ANDRESSA MENDES DA SILVEIRA AVELINO[1]
(coautora)
ANDRÉIA NÁDIA LIMA DE SOUSA PESSOA[2]
(orientadora)
RESUMO: Este artigo apresenta um debate teórico com base na intervenção do Poder Judiciário, por meio do Ativismo Judicial, nas funções típicas do Poder Executivo, mais especificamente no caso do Mandado de Segurança Coletivo nº 37.097/DF que atacou a nomeação de Alexandre Ramagem Rodrigues para o cargo de Diretor-Geral da Polícia Federal. O referido Mandado de Segurança fora relatado pelo Supremo Tribunal Federal, momento em que abordamos a constitucionalidade desse ato tendo em vista a falta de representatividade popular no Poder Judiciário de acordo com o princípio do Estado Democrático de Direito, onde o poder emana do povo, sendo ele o responsável por escolher os seus representantes políticos, aqueles em que acredita serem os que melhor administrariam os interesses da sociedade. A questão é de difícil solução, pois até mesmo as jurisprudências do Tribunal julgador apresentam inconsistências uma vez que casos da mesma esfera já haviam sido analisados e decididos de forma diversa. Assim, buscamos entender até que ponto o Poder Judiciário colaborou com a quebra do princípio democrático nesse caso.
Palavras-chave: Princípios Constitucionais, Intervenção do Poder Judiciário, Caso Ramagem, Poder Executivo, Três Poderes do Estado.
SUMÁRIO: 1 INTRODUÇÃO. 2 Digressão Histórica e Tripartição dos Poderes no Brasil. 2.1 Contexto Histórico. 2.2 Tripartição Dos Poderes No Brasil. 3 (Neo)Constitucionalismo, Ativismo Judicial e Princípios Constitucionais. 3.1 (Neo)Constitucionalismo. 3.2 Ativismo Judicial. 3.3 Princípios Constitucionais. 4 Análise da Interferência do Poder Judiciário no Mandado de Segurança Coletivo nº 37.097/DF. 4.1 Análise de Jurisprudências dos Tribunais Superiores. 4.2 Interferência do Poder Judiciário no Mandado de Segurança Coletivo nº 37.097/DF. 5 CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS.
A ideia de divisão dos Poderes criada por Montesquieu é viva até hoje e está muito bem delimitada no art. 2º da Constituição Federal brasileira. A Constituição da República de 1988 é um marco histórico e memorável por constituir o Estado Democrático de Direito, garantindo direitos e observando os deveres dos cidadãos e autoridades brasileiras.
O século XXI chegou com inúmeros casos de instabilidade política, econômica e judiciária, comprometendo em alguns aspectos o então Estado Democrático de Direito. Os Três Poderes do Estado passaram a interferir nas competências típicas de outros, principalmente o Poder Judiciário Federal, surgindo então questionamentos a respeito da constitucionalidade e legalidade desses atos então denominados de ativismo judicial.
O Poder Judiciário faz papel de protetor e garantidor da eficácia dos direitos fundamentais no Estado brasileiro, sendo dever do Magistrado assegurar esses direitos nos casos concretos, mas também é de sua competência observar o preenchimento dos requisitos constitucionais dos atos dos demais Poderes, como no caso aqui abordado da suspensão liminar de eficácia de nomeação de Diretor-Geral da Polícia Federal em sede do Mandado de Segurança Coletivo nº 37.097/DF, restando a dúvida sobre até que ponto essa interferência busca, verdadeiramente, assegurar os direitos da população ou se é uma decisão meramente política, competência essa que o Poder Judiciário não é revestido.
O tema é de ímpar apreciação na atual conjuntura do Estado e ordem constitucional, forçando a sociedade a encarar com o olhar crítico as situações que circundam o Poder Judiciário e Poder Executivo brasileiro. O estudo busca analisar a estrutura dos três Poderes do Estado, suas funções típicas e atípicas, bem como a constitucionalidade e legalidade do ativismo judicial no caso concreto.
Para o artigo utilizamos a metodologia qualitativa através da revisão de dados em Direito Constitucional, momento em que selecionamos jurisprudências dos Tribunais Superiores acerca da interferência do Poder Judiciário nos atos da Administração Pública no período de 2020 a 2021, a fim de comparar teoria e prática e como o Poder Judiciário vem decidindo casos dessa esfera.
Observar-se-á as descobertas acerca do caso concreto da suspensão liminar de eficácia de nomeação de Diretor-Geral da Polícia Federal em sede do Mandado de Segurança Coletivo nº 37.097/DF, analisando e expondo os dados bibliográficos encontrados que são pertinentes.
O artigo tem por objetivo compreender à interferência de Poder Judiciário Federal sobre o Poder Executivo Federal, a tripartição dos Poderes, a constitucionalidade e legalidade da interferência por meio do ativismo judicial e se há quebra do princípio democrático. Para isso, o presente foi dividido em 3 (três) capítulos para melhor compreensão e interpretação da leitura, buscando evoluir contexto histórico e questionamentos no decorrer das passagens bibliográficas. No primeiro capítulo discorremos sobre a digressão histórica e tripartição dos poderes no Brasil. No segundo capítulo falamos sobre o (Neo)constitucionalismo, Ativismo Judicial e Princípios Constitucionais. Em seguida, no terceiro e último capítulo, fizemos uma análise da Interferência do Poder Judiciário no Mandado de Segurança Coletivo nº 37.097/DF.
O tema é de relevância bastante atual e ajudará a formar cidadãos que desempenham papel de críticos, construtores e transformadores da sociedade, ajudando a encararem com o olhar crítico as situações que circundam o Poder Judiciário e Poder Executivo brasileiro.
2 DIGRESSÃO HISTÓRICA E TRIPARTIÇÃO DOS PODERES NO BRASIL
Quando falamos sobre o princípio da separação dos poderes, de imediato, lembramos das incontáveis aulas de história sobre Montesquieu que recebemos tanto em nosso ensino fundamental, como posteriormente em nossa graduação, porém engana-se quem pensa que o referido princípio foi gerado pelo escritor.
O início da teoria sobre a separação dos poderes, remota a mais de 2000 anos antes de Montesquieu, com o filosofo Platão na Grécia. Em uma de suas principais obras, chamada “A República”, o filosofo destacava a importância da divisão das funções do estado, para que elas não estivessem concentradas nas mãos de uma só pessoa, de acordo com Platão (2012) o homem perde sua virtude, se tiver em suas mãos um grande poder; com base nessas ideias, defendia veementemente a separação dos poderes.
Seguindo a diante, temos Aristóteles (1913), filósofo grego que foi o primeiro a esboçar, mesmo que de maneira primitiva o princípio da separação dos poderes, de forma que defendeu que em todo governo existem três funções essenciais, que são: A função Deliberativa, o qual cabia a deliberação sobre os negócios do Estado; a função Executiva, o qual compreendia todos os poderes necessários a ação do Estado; e por último a função Judicial, que abrange todos os cargos de jurisdição. Assim como seu professor Platão, Aristóteles (1913) acreditava que o poder concentrado e atribuído a um único individuo era perigoso, já que uma única pessoa além de poder ser corrompida não poderia ser capaz de prever tudo aquilo que nem mesmo a lei era capaz de prever.
Seguindo alguns milhares de anos à frente, no século XVI, Maquiavel (2000) em sua obra “O Príncipe”, a seu próprio modo, também contribuiu para a formação do ideal da separação dos Poderes, expondo uma França com três poderes distintos, porém interligados, sendo esses os poderes: Legislativo, o qual é representado pelo Parlamento; Executivo, representado pelo Rei; e por fim o Judiciário, um poder autônomo. Tal afirmação causa descrença, haja vista que segundo a mesma obra, Maquiavel era um defensor do poder absoluto do Rei, porém tal forma de pensamento tem mais coerência quando percebemos que o filosofo apenas simpatizava com esse ideal para dar mais liberdade ao Rei, segundo Dalmo de Abreu Dallari (2012, p.216):
É curioso notar que Maquiavel louva essa organização porque dava mais liberdade ao rei. Agindo em nome próprio o Judiciário poderia proteger os mais fracos, vítimas de ambições e das insolências dos poderosos, poupando o rei da necessidade de interferir nas disputas e de, em consequência, enfrentar o desagrado dos que não tivessem suas razões acolhidas.
Um século após Maquiavel, no século XVII, inicia-se os acontecimentos da “Revolução Gloriosa”, onde pela primeira vez os ideais da separação dos Poderes, mesmo que de forma falha, foram implementados, na declaração de direitos que limitava o poder real, chamada de “Bill of Rights”, segundo o jurista Fabio Konder Comparato (2015):
O essencial do documento foi a instituição da separação de poderes, com a declaração de que o Parlamento é um órgão precipuamente encarregado de defender os súditos perante o Rei, e cujo funcionamento não pode, ficar sujeito ao arbítrio deste. Ademais, o Bill of Rights veio fortalecer a instituição do júri e reafirmar alguns direitos fundamentais dos cidadãos, os quais são expressos até hoje, nos termos, pelas Constituições modernas, como o direito de petição e a proibição de penas inusitadas ou cruéis.
Nos acontecimentos da “Revolução Gloriosa” as teorias de um filosofo serviram de embasamento ideológico, seu nome era John Locke, em sua obra “Segundo Tratado Sobre o Governo Civil” de 1690, Locke discorre sobre a existência de três poderes que deveriam exercer as funções do governo, são eles: Poder Legislativo, o qual competia ao parlamento e para ele era o poder superior aos demais pois em suas próprias palavras (2001) “aquele que pode legislar para um outro lhe é forçosamente superior”; Poder Executivo o qual cabia a aplicação das leis; e Poder Federativo o qual era atribuído o cuidado das relações internacionais do governo. A filosofia de Locke desde sempre esteve pautada na resolução de conflitos políticos e religiosos, de tal forma que, foi na separação dos Poderes que ele baseou sua proposta para uma forma de governo eficaz.
Finalmente chegamos a Montesquieu, filósofo e político que concebeu as ideias que utilizamos atualmente sobre o princípio da Separação dos Poderes, sobre ele, Alexandre Hamilton, em seu livro “O Federalista” (2003, p. 299) discorre:
O oráculo sempre consultado e sempre citado nessa matéria é Montesquieu. Se ele não é autor do inestimável preceito de que falamos, pelo menos foi ele quem melhor o desenvolveu e quem o recomendou de uma maneira mais efetiva à atenção do gênero humano.
Montesquieu, através de sua obra “O espírito das leis”, publicado em 1748, traz a ideia de três poderes harmônicos e independentes entre si, sendo eles o Poder Legislativo, o Poder Executivo e o Poder Judiciário, de acordo com sua concepção o poder do Estado passaria a ser limitado, já que assim como os demais filósofos que contribuíram com a formação da teoria da Separação dos Poderes, Montesquieu acreditava nos perigos da concentração de todos os poderes do Estado em um só órgão, de forma que tal poder deveria ser dividido entre funções especificas a órgãos independentes, assim culminando na limitação do poder em razão de sua incompletude, em outras palavras o poder era limitado pelo próprio poder, essa forma de limitação foi denominada de “Sistema de Freios e Contrapesos” sistema pelo qual cada poder deve exercer determinada função, porem esse poder deve ser limitado pelos outros poderes.
No parâmetro constitucional brasileiro, o princípio da separação dos poderes é um dos princípios gerais que circundam o tema, sendo consagrado no art. 2º da Constituição Federal de 1988 e para que discorramos sobre o Estado Democrático de Direito posteriormente, é preciso que compreendamos essa divisão.
2.2 TRIPARTIÇÃO DOS PODERES NO BRASIL
A Primeira vez em que a separação dos poderes foi adotada no Brasil, foi surpreendentemente em sua primeira constituição a de 1824, porem como é de se esperar por se tratar de um período de tempo em que o Brasil ainda era Império, a implementação dessa forma de divisão de poderes foi falha, ao ponto em que pode se chamar de “pseudo separação de poderes” em razão da figura do Imperador deter o condão de ir contra todos os três poderes originais, por meio de seu poder exclusivo, o poder moderador, segundo Gilmar Mendes (2021), o poder moderador, a novidade que mais se menciona quando se fala da constituição de 1824 é a chave de toda a organização Política, e é delegado privativamente ao imperador.
Posteriormente a constituição de 1824, foi implementado a segunda Constituição do Brasil, denominada de “Constituição da Republica dos Estados Unidos dos Brasil de 1891” que trouxe inúmeras mudanças na separação dos poderes, haja visto que essa foi a primeira Constituição da República, do Federalismo e do Presidencialismo no Brasil, ao passo em que extinguiu o poder moderador e defendeu a separação e independência dos poderes, onde segundo Gilmar Mendes (2021) a constituição de 1891 criou a Justiça Federal, ao lado da Estadual, estabelecendo o Supremo Tribunal Federal no ápice do poder judiciário, garantindo que os juízes não mais poderiam ser suspensos por ato do executivo ao assegurar-lhes a vitaliciedade e a irredutibilidades de vencimentos.
Seguindo a diante, quatro décadas após a segunda Constituição brasileira, foi adotada terceira, no ano de 1934, que continuou instituindo a tripartição dos poderes assim como sua predecessora, porém imponto que os poderes deviam ser coordenados entre si ao atribuir ao Senado Federal a função de coordenar os poderes Federais, fazendo isso segundo Gilmar Mendes (2021) ao instituir o mecanismo da suspensão, pelo Senado, das leis invalidadas na mais alta corte.
Três anos à frente, durante a era Vargas, foi instituída a Constituição de 1937, a qual foi um grande retrocesso a separação dos poderes, para isso bastando lembrarmos que, ela foi a única Constituição a não prever expressamente a separação dos poderes e ao fortalecer grandemente o Executivo, de acordo com Gilmar Mendes (2021) o Presidente da República no artigo 37 dessa constituição era disposto como “autoridade suprema do Estado”, podendo adiar sessões do parlamento, além de lhe ser conferido a discrição de dissolver o legislativo.
No mesmo passo, após a queda de Getúlio Vargas, promulgou-se a constituição de 1946, reestabelecendo a separação dos poderes nos moldes da Constituição de 1937, ao reduzir o extenso rol de poderes conferidos ao executivo durante o governo Vargas, segundo Gilmar Mendes (2021) a Constituição de 1946 reinstalou a democracia representativa, com o poder sendo exercido por mandatários escolhidos pelo povo em razão disso voltou-se levar-se a sério a formula federal do Estado, dessa forma sendo assegurado autonomia real entre os Estados-Membros, pelas mesmas razões o Legislativo reassumiu seu prestigio, sendo conferido a ele novamente a exclusividade da função de legislar.
Após a Constituição de 1946, chegamos à última, antes da constituição de 1988, sendo ela a malvista Constituição de 1967, período marcado pelo regime militar. Essa Carta magna, inicialmente preconizava a separação dos poderes assim como a de 1946, porem na prática, não se via o equilíbrio entre os poderes, tal fato, se exacerbou ainda mais, após a Emenda Constitucional 1/1969 a qual fortaleceu muito os poderes do executivo, ao ampliar por uma margem ampla as situações em que o decreto-lei era cabível, conforme preconiza Gilmar Mendes (2021) a Constituição de 1967 tinha caráter centralizador e entregava ao Presidente da República copiosos poderes, o qual podia até mesmo fechar as casas legislativas das três esferas da Federação em virtude do Ato institucional nº 5, o conferindo até mesmo a capacidade de legislar por meio de decretos-leis.
Após essa breve contextualização acerca da separação dos poderes nas diversas Constituições brasileiras, iniciaremos discorrendo sobre o Poder Legislativo, mas antes mesmo de exemplificá-lo em âmbito Federal, Nathalia Masson (2020, p. 859) lecionou:
Os Estados contemporâneos não mais se coadunam com a inflexibilidade da separação de Poderes típica dos séculos XVIII e XIX, segundo qual cada Poder exerceria uma única função típica, ínsita à sua natureza, agindo de modo autônomo e dissociado dos demais órgãos estatais. Essa rigidez absoluta, que historicamente impulsionou a construção da teoria, visava combater a concentração de poderes do monarca, limitando-o através da contenção.
A estrutura do Poder Legislativo vem delimitada a partir do artigo 44 da Constituição Federal de 1988 “O Poder Legislativo é exercido pelo Congresso Nacional, que se compõe da Câmara dos Deputados e do Senado Federal.”. Nota-se que essa organização é puramente bicameral pela presença da Câmara dos Deputados (representando o povo brasileiro) e o Senado Federal (os representantes jurídicos parciais). Essa forma de divisão do Poder Legislativo se dá pela forma federativa do Estado.
O Poder Legislativo em âmbito Federal é representado pelo Congresso Nacional que, organizadamente, é presidido pelo Presidente do Senado Federal e os demais cargos são distribuídos, alternadamente, entre Câmara dos Deputados e Senado Federal.
Da mesma forma como os demais Poderes do Estado o Poder Legislativo é agraciado com funções típicas e atípicas. A sua função primordialmente típica é a de legislar, ou seja, editar à ordem jurídica, elaborar as leis, além das funções típicas de controlar e fiscalizar os demais Poderes em seus atos, evitando ataques ao Estado Democrático de Direito. As funções atípicas circundam especialmente a administração do próprio ente, como nos casos de criação de cargos e definição dos planos de carreira. Outra função atípica do Poder Legislativo é a de julgar, quando necessário, atos atentatórios e crimes de responsabilidade.
A função típica de legislar é a que logo identificamos quando falamos em Poder Legislativo, é através dela que o ordenamento é elaborado, discutido e aprovado.
Além disso também é função típica, conforme elencado anteriormente, o controle e fiscalização dos demais Poderes em seus atos, evitando ataques ao Estado Democrático e merece menção à fala de Nathalia Masson (2020, p. 887):
(...) A CPI é uma comissão parlamentar necessariamente temporária, que pode ser criada em conjunto ou separadamente pelas Casas Legislativas. Sua função, de apurar fatos certos em prazo previamente estipulado, é de acentuada importância para o Estado Democrático, na medida em que compõe uma das funções típicas do Poder Legislativo, qual seja, vigilância e controle dos negócios públicos, com vistas a coibir eventuais atos indecentes, criminosos, marcados pela incompetência e desonestidade, que tanto comprometem a boa e hábil gestão do Estado.
Sendo assim, é parte dessa função típica a investigação no que diz respeito aos assuntos de interesse público, excluindo assuntos comuns de interesse meramente privado.
Em contraste com as funções típicas, temos as funções atípicas do Poder Legislativo que têm ordem administrativa e jurisdicional, assim como discorre Dirley da Cunha Júnior (2021) o legislativo desempenha sua função típica de legislar e exerce funções atípicas de julgar e administrar.
Quando falamos em função administrativa, estamos nos referindo à organização do Poder Legislativo, o encaixe dos cargos, a concessão e administração de férias e licenças dos funcionários, são atos de gestão que fogem da autorização pelo Poder Executivo.
Encontramos a função atípica de ordem jurisdicional elencada no art. 52, inciso I da Constituição Federal de 1988:
Compete privativamente ao Senado Federal: processar e julgar o Presidente e o Vice-Presidente da República nos crimes de responsabilidade, bem como os Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica nos crimes da mesma natureza conexos com aqueles;
Logo, quando nos referimos a função atípica de ordem jurisdicional, estamos falando sobre o caso em que o Senado Federal pode julgar o Presidente da República, Ministros de Estado e Comandantes da Marinha, Aeronáutica e Exército no cometimento de crimes de responsabilidade.
Segundo Dirley da Cunha Júnior (2021) a constituição de 1988 estabelece que o poder executivo no Brasil é exercido pelo Presidente da República.
O Poder Executivo é descrito no capítulo II da Constituição Federal de 1988, logo na introdução do capítulo, em seu artigo inicial é taxado aquele que tem a competência para estar à frente do poder Executivo Federal, sendo esse o Presidente da República, eleito através de eleições populares diretas e auxiliado pelos seus Ministros de Estado.
Assim como os representantes do Legislativo Federal, o representante do Executivo detém algumas atribuições privativas, também conhecidas como funções típicas, o Ministro Gilmar Mendes em seu livro “Curso de Direito constitucional” (2021, p 2047) diz:
A referência ao Poder Executivo contempla atividades diversas e variadas, que envolvem atos típicos da Chefia do Estado (relações com Estados estrangeiros, celebração de tratados), e atos concernentes à Chefia do governo e da administração em geral, como a fixação das diretrizes políticas da administração e a disciplina das atividades administrativas (direção superior da Administração Federal), a iniciativa de projetos de lei e edição de medidas provisórias, a expedição de regulamentos para execução das leis etc. (CF, art. 84), a iniciativa quanto ao planejamento e controle orçamentários, bem como sobre o controle de despesas (CF, arts. 163-169) e a direção das Forças Armadas.
Além das chamadas funções típicas, compete ao Executivo funções atípicas, essas podendo ser divididas em duas naturezas, natureza legislativa e natureza jurisdicional.
A função atípica de natureza legislativa mais conhecida é a Medida Provisória – MP, estando ela retratada no artigo 62 da Constituição Federal. Se faz imperativo mencionar que, mesmo dentro das funções atípicas de natureza legislativa do executivo ele desempenha funções características próprias dentro do processo legislativo como por exemplo o veto, que pode caso seja “político” em razão da falta de interesse público tem natureza legislativa ou caso seja “jurídico” em razão de controle de constitucionalidade tem natureza jurisdicional.
Dando continuidade, a outra natureza de função atípica do Poder Executivo é a jurisdicional, onde o Executivo incorpora a ação de julgar do Judiciário, dentro da esfera administrativa, de tal forma que dá origem ao chamado “contencioso administrativo”, como por exemplo os casos de multa de trânsito, onde o executivo tem liberdade para adentrar no mérito da questão, porém em virtude do artigo 5º, inciso XXXV não impede que tais recursos sejam apreciados pelo poder judiciário.
As atribuições do Poder Judiciário encontram-se descritas no capítulo III da Constituição Federal de 1988, logo em seu artigo introdutório, são taxados os órgãos que compõem o Poder Judiciário.
Assim com os outros poderes, o Judiciário tem sua função típica, sendo ela a função jurisdicional, ou seja, julgar aplicando a lei de forma imparcial a um caso concreto, para que isso aconteça, o referido poder encontra-se munido de algumas garantias que visam assegurar a sua independência perante aos demais poderes, essas garantias são divididas em dois aspectos, eles são: garantias institucionais que dão origem as funções atípicas do poder Judiciário ao conceder ao poder a autonomia para elaborar seu próprio regimento interno (natureza legislativa) ou a administração de seus serviços e servidores (natureza executiva) e o outro aspecto são as garantias dos Magistrados, que para desempenharem seu papel de forma eficiente e sem receio de retaliação gozam de vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de subsídio.
A luz de todo o exposto, ao destacarmos as funções típicas e atípicas dos três poderes que compõe o Estado Democrático de direito brasileiro bem como a trajetória da separação dos poderes nas diversas constituições brasileiras, se faz cristalino a relevância não só política como também social e econômica, que a separação dos poderes tem no Brasil.
Ademais dentro da Constituição brasileira de 1988 a tripartição dos poderes tem o vital objetivo de tutelar a liberdade dos particulares por meio da limitação do poder do Estado, dessa forma garantindo que os poderes do executivo, legislativo e judiciário sejam contrabalanceados por si mesmos, no sistema intitulado de “freios e contrapesos”.
3 (NEO)CONSTITUCIONALISMO, ATIVISMO JUDICIAL E PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS
Conforme já exposto, a Constituição Federal brasileira de 1988, em seu artigo 2º, estabelece a separação de Poderes e crava o Estado Democrático de Direito brasileiro. O Estado Democrático de Direito, em pleno século XXI, espera mais que decisões passivas do Poder Judiciário, trazendo-o para ser protagonista da defesa dos direitos eminentemente constitucionais e garantindo a dignidade da pessoa humana nos casos concretos.
Apesar da evidente separação desses Poderes, o Poder Judiciário segue em destaque pela sua proximidade com as demandas da população, sendo o responsável por atender aquelas que surgem na análise dos casos concretos, situações essas que ainda não foram pensadas e elaboradas pelo Poder Legislativo, tampouco aprovadas com o objetivo de serem transformadas em normas vigentes. Essa atuação do Poder Judiciário sem norma legal existente, é conhecida por Ativismo Judicial e a decisão dos operadores é quem os guia.
Para Barroso (2020, p. 756):
A reconstitucionalização do país recuperou as liberdades democráticas e as garantias da magistratura, juízes e tribunais deixaram de ser um departamento técnico especializado e passaram a desempenhar um papel político, dividindo espaço com o Poder Legislativo e o Poder Executivo. Uma segunda razão foi o aumento da demanda por justiça na sociedade brasileira. De fato, sob a Constituição Federal de 1988, houve uma revitalização da cidadania e uma maior conscientização das pessoas em relação à proteção de seus interesses. Além disso, o texto constitucional criou novos direitos e novas ações, bem como ampliou as hipóteses de legitimação extraordinária e de tutela coletiva. Nesse ambiente, juízes e tribunais passaram a desempenhar um papel simbólico importante no imaginário coletivo.
Assim, cumpre demonstrar que as decisões proferidas pelo Poder Judiciário são de grande relevância para garantir tutelas sociais, observando ainda os limites desse Ativismo Judicial. O papel do Judiciário e, especialmente, das cortes constitucionais e supremos tribunais, deve ser o de resguardar o processo democrático e promover os valores constitucionais, superando o déficit de legitimidade dos demais Poderes, quando seja o caso (Barroso, 2020, p. 762).
A compreensão do que seria o Neoconstitucionalismo vem carregada da necessidade de breve contexto histórico. O direito constitucional vem passando por diversas transformações que pensam e repensam a sua forma de aplicação. Três são os marcos fundamentais para explicar a trajetória de evolução do direito constitucional, quais sejam: histórico, filosófico e teórico (Barroso, 2020).
Do ponto de vista histórico, o Neoconstitucionalismo no Brasil tomou força com a promulgação da Constituição Federal de 1988. Foi através dela que pudemos observar uma transição limpa para a democracia, bem como a firmação institucional, que seria seguida com êxito mesmo em momentos de crise (Barroso, 2020).
Para Barroso (2020, p. 771):
O marco filosófico das transformações foi o pós-positivismo. Em certo sentido, apresenta-se ele como uma terceira via entre as concepções positivistas e jusnaturalistas: não trata como desimportância as demandas do Direito por clareza, certeza e objetividade, mas não concebe desconectado de uma filosofia moral e de uma filosofia política. [...] No conjunto de ideias ricas e heterogêneas que procuram abrigo nesse paradigma em construção, incluem-se a reentronização dos valores na interpretação jurídica, como o reconhecimento de normatividade aos princípios e de sua diferença qualitativa em relação às regras; a reabilitação da razão prática e da argumentação jurídica; formação de uma nova hermenêutica; e o desenvolvimento de uma teoria dos direitos fundamentais edificada sobre a dignidade da pessoa humana. Nesse sentido, promoveu-se uma reaproximação entre o Direito e a Ética.
A posteriori, mas não menos importante, o marco teórico do Neoconstitucionalismo que envolve três conjuntos de mudanças de paradigma. Em primeiro plano, fica reconhecida a força das normas constitucionais, de forma que sua aplicabilidade se tornou direta e imediata. Em segundo plano podemos citar a crescente implantação dos tribunais e cortes constitucionais, mais presentes nos Estados Democráticos, inclusive no Brasil onde surgiu a possibilidade de propor ações constitucionais de maneira direta por órgãos e entidades, assim os debates da população poderiam ser levados ao Supremo Tribunal Federal. Em terceiro e último plano, a transformação no âmbito da hermenêutica jurídica, o surgimento de uma nova roupagem acerca da interpretação constitucional, levando ao surgimento de técnicas como a ponderação na argumentação jurídica (Barroso, 2020).
Desde muito cedo no curso de Direito somos apresentados a um extenso rol de disciplinas que dispõem dos mais diversos temas jurídicos, e é curioso o fato de que o Direito Constitucional sempre está em destaque, podemos chamar esse fenômeno de constitucionalização do direito, onde ele passa a ser o centro das atenções e sempre merece ser consultado para garantir que a aplicação das normas de direito esteja amparada por princípios constitucionais.
Segundo Barroso (2020, p. 774):
[...] a Constituição passa a ser não apenas um sistema em si – com a sua ordem, unidade e harmonia –, mas também um modo de olhar e interpretar todos os demais ramos do Direito. A constitucionalização identifica um efeito expansivo das normas constitucionais, que se irradiam por todo o sistema jurídico. [...] Qualquer operação de realização do Direito envolve a aplicação direta ou indireta da Constituição.
Portanto, tendo em mente que a Constituição Federal é o centro do sistema jurídico, todas as normas abaixo dela serão chamadas de normas infraconstitucionais. Antes mesmo que uma norma possa entrar em vigor no ordenamento, a sua constitucionalidade é atestada, ela deve ser compatível com a ordem constitucional vigente, além disso, quaisquer outras normas que forem analisadas pelo intérprete devem seguir no sentido de realizarem os fins constitucionais.
Apesar de todo o sucesso do Estado Democrático com a aplicação da Constituição como meio de tornar o direito cada vez mais aberto e inclusivo, nunca se alcançou uma alternativa com capacidade para reformular o sistema político, por isso, cada vez mais se ouve falar em conflitos de competências entre os Poderes e o exercer dos cargos públicos em benefício próprio, prejudicando o então Estado Democrático de Direito (Barroso, 2020).
Por fim, mesmo com suas falhas evidentes, o sucesso da Constituição Federal de 1988 deve ser reconhecido e comemorado. O Neoconstitucionalismo, ou mesmo o Constitucionalismo Democrático, é a esperança da soberania popular e do garantismo aos direitos fundamentais.
Consoante com o que já foi apresentado, com o passar dos anos e a chegada das inovações jurídicas e tecnológicas, o Estado Democrático de Direito passou a exigir do Poder Judiciário uma posição de destaque e decisões que garantissem a defesa dos direitos eminentemente constitucionais e a dignidade da pessoa humana nos casos concretos.
Na mesma esteira ao consultarmos o dicionário, a palavra ativismo possui duas interpretações: filosófica e literária. Para a filosofia, ativismo é toda doutrina ou argumentação que confere privilégios a uma prática de transformação da realidade, em outras palavras, busca analisar a situação para resolver questões com base nos fatos. Já para a literatura, ativismo vem carregado de conteúdo político. Aplicando em cotidiano, uma pessoa ativista luta eficientemente, defende causas e, em sua grande parte, interesses coletivos.
Feitos os devidos esclarecimentos, Luis Felipe Salomão, atual ministro do Superior Tribunal de Justiça, realizou palestra na XXIII Conferência Nacional da Advocacia Brasileira no ano de 2017, em São Paulo, e na oportunidade discorreu sobre o que seria o então ativismo judicial:
O ativismo judicial relaciona-se ao comportamento dos juízes. Significa conduta que desborda da atuação puramente técnica e judicial. A interpretação ocorre de maneira expansiva. Assemelha-se ao que a nova - e não tão reconhecida no meio acadêmico - doutrina constitucionalista denomina de pós-positivismo (ou Neoconstitucionalismo, a depender do ângulo), consistente na ideia de que o magistrado age sob a alegação de defesa da ética, para garantir direitos e o próprio funcionamento da sociedade.
Nesse interim, o século XXI está carregado de tensões sociais, políticas, econômicas e jurídicas, é palco para a atuação corriqueira do Poder Judiciário que estampa as mídias com suas decisões muitas vezes confrontando os demais Poderes do Estado. Nos dias de hoje onde a sociedade espera pela resolução de conflitos como nunca, os Tribunais são cada vez mais procurados, por isso a ascensão do Poder Judiciário está mais evidente.
Segundo Barroso (2008):
A ideia de ativismo judicial está associada a uma participação mais ampla e intensa do Judiciário na concretização dos valores e fins constitucionais, com maior interferência no espaço de atuação dos outros dois Poderes. A postura ativista se manifesta por meio de diferentes condutas, que incluem: (i) a aplicação direta da Constituição a situações não expressamente contempladas em seu texto e independentemente de manifestação do legislador ordinário; (ii) a declaração de inconstitucionalidade de atos normativos emanados do legislador, com base em critérios menos rígidos que os de patente e ostensiva violação da Constituição; (iii) a imposição de condutas ou de abstenções ao poder público, notadamente em matéria de políticas públicas.
Nesse contexto, o ativismo judicial é visto como a atuação presente e eficiente do Poder Judiciário na guarda e garantia dos direitos da sociedade e guardião dos interesses coletivos que envolvem os direitos fundamentais. E apesar dessa significativa atuação, ainda existem posicionamentos contrários que condenam o ativismo judicial, imputando ao Poder Judiciário a ausência de legitimidade para tal, bem como a possibilidade de ultrapassar os limites institucionais desse Poder (Salomão, 2017).
Assim sendo e como já destacado, é crescente a atuação do Poder Judiciário na esfera Federal, principalmente quando há necessidade de proteção de direitos eminentemente constitucionais e sociais que surgem, muitas vezes, na omissão dos demais Poderes do Estado em garantir essas tutelas. Se não há um Poder imediato que possa resolver a demanda, o Poder Judiciário vem abraçando e garantindo essas resoluções, como por exemplo no Mandado de Segurança 26.602/DF, que adveio para sanar a incógnita sobre a discussão da fidelidade partidária:
CONSTITUCIONAL. ELEITORAL. MANDADO DE SEGURANÇA. FIDELIDADE PARTIDÁRIA. DESFILIAÇÃO. PERDA DE MANDATO. ARTS. 14, § 3º, V E 55, I A VI DA CONSTITUIÇÃO. CONHECIMENTO DO MANDADO DE SEGURANÇA, RESSALVADO ENTENDIMENTO DO RELATOR. SUBSTITUIÇÃO DO DEPUTADO FEDERAL QUE MUDA DE PARTIDO PELO SUPLENTE DA LEGENDA ANTERIOR. ATO DO PRESIDENTE DA CÂMARA QUE NEGOU POSSE AOS SUPLENTES. CONSULTA, AO TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL, QUE DECIDIU PELA MANUTENÇÃO DAS VAGAS OBTIDAS PELO SISTEMA PROPORCIONAL EM FAVOR DOS PARTIDOS POLÍTICOS E COLIGAÇÕES. ALTERAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. MARÇO TEMPORAL A PARTIR DO QUAL A FIDELIDADE PARTIDÁRIA DEVE SER OBSERVADA [27.3.07]. EXCEÇÕES DEFINIDAS E EXAMINADAS PELO TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL. DESFILIAÇÃO OCORRIDA ANTES DA RESPOSTA À CONSULTA AO TSE. ORDEM DENEGADA. 1. Mandado de segurança conhecido, ressalvado entendimento do Relator, no sentido de que as hipóteses de perda de mandato parlamentar, taxativamente previstas no texto constitucional, reclamam decisão do Plenário ou da Mesa Diretora, não do Presidente da Casa, isoladamente e com fundamento em decisão do Tribunal Superior Eleitoral. 2. A permanência do parlamentar no partido político pelo qual se elegeu é imprescindível para a manutenção da representatividade partidária do próprio mandato. Daí a alteração da jurisprudência do Tribunal, a fim de que a fidelidade do parlamentar perdure após a posse no cargo eletivo. 3. O instituto da fidelidade partidária, vinculando o candidato eleito ao partido, passou a vigorar a partir da resposta do Tribunal Superior Eleitoral à Consulta n. 1.398, em 27 de março de 2007. 4. O abandono de legenda enseja a extinção do mandato do parlamentar, ressalvadas situações específicas, tais como mudanças na ideologia do partido ou perseguições políticas, a serem definidas e apreciadas caso a caso pelo Tribunal Superior Eleitoral. 5. Os parlamentares litisconsortes passivos no presente mandado de segurança mudaram de partido antes da resposta do Tribunal Superior Eleitoral. Ordem denegada.
(STF - MS: 26602 DF, Relator: EROS GRAU, Data de Julgamento: 04/10/2007, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJe-197 DIVULG 16-10-2008 PUBLIC 17-10-2008 EMENT VOL-02337-02 PP-00190)
Portanto, apesar da constante dicotomia a respeito do ativismo judicial, podemos inferir que o Poder Judiciário deve se utilizar do ativismo judicial para pautar suas decisões, desde que observadas as regras e princípios constitucionais, usando o mínimo de interpretações fora dessa visão, com o objetivo único de defender o Estado Democrático de Direito.
3.3 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS
Os princípios constitucionais são as linhas mestras para aplicação de um direito pautado no Estado Democrático, devido toda a construção por parte do Neoconstitucionalismo já apresentado. É nessa aplicação que podemos ver com clareza a amplitude das interpretações normativas e ainda a sua autonomia, mas é importante ter em mente a diferença entre normas e princípios.
Dessa forma, as normas são preceitos ou padrões que, conforme a evolução social, vão tomando forma de lei. Isso acontece quando um determinado acontecimento possui relevância e aplicabilidade contínua para determinado grupo de pessoas. Já os princípios funcionam como base, é tudo aquilo que norteia a interpretação e aplicação.
Aprendemos, desde muito cedo, no curso de Direito que a nossa Constituição é una, isso significa dizer que apesar de interpretações isoladas em casos concretos, a unidade da Constituição deve ser respeitada como um todo indivisível. A Constituição não pode ser lida e interpretada por pequenos pedaços ou trechos, ela deve ser analisada como um todo (Sarlet, 2016).
De acordo com Sarlet (2016, p. 491):
Como os atores da interpretação constitucional, com destaque aqui para os integrantes da assim chamada jurisdição constitucional, interpretam, aplicam e concretizam a constituição e chegam a dar respostas constitucionalmente adequadas aos problemas jurídico-constitucionais, implica levar a sério especialmente a existência de um conjunto de princípios da interpretação constitucional.
Com base no trecho destacado, voltemos à digressão histórica e tripartição dos poderes no Brasil, onde discorremos sobre a constitucionalização do direito, que nada mais é que colocar o direito constitucional no centro do ordenamento jurídico, fazendo com que as normas constitucionais possuam superioridade em relação às demais normas do ordenamento. É nesse momento que os direitos fundamentais, garantidos pelo direito constitucional, ficam evidenciados.
Nesse mesmo sentido, sendo a Constituição o centro do ordenamento, todo e qualquer outro ato normativo, inclusive aqueles do Poder Executivo e Poder Judiciário, devem ter como parâmetro para a sua aplicação a observância à constituição, princípios constitucionais e aos direitos fundamentais por ela elencados (Sarlet, 2016).
O primeiro e talvez mais importante princípio a ser destacado é o Princípio do Estado Democrático de Direito, pois é dele que a organização política do Estado emana do poder do povo, de maneira que esse poder pode ser exercido de maneira direta ou por meio de representantes eleitos, segundo o parágrafo único do artigo 1ª da Constituição Federal do Brasil de 1988.
Sendo esse o princípio basilar do presente artigo, podemos fazer uma pequena análise da sua aplicação ao caso concreto referenciado ao tema. Uma vez que o Estado Democrático de Direito confere direitos e deveres à sociedade, bem como dá poder ao povo de escolher os seus próprios representantes, não seria uma violação a esse princípio se outros Poderes – não investidos com essa representação – pudessem limitar a sua atuação?
O Princípio do Estado Democrático de Direito garante ao povo que suas necessidades e direitos sejam efetivados, portanto existem outros princípios que coadunam com ele na mesma esfera e evidenciam a supremacia da constituição, como veremos a seguir.
Sob a ótica do Princípio da Máxima Eficácia e Efetividade da Constituição podemos observar sobre o plano de concretização constitucional, ou seja, aproximação entre o dever ser da norma e o ser da realidade da sociedade. Esse princípio implica no dever do intérprete constitucional, através da sua aplicação, garantir a eficácia das normas constitucionais. A interpretação deve ser instrumento que garanta a eficácia e efetividade da força normativa e supremacia da constituição (Sarlet, 2016).
Diante de todo exposto, os princípios constitucionais são responsáveis pela aplicação de um direito mais justo e uniforme, buscando garantir a defesa dos direitos da sociedade e respeitar o Estado Democrático de Direito como premissa de segurança social e jurídica.
4 ANÁLISE DA INTERFERÊNCIA DO PODER JUDICIÁRIO NO MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO nº 37.097/DF
Antes de passarmos propriamente a análise do caso, se faz necessário uma breve introdução sobre o que é e para que serve o Mandado de Segurança. Esse remédio constitucional é um instrumento que tem por finalidade proteger um direito líquido e certo que possa ter sido violado devido ato ilegal ou abuso de poder e autoridade. Para melhor compreensão do termo, analisemos o Mandado de Segurança também definido por SARLET, I. W.; MITIDIERO, D. (2019):
[...] O mandado de segurança visa à proteção de direito líquido e certo contra o ilícito (ilegalidade ou abuso de poder), causador ou não de dano, e pode levar à concessão de tutela preventiva (tutela inibitória) ou tutela repressiva (tutela de remoção do ilícito, tutela específica do adimplemento ou tutela reparatória). Protege tanto direitos individuais como direitos coletivos (direitos individuais homogêneos, direitos coletivos e direitos difusos) ameaçados ou violados por ato de autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuição do Poder Público.
Neste mesmo seguimento, a Constituição Federal brasileira de 1988 apresenta em seu artigo 5º, inciso LXIX, em quais situações será concedido o Mandado de Segurança, quais sejam para proteger direito líquido e certo, não amparado por "habeas-corpus" ou "habeas-data", quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público.
Após essa breve contextualização passemos ao caso. Em 27 de abril de 2020, foi editado Decreto nomeando Alexandre Ramagem Rodrigues para o exercício do cargo de Diretor-Geral da Polícia Federal, nomeação essa que gerou revoltas e instabilidade política devido a constante desconfiança a respeito da conveniência pessoal e abuso de poder, na forma de desvio de finalidade, de tal ato, imputando que o Presidente da República interferiria nas funções da Polícia Federal em proveito próprio ou de outrem.
Logo após tal acusação, o Partido Democrático Trabalhista (PDT) impetrou Mandado de Segurança Nº 37.097/DF com pedido liminar visando análise sobre a possibilidade de ilegalidade do ato do Poder Executivo, mais precisamente do Presidente da República, no que diz respeito a essa nomeação.
Diante dos motivos levados a juízo pelo Partido Democrático Trabalhista e da análise da questão pelo Ministro Relator Alexandre de Moraes, o pedido de liminar pleiteado foi atendido, passando então a suspender a nomeação de Alexandre Ramagem. Porém tal liminar, não chegou a produzir efeitos haja vista que assim que foi notificado da decisão monocrática proferida, a autoridade impetrada editou um decreto, tornando sem efeito a nomeação do Delegado de Polícia Federal Alexandre Ramagem, para o cargo de Diretor-Geral da Polícia Federal, objetivado o cumprimento à ordem judicial proferida.
Devido aos fatos supracitados o Mandado de Segurança nº 37.097/DF restou prejudicado, sendo extinto em razão da perda superveniente do objeto diante da insubsistência do ato coator.
A Constituição Federal brasileira de 1988 apresenta em seu artigo 5º, inciso LXX, a legitimidade para impetrar o Mandado de Segurança em curto rol de duas alíneas. Essa legitimidade é conferida à partido político com representação no Congresso Nacional, bem como organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos um ano, em defesa dos interesses de seus membros ou associados.
Sob o mesmo ponto de vista, o Ministro Alexandre de Moraes, relator do Mandado de Segurança 37.097/DF, em sua decisão dispôs e defendeu a legitimidade ad causam do Partido Democrático Trabalhista (PDT) dizendo:
Entendo, como sempre defendi (Direito Constitucional. 36.ed. São Paulo: Atlas, 2020. p. 194-195), que os partidos políticos, desde que representados no Congresso Nacional, têm legitimação ampla, podendo proteger quaisquer interesses coletivos ou difusos ligados à sociedade, independentemente de vinculação com interesse de seus filiados (TEORI ZAVASCKI. Processo coletivo. 6 ed. São Paulo: RT, 2014. p. 193-194), o que, evidentemente, ocorre na presente hipótese (MS 34.070-MC, Rel. Min. GILMAR MENDES, DJe de 28/3/2016; MS 34.071-MC, Rel. Min. GILMAR MENDES, DJe de 28/3/2016; MS 34.069-MC, Rel. Min. CELSO DE MELLO, DJe de 16/2/2017).
Nesse contexto, é inegável o reconhecimento da legitimidade para que Partidos Políticos, com representação no Congresso Nacional, possam agir nesse sentido para garantir a defesa dos direitos e garantias fundamentais da sociedade, bem como contribuir com a higidez do Estado Democrático de Direito, estando o Poder Judiciário Federal, nesse caso, correto em receber a demanda impetrada.
4.1 ANÁLISE DE JURISPRUDÊNCIAS DOS TRIBUNAIS SUPERIORES
Ainda que o Partido Democrático Trabalhista (PDT) possua legitimidade ad causam no referido Mandado de Segurança, algumas observações devem ser feitas e jurisprudências devem ser analisadas, a grande questão do caso concreto gira em torno da nomeação (des)pretenciosa do delegado da Polícia Federal, Alexandre Ramagem Rodrigues, para o cargo de Diretor-Geral da Polícia Federal, porém ao analisarmos a seguinte jurisprudência do STJ:
RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA Nº 54.999 - DF (2017/0199039-8) RELATORA: MINISTRA REGINA HELENA COSTA RECORRENTE: JEAN RODRIGUES OLIVEIRA ADVOGADO: WILMON ALVES DE OLIVEIRA E OUTRO (S) - DF010287 RECORRIDO: DISTRITO FEDERAL PROCURADOR: EDUARDO ALECSANDER XAVIER DE MEDEIROS E OUTRO (S) - DF022067 DECISÃO Vistos. Trata-se de Recurso Ordinário em Mandado de Segurança interposto por JEAN RODRIGUES OLIVEIRA, com base no art. 105, II, b, da Constituição da República, contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado do Distrito Federal e Territórios, assim ementado: ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA CONTRA ATO DO GOVERNADOR. EXONERAÇÃO DE CORONEL DA POLÍCIA MILITAR DE CARGO COMISSIONADO. ALEGAÇÃO DE ILEGITIMIDADE PASSIVA. IMPROCEDÊNCIA. CARGO EM COMISSÃO DE LIVRE NOMEAÇÃO E LIVRE EXONERAÇÃO. INEXISTÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO À DESIGNAÇÃO ININTERRUPTA PARA CARGOS COMISSIONADOS. SEGURANÇA DENEGADA. 1. Mandado de Segurança contra ato de Governador do Distrito Federal, em que o Impetrante, Coronel da Polícia Militar do Distrito Federal, alegando ter sido ilegalmente exonerado da função de Comandante da Academia de Polícia Militar, pretende ser designado para outro cargo policial comissionado. 2. O Governador do Distrito Federal é autoridade apta a responder no mandado de segurança por exercer o comando superior da Polícia Militar, nos termos da Lei Orgânica, sendo o responsável direto pelo ato impugnado. 3. A Lei nº 7.289/84 apenas garante aos Policiais Militares a ocupação de cargos correspondentes aos seus postos e graduações, não estabelecendo o direito à designação ininterrupta para cargos comissionados, preenchíveis mediante livre nomeação e exoneração ad nutum.
[...]
Com efeito, verifico que o acórdão recorrido adotou entendimento consolidado nesta Corte, segundo o qual o exercício de cargo em comissão e de empregos ou funções de confiança são incompatíveis com a garantia constitucional da estabilidade, possuindo como característica predominante a possibilidade de exoneração ad nutum.
(STJ - RMS: 54999 DF 2017/0199039-8, Relator: Ministra REGINA HELENA COSTA, Data de Publicação: DJ 03/04/2018)
Após a análise da referida jurisprudência, salta aos olhos o entendimento fixado pela Corte responsável, onde, assim como no artigo 37 inciso II da Constituição Federal de 1988 estabelece que os cargos comissionados, a exemplo do cargo que motivou o Mandado de Segurança 37.097/DF são de livre nomeação e exoneração. Rafael Carvalho (2020, p 1038) discorreu um pouco sobre os cargos comissionados:
[...]são ocupados transitoriamente por agentes públicos nomeados e exonerados (exoneração ad nutum) livremente pela autoridade competente. Por essa razão, o ingresso nos referidos cargos não depende da realização de concurso (art. 37, II, da CRFB), e a escolha dos ocupantes pode recair sobre servidores ou pessoas que não integram o quadro funcional, nos limites fixados em lei (art. 37, V, da CRFB). 44.
Durante todo o processo do Mandado de Segurança 37.097/DF, a pedra angular que ensejou e deu provimento ao referido Mandado foram os princípios da Administração Pública, mais especificamente os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade e do interesse público, estes estando elencados no caput do artigo 37 da Constituição Federal de 1998, a luz disso cabe analise a jurisprudência da mesma corte que concedeu o já supracitado Mandado:
NOMEAÇÃO PARA CARGOS POLÍTICOS DO PRIMEIRO ESCALÃO DO PODER EXECUTIVO. CRITÉRIOS FIXADOS DIRETAMENTE PELO TEXTO CONSTITUCIONAL. EXCEPCIONALIDADE DA APLICAÇÃO DA SV 13 NO CASO DE COMPROVADA FRAUDE. INOCORRÊNCIA. NOMEAÇÃO VÁLIDA. DESPROVIMENTO. PRECEDENTES. 1. O texto constitucional estabelece os requisitos para a nomeação dos cargos de primeiro escalão do Poder Executivo (Ministros), aplicados por simetria aos Secretários estaduais e municipais. 2. Inaplicabilidade da SV 13, salvo comprovada fraude na nomeação, conforme precedentes (Rcl. 7590, Relator Min. DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, julgado em 30/9/2014, DJe de 14/11/2014, Rcl 28.681 AgR, Primeira Turma, Rel. Min. ALEXANDRE DE MORAES, Dje de 7/2/18; Rcl 28.024 AgR, Primeira Turma, Rel, Min. ROBERTO BARROSO, Dje de 29/5/18). 3. Agravo interno ao qual se nega provimento.
Durante o voto do relator da jurisprudência em análise, que também vem a ser o relator do Mandado de Segurança 37.097/DF, o Ministro Alexandre de Moraes diz:
[...]meu posicionamento é firme no sentido de que a nomeação de parentes para cargos de natureza eminentemente política, como no caso concreto, em que parentes do Prefeito do Município de Doutor Ulisses foram nomeados para exercer cargos de Secretário municipal, não se subordinam às hipóteses de nepotismos previstas no Enunciado Vinculante 13
Diante de tal afirmação, se faz visível a desarmonia de entendimentos do próprio relator e da Suprema Corte, haja vista que, no Mandado de Segurança 37.097/DF a mera possibilidade de existência de grau de proximidade entre o Presidente da República e o Sr. Alexandre Ramagem, já foi o suficiente para caracterizar a inobservância dos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade e do interesse público culminando no deferimento da liminar que suspendeu tal ato discricionário do Poder Executivo, enquanto na jurisprudência analisada, a pratica de nepotismo por parte do Prefeito do Município de Doutor Ulysses-PR segundo a Sumula Vinculante 13 não configura a falta de observância aos princípios da administração pública.
Assim sendo, sob a luz das jurisprudências evidenciadas e comparadas, se faz cristalino a existência do jargão popular “dois pesos e duas medidas” tendo em vista que, se aquele que está à frente do Poder Executivo Municipal não atentou contra os princípios da administração pública, ao indicar seu próprio familiar para desempenhar cargo de confiança durante seu mandado como prefeito, o Presidente da República também não atentou contra os mesmos princípios, ao indicar o Sr. Alexandre Ramagem, para o cargo de Diretor-Geral da Policia Federal.
4.2 INTERFERÊNCIA DO PODER JUDICIÁRIO NO MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO nº 37.097/DF
Conforme já exposto, o Estado Democrático de Direito, em pleno século XXI, espera mais que decisões passivas do Poder Judiciário, isso trouxe ao Poder o artifício do Ativismo Judicial, visto com maus olhos por muitos juristas e doutrinadores. Barroso (2020) discorreu sobre as objeções da intervenção do Poder Judiciário na vida brasileira:
Diversas objeções têm sido opostas, ao longo do tempo, à expansão do Poder Judiciário nos Estados constitucionais contemporâneos. Identificam-se aqui três delas. Tais críticas não infirmaram a importância do papel desempenhado por juízes e tribunais nas democracias modernas, mas merecem consideração séria. O modo de investidura dos juízes e membros de tribunais, sua formação específica e o tipo de discurso que utilizam são aspectos que exigem reflexão. Ninguém deseja o Judiciário como instância hegemônica e a interpretação constitucional não pode se transformar em usurpação da função legislativa. Aqui, como em quase tudo mais, impõem-se as virtudes da prudência e da moderação.
A vista disso, a primeira objeção, e mais aclamada, é de cunho político-ideológico, segundo o qual a legitimidade dos juízes e membros dos Tribunais é questionada por um motivo bem claro, esses agentes públicos não são eleitos pela sociedade, portanto não são investidos com a representatividade popular, conforme indagação apontada no capítulo referente aos princípios constitucionais. A falta da investidura pela representatividade popular, aponta as interferências do Poder Judiciário como tendenciosas. Não obstante, quando há interferência nos atos dos Poderes Legislativo e Executivo, essas são eivadas de um papel eminentemente político. Essa atuação e interferência massiva, principalmente do Poder Judiciário, geram dúvidas acerca da legitimidade democrática para a proteção dos direitos fundamentais da sociedade (Barroso, 2020).
Em seguida, a segunda objeção é de cunho institucional, segundo o qual a interpretação da Constituição é dever dos três Poderes do Estado, mas em caso de divergência, a palavra final seria do Poder Judiciário. Contudo, isso não significa que toda matéria deve ser decidida por um tribunal, por isso, buscando evitar um Poder Judiciário ativista e preponderante, a doutrina constitucional vem buscando limitar a ingerência judicial através da capacidade institucional e os efeitos sistêmicos. Pela capacidade institucional analisa-se qual Poder é o mais adequado para resolver determinada demanda, quanto que o risco dos efeitos sistêmicos identifica o imprevisível e indesejável, a fim de recomendar uma posição cautelar e de deferência do Poder Judiciário (Barroso, 2020).
Sucessivamente, a terceira objeção assim explicada por Barroso (2020):
[...] A primeira consequência drástica da judicialização é a elitização do debate e a exclusão dos que não dominam a linguagem nem têm acesso ao locus de discussão jurídica. Institutos como audiências públicas, amicus curiae e direito de propositura de ações diretas por entidades da sociedade civil atenuam, mas não eliminam esse problema. Surge, assim, o perigo de se produzir uma apatia nas forças sociais, que passariam a ficar à espera de juízes providenciais. Na outra face da moeda, a transferência do debate público para o Judiciário traz uma dose excessiva de politização dos tribunais, dando lugar a paixões em um ambiente que deve ser presidido pela razão.
Diante da explanação dessas objeções, se faz claro que, o legislador originário falhou ao atribuir a um só dos Poderes o privilégio e responsabilidade de julgar e anular os demais por inconstitucionalidades, isso ocasionou um Poder Judiciário superestimado, prejudicando a harmonia e independência entre os três Poderes do Estado, premissa essa que vem delimitada no artigo 2º da Constituição Federal de 1988.
Nesse sentido, a decisão proferida pelo Ministro Alexandre de Moraes sobre o Mandado de Segurança nº 37.097/DF atenta ao Estado e Princípio Democrático de Direito e a soberania popular garantida pelo artigo 1º, inciso I da Constituição Federal de 1988, além de indicar forte ativismo judicial sem uso da ponderação buscando limitar a ingerência judicial, bem como o prejuízo e independência entre os três Poderes do Estado.
Por fim, nota-se que a decisão do Poder Judiciário Federal, analisada do ponto de vista do ativismo judicial, corre risco de se apresentar tendenciosa. No livro “Filosofia Jurídica Prática” de Paulo Ferreira da Cunha ele aponta: “A democracia, e a República mais especificamente ainda, têm de pressupor alguma maldade dos homens, para prevenir os males maiores”. Sendo assim, não há como ponderar as verdadeiras intenções do Poder Judiciário Federal em garantir os princípios constitucionais e resguardar o Estado Democrático de Direito no Mandado de Segurança nº 37.097/DF, tendo em vista uma linha tênue entre a intenção e o alcance de fato, correndo o risco de tal decisão ser revestida de pura interferência política, prerrogativa essa que o Poder Judiciário não possui, tornando-a inconstitucional.
A separação dos poderes no Brasil possui influência dos antigos modelos de Estado que datam da mesma época em que viviam filósofos e estudiosos políticos como Aristóteles, Platão, Maquiavel, Locke e Montesquieu. Mas apesar das modificações positivas que ocorreram com o passar dos anos nessa estrutura, a estabilidade da tríade – Poder Legislativo, Poder Executivo e Poder Judiciário – e o Estado Democrático de Direito sofrem com a possibilidade de uma ruptura por meio do Ativismo Judicial que vem contaminando o Poder Judiciário em suas decisões.
Deve-se considerar então, que a separação dos poderes no Brasil visa garantir a independência desses órgãos e assegurar a representatividade do povo em questões que os interessam diretamente. O Ativismo Judicial chegou gerando dúvidas a respeito da atuação do próprio Poder Judiciário e eivando suas decisões de conteúdo meramente político, prerrogativa que este órgão não possui.
O preâmbulo da Constituição Federal institui o Estado Democrático de Direito e, logo em seus primeiros artigos, elenca os princípios constitucionais que compõem a República Federativa do Brasil. Assim, pode-se inferir a importância desse instituto para o Estado e a legitimidade da sociedade.
O princípio basilar do presente artigo é o princípio do Estado Democrático de Direito, pois é através dele que entendemos que a organização política do Estado emana do poder do povo, de maneira que esse poder pode ser exercido diretamente ou por meio de representantes eleitos, conforme elenca a própria Constituição Federal já comentada.
Sabendo que o Estado Democrático de Direito confere direitos e deveres ao povo, sendo ele capaz de escolher os seus próprios representantes e sabendo ele o que é melhor para o país, um Poder que não seja investido com essa representação, viola o referido princípio, gerando instabilidade social e política, bem como atentando a própria supremacia constitucional. A falta da investidura por essa representatividade popular, aponta o defeito e perigo do Ativismo Judicial nesse ponto.
Uma das funções típicas do Poder Executivo Federal é a de nomear o Diretor-Geral da Polícia Federal, como ocorreu em Decreto editado em 27 de abril de 2020, oportunidade em que Alexandre Ramagem Rodrigues fora indicado ao referido cargo. Essa nomeação gerou diversos movimentos na justiça e política brasileira, pois acreditava-se que a nomeação teria sido feita por conveniência e oportunidade, na forma de desvio de finalidade em razão de suposto atentamento contra o princípio da impessoalidade já que segundo o que consta nos autos do Mandado se Segurança 37.097/DF o representante do Executivo Federal, teria nomeado Alexandre Ramagem para o referido cargo comissionado, por conveniência própria, ao passo em que supostamente, existia uma relação de proximidade entre os dois e em razão disso, o então Diretor-Geral da Polícia Federal, interferiria em investigações que tinham relação com o Presidente da República ou pessoas ligadas a ele.
Não adentrando no mérito da nomeação, o presente artigo analisou a constitucionalidade do Poder Judiciário quando limitou essa atuação do Poder Executivo em exercer sua função típica e a contrariedade de jurisprudências dentro do próprio Tribunal em matérias de mesmo teor, chegando à conclusão que, por se tratar de uma interferência política, prerrogativa essa que o Poder Judiciário não detém, a decisão proferida em sede do Mandado de Segurança Coletivo nº 37.097/DF é inconstitucional.
Tal inconstitucionalidade se faz mais visível com a análise da jurisprudência retirada do Supremo Tribunal Federal e do voto do próprio Relator do Mandado de Segurança nº 37.097/DF Ministro Alexandre de Moraes.
Salta aos olhos a discrepância de entendimento que o Ministro já citado tem, a depender de quem figure no polo passivo da questão, haja vista que no Mandado de Segurança Nº 37.097 o relator entendeu que a possibilidade de proximidade entre o Presidente da República e o delegado atentaria contra os princípios da administração pública, por outro lado a flagrante pratica de nepotismo por parte do prefeito do Município de Doutor Ulisses ao nomear parentes para cargos políticos segundo posicionamento “firme” do Ministro Alexandre de Moraes não atenta contra os mesmos princípios.
Diante disso, se põe novamente em dúvida o que foi dito na introdução desse artigo, o poder judiciário, por meio do ativismo judicial, de fato está apenas cumprindo com sua função ao observar o preenchimento dos requisitos constitucionais dos atos dos demais poderes ou sua interferência está sendo de cunho político, para atender a seus próprios interesses?
Tomando por base toda a análise feita até aqui, tal pergunta óbvia se faz até redundante, porém a resposta desse questionamento, nos traz a outra pergunta, a interferência do Poder Judiciário Federal, por meio do Ativismo Judicial, nas funções típicas do Poder Executivo Federal colabora para a quebra do princípio democrático brasileiro?
A resposta a esse questionamento é positiva. Desta maneira, concluímos que a interferência o do Poder Judiciário foi dotada de interesse político nas funções típicas do Poder Executivo, fato que quebra todo o propósito do princípio do Estado Democrático de Direito, haja vista que se o poder emana do povo e o povo escolheu aquele executivo para administrar o Estado, é por que acredita que aquele sabe manejar os melhores recursos para a administração do Estado, sendo assim o judiciário não deveria interferir nessas decisões administrativas do Executivo, pois com essa prática ele invade a área de atuação de outro poder, sem possuir legitimidade para tal.
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[1]Graduanda em Direito do Centro Universitário Santo Agostinho (UNIFSA), [email protected]
[2]Mestre (UCB), Docente do Curso de Direito do Centro Universitário Santo Agostinho (UNIFSA), [email protected]
Graduando em Direito do Centro Universitário Santo Agostinho (UNIFSA), [email protected]
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