Policiais temporários e princípio do concurso público – 5
Em conclusão de julgamento, o Plenário julgou procedente pedido formulado em ação direta para declarar a inconstitucionalidade da Lei 17.822/2012 do Estado de Goiás, que institui o Serviço de Interesse Militar Voluntário Estadual - SIMVE na Polícia Militar e no Corpo de Bombeiros Militar do Estado-Membro — v. Informativo 779. Quanto à inconstitucionalidade material da norma, o Colegiado assinalou que, anteriormente à edição da lei em comento, o governo estadual lançara concurso público de provas e títulos para provimento de cargos de policial militar, com a subsequente seleção de candidatos. A lei adversada, por sua vez — em vigor durante o prazo de validade do concurso —, a pretexto de ter fundamento de validade na Lei 4.735/1964 (Lei do Serviço Militar), instituíra uma classe de policiais temporários, cujos integrantes, após serem aprovados em seleção e em curso de formação, passariam a ocupar cargo de natureza policial militar. Esses temporários seriam remunerados por subsídio, sujeitos à legislação militar e às normas específicas da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros Militar estaduais. Intentara-se, assim, a realização de um corte de gastos relacionados com a segurança pública. Ao possibilitar que voluntários tivessem função de policiamento preventivo e repressivo, além de terem o direito de usar os uniformes, insígnias e emblemas utilizados pela corporação, com a designação “SV”, recebendo subsídio, a lei objetivara criar policiais temporários, disfarçados sob a classificação de voluntários, para a execução de atividades militares, em detrimento da exigência constitucional de concurso público. O Colegiado sublinhou, ademais, que as Forças Armadas seriam instituições nacionais, regulares e permanentes (CF, art. 142), não admitida a existência de forças temporárias. Seus membros seriam chamados de “militares”, termo também empregado constitucionalmente para designar policiais militares e bombeiros militares (CF, art. 42). Entretanto, não se poderia confundir os membros das Forças Armadas com os militares estaduais. A Constituição vedaria que os Estados-Membros possuíssem Exército, Marinha e Aeronáutica. Todavia, admitiria que eles constituíssem polícias militarizadas para segurança interna e manutenção da ordem no território (CF, art. 144, § 5º). Assim, os militares estaduais seriam destinados à função de segurança pública, integrariam a estrutura do Poder Executivo estadual e não seguiriam o mesmo regime constitucional alusivo às Forças Armadas. Essa diferença também diria respeito à forma de ingresso na carreira. Enquanto a admissão nas Forças Armadas dar-se-ia tanto pela via compulsória do recrutamento oficial quanto pela via voluntária de ingresso nos cursos de formação, os servidores militares estaduais seriam submetidos, sempre voluntariamente, a concurso público. Com o advento da EC 18/1998, houvera a distinção entre servidores públicos civis e militares e, em relação a estes, distinguiram-se os dos Estados e do Distrito Federal e os das Forças Armadas. Daí o art. 42 da CF determinar a aplicação, aos militares estaduais, do art. 142, §§ 2º e 3º, e remeter à lei estadual a disciplina das matérias do art. 142, § 3º, X, da CF. Portanto, o constituinte não optara por excluir a obrigatoriedade do concurso público para ingresso na Polícia Militar e no Corpo de Bombeiros Militar. O seu objetivo original, ao estabelecer o postulado do concurso público, seria traduzido na necessidade essencial de o Estado conferir efetividade ao princípio constitucional da igualdade. Seria vedada, desse modo, a prática inaceitável de concessão de privilégios arbitrários.
ADI 5163/GO, rel. Min. Luiz Fux, 8.4.2015. (ADI-5163)
Policiais temporários e princípio do concurso público – 6
O Colegiado assinalou que o concurso público seria uma forma de a Administração assegurar os princípios maiores da isonomia e da impessoalidade na concorrência dos candidatos aos cargos públicos. Todos os Poderes estariam jungidos à observância do preceito, inclusive o Executivo estadual ao contratar policiais militares. Além disso, o constituinte previra expressamente exceções quanto à obrigatoriedade de concurso público. Assim, estabelecera genericamente a possibilidade de nomeação para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração (CF, art. 37, II) e previra a contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público (CF, art. 37, IX). Haveria outras exceções, como, por exemplo os cargos eletivos. Em todas as hipóteses, a base constitucional seria taxativa, e entre elas não estariam os policiais militares. Ademais, sequer a lei impugnada configuraria o permissivo do art. 37, IX, da CF. Não estariam presentes os requisitos e limites para esse tipo de contratação. A necessidade temporária de excepcional interesse público não dependeria de mera escolha discriminatória da Administração. Ela exigiria o atendimento de um fim próximo e a demonstração da impossibilidade de consecução desse fim com os recursos humanos de que disporia a Administração. Na situação dos autos, a lei em debate permitira a contratação de 2.400 policiais temporários, embora houvesse cerca de 1.400 concursados aprovados em cadastro reserva aguardando convocação. Além disso, no caso dos contratados em caráter temporário, tratara-se de contratação para atividade previsível, permanente e ordinária. Assim, seria inconstitucional a lei que, a pretexto de satisfazer o art. 37, IX, da CF, não estabelecesse prazo determinado ou não especificasse a contingência fática que evidenciasse a situação emergencial.
ADI 5163/GO, rel. Min. Luiz Fux, 8.4.2015. (ADI-5163)
Policiais temporários e princípio do concurso público – 7
O Tribunal reputou que, no tocante à inconstitucionalidade formal, o diploma em questão violaria o art. 24 da CF, ao usurpar a competência da União para legislar sobre o tema. Aos Estado-Membros a Constituição permitiria o estabelecimento de regras ou disposições que permitissem a aplicação das diretrizes gerais e principiológicas impostas pela União. Nas hipóteses constitucionalmente previstas de competência legislativa concorrente entre União e Estados-membros, situação em que caberia à União estabelecer normas gerais e a estes normas suplementares, a única situação permissiva de exame de constitucionalidade em sede de fiscalização normativa abstrata seria aquela a configurar inconstitucionalidade direta, imediata e frontal. É o que ocorreria na espécie. A norma federal a cuidar do tema — Lei 10.029/2000 — fora editada para trazer os parâmetros de organização de serviço voluntário nas Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares. Assim, a lei estadual deveria ser expungida no que divergisse ou inovasse em relação à lei federal. Esta, além de restringir o exercício do serviço militar voluntário a atividades administrativas e auxiliares, proibiria porte de arma de fogo e exercício de poder de polícia pelos voluntários, estabeleceria auxílio mensal de caráter indenizatório não superior a dois salários mínimos e impossibilitaria a caracterização de vínculo empregatício e de natureza previdenciária pela prestação dos serviços voluntários. O contraste com a norma estadual seria, portanto, radical e insanável. Por fim, o Colegiado não modulou os efeitos da declaração de inconstitucionalidade, uma vez não atingido o número de votos necessário para tanto.
ADI 5163/GO, rel. Min. Luiz Fux, 8.4.2015. (ADI-5163)
Decisão publicada no Informativo 780 do STF - 2015
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