LUANA COSTA DE LUCENA[1]
(Coautora)
FRANCISCA JULIANA CASTELLO BRANCO EVARISTO DE PAIVA[2]
(Orientadora)
RESUMO: O presente artigo foi elaborado conforme a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), em maio de 2011, na qual os ministros da Suprema Corte, ao julgarem a ADI n° 4277 e ADPF nº 132, reconheceram, por unanimidade, a união homoafetiva como um núcleo familiar como qualquer outro. Dessa forma, o núcleo familiar sofreu diversas mudanças sob o aspecto social e jurídico, pois com a nova interpretação do artigo 226, § 3º a luz da dignidade da pessoa humana, da autonomia da vontade, da liberdade, da busca pela felicidade, o STF estabeleceu que não compete ao Estado decidir como as pessoas vão se relacionar. Diante disso, objetivo principal deste trabalho é analisar a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que atualmente é utilizada para proteger o reconhecimento da família homoafetiva no Brasil, garantindo, assim, os direitos e deveres básicos aos casais do mesmo sexo. Para isso, adotou-se como métodos de procedimentos metodológicos, no âmbito da pesquisa dedutiva de cunho bibliográfico, com o objetivo de analisar a veracidade do direito que a união homoafetiva dispõe juridicamente por intermédio das pesquisas e análises doutrinárias, jurisprudenciais, artigos científicos e leis vigentes.
Palavras-chave: União Homoafetiva; Família; ADI n° 4277; ADPF n° 132.
Sumário: 1. Introdução; 2. Evolução Histórica da União Homoafetiva. 3. Família: Pluralidade Familiar na Constituição Federal de 1998: 3.1 Família homoafetiva; 3.2 Aspectos jurídicos para o reconhecimento da união homoafetiva. 4. ADPF nº 132 e a ADI n°4277. 5. Considerações Finais; Referências.
1 INTRODUÇÃO
A presente pesquisa se volta ao estudo da decisão histórica do Supremo Tribunal Federal – STF que há 10 (dez) anos reconheceu a União Homoafetiva no Brasil, assim, o termo homoafetivo foi criado com a finalidade de diminuir a conotação pejorativa que se dava aos relacionamentos entre pessoas do mesmo sexo e, tornou-se uma expressão jurídica para tratar dos direitos relacionados a união desses casais.
Dessa forma, tem-se por delimitação do tema o objeto analisar a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, referente a decisão sobre a ADI n° 4277 e a ADPF n° 132, no que atualmente é utilizada para proteger o reconhecimento da família homoafetiva no Brasil, garantindo, assim, os direitos e deveres básicos aos casais do mesmo sexo.
Nesse sentido, será demonstrada a evolução da entidade familiar em um contexto histórico social e histórico-evolutivo, onde a família é uma acepção em constante mutação.
Deste modo, eis o problema de pesquisa: os avanços ocorridos entre o período de 2011 aos dias atuais, no qual o casamento homoafetivo começou a ganhar visibilidade na constituição familiar entre pessoas do mesmo sexo é acobertada pelo regramento jurídico de forma satisfatória?
O desenvolvimento da pesquisa terá como base na revisão da legislação e normas bibliográficas em Direito Civil sobre o determinado tema, como também através de coletas jurisprudenciais do Supremo Tribunal Federal, visando comprovar que, a ausência de legislação pertinente ao assunto ora abordado corrobora para que as relações homoafetivas são encaradas pela sociedade de maneira preconceituosa e, muitas vezes, de forma receosa pelo comportamento e reação dos espectadores.
É incontroverso o fato de não haver evidências concretas acerca da homoafetividade, visto que são diversas as especulações a esse respeito. Indaga-se se suas origens e causas advêm de condições genéticas ou psicossociais. Não obstante as inúmeras inquirições, a ciência, por meio de estudos, vem reafirmando a originalidade biológica para a homoafetividade, isto significa que o sentimento afetivo e desejo sexual por pessoa do mesmo sexo, é inerente ao ser humano.
Desta feita, o Supremo Tribunal Federal, em decisão histórica, deu uniformidade ao entendimento da lei, e assegurou o direito constitucional à igualdade e à não discriminação, reconhecendo aos casais do mesmo sexo, o direito básico e milenar de constituir uma família.
Diante disso, o artigo será desenvolvido mediante pesquisa bibliográfica com abordagem dedutiva, tendo como finalidade metodológica analisar o reconhecimento da união homoafetiva nos últimos 10 (dez) anos após a decisão do julgamento proferida pelo Supremo Tribunal Federal, em sede de ADI n° 4277 e ADPF n° 132.
Por fim, de forma a aprimorar a compreensão acerca do tema, serão desenvolvidas considerações sobre a união estável homoafetiva, os segmentos jurisprudenciais, bem como a análise jurídica sobre os avanços de direitos adquiridos pelas uniões desses casais.
2.EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA UNIÃO HOMOAFETIVA
A relação afetiva entre indivíduos do mesmo sexo é uma realidade que sempre irrompeu. A existência da homoafetividade, seja por ato instintivo ou não, remonta desde os primórdios da humanidade. Sabe-se que muita polêmica gira em torno deste tema, do qual se questiona se é um desvio comportamental, uma doença ou, até mesmo, uma questão biogenética. Em verdade, a homoafetividade não é algo novo criado pela sociedade contemporânea, afere-se que é um comportamento já existente há muito tempo, mesmo antes de Cristo, há evidencias que relações entre pessoas do mesmo sexo era prática comum.
Na Antiguidade, as alusões históricas relativamente à homoafetividade são mais comumente encontradas na Grécia Antiga e no Império Romano. É costumeiro que muitos acreditem que nessas civilizações a homossexualidade fosse algo integralmente tolerável, no entanto não era bem assim.
Da mesma forma que a heterossexualidade estava ligada à procriação, a homoafetidade na Grécia tinha funções específicas que a afastavam da noção de diversidade sexual que temos hoje. Os cidadãos gregos se comportavam tanto heterossexual como homoafetivamente em determinados contextos sociais e, apenas dentro desses contextos, sua sexualidade era plenamente respeitada (FERRERE, 2019).
As relações homoafetivas são encaradas pela sociedade de maneira preconceituosa e, muitas vezes, este fato causa receio pelo comportamento e reação dos espectadores. Isto deve-se à ausência de legislação pertinente ao assunto, vez que os legisladores se omitem relativamente à regulamentação da união homoafetiva.
É cediço que ao longo dos anos a concepção de família passou por diversas transformações, com a finalidade de acompanhar a evolução social. Diante disso, a família tradicional abandonou o antigo estereótipo de pai, mãe e filhos e passou a ser composta por entes, na qual o vínculo de parentesco não prevalece, mas sim a afetividade e o amor. Em razão de certas mudanças, (GONÇALVES, 2021) explica que: “o direito de família no Brasil experimentou interferência, principalmente, da família romana, canônica e germânica, e apenas pouco tempo atrás é que passou a seguir diretrizes próprias, com adaptações à realidade brasileira”.
Nesse sentido, Paulo Lobo (2020), ressalta que na atualidade é julgado um ato jurídico negocial solene, público e complexo, por meio do qual uma mulher e um homem, manifestando suas vontades, montam uma família que é confirmada pelo Estado.
Portanto, percebe-se que as relações de afeto e amor entre pessoas do mesmo sexo têm origem na antiguidade, este fato destoa da suposição de muitos indivíduos, visto que acreditam que a homoafetividade seja um comportamento criado pela sociedade moderna. Esta linha de pensamento é um tanto ultrapassada, haja vista a ascendência de diversos estudos que comprovam a ancestralidade destas relações.
3 FAMÍLIA: PLURALIDADE FAMILIAR NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988
As relações humanas com o passar dos anos vêm se multiplicando de várias modalidades e com esse avanço, no decorrer do tempo, a palavra “família” acarretou o surgimento de várias novas ramificações. Atualmente, o clássico centro familiar que era caracterizado pela “família padrão”, constituída pelo liame do pai, mãe e filho, teve uma quebra no modelo do ordenamento jurídico brasileiro.
Graças à atual Carta Maior houve uma ruptura com os paradigmas clássicos de família consagrada pelo casamento e admitiu a existência e a consequente regulação jurídica de outras modalidades de núcleos familiares. De tal modo, essa temática foi de grande repercussão e ganhou notoriedade no nosso ordenamento jurídico brasileiro. Entretanto, só foi possível esse reconhecimento através das normas contidas no ordenamento jurídico, que foram de encontro com a interpretação contida no Código Civil Brasileiro que impediam o casamento homoafetivo.
A Carta Magna reconheceu a família como a base da sociedade desde os tempos imemoriais, assim, tem como escopo a proteção e as garantias fundamentais do Estado. Logo, a família contemporânea vem se resguardando nos princípios constitucionais, inclusive, foi colocada em debate pelo Poder Judiciário brasileiro, garantindo ao ser humano o reconhecimento da realidade devido à flexibilização da sociedade civil brasileira em atenção ao condicionamento da Constituição Federal.
O modelo familiar, no século XXI, é formado pelo elemento propulsor das maiores felicidades e, é muito mais do que o DNA, pois o importante é o amor que existe entre o laço familiar e, ao mesmo tempo, é onde vivenciamos as maiores dores, frustações, traumas, medos e dramas (GAGLIANO, 2019). O reconhecimento do direito à preferência sexual é uma garantia fundamental tutelada do ser humano, sendo que independentemente de qual sexo a pessoa seja, não serve de fator para desigualdade jurídica, especialmente, quando se trata de matrimônio com o intuito de constituir uma família.
Com a promulgação da Constituição Federal de 1988 ocorreram diversas mudanças no âmbito jurídico, como também no quesito social, religioso, cultural e afetivo, portanto, estruturando, assim, novos conceitos conforme os valores morais e costumes sociais da coletividade, nos quais se desenvolveram ao decorrer dos anos. Logo, “[...]consagrou a concepção da multiplicidade de modalidades de arranjos familiares, não sendo taxativo o rol constante do art. 226 (composto do casamento, união estável e família monoparental), mas, sim, meramente exemplificativo” (GAGLIANO, 2019).
Neste passo, é impossível aceitar somente a família patriarcal ou a família imposta pelo poder do Estado e da Igreja, pois com os avanços e atualizações das leis, a sociedade, passou a reconhecer várias conceituações sobre família. De tal modo, “o pluralismo das relações familiares provocou mudanças na própria estrutura da sociedade. Rompeu-se o aprisionamento da família nos moldes restritos do casamento. A consagração da igualdade, o reconhecimento da existência de outras estruturas de convívio, a liberdade de reconhecer filhos havidos fora do casamento operaram verdadeira transformação na família. Já não se condiciona aos paradigmas originários: casamento, sexo e procriação” (DIAS, 2021, p. 444).
Por fim, o reconhecimento da pluralização familiar, a partir da Constituição Federal de 1988, garantiu o avanço na formação de entidades familiares, repercutindo-se na forma de tratamento das relações interindividuais familiares na sociedade brasileira e garantindo o direito democrático, protegendo, assim, as garantias fundamentais impostam pela Carta Magna.
3.1 Família homoafetiva
A família homoafetiva é a união de pessoas do mesmo gênero com a finalidade de constituir o mesmo núcleo familiar. Entretanto, as relações de casais homoafetivos, por muito tempo, ficaram excluídas do ordenamento jurídico devido ao preconceito e o estigma existente na sociedade.
De fato, as uniões homoafetivas sempre existiram, contudo era algo muito sigiloso, pois não era permitido o casamento entre pessoas do mesmo sexo na Igreja Católica, sendo, assim, a família era vista como algo sagrado, onde para a Igreja era constituída apenas na relação entre um homem e uma mulher.
Dessa forma, a Igreja Católica aplicava penas para os cristãos que não seguiam conforme os dogmas católicos. Assim, “em face do repúdio social, fruto da rejeição de origem religiosa, as uniões de pessoas do mesmo sexo receberam, ao longo da história, um sem-número de rotulações pejorativas e discriminatórias” (DIAS, 2021).
Ainda de acordo com Maria Berenice Dias, após a Constituição Federal, assegurar o direito da proteção à família, independente do matrimonio, “Foi no âmbito do Judiciário que, com o nome de uniões homoafetivas, o relacionamento entre iguais mereceu reconhecimento. Esta expressão insere também no conceito de família, as constituídas independentemente da identidade de gênero dos seus integrantes”.
Diante desse cenário, a sexualidade de cada indivíduo é um direito fundamental decorrente do princípio básico que é a dignidade da pessoa humana, nesse sentido, umas das proteções básicas são os direitos da minoria diante do arbítrio ou do descaso das maiorias. Além disso, existem outros princípios constitucionais, sendo eles: princípio da igualdade, da não discriminação, da liberdade e da proteção à segurança jurídica, que conferem e protegem o reconhecimento do casamento com o intuito de constituir uma família.
“A família homoafetiva ganha espaço na sociedade com discussões acaloradas e reconhecimento cada vez mais amplo de nossos tribunais em todos os níveis, seguido pela legislação” (VENOSA, 2017). Corroborando com tal entendimento, o Supremo Tribunal Federal julgou conjuntamente a ADPF nº 132 e ADI nº 4277 reconhecendo, assim, a legalidade da união homoafetiva. A decisão do STF, vai de encontro com o que dispõe o artigo 1.723, do Código Civil, pois esse dispositivo aduz que “é reconhecida como entidade familiar a união estável entre homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família”.
Deste modo, a decisão do julgamento não configura Lei, mas é uma conquista de grande valia para os casais homoafetivos, pois garante aos casais do mesmo sexo que vivem em união estável, usufruindo de todas as garantias, proteção e direitos fundamentais existentes no ordenamento jurídico brasileiro. Afinal, todas as pessoas merecem ser felizes, independentemente de qual seja a sua preferência sexual.
3.2 Aspectos jurídicos para o reconhecimento da união homoafetiva
A omissão legislativa no tocante às uniões homoafetivas é silente, face a inexistência de regramento jurídico que trate de maneira adequada a matéria. No entanto, aludida lacuna não fará com que tais relações jurídicas sejam excluídas relativamente à tutela jurisdicional adequada. A atual propensão de ampliar os veículos afetivos, consagrando um modelo de família menos tradicionalista, preterindo o casamento a outro nível, com a criação de diversas estruturas de convivência, associado aos princípios constitucionais, conduz-se a uma moderna visão sobre a entidade familiar, fato que abrange o relacionamento homoafetivo. Pronuncia-se Pierre Bourdieu sobre a quebra do paradigma familiar conservador:
Sabe-se que, como o casamento é um instituto que abrange diversas questões do campo da moral, principalmente relacionadas à religião, a união matrimonial entre pessoas do mesmo sexo não é expressamente prevista na legislação brasileira13. Isso não impede, contudo, que o instituto seja aplicado a essas situações, com isonomia e razoabilidade, pois atualmente o Estado não é mais guiado pelos princípios religiosos, mas sim pelos princípios constitucionais.
Conforme supracitado, a supressão legislativa não representa ausência de direito e muito menos evita a produção de efeitos jurídicos deste tipo de situação fática, fazendo com que a omissão do legislador seja suprida por meio da analogia, costumes e princípios gerais do direito. Conforme a Lei de Introdução ao Código Civil “quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito”. Há preceito análogo no Código de Processo Civil, ao dispor em seu artigo 126 que “o juiz não se exime de sentenciar ou despachar alegando lacuna ou obscuridade da lei. No julgamento da lide caber-lhe-á aplicar as normas legais; não as havendo, recorrerá à analogia, aos costumes e aos princípios gerais de direito”. Nessa perspectiva, a acepção encontra contornos essenciais, visto que terá por objeto deslindar a maneira e os meios de assegurar juridicamente o interesse desse agrupamento vítima da exclusão social.
Ao operador do direito cabe decifrar a lei na sua integralidade, procurando adequar as lacunas existentes entre as normas constitucionais e adequá-las à impertinência da realidade, porquanto a acepção de um mandamento amplo jamais pode suprimir de seus efeitos situações e tipos comuns, restringindo direitos subjetivos, até porque não se pode perder de vista a comutação do desígnio da norma que presentemente não é mais a família, como préstimo independente, mas sim as pessoas que a compõem.
À vista disso, Paulo Luiz Netto Lobo, aponta a dinamicidade das entidades familiares como um progresso constitucional, por conceber o artigo 226 da Constituição Federal uma disposição geral de inserção, jamais sendo razoável excluir qualquer entidade que complete os pressupostos de afetividade, estabilidade e ostensibilidade.
A eminência das uniões homoafetivas à categoria de entidade familiar igualmente se assenta no emprego manifesto dos princípios constitucionais da isonomia, da dignidade da pessoa humana, da liberdade e da segurança jurídica. Consoante preceitua Ronald Dworkin:
Denomino ‘princípio’ um padrão que deve ser observado, não porque vá promover ou assegurar uma situação econômica, política ou social considerada desejável, mas porque é uma exigência de justiça ou equidade ou alguma dimensão de moralidade.
Ao internalizar o ambiente familiar Daniel Sarmento elucida que a regulamentação das relações familiares passa a ser efetiva pela principiologia constitucional mediante os princípios da paternidade consciente; da afetividade; da igualdade; da supremacia dos interesses dos filhos e, primordialmente, da dignidade da pessoa humana que, por ser um valor nuclear, confere unidade teleológica a todos os demais princípios e regras constitucionais e infraconstitucionais.
Um preceito normativo concreto que contempla a concepção de união homoafetiva, conferindo um imenso avanço para o reconhecimento destas relações, está inserido no artigo 5º, da Lei nº 11.340/06, que dispõe:
Art.5º Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e de dano moral ou patrimonial:
I – (...)
II – no âmbito familiar, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa;
III – (...) Parágrafo único. As relações enunciadas neste artigo independem de orientação sexual. Maria Berenice Dias enfatiza posicionamento doutrinário referente a legislação: O reconhecimento da união homoafetiva como família é expresso, pois a Lei Maria da Penha incide independentemente da orientação sexual. Assim, lésbicas, travestis, transexuais e transgêneros, que têm identidade feminina, estão ao seu abrigo quando a violência ocorre entre pessoas que possuem relação afetiva no âmbito da unidade doméstica ou familiar.
Na esfera jurisprudencial, certifica-se que o Judiciário não se omitiu e ao decorrer dos últimos tempos tem reconhecido as uniões homoafetivas. Decerto, é primordial uma integração do direito, enquanto inexista no Direito Brasileiro uma legislação específica que tutele as relações homoafetivas. Esse litígio foi resolvido parcialmente pela decisão do Supremo Tribunal Federal.
Nessa esteira, interessante avultar que o Brasil não tomava conhecimento das relações homoafetivas perante a ausência de lei específica e, portanto, não lhe dava corroboração plena e exatamente por isto é necessária a regulamentação do tema para que as relações não fiquem à mercê de análises subjetivas do Poder Judiciário, tampouco disposto à margem pela insuficiência de normatização.
4 ADPF n° 132 e a ADI n° 4277
A Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI, nº 4.277 de 2009, foi proposta pela Procuradoria – Geral da República, inicialmente como APF 188, com o objetivo de reconhecer o casamento homoafetivo como entidade familiar, e a equiparação dos direitos garantias constitucionais em relação aos casais entrem homens e mulheres. Já a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF, nº 132, foi apresentada pelo Governador do Estado do Rio de Janeiro, em 2008, com a finalidade de afrontar o Estatuto dos Servidores Públicos Civis do Estado, Decreto-Lei n° 220/1975, com base a interpretação à Constituição Federal, no que diz respeito a equiparação da união homossexual à união estável heterossexual.
Nessa esteira, o Relator do julgamento, Ministro Ayres Britto, em seu voto discorreu que “merecem guarida os pedidos formulados pelos requerentes de ambas as ações. Pedido de “interpretação conforme à Constituição” do dispositivo legal impugnado (art. 1.723 do Código Civil), porquanto nela mesma, Constituição, é que se encontram as decisivas respostas para o tratamento jurídico a ser conferido às uniões homoafetivas que se caracterizem por sua durabilidade, conhecimento do público (não-clandestinidade, portanto) e continuidade, além do propósito ou verdadeiro anseio de constituição de uma família”.
Desta feita, o “[...] julgamento cuja procedência foi proferida por unanimidade e que conferiu ao artigo 1.723 do Código Civil interpretação conforme à Constituição, para dele excluir qualquer significado que impedisse o reconhecimento da união contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como família. Diante do teor do artigo 102, § 2°, da CF, fica vedada qualquer desobediência das decisões definitivas de mérito proferidas pelo Supremo Tribunal Federal nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade, que produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e da administração pública direta e indireta, em suas esferas federal, estadual e municipal” (MADALENO, 2020, p. 88).
Nesse contexto, a Suprema Corte reconheceu por unanimidade, com eficácia erga omnes e efeito vinculante, a união homoafetiva como entidade familiar, garantindo todos os direitos fundamentais tanto para a família homoafetiva quanto à família heteroafetiva e, ao mesmo tempo, quebrando as mazelas que a Justiça dificultava no reconhecimento na união de casais com a orientação sexual ambos iguais. Atualmente, é perceptível a discriminação das pessoas em razão do sexo, pois a sociedade brasileira ainda demonstra rejeição na relação de pessoas do mesmo sexo.
Após o entendimento jurisprudencial, as ADI’s, ocasionaram uma nova concepção no que diz respeito ao conceito família, no âmbito do Direito das Famílias, portanto, união de duas pessoas do mesmo gênero pode constituir uma família matrimonializada na sociedade, alterando, então, paradigmas societários e avançando no que dispõem sobre os institutos familiares.
Nesse sentido, “como a decisão tem efeito vinculante e erga omnes, não se pode admitir outra forma de interpretação que não seja o enquadramento da união homoafetiva como família, com a incidência dos mesmos dispositivos legais relativos à união estável, por analogia” (TARTUCE, 2021).
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A análise deste artigo teve como finalidade abordar a entidade familiar à luz da Constituição Federal, do Código Civil e da jurisprudência, sobretudo, a do Supremo Tribunal Federal em sede de ADI (4277) e ADPF (123), na qual foi reconhecida a união estável homoafetiva e, consequentemente, uma nova concepção de família.
Reiterando o supracitado, após o entendimento jurisprudencial, as ADI’s, ocasionaram uma nova concepção no que diz respeito ao conceito família, no âmbito do Direito das Famílias, portanto, união de duas pessoas do mesmo gênero pode constituir uma família matrimonializada na sociedade, alterando, então, paradigmas societários e avançando no que dispõem sobre os institutos familiares.
Em que pese a omissão legislativa no tocante às uniões homoafetivas, face a inexistência de regramento jurídico que trate de maneira adequada a matéria, a aludida lacuna não fará com que tais relações jurídicas sejam excluídas da proteção jurisdicional, visto que essas relações devem ser englobadas pela legislação, de forma a concretizar os preceitos constitucionais balizadores do ordenamento jurídico brasileiro.
Portanto, a atual propensão de ampliar os veículos afetivos, consagrando um modelo de família menos tradicionalista, preterindo o casamento a outro nível, com a criação de diversas estruturas de convivência, associado aos princípios constitucionais, conduz-se a uma moderna visão sobre a entidade familiar, fato que abrange o relacionamento homoafetivo, necessitando ser resguardado pelo ordenamento jurídico.
REFERÊNCIAS
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BRASIL. Superior Tribunal Federal (STF). Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 132, Relator Ministro Ayres Britto. Tribunal Pleno, 05 maio 2011. DJe-198. Disponível em: <https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=628633>. Acesso em 20 de out. de 2021.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>. Acesso em 20 out. de 2021.
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VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: família / Sílvio de Salvo Venosa. – 17. ed. – São Paulo: Atlas, 2017.
[1]Acadêmica do Curso de Direito do Centro Universitário Santo Agostinho - UNIFSA. E-mail: [email protected]
[2] Professora Mestre do Curso de Direito do Centro Universitário Santo Agostinho - UNIFSA. E-mail: [email protected]
Acadêmica do Curso de Direito do Centro Universitário Santo Agostinho - UNIFSA. E-mail: [email protected]
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