A controvérsia consiste em definir a responsabilidade pelos danos morais causados pela queda de aeronave às vítimas em superfície, tendo em vista que o acidente com o avião danificou imóveis na área do choque com o solo, feriu e causou a morte de pessoas.
A ação foi ajuizada em face indicados como proprietários da aeronave, cuja queda causou os danos que se pretende sejam ressarcidos. Em contestação, os réus alegaram sua ilegitimidade passiva, negando a qualidade de proprietários ou exploradores/operadores da aeronave. Ademais, requereram a denunciação à lide da empresa exploradora do serviço de transporte aéreo.
Todavia, os julgados ordinários chegaram às seguintes constatações: 1) a aeronave foi objeto de um contrato arrendamento mercantil; 2) os réus deste recurso tinham a posse da aeronave, quando do acidente, na qualidade de cessionários de direitos do arrendamento, não formalizado à época do acontecimento.
No que diz respeito ao transporte de pessoas, é certo que a teoria objetiva foi a eleita pelo ordenamento jurídico brasileiro, ao documentar no art. 734 do CC/2002 que o "transportador responde pelos danos causados às pessoas transportadas e suas bagagens, salvo motivo de força maior, sendo nula qualquer cláusula excludente da responsabilidade". Nesse particular, é manifesto: a responsabilidade objetiva imposta ao transportador tem fundamento no risco da atividade.
O Código Brasileiro de Aeronáutica (CBA) não evidencia de forma expressa a teoria objetiva como fundamento das responsabilidades que prevê. Todavia, a jurisprudência desta Casa há muito reconheceu aquele embasamento para a responsabilidade atribuída às ocorrências do transporte aeroviário.
Outrossim, importante referir ainda que, no recente julgamento do REsp n. 1.414.803/SC, já foi definido por esta Corte que "o Código Brasileiro de Aeronáutica não se limita a regulamentar apenas o transporte aéreo regular de passageiros, realizado por quem detém a respectiva concessão, mas todo serviço de exploração de aeronave, operado por pessoa física ou jurídica, proprietária ou não, com ou sem fins lucrativos, de forma que [...] será plenamente aplicado, desde que a relação jurídica não esteja regida pelo CDC, cuja força normativa é extraída diretamente da CF/1988 (5º, XXXII)" (REsp n. 1.414.803/SC, relator Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 4/5/2021, DJe de 4/6/2021.).
Nesse passo, especificamente no que diz respeito aos fatos relacionados a terceiros em superfície, prevê o Código Brasileiro de Aeronáutica, em seu art. 268, que os exploradores da aeronave serão os responsáveis pelos danos criados àquelas pessoas.
Diante deste cenário, os danos sofridos por terceiros em superfície, causados diretamente pela atividade de transporte aéreo, serão de responsabilidade do explorador.
Nesse rumo, é possível extrair outra premissa, no sentido de que a responsabilidade pelo transporte aéreo é objetiva. Ou seja, independentemente de ter havido conduta culposa, se os danos indenizáveis decorrerem da atividade de transporte aéreo, haverá responsabilidade do explorador.
Nessa exata linha de ideias vai a legislação pertinente, que se revela no art. 123 do Código Brasileiro da Aeronáutica, na redação vigente à época dos fatos, conceituava operadores ou exploradores nos seguintes termos: "Art. 123. Considera-se operador ou explorador de aeronave: (...); II - o proprietário da aeronave ou quem a use diretamente ou através de seus prepostos, quando se tratar de serviços aéreos privados; III - (...); IV - o arrendatário que adquiriu a condução técnica da aeronave arrendada e a autoridade sobre a tripulação".
Em arremate, a doutrina esclarece que a exploração, nos casos acima referenciados, pode ocorrer independente do título de propriedade ou de posse, mediante qualquer forma lícita.
Na linha desse entendimento, como já assentado, sentença e acórdão, na descrição dos fatos e personagens neles envolvidos asseveraram de forma coincidente: 1) houve a contratação de arrendamento mercantil; 2) os réus deste recurso tinham a posse da aeronave, fruto da cessão de direitos do arrendamento, ainda não formalizada à época do acidente.
Com efeito, as partes na qualidade de possuidores da aeronave acidentada, nos termos do Código Brasileiro de Aeronáutica, são considerados exploradores e, nessa condição, responsáveis pelos danos provocados a terceiros em superfície.
O terceiro vítima de acidente aéreo, tripulante ou em superfície, e o transportador são, respectivamente, consumidor por equiparação e fornecedor.
Nessa ordem de ideias, acertada a incidência do universo consumerista à hipótese, deve ser invocada, notadamente, a teoria da aparência, pela qual se busca valorizar o estado de fato e reconhecer as circunstâncias efetivamente presentes nas relações jurídicas, concedendo proteção a terceiros de boa-fé (REsp n. 1.358.513/RS, relator Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 12/5/2020, DJe de 4/8/2020.)
Dessarte, o raciocínio desenvolvido pretende fundamentar duas modestas assertivas, que conferem ainda mais robustez à solução apresentada: 1ª) a teoria da aparência é fator legitimador do ajuizamento da ação de ressarcimento dos danos pelo defeito do serviço contra o aparente responsável, ainda que outros sujeitos houvessem de ser responsabilizados; 2ª) a responsabilidade pela prestação defeituosa do transporte aéreo, porque ancorada também nas normas de direito consumerista, será solidariamente repartida entre todos os fornecedores do serviço, no caso, todos os que se enquadrarem no conceito de explorador e, desde que tenha sido demandado.
Ademais, com base no segundo silogismo apresentado, não compete ao consumidor qualquer providência tendente a elucidar questões tais como a que se coloca sobre o contrato de arrendamento mercantil, se fora oficializado, a que forma e em que tempo. Muito menos caberia às vítimas dos danos provocados pela atividade aérea apurar os titulares da posse direta ou indireta da aeronave, por serem a parte vulnerável da relação jurídica, na acepção jurídica do vocábulo, lição comezinha de direito do consumidor.
Seguindo na análise da questão controvertida, defende-se a possibilidade da denunciação à lide, já que, perante os lesados todos devem responder solidariamente pelas consequências do fato. No entanto, observa que o CPC/2015, em seu art. 125, determina a obrigação de denunciação à lide daquele que está obrigado, por força de lei ou contrato, a indenizar o prejuízo do que perder a demanda. Portanto, não procede a alegação, também quanto a esse ponto.
Como de conhecimento, a denunciação da lide é intervenção de terceiros com natureza jurídica de ação, cuja pretensão está associada ao direito de regresso, não ensejando, porém, a formação de outro processo, e sim de duas demandas que serão decididas por uma mesma sentença. O mote de sua existência é justamente permitir, com arrimo no princípio da economia processual, que o titular do direito exerça, no mesmo processo em que demandado, a sua pretensão ressarcitória (ação de garantia). Por fim, relembre-se que o art. 88 do CDC veda expressamente a denunciação à lide nas ações derivadas de relações de consumo.
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