MARIA EVELINE QUEIROZ DE LIMA[1]
(coautora)
ADRIANO FERNANDES FERREIRA[2]
(orientador/coautor)
RESUMO: Este trabalho versará sobre o casamento no âmbito do Direito Internacional Privado, sendo o principal enfoque o Estado brasileiro. Este assunto é bastante pertinente devido ao fenômeno da globalização e da configuração da sociedade moderna, visto que as fronteiras territoriais se tornam cada vez menos relevantes para as pessoas de diversas nacionalidades que se casam com o propósito de constituírem família. Ao longo deste artigo, abordar-se-á o casamento entre brasileiros no exterior, de estrangeiros no Brasil, e entre brasileiros e estrangeiros em território nacional ou internacional, de forma a elucidar a importância do Direito Internacional Privado na regulamentação das relações entre particulares. Outrossim, visa-se abordar esse pertinente tema pelo método comparativo, tomando-se como base outros países do exterior do território brasileiro, à luz de obras e teorias de cunho principalmente jurídico e jurisprudencial brasileiro, utilizando-se o raciocínio dialógico para explicar o fenômeno jurídico, que é o casamento.
Palavras-chave: Casamento; Direito Internacional Privado; Brasil; Regime de Bens; Divórcio.
ABSTRACT: This work will deal with marriage within the scope of Private International Law, with the main focus being the Brazilian State. This subject is quite relevant due to the phenomenon of globalization and the configuration of modern society, since territorial borders become less and less relevant for people of different nationalities who marry for the purpose of starting a family. Throughout this article, marriage between Brazilians abroad, between foreigners in Brazil, and between brazilians and foreigners in national or international territory will be addressed, in order to elucidate the importance of Private International Law in the regulation of relationships between individuals. Furthermore, the aim is to approach this pertinent topic through the comparative method, based on other countries outside Brazil, in the light of works and theories of a mainly Brazilian legal and jurisprudential nature, using dialogical reasoning to explain the phenomenon legal, which is marriage.
Keywords: Marriage; Private Internacional Law; Brazil; Property Regime; Divorce.
SUMÁRIO: 1 INTRODUÇÃO. 2 A CELEBRAÇÃO DE CASAMENTOS REALIZADOS NO BRASIL E NO EXTERIOR. 3 CASAMENTO CONSULAR. 4 REGIME DE BENS. 5 DIVÓRCIO. 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS. REFERÊNCIAS.
O tema do casamento no âmbito internacional enseja muita discussão, coexistindo uma pluralidade de teorias dentro da doutrina e jurisprudência.
Tendo isso em vista, o objetivo do Direito Internacional Privado é estabelecer regras a respeito dos atos jurídicos executados entre particulares em esfera internacional, não se limitando ao âmbito do ordenamento jurídico de apenas um Estado. O elemento de conexão de cada país é demandado quando duas ou mais leis divergentes, dos respectivos países envolvidos na questão, concorrem para solucionar o problema.
A organização da sociedade moderna, que está em constante mudança, é o ponto principal para a multidifusão dos fatos sociais oriundos da internacionalidade da vida e para o avanço social, beneficiando a expansão da ciência e da tecnologia, a elevação do nível cultural dos povos, de forma a estimular, ainda, a formação de uma consciência internacional sobre assuntos relativos à existência da humanidade, resultando em uma tendência de universalizar certos ramos do Direito.
A inserção do casamento na esfera do Direito Internacional Privado acontece com o avanço do fenômeno da globalização, que resultou em uma intensa quebra de fronteiras, fruto de uma agregação social, cultural, econômica e política, refletindo na forma como pessoas de Estados diferentes se comunicam e se relacionam.
Nesse sentido, pessoas de nacionalidades diferentes, ou de domicílios diferentes, com interesses em comum, e, na maioria dos casos, com vontade de constituir família juntas, desejam cada vez mais oficializar sua união através do matrimônio.
Destarte, será abordado ao longo deste artigo os principais aspectos a respeito do matrimônio entre pessoas de origens distintas, ou de domicílios distintos, assim como será abordado os diversos sistemas adotados entre os países e os diferentes tipos de fundamentos para solução de questões no matrimônio, as quais resultam na existência de conflitos de competência internacional.
Portanto, o presente artigo tem como finalidade o conhecimento mais aprofundado acerca da multiplicidade de metodologias aplicadas no âmbito do Direito Internacional Privado a fim de melhor dirimir a controvérsia existente no ato de constituição do casamento.
2 A CELEBRAÇÃO DE CASAMENTOS REALIZADOS NO BRASIL E NO EXTERIOR
A priori, de maneira geral, o casamento celebrado em um país é regido pelas leis locais deste. Nesse sentido, o artigo 7o da Lei de introdução às normas de direito brasileiro (LINDB), dispõe que a lei do país em que a pessoa tem domicílio determina as regras sobre o começo e o fim da personalidade, o nome, a capacidade e os direitos de família.
Portanto, a partir do artigo 7º da LINDB, percebe-se que a lei do domicílio rege o Direito de Família, alcançando Maria Berenice Dias o seguinte entendimento: “se o casamento é válido segundo o direito do país em que foi celebrado, é válido no estrangeiro. Constitui-se um ato jurídico perfeito e, por conseguinte, é existente, válido e eficaz”.
Neste mesmo artigo 7º da LINDB, em seu § 1º, dispõe-se que aos casamentos celebrados no Brasil, aplicar-se-á a lei brasileira quanto aos impedimentos dirimentes e às formalidades da celebração, isto é, qualquer pessoa que case no Brasil, sejam os próprios brasileiros ou estrangeiros, ou até mesmo brasileiros com estrangeiros, deverão seguir as formalidades brasileiras e as regras a respeitos dos impedimentos, regulamentadas no atual Código Civil brasileiro.
Outrossim, o artigo 1.543 do Código Civil dispõe que o casamento celebrado no Brasil prova-se pela certidão do registro. Além disso, o parágrafo único deste dispositivo legal estabelece que: “justificada a falta ou perda do registro civil, é admissível qualquer outra espécie de prova”.
No que se refere ao casamento de pessoas domiciliadas no Brasil que está sendo celebrado no exterior, o professor Jacob Dolinger (2014) entende que a regra do § 1º do artigo 7º da LINDB também deverá ser aplicada, pois deve ser compreendida das duas formas, isto é, “na hipótese de casamento realizado no exterior por pessoas domiciliadas no Brasil, serão observadas as formalidades da legislação local”.
O artigo 1.544 do Código Civil institui que o registro do casamento de brasileiro feito no exterior deve ser providenciado no prazo de 180 (cento e oitenta) dias contados da volta de um ou de ambos os cônjuges ao Brasil.
Vale ressaltar que a jurista Maria Berenice Dias afirma que o registro disposto no parágrafo acima é somente declaratório, com poder ex tunc. Sendo assim, entende-se que o registro do casamento implica efeitos desde a data de sua celebração.
Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona Filho (2018), no livro “Manual de Direito Civil”, reconhecem o prazo do artigo 1.544 do Código Civil como decadencial, “cuja inobservância gerará a impossibilidade de produção dos efeitos jurídicos pretendidos, não se considerando tais pessoas como casadas pela lei brasileira.”.
No entanto, observa-se que nos casos de ausência de registro, ainda assim é possível que o casamento produza efeitos no Brasil, na medida em que o Superior Tribunal de Justiça considera o casamento celebrado no exterior, em conformidade com as leis brasileiras, um ato jurídico perfeito. Segue o julgado que demonstra tal entendimento:
CIVIL. CASAMENTO REALIZADO NO ESTRANGEIRO, SEM QUE TENHA SIDO REGISTRADO NO PAÍS. O casamento realizado no exterior produz efeitos no Brasil, ainda que não tenha sido aqui registrado. Recurso especial conhecido e provido em parte, tão-só quanto à fixação dos honorários de advogado. (STJ - REsp: 440443 RS 2002/0065653-3, Relator: Ministro ARI PARGENDLER, Data de Julgamento: 26/11/2002, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJ 26.05.2003 p. 360 RDR vol. 27 p. 396.)
Embora transcorra o prazo para que os nubentes registrem o matrimônio, não se deve anular tal negócio jurídico, visto que se trata de uma exigência meramente formal, a qual pode ser exigida eventualmente a título de prova, de acordo com a corte máxima brasileira.
Nesse sentido, o casamento realizado fora do Brasil consoante às formalidades legais do local de celebração e à lei brasileira, sem insulto à ordem pública, é considerado um ato jurídico perfeito, uma vez apresentados os pressupostos de validade e de existência, segundo entendimento do Superior Tribunal de Justiça.
Assim, a pessoa que se casou no exterior, não poderá celebrar outro casamento em território nacional, ainda que, sob aspectos formais, no Brasil ela conste como solteira. Desta maneira, o registro, apesar de não ser obrigatório, é utilizado para meios de produzir publicidade e prova, como mostra o julgado abaixo:
CIVIL. CASAMENTO REALIZADO NO ESTRANGEIRO. MATRIMÔNIO SUBSEQÜENTE NO PAÍS, SEM PRÉVIO DIVÓRCIO. ANULAÇÃO. O casamento realizado no estrangeiro é válido no país, tenha ou não sido aqui registrado, e por isso impede novo matrimônio, salvo se desfeito o anterior. Recurso especial não conhecido. (STJ - REsp: 280197 RJ 2000/0099301-8, Relator: Ministro ARI PARGENDLER, Data de Julgamento: 11/06/2002, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: --> DJ 05/08/2002 p. 328 RDR vol. 24 p. 266.)
Outra questão a ser observada é acerca da contagem do prazo de 180 (cento e oitenta) dias para que haja o registro do casamento no cartório. O artigo 1.544 do Código Civil dispõe que o prazo contará da “volta de um ou de ambos os cônjuges ao Brasil”, todavia Paulo Lôbo observa que o termo “volta” deve ser entendido como ingresso, no sentido amplo, pois o cônjuge estrangeiro, por exemplo, que nunca veio ao Brasil não estará voltando, e sim ingressando ao país.
Além disso, a expressão “volta” deve ser melhor interpretada com o animus de permanência. Stolze e Pamplona Filho (2018) concluem que aquele cônjuge que retornou ao Brasil e passou somente alguns dias, sem a intenção de residir na sua pátria de origem, não tem necessidade de providenciar o registro, pois é do efetivo retorno que o prazo será contado.
Ademais, conforme a jurisprudência, basta que um dos cônjuges seja brasileiro, para requerer o assento do seu casamento celebrado no exterior no livro de registros do Brasil.
Arnaldo Rizzardo defende a ideia de que a possibilidade do registro se expande aos casamentos de estrangeiros, de brasileiros com estrangeiros, e de brasileiros, ainda que não tenham celebrado perante autoridade consular, ou até mesmo em que o casamento se deu nos termos da lei estrangeira.
Rizzardo (2011, p.75) alega também que o registro não dá eficácia ao casamento, concede apenas a publicidade, in verbis:
Com o registro, não adquire eficácia o casamento, eis que o oficial limita-se unicamente a transcrever os dados constantes da certidão estrangeira. Assim, não se admite atacar a validade do casamento pelos dados constantes do registro. A finalidade do registro não é outra senão a sua publicidade. Qualquer vício ou nulidade deverá ser pesquisada segundo os elementos da certidão e a lei do país onde se efetuou.
O casamento consular acontece quando nubentes de mesma nacionalidade se casam no exterior perante autoridades consulares de seu país de origem, submetendo-se, assim, às regras do seu país natural, ao invés do país em que estão domiciliados.
De acordo com Decreto nº 61.078/67, que promulgou a Convenção de Viena sobre relações consulares, à autoridade consular é dado os seguintes poderes:
Art. 5o As funções consulares consistem em:
f) agir na qualidade de notário e oficial de registro civil, exercer funções similares, assim como outras de caráter administrativo, sempre que não contrariem as leis e regulamentos do Estado receptor; (...)
No Brasil, essa situação tem amparo legal no § 2º do artigo 7o da LINDB, senão vejamos:
Art. 7o A lei do país em que domiciliada a pessoa determina as regras sobre o começo e o fim da personalidade, o nome, a capacidade e os direitos de família.
§ 2º O casamento de estrangeiros poderá celebrar-se perante autoridades diplomáticas ou consulares do país de ambos os nubentes.
Esse dispositivo nos leva a concluir que pessoas de nacionalidades diferentes não poderão casar perante autoridades consulares do país de origem de um dos nubentes. Apenas pessoas que têm a mesma origem podem se submeter ao casamento consular para seguir as regras de seu país. Isso acontece devido à função que é imposta aos diplomatas ou consulares, que é a de proteger os seus nacionais, e não aqueles que tem domicílio no país.
A doutrina e a jurisprudência entendem que não se pode atribuir poderes a mais aos consulares e diplomatas, portanto, somente devem celebrar casamentos em que os nubentes sejam da mesma nacionalidade.
No Brasil, existem 112 países com consulados espalhados por seu território, entre eles: África do Sul, Estados Unidos, França, Alemanha, Portugal e Moçambique. Isso significa que ambos os cônjuges naturais desses países poderão celebrar casamento no Brasil sob as regras de seus respectivos países de origem, conforme artigo 7º, § 2º da LINDB.
De maneira geral, o casamento realizado em país estrangeiro, de acordo com as leis do país natural dos cônjuges, tem validade no país da celebração se não agredir as regras deste, consagrando-se em âmbito nacional, isto é, se o casamento preenche todos os pressupostos de validade e existência em país estrangeiro, também será um ato jurídico perfeito no Brasil.
Para que aconteça um casamento consular na França, mais especificamente em Paris, por exemplo, além da necessidade de ambos cônjuges terem a nacionalidade brasileira, é preciso que eles apresentem ao Consulado-Geral do Brasil em Paris o comprovante de residência no nome de um dos cônjuges, que tenha mais de 1 (um) ano na jurisdição consular, isto é, França metropolitana e Mônaco. Desta forma, percebe-se que não basta estar em Paris e desejar um casamento no território francês, deve-se estar domiciliado na jurisdição consular há mais de 1 (um) ano.
Outro exemplo bem comum aos viajantes é o casamento em Las Vegas. Este, diferentemente da celebração de casamento em Paris, não exige que o estrangeiro resida nos Estados Unidos da América. Ademais, assim como os demais casamentos, este também possui validade no Brasil.
Neste seguimento, de acordo com o estabelecido no artigo 1.544 do Código Civil, o casamento celebrado no exterior por autoridade consular necessita ser homologado no Brasil em até 180 dias, a partir da data que um ou ambos nubentes regressarem ao território nacional. Além disso, o registro deverá ser feito no cartório do respectivo domicílio ou, em sua falta, no 1o Ofício da Capital do Estado em que passarem a residir.
Primeiramente, faz-se necessário conceituar o Regime de Bens e o que ele abrange no âmbito do Direito Internacional Privado. Nas palavras do jurista brasileiro Haroldo Valladão, o Regime de Bens: “abrange apenas o conjunto das disposições que regulam os bens pertencentes aos nubentes na ocasião do casamento ou que vierem a adquirir na constância da sociedade conjugal”.[3]
Em 1942, a partir da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB), ficou consagrado no país o princípio do domicílio para reger os bens do casal.
Essa lei dispõe, em seu § 4º do artigo 7o, que o regime de bens, legal ou convencional, obedece à lei do país em que tiverem os nubentes domicílio, e, se este for diverso, a do primeiro domicílio conjugal. Tal regra aplica-se a nubentes de qualquer nacionalidade, brasileiros ou não, desde que tenham se casado no Brasil ou que tenham domicílio em terras brasileiras, conforme previsto no caput do referido artigo.
Dessa forma, pode-se afirmar que, para o regimento brasileiro, as questões relacionadas ao Direito de Família podem ser submetidas à lei do domicílio do casal, em consonância com o artigo 7°, caput, da LINDB, ou à lei do primeiro domicílio conjugal, consoante o artigo 7°, § 4°, da LINDB. Nesse último caso, a regra é válida para quando os nubentes tiverem domicílios internacionais diversos.
A principal questão que concerne o regime de bens no âmbito internacional é quando o casal se casa em um país, mas estabelece seu primeiro domicílio em outro, como, por exemplo: se os nubentes se casam no Brasil, e estabelecem seu primeiro domicílio em território brasileiro, o regime de comunhão parcial de bens será o adotado, se outro não for previamente estabelecido. Mas se o casamento é realizado em território nacional, e os cônjuges migram para outro país e estabelecem neste o seu primeiro domicílio, e, supondo, o regime legal de bens adotado nesse país seja o de comunhão universal de bens, então este teria que ser o adotado.
Se os cônjuges tiverem domicílios diferentes um do outro, ou, caso optem por morar em vários países distintos ao longo do casamento, podem acordar em qual país deve ser estabelecido o primeiro domicílio conjugal, tendo em vista qual regime é mais benéfico para eles.
Outrossim, o Direito Brasileiro legitima o princípio da imutabilidade do regime, conjuntamente com o princípio de ordem pública internacional, os quais preservam a alteração do regime de bens por mudanças de nacionalidade ou de domicílio posterior à celebração do matrimônio.
Nesse viés, portanto, somente é possível a modificação do regime convencional dos bens, na seguinte hipótese:
§ 5º - O estrangeiro casado, que se naturalizar brasileiro, pode, mediante expressa anuência de seu cônjuge, requerer ao juiz, no ato de entrega do decreto de naturalização, se apostile ao mesmo a adoção do regime de comunhão parcial de bens, respeitados os direitos de terceiros e dada esta adoção ao competente registro. (Redação dada pela Lei nº 6.515, art. 7°, de 1977.)
Com relação ao que regula o artigo 8° da LINDB, pode-se afirmar que esse dispositivo legal não se trata de determinação dos bens do casal, mas, sim, trata-se de Direito das Coisas, já que se leva em consideração o direito do lugar onde se encontram situados os bens. Terá repercussão no Direito de Família brasileiro em caso de partilha do patrimônio do casal quando se tratar de dissolução de sociedade conjugal.
O regime de bens do casamento e, também, da família, é discussão fundamental em todos os sistemas legislativos, não somente da Civil Law, como também é essencial seu debate na Common Law.
De modo geral, os legisladores, em todos os ordenamentos jurídicos, regulam o regime patrimonial do casal sob a luz de princípios que regem a ordem pública interna e internacional. Além disso, podem fundamentar suas decisões com base nos costumes e tradições do país, tendo-se um olhar mais voltado às razões sociais locais, tais como a condição jurídica da mulher, de sua maior ou menor subordinação ao marido, e da proteção preventiva, sendo esta maior ou menor, dos direitos de terceiros.
O divórcio é um ato jurídico legal e definitivamente consumado, do qual devem ser reconhecidas as consequências segundo a lei que originou a sua decretação. Tais consequências seriam: a separação de corpos, a divisão de bens e a faculdade para contrair novo enlace matrimonial (BEVILAQUA, 1978, p. 229).
No Brasil, a principal e atual regra de conexão para o reconhecimento do divórcio é, também, a lei do domicílio dos cônjuges, tal qual preceitua o caput do artigo 7° da Lei de Introdução ao Direito Brasileiro. Em detrimento disso, o domicílio é fator determinante para indicar a decretação do divórcio ou não do casal, segundo regimento do país nele situado.
Com relação a outros fatores correlacionados ao divórcio, como filhos e os bens dos nubentes relevantes para a partilha, é que o ordenamento jurídico brasileiro implementou a seguinte regra do § 6° do art. 7° da LINDB:
§ 6º O divórcio realizado no estrangeiro, se um ou ambos os cônjuges forem brasileiros, só será reconhecido no Brasil depois de 1 (um) ano da data da sentença, salvo se houver sido antecedida de separação judicial por igual prazo, caso em que a homologação produzirá efeito imediato, obedecidas as condições estabelecidas para a eficácia das sentenças estrangeiras no país. O Superior Tribunal de Justiça, na forma de seu regimento interno, poderá reexaminar, a requerimento do interessado, decisões já proferidas em pedidos de homologação de sentenças estrangeiras de divórcio de brasileiros, a fim de que passem a produzir todos os efeitos legais.
É válido ressaltar que após eficácia da Emenda Constitucional n° 66/2010, a qual instituiu o divórcio direto, não é mais necessário aguardar os prazos definidos para a separação judicial (FERREIRA, 2017).
Antes da promulgação do novo Código de Processo Civil, em vigor desde 2016, qualquer divórcio realizado no exterior, para ter eficácia no Brasil, precisava ser homologado pelo Superior Tribunal de Justiça. Contudo, com a nova lei, o § 5º do artigo 961 estabelece:
Art. 961. A decisão estrangeira somente terá eficácia no Brasil após a homologação de sentença estrangeira ou a concessão do exequatur às cartas rogatórias, salvo disposição em sentido contrário de lei ou tratado. §5o A sentença estrangeira de divórcio consensual produz efeitos no Brasil, independentemente de homologação pelo Superior Tribunal de Justiça.
Nessa perspectiva, é importante destacar que o novo CPC se refere apenas ao divórcio consensual, haja vista que a nova regra se torna válida apenas para divórcio consensual simples ou puro, que consiste exclusivamente na dissolução do casamento.
Em contrapartida, havendo filhos no casamento, surge a necessidade de regulamentação jurídica sobre a guarda de filhos do casal, alimentos e partilha de bens, isto é, configura-se o divórcio consensual qualificado, o qual, para ter eficácia no Brasil, será imprescindível sua homologação pelo Superior Tribunal de Justiça.
Assim, para divórcios litigiosos realizados em países estrangeiros, permanece a regra anterior, ou seja, a homologação pelo STJ é condição precípua para que seja atualizado o novo estado civil e suas eventuais consequências, sendo imprescindível até mesmo para os casamentos que não forem registrados em território nacional.
Outrossim, existe a possibilidade de ser reconhecido juridicamente no Brasil o divórcio concedido em país estrangeiro, caso os nubentes, que tenham domicílio situado no Brasil, queiram optar por requerer ação de divórcio conforme a lei brasileira e não de homologação de sentença estrangeira a ser reconhecida pelo Superior Tribunal de Justiça. Segundo o entendimento de Cahali:
Não homologada a sentença estrangeira de divórcio, subsiste na sua eficácia o vínculo matrimonial de modo a possibilitar que os cônjuges aqui domiciliados possam postular em juízo a dissolução do vínculo matrimonial segundo a lei brasileira, embora já divorciado o casal no estrangeiro. (CAHALI, 2005).
Se a homologação pelo STJ é necessária para que a pessoa seja considerada divorciada, existe uma discussão doutrinária a respeito da suposta bigamia praticada pelo ex-cônjuge que se casa novamente no Brasil sem ter a sentença estrangeira de divórcio litigioso homologada. Para quem defende essa tese, sem a devida homologação, esta pessoa ainda seria considerada casada no Brasil, e, neste caso, estaria praticando o delito de bigamia, previsto no artigo 235 do Código Penal:
Art. 235 – Contrair alguém, sendo casado, novo casamento:
Pena – reclusão, de dois a seis anos.
§ 1º – Aquele que, não sendo casado, contrai casamento com pessoa casada, conhecendo essa circunstância, é punido com reclusão ou detenção, de um a três anos.
§ 2º – Anulado por qualquer motivo o primeiro casamento, ou o outro por motivo que não a bigamia, considera-se inexistente o crime.
Entretanto, o artigo alhures nada especifica a respeito do divórcio litigioso celebrado no estrangeiro, deixando uma lacuna a respeito da ilicitude da conduta. Ainda assim, alguns doutrinadores consideram nulo o casamento realizado por cônjuge que ainda não tenha tido sentença de divórcio litigioso homologada, e as partes devem ser penalizadas pelo delito previsto no artigo, caso tenham conhecimento da situação de fato.
Por outro lado, existe outra corrente que defende que esse tipo de casamento não possui vício irreparável a nível de classificado como nulo, sendo o caso de apenas interporem perante o STJ a homologação da sentença, e, mesmo no caso de indeferimento da mesma, defendem que o atual casamento deve ser considerado anulável, e não nulo.
Existem julgados do próprio STJ a esse despeito, não sendo configurado crime de bigamia, já que a celebração do novo matrimônio seria nula. A justificativa está baseada na fundamentação de que o novo casamento seria considerado nulo e, consequentemente, inexistente (NASCIMENTO, 2016).
Diante de todo o exposto, é possível concluir que as relações sociais mudam ao longo dos séculos, e o casamento se torna um assunto cada vez mais frequente no âmbito do Direito Internacional Privado na medida em que pessoas de diferentes países desejam se unir por terem interesses em comum, diante da celebração do casamento.
Compreende-se que o Direito Internacional Privado serve justamente para solucionar conflitos de normas soberanas de diferentes países, a fim de estabelecer o melhor caminho para regulamentar a configuração da sociedade moderna e cada vez mais interligada.
Ao longo da realização deste artigo e dos diversos estudos acerca desse tema, pode-se aferir que os fatores principalmente sociais, culturais e econômicos de cada Estado influenciam muito na formação política e jurídica de cada um, de forma que o Direito de Família se constitui de variadas formas nos países.
No Brasil, por exemplo, a constituição e a dissolução da sociedade conjugal se perfazem sob a luz de princípios gerais do Direito Brasileiro e da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
Noutro giro, também analisou-se que a lei do domicílio dos nubentes é a principal regra que rege tanto o casamento quanto o divórcio no país, isto é, devem ser observadas as formalidades do local.
Assim, segundo Andrade e Silva (2014), os princípios mais relevantes para o direito internacional privado brasileiro, no que pertine ao casamento, são: a ordem pública, a fraude à lei, os direitos adquiridos, a instituição desconhecida, bem como a comparação com a posição da doutrina e jurisprudência brasileiras com a de outros países.
Dessa forma, para que o casamento celebrado e constituído no exterior do Brasil possa produzir efeitos jurídicos perante o Estado brasileiro, é necessário que tal ato jurídico esteja em conformidade com as leis brasileiras, para que então seja considerado válido e produza efeitos no âmbito jurídico.
Por fim, tendo como referência os casamentos dos brasileiros realizados nos consulados, é necessário que ambos os nubentes sejam da mesma nacionalidade, com fulcro na função imposta aos consulares e diplomatas, consoante parágrafo 2º, artigo 7o, da Lei de introdução às normas do direito brasileiro.
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RIZZARDO, Arnaldo. Direito de família. 8. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2011.
[1] Graduanda em Direito pela Universidade Federal do Amazonas - UFAM. E-mail para contato: [email protected]
[2] Pós-Doutor em Direito pela Universidade de Santiago de Compostela, na Espanha (2019). Doutor em Ciências Jurídicas pela Universidad Castilha la Mancha, na Espanha (2014). Mestre em Direito pela Universidade Gama Filho (2005). Graduado em Direito pelo Centro Universitário de Maringá (2001). Professor Adjunto da Universidade Federal do Amazonas - UFAM. E-mail: [email protected]
[3] In "Direito Internacional Privado", 3a ed., Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1983, V. II, P. 81.
Advogada. Graduada em Direito pela Universidade Federal do Amazonas (2022).
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