AP 470/MG - 220
O Plenário retomou julgamento de ação penal movida, pelo Ministério Público Federal, contra diversos acusados pela suposta prática de esquema a envolver crimes de peculato, lavagem de dinheiro, corrupção ativa, gestão fraudulenta e outras fraudes — v. Informativos 673 a 685 e 687 a 691. Na sessão de 10.12.2012, prosseguiu-se a análise sobre a perda de mandato parlamentar quanto aos deputados federais João Paulo Cunha, Valdemar Costa Neto e Pedro Henry, assim como em relação a José Borba, atualmente prefeito. A Min. Rosa Weber, ao acompanhar o Revisor, manifestou que a possibilidade de perda automática do mandato parlamentar em decorrência de condenação judicial sofrida pelo respectivo titular seria tema extremamente sensível para o equilíbrio dos Poderes. Mencionou que a presença dos institutos relativos a prerrogativa, inviolabilidade e imunidade parlamentares em geral seria necessária. Destarte a Constituição não poderia ser interpretada de modo a não a contemplá-los. Registrou que as prerrogativas parlamentares não configurariam direito cuja finalidade seria a proteção dos próprios parlamentares, mas sim da representação popular por eles exercida. Portanto, sua legitimidade derivaria do direito fundamental dos indivíduos de governar a si mesmos. Consignou que cometimento de atos que levassem a condenação criminal de representante do povo poderia, de fato, ser entendido como quebra da relação de confiança, pressuposto do mandato.
AP 470/MG, rel. Min. Joaquim Barbosa, 10 e 13.12.2012. (AP-470)
AP 470/MG - 221
Assinalou que o juiz competente para julgar sobre o exercício do poder político, do poder de representação, seria o povo soberano, que o faria diretamente no caso de democracias, cujas Constituições previssem o instituto do recall, ou por meio de seus representantes na hipótese no art. 55, VI, § 2º, da CF (“Art. 55 - Perderá o mandato o Deputado ou Senador: ... VI - que sofrer condenação criminal em sentença transitada em julgado. ... § 2º - Nos casos dos incisos I, II e VI, a perda do mandato será decidida pela Câmara dos Deputados ou pelo Senado Federal, por voto secreto e maioria absoluta, mediante provocação da respectiva Mesa ou de partido político representado no Congresso Nacional, assegurada ampla defesa”). Observou que a Constituição de 1988 restabelecera em sua plenitude o respeito ao postulado da separação de Poderes, desprestigiado pelo regime antecedente, como princípio basilar de democracia representativa. Ressaltou que, satisfeitas as condições exigidas pela legislação eleitoral para o reconhecimento de sua legitimidade, o mandato se revestiria, durante o período para o qual constituído, da qualidade da intangibilidade. Somente poderia ser afetado nos casos expressamente previstos pela Constituição. Ponderou ser a melhor exegese aquela que não atribuísse ao art. 92 do CP (“Art. 92 - São também efeitos da condenação: I - a perda de cargo, função pública ou mandato eletivo. Parágrafo único - Os efeitos de que trata este artigo não são automáticos, devendo ser motivadamente declarados na sentença”) a tarefa de vetor interpretativo a partir do qual se deduziria o sentido dos artigos 15, III, e 55, IV e VI, da CF. Portanto, o sentido da norma constitucional haveria de ser extraído, primordialmente, dela mesma, tomada como sistema, e não da legislação infraconstitucional que a ela se submeteria.
AP 470/MG, rel. Min. Joaquim Barbosa, 10 e 13.12.2012. (AP-470)
AP 470/MG - 222
Avaliou que a condenação criminal transitada em julgado estaria contida no art.15, III, da CF (“Art. 15. É vedada a cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspensão só se dará nos casos de: ... III - condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos”), entre as causas de perda e suspensão de direitos políticos. Entretanto, o caso seria de suspensão e não de perda, enquanto durassem os efeitos da condenação. Analisou que o art. 55, § 2º, da CF, a seu turno, previra claramente procedimento para a cassação de mandatos de deputados e senadores. Inferiu que, se a Constituição vedasse a cassação de direitos políticos e, ao mesmo tempo, previsse procedimento específico para a cassação de mandato parlamentar, a conclusão seria que o mandato não se confundiria com o direito político que o fundamentaria. A Constituição não definiria o mandato como espécie de direito político subjetivo do tipo passivo, tampouco, pelo mesmo raciocínio, a perda do mandato se confundiria com hipótese de direito político negativo, isso porque o mandato não seria direito subjetivo do representante, mas situação jurídica por ele ostentada em decorrência da manifestação concomitante, no processo eleitoral, do direito subjetivo de concorrer e dos eleitores de votar.
AP 470/MG, rel. Min. Joaquim Barbosa, 10 e 13.12.2012. (AP-470)
AP 470/MG - 223
Ressaiu que a perda do mandato eletivo de deputado federal ou senador estaria condicionada à manifestação da maioria absoluta da respectiva Casa Legislativa por expressa imposição do art. 55, §2º, da CF. A destituição de mandato de deputado ou senador, portanto, no caso de condenação criminal transitada em julgado, revestir-se-ia de contornos políticos e, sendo o mandato instituto de representação política dos governados, somente àqueles teria sido conferida a legitimidade para se pronunciar pela sua revogação. Por derradeiro, afirmou que negar a plena eficácia do art. 55, § 2º, da CF implicaria a anulação, pelo Poder Judiciário, dos votos recebidos pelo mandatário que posteriormente fora condenado. Os Ministros Dias Toffoli e Cármen Lúcia também seguiram o Revisor. O Min. Dias Toffoli aduziu que a aparente antinomia entre os artigos 15, III, e 55 da CF seria resolvida pelo critério da especialidade. Assim, os parlamentares estariam excluídos da abrangência do art. 15, III, da CF, por lhes ser aplicável, especificamente, o seu art. 55. Consignou que essa discussão não alcançaria José Borba, prefeito, no que os demais Ministros aquiesceram. A Min. Cármen Lúcia explicitou que, em face do princípio da separação de Poderes, a perda do mandato não seria consectário automático de condenação criminal emanada do STF, o qual se restringiria à jurisdição, de modo que caberia à respectiva casa do Congresso Nacional decidir sobre a referida perda, a teor do art. 55, § 2º, da CF.
AP 470/MG, rel. Min. Joaquim Barbosa, 10 e 13.12.2012. (AP-470)
AP 470/MG - 224
Por outro lado, os Ministros Luiz Fux, Gilmar Mendes e Marco Aurélio acompanharam o Relator, para decretar a perda de mandato dos aludidos réus. O Min. Luiz Fux asseverou que, com o advento da Lei da “Ficha Limpa”, bastaria condenação, sem trânsito em julgado, para que o povo considerasse o detentor de mandato eletivo deslegitimado para praticar atos em nome dos respectivos eleitores. De acordo com essa concepção, não seria legítimo que os parlamentares praticassem atos contrários à lei e, ainda assim, mantivessem a higidez da representatividade popular. Ademais, não caberia discutir se o Parlamento iria cumprir a decisão da Corte ou não, mas apenas se o STF deveria declarar a perda do mandato por causa de condenação criminal, na forma do art. 55 da CF. Frisou que as hipóteses do art. 15 da CF, de suspensão de direitos políticos, implicariam não só a restrição ao direito de concorrer ao ius honorum, mas também restringiriam o ius sufragii. Consignou que prevaleceria o cânone constitucional da moralidade administrativa, a reforçar a impossibilidade de manutenção de mandato após condenação na esfera penal. Rememorou a EC 35/2001, a possibilitar a suspensão do processo, para evitar que o parlamentar fosse submetido a perseguição política. Entretanto, se esta não ocorresse, o processo seria regular, a exigir o cumprimento da Constituição e da lei. Reputou que o art. 55 da CF referir-se-ia a casos em que a suspensão processual não ocorrera, porquanto o fato delituoso antecedera a diplomação.
AP 470/MG, rel. Min. Joaquim Barbosa, 10 e 13.12.2012. (AP-470)
AP 470/MG - 225
O Min. Gilmar Mendes realizou retrospecto histórico sobre a evolução normativa que culminara com os artigos 55, VI, e 15, III, da CF. Ressurtiu que o sistema apresentaria possíveis incongruências. Atentou para a necessidade de se interpretar a questão em harmonia com o art. 37, § 4º, da CF (“§ 4º - Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível”). Salientou que, embora nem todas as faltas caracterizadas como atos de improbidade fossem condutas típicas, os crimes contra a Administração Pública dificilmente deixariam de ser considerados atos de improbidade. Ademais, a Lei da “Ficha Limpa” teria permitido situações em que condenado por sentença de órgão colegiado fosse impedido de se candidatar, mas condenado com trânsito em julgado preservaria seu mandato. Exemplificou métodos de solução de lacunas e antinomias preconizados pela jurisprudência do STF, como a via do pensamento do possível, a fim de compatibilizar os preceitos constitucionais acima referidos. Frisou que os crimes contra a Administração Pública deveriam ter por efeito a perda da função pública, que seria reconhecida e decretada pelo juiz. Não haveria ab-rogação do art. 55, VI, da CF, pois não se trataria de crimes de menor potencial ofensivo, por exemplo. O aludido inciso continuaria a ser aplicável nos casos em que o título judicial não impusesse a perda da função. Preconizou que o exercício de função pública pressuporia liberdade de ir e vir, incompatível com pena de prisão. Arrematou caber ao Judiciário, como efeito da condenação, decretar a perda da função ou cargo; e ao Legislativo competiria eventualmente suspender o processo, no exercício de controle político, conforme o texto constitucional.
AP 470/MG, rel. Min. Joaquim Barbosa, 10 e 13.12.2012. (AP-470)
AP 470/MG - 226
O Min. Marco Aurélio, de início, retificou seu voto para absolver, quanto ao crime formação de quadrilha (CP, art. 288), os réus Pedro Corrêa (item VI.1.b.1), João Cláudio Genú (item VI.1.c.1), Enivaldo Quadrado (item VI.1.d.1) — a envolver parlamentares do PP — e Rogério Tolentino (capítulo II). No tocante aos 3 primeiros acusados, aquilatou que a quadrilha estaria descaracterizada tendo em vista o número de integrantes, já que o preceito legal exigiria mais de 3 envolvidos. Lembrou que o possível quarto integrante teria falecido no curso do processo, sem que sua situação quanto ao crime tivesse sido firmada. No que concerne a Rogério Tolentino, aduziu que sua participação na quadrilha não teria sido suficientemente demonstrada, pois teria simplesmente realizado 1 empréstimo bancário junto ao BMG. No tocante à questão alusiva a perda de mandato, registrou que os Poderes da República seriam harmônicos e independentes, o que afastaria antagonismos e impasses. Ademais, de acordo com a Constituição, dever-se-ia concluir pelo primado do Judiciário, ao qual caberia a última palavra sobre o direito posto e sobre a própria Constituição. Observou que se estaria a discutir eventual compatibilidade deste diploma com o art. 92 do CP. Considerou automáticos os efeitos do art. 15, III, da CF, que deveriam ser motivadamente declarados na decisão judicial. Afirmou incidir, no caso, o preceito legal. Reputou que a regra constitucional seria uma garantia, pois a normalidade consubstanciar-se-ia na preservação dos direitos políticos, verificadas as excepcionalidades taxativas neste artigo. Asseverou que a drástica consequência da suspensão dos direitos políticos imporia ao julgador ponderar, diante do caso concreto, se a qualidade do crime praticado ensejaria este resultado. Na espécie, rememorou a gravidade dos delitos perpetrados. Repisou que o primado do Judiciário afastaria a possibilidade de decisão ficar submetida a condição resolutiva de natureza política. Aludiu que o art. 55 da CF seria reservado a situações concretas em que não se teria como consequência da condenação a perda do mandato. Finalizou que a decisão do STF deveria alcançar não só aqueles com mandato atualmente, como também os demais que, condenados por crimes contra a Administração Pública, pudessem buscar mandato ou funções de confiança de natureza pública como escudo, inclusive suplentes de cargos eletivos. Assim, o título condenatório deveria ser completo, ao harmonizar os preceitos do Código Penal e da Constituição. Consignou, também, a incidência da reprimenda de interdição temporária de direitos (CP: “Art. 47 - As penas de interdição temporária de direitos são: I - proibição do exercício de cargo, função ou atividade pública, bem como de mandato eletivo”) em relação a todos os condenados na presente ação pela prática de crimes contra a Administração Pública.
AP 470/MG, rel. Min. Joaquim Barbosa, 10 e 13.12.2012. (AP-470)
AP 470/MG - 227
Na assentada de 13.12.2012, o Relator apontou discrepância quanto às penas pecuniárias fixadas para Kátia Rabello e José Roberto Salgado pela prática do crime de lavagem de dinheiro, descrito no capítulo IV da denúncia. Aduziu que, em virtude da mudança de voto do Min. Marco Aurélio para acompanhar o Revisor acerca dos critérios de fixação da multa, deveria prevalecer, ante o empate, para a referida condenada, a sanção pecuniária de 58 dias-multa estabelecida pelo Revisor e não os 166 dias-multa proclamados, nos termos do Relator. Destarte, Kátia Rabello seria apenada em 58 dias-multa, no valor de 15 salários mínimos cada, ao passo que o corréu José Roberto Salgado, em 166 dias-multa, no patamar de 10 salários mínimos. A Min. Rosa Weber reajustou seu voto para acolher a pena de multa fixada pelo Relator no tocante à Kátia Rabello. Após, o julgamento foi suspenso. O Min. Teori Zavascki não participou da votação.
AP 470/MG, rel. Min. Joaquim Barbosa, 10 e 13.12.2012. (AP-470)
1ª parte
2ª parte
Decisão publicada no Informativo 692 do STF - 2012
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) foi criado pela Constituição Federal de 1988 com a finalidade de preservar a uniformidade da interpretação das leis federais em todo o território brasileiro. Endereço: SAFS - Quadra 06 - Lote 01 - Trecho III. CEP 70095-900 | Brasília/DF. Telefone: (61) 3319-8000 | Fax: (61) 3319-8700. Home page: www.stj.jus.br
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BRASIL, STJ - Superior Tribunal de Justiça. AP 470/MG - 220 - 227 - Ação Penal movida pelo Ministério Público Federal contra diversas pessoas acusadas da suposta prática de crimes de peculato, lavagem de dinheiro, corrupção ativa, gestão fraudulenta e outras fraudes Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 11 jan 2013, 10:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Informativos Temáticos/33535/ap-470-mg-220-227-acao-penal-movida-pelo-ministerio-publico-federal-contra-diversas-pessoas-acusadas-da-suposta-pratica-de-crimes-de-peculato-lavagem-de-dinheiro-corrupcao-ativa-gestao-fraudulenta-e-outras-fraudes. Acesso em: 04 out 2024.
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