MARIA CLARA RODRIGUES LEAL[1]
(coautora)
JOÃO SANTOS DA COSTA [2]
(orientador)
RESUMO: O presente artigo trata da tutela jurídica da alteração do nome com fundamento no abandono afetivo, considerando a formação do vínculo familiar a partir do nome. A pesquisa foi desenvolvida no âmbito do direito civil, pela perspectiva do direito de família, relacionando o princípio da imutabilidade do nome. Tem como objetivo principal, analisar se a constatação de abandono afetivo pelo genitor é fundamento suficiente para autorizar a alteração do nome. A problemática a ser enfrentada consiste na possibilidade da flexibilização do princípio da imutabilidade, sob a concepção do abandono afetivo como fundamento para a alteração do sobrenome. O desenvolvimento da pesquisa terá como base a pesquisa bibliográfica do tipo narrativa acerca da modificação do nome. O número reduzido de pesquisas, embora crescente os casos a respeito do abandono afetivo, viabilizou a elaboração do presente artigo. Portanto, torna-se necessária a discussão do referido tema, sob a análise dos princípios da dignidade da pessoa humana e da afetividade considerados bases fundamentais no amparo legal das relações familiares, podendo assim, suscitar a curiosidade de outros pesquisadores.
Palavras-chave: abandono afetivo, alteração do nome, imutabilidade.
ABSTRACT: This article deals with the legal protection of the name change based on affective abandonment, considering the formation of the family bond from the name. The research was developed in the scope of civil law, from the perspective of family law, relating the principle of immutability of the name. Its main objective is to analyze whether the finding of affective abandonment by the parent is sufficient grounds to authorize the change of name. The problem to be faced is the possibility of making the principle of immutability more flexible, under the concept of affective abandonment as a basis for changing the surname. The development of the research will be based on the bibliographic research of the narrative type about the modification of the name. The reduced number of researches, although the number of cases regarding emotional abandonment is increasing, made the elaboration of this article possible. Therefore, it is necessary to discuss this topic, under the analysis of the principles of human dignity and affectivity, considered fundamental bases in the legal support of family relationships, which can thus arouse the curiosity of other researchers.
Keywords: affective abandonment, name change, immutability.
SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. A tutela jurídica do nome como direito à individualidade. 2.1 A revisão conceitual do nome como instituto inerente à personalidade. 2.2 Elementos do nome: aspectos delineadores da identidade registral. 3. A formação do vínculo familiar a partir do nome. 4. A imutabilidade do nome: desvelando o abandono afetivo como fundamento para a mudança do sobrenome. 4.1 O abandono afetivo e seu reflexo na ruptura dos laços familiares. 4.2 A retificação do prenome e a mudança do sobrenome: uma releitura das hipóteses de admissibilidade. 4.3 O abandono afetivo como fundamento para a mudança do nome. 5. Conclusão. REFERÊNCIAS.
1 INTRODUÇÃO
A presente pesquisa se volta ao estudo jurídico acerca da possibilidade da alteração do nome de família quando comprovado o abandono afetivo por meio da negligência de um dos genitores em relação ao dever de criação, cuidado, suporte emocional e afetividade aos filhos.
Além disso, fundamenta-se, também, em uma análise sobre a relativização do princípio da imutabilidade quando ocorre omissão dos genitores da responsabilidade afetiva na vida dos filhos. Dessa forma, tem-se por delimitação do tema a flexibilização do princípio da imutabilidade do nome e o abandono afetivo como fundamento para a possibilidade da tutela jurídica da alteração do nome no Brasil.
Posto isso, surge a problemática quanto a viabilidade de alterar o nome de família em casos de abandono emocional. Em assim sendo, eis o problema de pesquisa: é possível flexibilizar o princípio da imutabilidade e defender o abandono afetivo como fundamento para a alteração do sobrenome?
Assim, será demonstrada a discussão quanto à possibilidade jurídica de alteração do nome em casos comprovados de abandono afetivo decorrente da ausência de cuidado por parte dos pais, sob análise dos princípios da dignidade da pessoa humana e da afetividade considerados bases fundamentais no amparo legal das relações familiares.
Desse modo, o presente artigo está dividido em três capítulos, e, por fim, sua conclusão. No primeiro capítulo foi abordada a tutela jurídica do nome como direito à individualidade, assim como a revisão conceitual do nome como instituto inerente à personalidade e os elementos do nome demonstrando os aspectos delineadores da identidade registral.
Em seguida, no segundo capítulo, trata-se sobre a formação do vínculo familiar a partir do nome. Por fim, o último capítulo versa sobre a imutabilidade do nome ao desvelar o abandono afetivo como fundamento para a mudança do sobrenome, bem como o abondo afetivo e seu reflexo na ruptura dos laços familiares.
Nesse sentido, a presente pesquisa tem como motivação a garantia da proteção da família pelo Estado, constitucionalmente assegurada, a fim de resguardar a socio afetividade no desenvolvimento da personalidade na sociedade brasileira, além de demonstrar a importância da tutela jurídica ao assegurar a relativização do princípio da imutabilidade do nome e permitir em casos específicos a exclusão do sobrenome do genitor que não preste qualquer apoio emocional ao filho.
Dessa forma, o desenvolvimento da pesquisa terá como base a revisão bibliográfica do tipo narrativa por meio da consulta de doutrinas, legislações e artigos científicos, com abordagem dedutiva. Assim, a pesquisa contribui para demonstrar a importância do nome no direito da personalidade por desempenhar notável função na formação e na consolidação da personalidade humana, bem como a proteção à dignidade da pessoa como base para as relações jurídicas e sociais.
2 A TUTELA JURÍDICA DO NOME COMO DIREITO À INDIVIDUALIDADE
2.1 A revisão conceitual do nome como instituto inerente à personalidade
O direito ao nome encontra-se vinculado como um individualizador, diferenciador do indivíduo na sociedade, por meio dele é possível a identificação e a caracterização pessoal no seio da família e da comunidade. Por ser fundamental a personalidade o nome goza de proteção no ordenamento jurídico brasileiro.
Os nomes tiveram a sua origem na primitividade, a partir da existência da vida em comunidade surgiu a necessidade de comunicação, interação social entre os indivíduos. Com efeito, a nomeação das pessoas foi elemento capaz de diferenciar e distinguir determinada pessoa no meio em que vivia, o que contribuiu efetivamente para o desenvolvimento das sociedades.
Gonçalves (2012) define o nome como elemento amplo e individualizador que integra a personalidade da pessoa, consequentemente individualiza a pessoa não só durante a vida, mas também após a sua morte. Ainda acrescenta que o nome indica a procedência, a estirpe, a origem familiar daquele do indivíduo.
Nesse sentido, Diniz (2012) também preceitua o nome como sinal exterior que designa o indivíduo, pois através desse elemento é possível a individualização e o reconhecimento da pessoa na família e na sociedade, e que devido a essas características o nome goza de inalienabilidade, imprescritibilidade e proteção jurídica.
Dessa forma, o nome se caracteriza como sinal distintivo, de identificação social e, por meio deste elemento, é possível a individualização do ser humano e dos seus atos, por isso o nome garante direitos e deveres inerentes ao ser humano. Logo, é direito de toda pessoa ter um nome para identificação perante a sociedade.
Diniz (2012) ainda aborda o aspecto público e individual do nome, estabelecendo que o aspecto público decorre do fato de o nome estar ligado ao registro da pessoa natural (lei n 6.015/73), pelo qual o estado traça princípios disciplinares do seu exercício e determina também a imutabilidade do nome, salvo exceções resguardadas pela lei. Outrossim, o aspecto individual relaciona-se na autorização que o indivíduo tem de usá-lo e reprimir abusos de terceiros ao seu nome, que exponham ao desprezo público ou ao ridículo.
A natureza jurídica do nome foi motivo de muitas controvérsias e debates entre os doutrinadores que deram origem a diversas teorias relacionadas a questão. No entanto, a teoria que considerou o nome como um direito da personalidade foi a mais aceita, por considerarem que a individualização da pessoa é de tamanha relevância que se funde com a própria personalidade humana.
Posto isso, o nome é considerado direito da personalidade por ser inerente ao ser humano, uma vez que é direito da pessoa desde o seu nascimento e é elemento imprescindível para a vida civil por ser essencial a personalidade do indivíduo. Sobretudo, vale ressaltar a sua importância para a segurança jurídica das relações, visto que estas são realizadas entre pessoas.
O pensamento de Venosa (2013, p. 198) vai de encontro com à teoria que pressupõe o nome como um direito da personalidade:
Portanto, o nome é um atributo da personalidade, é um direito que visa proteger a própria identidade da pessoa, com o atributo da não patrimonialidade. Note que estamos tratando do nome civil; o nome comercial tem conteúdo mercantil e, portanto, patrimonial.
Como direito da personalidade, o nome guarda suas principais características: indisponibilidade, inalienabilidade, imprescritibilidade, intransmissibilidade, irrenunciabilidade, entre outras. Vimos que é atributo obrigatório de todo ser humano e que, em nosso meio, é, em princípio, imutável, ressalvadas as exceções.
O Código Civil de 2002 inclui o nome nos direitos da personalidade dispostos nos artigos 11 ao 21, dessa maneira o diploma civil brasileiro adota como natureza jurídica do nome o seu caráter personalíssimo por ser considerado atributo essencial à pessoa humana, devendo ser objeto de proteção no ordenamento jurídico pátrio. Assim, a teoria que considera o nome como um direito da personalidade é a mais aceita entre renomados autores, que consideram o nome como uma marca do indivíduo que deve ser tutelada.
2.2 Elementos do nome: aspectos delineadores da identidade registral
A lei dos registros públicos (lei n° 6.015/73) disciplina acerca do direito ao nome em seus dispositivos. Conforme a referida lei, no assento de nascimento deverá conter o nome e o prenome postos à criança bem como os nomes e prenomes dos pais, dos avós paternos e maternos.
Conforme disposto no Art. 16 do Código Civil, o nome é composto por dois elementos, o prenome e o sobrenome. Estes elementos são essenciais e obrigatórios para a constituição do nome civil. Diante do que expõe o referido dispositivo legal é importante esclarecer os elementos constitutivos do nome civil.
O primeiro elemento do nome é o prenome que consiste no nome particular de cada indivíduo e sempre antecede o nome de família, tal elemento pode ser escolhido a critério dos genitores no momento do registro civil, exceto quando expor a pessoa ao ridículo. Ademais, o prenome pode ser simples, quando constituído por apenas um vocábulo (Ana), ou composto, quando formado por duas ou mais palavras (Antônio José).
Conforme preceitua Pamplona (2019), o prenome de acordo com a própria etimologia da palavra seria o primeiro nome, correspondente sempre ao “nome de batismo” dado ao indivíduo pelos pais. O autor complementa que o nome pode ser tanto composto como simples e dotado de caráter imutável, salvo as exceções legais que possibilitam a alteração do nome civil.
De acordo com Farias e Rosenvald (2017), o sobrenome conhecido como nome patronímico ou nome de família, vai indicar a origem ancestral da pessoa, a procedência familiar do indivíduo, irá servir como elemento identificador da estirpe da pessoa, sendo adquirido com o simples nascimento. Ademais, o autor acrescenta que os filhos fruto de adultério fazem jus ao patronímico de seu genitor e de sua genitora, em razão da vedação constitucional de qualquer designação discriminatória.
O sobrenome, portanto, é tudo que aquilo que vem depois do prenome, de modo que indica a procedência familiar de uma pessoa e passa a integrar no registro de nascimento do indivíduo. De forma equivalente ao prenome, o sobrenome também pode ser simples, quando constituído por apenas um elemento, ou composto quando formado por dois ou mais sobrenomes.
3 A FORMAÇÃO DO VÍNCULO FAMILIAR A PARTIR DO NOME
Segundo Pereira (2011), os romanos adotavam um característico personativo, o prenomen, designava a pessoa, o nomen, indicava sua gens; e o cognome, a família a que pertencia. Na contemporaneidade o sobrenome pode ser transferível hereditariamente, ou pela continuação nos descendentes do nome paterno ou pela combinação do materno e do paterno, dessa forma, cabe ao prenome função de identificação da família que determinada pessoa pertence.
Pamplona, (2019, p. 213) conceitua a expressão patronímico, conhecida também como nome de família:
Patronímico: trata-se do nome de família, que, coloquialmente, é chamado de sobrenome (embora, do ponto de vista técnico, sobrenome signifique, em verdade, um nome que se sobrepõe a outro, como o cognome). A expressão coloquial, porém, mostra-se mais politicamente correta, uma vez que já não é concebível a ideia de família patriarcal em face da igualdade entre os cônjuges. Embora o patronímico (ou, popularmente, o sobrenome) deva ser sempre registrado, não há a obrigatoriedade legal de registro do nome dos dois pais, conforme se pode verificar da interpretação do art. 55, caput, c/c o art. 60, da Lei n. 6.015/73, embora esta seja a prática mais comum.
O sobrenome indica o pertencimento de um indivíduo a determinada família e pode proceder do apelido de família tanto materno quanto paterno, ou de ambos. De acordo com a lei dos registros públicos não existe nenhuma obrigatoriedade de ordem dos sobrenomes, por isso, a disposição da ordem dos sobrenomes fica a critério dos pais, que podem optar por colocar somente um dos sobrenomes ou o de ambos, independente da ordem escolhida.
Embora o sobrenome tenha a função de indicar a origem, a estirpe da pessoa, no momento do registro civil não é necessário constar o nome dos dois genitores. Dessa forma, o indivíduo pode ser registrado com apenas um sobrenome, consoante interpretação dos artigos 55 e 60 da Lei n. 6.015/73. A referida lei ainda preceitua que o interessado, no primeiro ano após ter atingido a maioridade civil, poderá, pessoalmente ou por procurador bastante, alterar o nome, desde que não prejudique os apelidos de família.
Diante disso, nota-se que o sobrenome cumpre a função de vincular o indivíduo a determinada família, indicar a sua procedência no seio da sociedade. Devido a isso, detém de proteção e em regra é considerado imutável, uma vez que não pode ser alterado pelo simples arbítrio do seu portador de querer alterar a sua filiação, mas somente em situações especiais previstas em lei.
4 A IMUTABILIDADE DO NOME: DESVELANDO O ABANDONO AFETIVO COMO FUNDAMENTO PARA A MUDANÇA DO SOBRENOME
4.1 O abandono afetivo e seu reflexo na ruptura dos laços familiares
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CF/88) estabelece a família como base da sociedade, possuindo especial proteção do Estado. Nesse sentido, entende-se como família a união de pessoas que possuem parentesco ou laços afetivos baseados na convivência e na afetividade.
Desse modo, a afetividade surge como parte integrante das entidades familiares, fundamentando as relações socioafetivas e proporciona aos membros valores como amor, atenção e solidariedade. Assim, o exercício do poder familiar efetivado pelo afeto é de extrema importância na convivência familiar, uma vez que os pais são os principais responsáveis na garantia dos direitos, como meio para proporcionar um melhor desenvolvimento psíquico, social e moral dos filhos.
Diante disso, segundo Gonçalves (2021), poder familiar é o conjunto de direitos e deveres atribuídos aos pais, no tocante à pessoa e aos bens dos filhos, visando garantir a proteção. Desse modo, é dever dos pais o bom desempenho do poder familiar, afim de conservar os princípios norteadores da família construídos por meio do afeto.
Nesse sentido, o descumprimento dos deveres inerentes ao poder familiar pode caracterizar o abandono, que tanto pode ser material ou afetivo. Para Nader (2016), o abandono afetivo se concretiza de diversas formas, não é apenas de natureza física, mas também moral quando não proporciona aos filhos assistência baseada na afetividade. Dessa forma, apesar de o abandono ser associado à ausência física, existem diversos tipos, como o assistencial, quando deixa de cumprir com as obrigações e moral que acarreta a ausência de afeto e atenção. Assim, Nader (2016, p. 576), afirma que há formas de abandono: o físico em que o genitor se desfaz do filho; o assistencial, quando deixa de prover as necessidades de sustento; o moral e afetivo, quando não proporciona atenção, carinho ao filho, desconsiderando o vínculo no plano da afetividade.
Welter (2009), com base em sua teoria da tridimensionalidade do direito de família, destaca que ao ser humano é atribuído os direitos genéticos, efetivos e ontológicos, assim, a família não seria baseada apenas no aspecto genético, mas também na comunhão de afeto, cuidado, amor. Desse modo, o autor afirma que a afetividade é condição para se caracterizar uma relação familiar.
Logo, a falta de afeto nas famílias compromete o desenvolvimento social, emocional e moral das crianças e dos adolescentes, uma vez que viola o princípio da dignidade e ocasiona danos irreversíveis. Desse modo, a afetividade atua como diretriz imprescindível para efetivar as relações familiares em que cada pessoa está inserida, visto que proporciona valores essenciais como a igualdade, cidadania e afetividade no âmbito do Direito de Família.
Para Lôbo (2021), enfim, o abandono afetivo é considerado um inadimplemento dos deveres jurídicos de paternidade, sendo o afeto correspondente a uma conduta de assistência e proteção na base familiar. Dessa forma, a entidade familiar deve buscar a felicidade dos seus membros, baseado no afeto como estruturador das relações familiares para proporcionar pleno desenvolvimento psicológico, moral e ético da sociedade.
Portanto, o abandono afetivo encontra-se cada vez mais frequente no meio familiar, sendo notório seu reflexo na ruptura de muitas famílias, uma vez que quando o dever de afeto é descumprido ocasiona diversos traumas ao indivíduo.
4.2 A retificação do prenome e a mudança do sobrenome: uma releitura das hipóteses de admissibilidade
O direito ao nome apresenta, em regra, caráter imutável, visando proteger a individualidade e a inviolabilidade. No entanto, dispõe o artigo 58 da Lei de Registros Públicos hipóteses em que possibilitam a alteração do nome: erro gráfico, o art. 110 da Lei de Registros
Públicos permite a retificação de erros gráficos existentes no registro ou de erros que não exijam qualquer indagação para a constatação imediata de necessidade de sua correção; mudança em razão da maioridade, nesse caso, ao atingir a maioridade o indivíduo poderá pleitear a alteração do nome, independente de motivação, desde que não prejudique o sobrenome, nos termos da Lei nº 6.015 de 1973, Lei de Registros Públicos, art. 56:
Art. 56. O interessado, no primeiro ano após ter atingido a maioridade civil, poderá, pessoalmente ou por procurador bastante, alterar o nome, desde que não prejudique os apelidos de família, averbando-se a alteração que será publicada pela imprensa.
Além disso, outras possibilidades de alteração do nome decorrem do prenome vexatório, constrangedor ou exótico que exponha seu portador ao ridículo, nessa hipótese, é possível alterar o nome, desde que exponha o portador ao ridículo, uma vez que causa diversos constrangimentos.
Nesse sentido, também é possível alterar o nome decorrente da inclusão de nome ou apelido público notório, nesse caso, o portador poderá substituir ou alterar o nome por apelidos públicos e notórios. Para Venosa (2017), a substituição por apelido público notório atende à tendência social brasileira, possibilitando importante alteração na regra da imutabilidade do nome, passando a ser relativa.
Ademais, o nome pode sofrer mudanças em razão do uso prolongado, nessa situação, poderá requerer alteração do nome o indivíduo que apresente nome usado constantemente diverso do registrado. Há também a possibilidade de mudança de prenome homônimo, nos casos em que o portador possuir o mesmo nome de outras pessoas, assim sendo prejudicado pelo uso dos nomes homônimos, poderá solicitar a alteração do nome.
Além disso, existem outras situações em que o nome poderá sofrer mudanças: alteração do prenome para proteção da vítima ou testemunha, alteração do prenome do estrangeiro, alteração por conta doo casamento, da união estável, da adoção, entre outros. Desse modo, também pode ocorrer a alteração do nome decorrente do abando materno ou paterno. Para Brandelli (2012), poderá o filho abandonado diante do sofrimento vivenciado pelo abando material ou moral dos genitores, alterar o nome de família, diante da ausência de vínculo afetivo.
Portanto, apesar da imutabilidade do nome, verifica-se que o nome poderá sofrer alterações diante de diversas possibilidades, a fim de resguardar as garantias e os direitos constitucionais do portador do nome no meio social, baseado no princípio da dignidade humana para tutelar os direitos da personalidade inerente à integridade moral, física e intelectual.
4.3 O abandono afetivo como fundamento para a mudança do nome
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 é incisiva nos seus dispositivos legais ao orientar aos genitores o dever de assistir, criar e educar os filhos durante a infância. Todavia, há casos em que os pais negligenciam a relação com os filhos e agem com descaso sentimental, o que causa danos a personalidade do indivíduo, devido à falta de assistência psíquica, social e moral na vida do filho abandonado.
Madaleno (2018), justifica que a ausência de afeto pelos genitores na relação familiar, cria deficiências afetivas, traumas, cujo peso pode prejudicar o desenvolvimento mental, físico, e social do filho, o que deve gerar o direito à integral reparação do agravo moral sofrido pela negativa de afeto do direito que o filho tem de uma sadia convivência e referência parental. Acrescenta ainda, que embora exista o argumento de que não existe a obrigação de amar, deve-se ser considerado pelo judiciário a incontestável obrigação de que os pais tem o dever de assegurar aos filhos a convivência familiar, além de protegê-los de qualquer discriminação, violência, exploração, nos termos do artigo 227 da Constituição Federal.
Diante disso, uma vez reconhecida a possibilidade de responsabilidade civil em decorrência do abandono afetivo em virtude dos prejuízos causados a vida de quem foi abandonado, surge a discussão em torno da probabilidade de exclusão do sobrenome do genitor que causou problemas de ordem emocional, social na formação da personalidade do indivíduo. Tal alternativa, é coerente diante da omissão, irresponsabilidade no dever de criação dos filhos, principalmente quando a conduta do genitor causa reflexos traumáticos que geram peso na vida do filho por carregar um sobrenome que o remete a repulsa.
Ademais, é importante citar o princípio da dignidade humana como norteador das relações familiares e fundamento do Estado Democrático de Direito, onde tal princípio representa a proteção à integridade da família, observando os direitos da personalidade de seus membros. Logo, espera-se que a tutela jurídica dos direitos da personalidade assegure a dignidade inerente ao ser humano e garanta a efetividade nas relações entre os membros da família.
Oliveira e Freire (2021), fomentam que ordenamento jurídico não consegue acompanhar a complexidade da vida social, tendo a família sentido as transformações ocorridas, ainda mais após a constituição de 1988, e dos princípios fundamentais norteadores do direito
Consoante Pereira (2017), várias mudanças ocorreram no bojo da família atual, o que acarretou diversas mudanças tanto nos textos constitucionais como nos textos legais. Acrescenta que existem novos paradigmas e novos modelos de família, onde o centro da discussão é a dignidade da pessoa humana e a solidariedade familiar em que visam a realização integral dos membros da família, de modo que se rompe a ideia de primazia dos laços sanguíneos e passa a prevalecer o vínculo afetivo.
Com base no ideal de dignidade do indivíduo na relação familiar é que surge a possibilidade de alterar o sobrenome de quem foi abandonado. Pois, o sobrenome carregado que teria como função primordial indicar a estirpe da pessoa, não cumpre esse papel efetivamente, uma vez que não há por parte do filho abandonado o sentimento de pertencimento a família a qual o sobrenome está vinculado, mas sim o constrangimento e aflição de portar um nome que cause angústias.
Conforme já explanado, o princípio da imutabilidade do nome é regra. No entanto, o referido princípio não é absoluto e apresenta algumas exceções previstas em lei, desde que preenchidos os requisitos e exista motivos que justifiquem a alteração. Diante da relativização deste princípio, é importante relatar que o nome é individualizador da personalidade da pessoa humana e que este promove a dignidade humana, assim, é motivo justo o filho abandonado retirar o sobrenome de quem o abandonou, havendo o resguardo aos direitos da personalidade.
Logo, é o entendimento em sede de recurso especial de n. 1304718/SP, do Superior Tribunal de Justiça (BRASIL, 2018), pelo qual restou caracterizada o justo motivo do recorrente de realizar a supressão do sobrenome com o fundamento de que é direito da pessoa portar um nome que não lhe remeta às aflições decorrentes do abandono afetivo. Neste julgado, o direito ao nome como elemento individualizador da personalidade e a dignidade da pessoa humana prevaleceu sobre o interesse público da imutabilidade do nome.
No mesmo sentido, é o entendimento na apelação de n. 1000209-27.2020.8.26.0397, do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (BRASIL, 2020), pelo qual deu provimento ao recurso, a fim de acolher a pretensão da exclusão do sobrenome paterno, tendo em vista que há elementos que justificam a alteração do nome, motivado pela caracterização do abandono afetivo pelo genitor e dos danos à personalidade decorrentes deste.
Posto isso, a alteração do sobrenome com fundamento no abandono afetivo é tema delicado e fruto de discussões pelos doutrinadores e tribunais pátrios, que argumentam a respeito de o indivíduo não precisar portar um nome que cause transtornos de caráter psicológico e social. Dessa forma, a primazia da questão deve ser em torno da dignidade da pessoa humana e na garantia dos direitos da personalidade.
5 CONCLUSÃO
A partir do desenvolvimento do presente artigo, percebeu-se a importância da tutela jurídica da relativização do princípio da imutabilidade do nome pelo Estado, vez que o direito ao nome é inerente à personalidade do indivíduo e merece a devida proteção legal quando houver perigo de ameaça a dignidade da pessoa humana.
Logo, o princípio da dignidade da pessoa humana e da afetividade são considerados bases fundamentais no amparo legal das relações familiares, pois estes princípios estão relacionados, sucessivamente, a valores intrínsecos humanos e ao dever imposto aos genitores de uma convivência afetiva com os filhos.
Além disso, é importante destacar que a alteração do nome com fundamento no abandono afetivo, busca efetivar a dignidade do indivíduo e garantir que o sujeito não precise portar um sobrenome que o remeta a angústia decorrente do abandono devido, o motivo relevante, portanto, seria a insuportabilidade de carregar um nome que traz uma carga de dor ao filho abandonado.
Apesar de ser um tema relativamente novo no ponto de vista acadêmico, conclui-se, que, a constatação do abandono afetivo que cause danos de natureza grave ao filho, é fundamento relevante para autorizar a retirada do sobrenome do genitor que deixou de participar da formação da personalidade e do desenvolvimento do filho.
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[1]Acadêmica do Curso de Direito do Centro Universitário Santo Agostinho – UNIFSA. E-mail: [email protected]
[2]Professor Me. do Curso de Direito do Centro Universitário Santo Agostinho – UNIFSA. E-mail: [email protected]
Bacharelanda no curso de Direito do Centro Universitário Santo Agostinho (UNIFSA).
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