ICMS e "leasing" internacional – 1
O Plenário iniciou julgamento de recurso extraordinário em que se discute, à luz do art. 155, II e § 2º, IX e XII, a e d, da CF, a constitucionalidade, ou não, da incidência de ICMS sobre operações de importação de mercadorias, sob o regime de arrendamento mercantil internacional. O Min. Gilmar Mendes, relator, proveu o recurso para declarar a incidência do ICMS na importação de bens mediante operações de leasing financeiro com o exterior. Inicialmente, salientou que esta Corte teria posicionamentos divergentes sobre o tema. Em seguida, aduziu que, na vigência da redação original do art. 155, § 2º, IX, a, da CF (“§ 2º - O imposto previsto no inciso I, b, atenderá ao seguinte: ... IX - incidirá também: a) sobre a entrada de mercadoria importada do exterior, ainda quando se tratar de bem destinado a consumo ou ativo fixo do estabelecimento, assim como sobre serviço prestado no exterior, cabendo o imposto ao Estado onde estiver situado o estabelecimento destinatário da mercadoria ou do serviço”), o STF afirmara a não-incidência do tributo em comento nas importações de bens realizadas por pessoa física para uso próprio, o que culminara na edição do Enunciado 660 de sua súmula (“Não incide ICMS na importação de bens por pessoa física ou jurídica que não seja contribuinte do imposto”). Ocorre que o constituinte derivado editara a EC 33/2001, que alterara a redação do aludido dispositivo constitucional (“§ 2.º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte: ... IX - incidirá também: a) sobre a entrada de bem ou mercadoria importados do exterior por pessoa física ou jurídica, ainda que não seja contribuinte habitual do imposto, qualquer que seja a sua finalidade, assim como sobre o serviço prestado no exterior, cabendo o imposto ao Estado onde estiver situado o domicílio ou o estabelecimento do destinatário da mercadoria, bem ou serviço”), em típico caso de tentativa de corrigenda da interpretação conferida. Assim, apontou que o constituinte, ao ampliar a base econômica do ICMS, objetivara deixar claro que qualquer pessoa física ou jurídica poderia ser contribuinte da exação, ainda que não fosse contribuinte habitual do imposto. Nesse contexto, destacou que não haveria como subsistir a orientação fixada no RE 461968/SP (DJU de 24.8.2007), no sentido de que o ICMS incide nas hipóteses em que o bem ou a mercadoria importados por meio de arrendamento mercantil internacional tivessem a propriedade transferida para o arrendatário. Isso porque esse entendimento convolar-se-ia em obstáculo à teleologia da norma constitucional.
RE 540829/SP, rel. Min. Gilmar Mendes, 1º.6.2011. (RE-540829)
ICMS e "leasing" internacional – 2
Explicou que, no leasing financeiro, o arrendatário possuiria, ao término do contrato, as opções de devolução ou compra do bem e de renovação do ajuste. Por esse motivo, a Constituição previra a incidência de ICMS na importação — na entrada do bem ou da mercadoria —, pois, de outra maneira, a exação ficaria à disposição do particular, a depender apenas do tipo de avença que desejasse celebrar. Ressaltou que isso permitiria elisão fiscal, com graves repercussões a partir do negócio jurídico entabulado. Concluiu que a situação em apreço apresentaria as seguintes possibilidades: 1) se determinado bem for adquirido por contrato de compra e venda internacional, incide ICMS, pois haverá a circulação de mercadoria, a qual será transferida ao patrimônio do adquirente; 2) se bem da mesma espécie for adquirido por contrato de compra e venda interno, incide ICMS; 3) se o mesmo bem for objeto de operação de arrendamento mercantil, leasing financeiro interno, incide ISS, consoante jurisprudência pacificada neste Tribunal (RE 592905/SC, DJe de 5.3.2010) e 4) se bem similar for objeto de importação mediante arrendamento mercantil internacional em que não seja feita a escolha de compra, a posição que vem se formando no STF impedirá a incidência do ICMS na importação — e tampouco do ISS. Diante desse quadro, notadamente da última hipótese, asseverou a ofensa ao princípio da isonomia, haja vista a concessão de vantagens não estendidas àquelas operações realizadas em âmbito interno. Ademais, reputou-se que, se adotada a mencionada tese, o poder de tributar do Estado ficaria à disposição do contribuinte. Tendo em conta todos esses motivos, asseverou que os fundamentos firmados no RE 206069/SP (DJU de 1º.9.2006), deveriam ser acolhidos, de modo a garantir a incidência do ICMS na importação de bem ou de mercadoria provenientes do exterior, independentemente da natureza do contrato internacional celebrado.
RE 540829/SP, rel. Min. Gilmar Mendes, 1º.6.2011. (RE-540829)
ICMS e "leasing" internacional – 3
Em divergência, o Min. Luiz Fux desproveu o recurso para manter a jurisprudência decenária desta Corte, segundo a qual a exegese desse novel preceito constitucional pressupõe a entrada e a posterior circulação desse bem para a incidência do ICMS, a fim de não transmudá-lo em imposto de importação. Afirmou que a Constituição delegara à lei complementar o estabelecimento de normas gerais em matéria tributária e o CTN dispusera, como regra de exegese, que na aplicação do direito tributário seriam obedecidos os conceitos de direito privado. Assinalou que o art. 155, II, da CF determinaria que o ICMS seria imposto derivado de uma operação de circulação de mercadoria e que presumiria uma compra e venda. Assim, incabível desnaturarem-se os vínculos de direito privado, de forma a equiparar o leasing à compra e venda. Observou que se tentara empreender interpretação teleológica à espécie para que a entrada da mercadoria fosse fato gerador do ICMS. No ponto, reiterou que, conforme realçado no RE 461968/SP (DJU de 24.8.2007), para não haver a transfiguração do ICMS em imposto de importação, aquele apenas incidiria se o ingresso se desse a título de circulação da mercadoria, sob pena de violação não só ao art. 146, III, da CF, como também, à luz dessa interpretação teleológica, do art. 155, § 2º, IX, a, da CF. Enfatizou, ainda, que em nível infraconstitucional, o STJ, em julgamento de recurso especial representativo da controvérsia, assentara que o referido imposto incidiria sobre a entrada de bem ou de mercadoria importados do exterior, desde que atinentes à operação relativa à circulação desses por pessoa física ou jurídica, ainda que não contribuinte habitual do tributo, qualquer que seja a finalidade. Por fim, esclareceu que os conceitos de direito privado não poderiam ser desnaturados pelo direito tributário, assim como, por analogia, seria indevida a criação de tributo inexistente. Após, pediu vista a Min. Cármen Lúcia.
RE 540829/SP, rel. Min. Gilmar Mendes, 1º.6.2011. (RE-540829)
» Informativo 629 do STF - 2011
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