.
A seguir, serão analisadas as correntes supracitadas e suas características principais.
Esta corrente adota uma interpretação restritiva do dispositivo constitucional, caracterizando o templo, para fins de fruição da imunidade, como o edifício onde se professa a fé, tal qual a igreja, a sinagoga, a casa espírita etc.
Esses locais são destinados à encontros para que se possa realizar o culto da entidade venerada por aquela religião. Sacha Calmon Navarro Coelho é adepto a esta teoria e afirma que:
o templo, dada a isonomia das religiões, não é só a catedral católica, mas a sinagoga, a casa espírita kardecista, o terreiro de candomblé ou de umbanda, a igreja protestante, shintoísta ou budista e a mesquita maometana. Pouco importa tenha a seita poucos adeptos. Desde que uns na sociedade possuam fé comum e se reúnam em lugar destinado exclusivamente ao culta da sua predileção, este lugar há de ser um templo e gozará da imunidade tributária.[16]
Nesse sentido, a abrangência da imunidade constitucional resta limitada ao edifício no qual o culto é realizado, a estrutura física em si.
Esta segunda corrente doutrinária compreende o tempo, para que possa ser concedida a imunidade tributária, como tudo aquilo que possui relação com a atividade da religião.
É uma teoria mais ampla, estende a imunidade para toda a atividade destinada à liturgia. Então não abarca apenas o edifício, mas também os anexos onde são desenvolvidas atividades religiosas.
Sob essa ótica, estão abrangidos também, no caso da igreja católica, por exemplo, os conventos, a casa paroquial, os veículos de propriedade da igreja que são utilizados em missões católicas etc.
Sem dúvidas, é a teoria mais ampla e é a interpretação que o STF vem adotando, de maneira bem elástica. Para Roque Carrazza, “esta imunidade, em rigor, não alcança o templo propriamente dito, isto é, o local destinado a cerimônias religiosas, mas, sim, a entidade mantenedora do templo, a igreja.”[17]
Nesse sentido, Aliomar Baleeiro afirma que o templo de qualquer culto é “o edifício e suas instalações ou pertenças adequadas àquele fim”; templo assim, “compreende o próprio culto e tudo quanto vincula o órgão à função”.[18]
Portanto, de acordo com essa corrente, templo é não só o edifício, os anexos, os bens móveis vinculados à atividade, mas também, todas as ações e serviços que a mantenedora desenvolve vão ser imunes, desde que revertidos para a manutenção da entidade.
Complementando o raciocínio, Regina Helena Costa afirma que:
a renda considerada imune é aquela que decorre da prática do culto religioso, compreendendo as doações dos fiéis (incluindo as espórtulas e os dízimos), bem como as consequentes de aplicações financeiras, pois estas visam à preservação do patrimônio da entidade[19]
Assim, exemplificando, o caso de um imóvel de propriedade da igreja, alugado para um particular. Pela primeira teoria, nem o imóvel e nem a renda proveniente do aluguel são imunes, pois apenas o edifício onde se professa a fé vai ser abarcado pela imunidade. Pela segunda teoria, o imóvel alugado a terceiro não possui finalidade religiosa, portanto também não seria imune.
Já pela terceira teoria, estaria caracterizada a imunidade, pois o que interessa é a finalidade da renda. Se a renda do imóvel destinado à locação é destinada à manutenção da entidade mantenedora, vai ser verificado caso de fruição da imunidade. Ou seja, por essa teoria, tanto não incide IPTU sobre o imóvel, como também não incide IR sobre o rendimento do aluguel.
Este, inclusive, é o posicionamento adotado pelo STF. Ao julgar o Recurso Extraordinário nº 325.822-2/SP, o ministro relator Gilmar Mendes decidiu que a imunidade prevista no artigo 150, inciso VI, alínea “b” da CF deve ser interpretada de maneira extensiva, devendo ser concedida desde que a renda, os serviços e o patrimônio estejam vinculados às atividades essenciais da entidade.
Regina Helena Costa define “finalidades essenciais como aquelas inerentes à própria natureza da entidade, os propósitos que conduziram à sua instituição”[20]. Ricardo Lobo Torres afirma que são “a prática do culto, a formação de padres e ministros, o exercício de atividades filantrópicas e a assistência moral e espiritual aos crentes.” [21]
Nesse mesmo sentido, Roque Carrazza afirma que as finalidades essenciais:
se referem à pratica dos atos litúrgicos, à divulgação das crenças da Igreja (proselitismo religioso), à orientação espiritual dos fiéis, à formação dos ministros da entidade religiosa e ao exercício de atividades filantrópicas e de assistência social, que põem em ação os ensinamento doutrinários da confissão religiosa.[22]
Portanto, quanto às atividades atípicas, por exemplo, um aluguel de imóvel para terceiro, deve ser analisado se o emprego da receita obtida com o exercício daquelas atividades atípicas, pela instituição religiosa, está relacionado com suas finalidades essenciais.
Ainda, segundo Regina Helena Costa:
somente mediante a análise da destinação dos recursos obtidos pelo templo, no desempenho de determinada atividade, é que se poderá respeitar a teleologia da norma imunizante, que outra não é senão assegurar a liberdade de crença e o livre exercício de cultos religiosos.[23]
Portanto, o fator determinante do alcance da exoneração constitucional é a destinação dos recursos obtidos pela entidade. Serão imunes, desde que voltados às finalidades essenciais da entidade.
O giro-linguístico trouxe um outro foco para o estudo do direito, com a linguagem possuindo papel de destaque. Ocorre que, dentre inúmeras propriedades da linguagem, a vagueza e a incerteza estão constantemente presentes, dando a característica da textura aberta ao direito.
O positivista Herbert Hart dedicou seu estudo à análise dessa chamada textura aberta e como as normas que possuem essa característica necessitam ainda mais da atuação de um intérprete. O presente trabalho voltou-se ao estudo da textura aberta do termo “templo” na imunidade tributária garantida aos templos de qualquer culto.
Em uma digressão, analisou o instituto da imunidade tributária, seu conceito e características. A imunidade atua como uma forma de limitação ao poder de tributar, garantida a determinados casos previstos na Constituição Federal, com fundamento em valores e princípios que se pretende proteger.
Dentre eles, está a liberdade de crença e culto religioso, protegida pela imunidade prevista no artigo 150, inciso VI, alínea “b” da Constituição Federal, que proíbe a instituição de impostos sobre os templos de qualquer culto.
Ocorre que o termo “templo” é dotado de textura aberta, por não haver definição exaustiva na legislação. Isso incitou uma divergência doutrinária na aplicação da imunidade tributária para os templos de qualquer culto. Como demonstrado, existem três correntes principais, que compreendem o templo como coisa, como atividade e como entidade.
O entendimento que prevalece no judiciário brasileiro é o que considera templo como entidade, no qual toda atividade, renda e patrimônio será imune, desde que verificada sua destinação às finalidades essenciais da entidade.
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[1] Mestranda em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). Bacharel em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP). Recife/PE. E-mail: [email protected]
[2] HEIDEGGER, Martin. A caminho da linguagem. São Paulo: Vozes, 2003, p. 170.
[3] WITTGENSTEIN, Ludwig. Tractatus logico-philosophicus. São Paulo: Edusp, 1977, p.111
[4] FALCÃO, Raimundo Bezerra. Hermenêutica. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 79
[5] CARVALHO, Aurora Tomazini de. Curso de teoria geral do direito: o constructivismo lógicosemântico. São Paulo: Noeses, 2013, p. 75.
[6] GAMA, Tácio Lacerda. Obrigação e crédito tributário – anotações à margem da teoria de Paulo de Barros Carvalho. Revista Tributária e de Finanças Públicas – v. 11, n. 50, maio/junho, 2003.
[7] CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário: linguagem e método. 6 ed. São Paulo: Noeses, 2015. Pg. 199
[8] CARRAZZA, Roque Antonio. Imunidade tributária dos templos e instituições religiosas. Noeses: São Paulo, 2015, p. 6.
[9] BORGES, José Souto Maior. Isenções tributárias, Sugestões Literárias, S. Paulo, 1ª Ed., 1969, p. 209. Apud CARRAZZA, Roque Antonio. Imunidade tributária dos templos e instituições religiosas. Noeses: São Paulo, 2015, p.
[10] Ibidem. p. 8.
[11] BOTTALLO, Eduardo Domingos. Fundamentos do IPI, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, pp. 107-108.
[12] Artigo 18 - Todo ser humano tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião; esse direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de manifestar essa religião ou crença pelo ensino, pela prática, pelo culto em público ou em particular.
[13] CARRAZZA, Roque Antonio. Imunidade tributária dos templos e instituições religiosas. Noeses: São Paulo, 2015. P. 10.
[14] Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:[...] VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;
[15] Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: [...]
I - estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público;
[16] COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro, p. 261.
[17] CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 16. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2001. P. 618
[18] BALEEIRO, Aliomar. Limitações constitucionais ao poder de tributar. Rio de Janeiro: Forense, 1998. P. 311
[19] COSTA, Regina Helena. Curso de Direito Tributário: Constituição e Código Tributário Nacional – 4. Ed. Rev., atual. E ampl. – São Paulo: Saraiva, 2014. P. 75.
[20] COSTA, Regina Helena. Curso de Direito Tributário: Constituição e Código Tributário Nacional – 4. ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Saraiva, 2014. p. 75.
[21] TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário, 11ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2004.
[22] CARRAZZA, Roque Antonio. Imunidade tributária dos templos e instituições religiosas. Noeses: São Paulo, 2015.
[23] COSTA, Regina Helena. Imunidades Tributárias. 2ª Ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2006. P. 160
Graduação em Direito pela Universidade Federal da Bahia-UFBa, mestrando em Direito Administrativo pela PUC-SP. Prof da Faculdade Estácio de Sá. Defensor Público Federal.
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