Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul - TJRS.
LEI 11.343/06. TÓXICOS. ART. 33. TRÁFICO - Prova suficiente quanto à existência do fato e autoria. A ré trazia consigo 20 gramas de crack, dentro da vagina, envolto em um preservativo, com o fim de fornecer a apenado.
QUALIDADE DA PROVA ORAL - Ainda que a prova oral se constitua de declarações prestadas por policiais, tal coloração não impede seja crível. É da própria natureza da atividade policial a investigação, bem como a atuação em situação de flagrância, de modo que não seria coerente atribuir aos agentes da autoridade o desempenho de tal atividade e depois não aceitar as suas declarações.
SÚMULA 231 DO STJ. IMPOSSIBILIDADE DE REDUÇÃO AQUÉM DO MÍNIMO LEGAL - Por outro lado, mesmo que fosse reconhecida a atenuante da confissão espontânea, esta não tem o condão de fazer com que a pena fique abaixo do mínimo cominado. Matéria sumulada. Precedentes da Câmara.
PEDIDO DE AFASTAMENTO DA PENA PECUNIÁRIA. DESCABIMENTO - Cuida-se de cominação legal, não se trata de possibilidade de sua aplicação, mas da imposição prevista no tipo penal. A multa é imputada cumulativamente com a pena privativa de liberdade àquele que comete o delito. Competência do Juízo de Execução para analisar a possibilidade de isenção do pagamento.
APELO IMPROVIDO. UNÃNIME.
Apelação Crime - Primeira Câmara Criminal
Nº 70021109715 - Comarca de Charqueadas
JANAINA RODRIGUES MORAES - APELANTE
MINISTéRIO PúBLICO - APELADO
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos.
Acordam, os Desembargadores integrantes da Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em negar provimento ao apelo defensivo.
Custas na forma da lei.
Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores Des. Marco Antônio Ribeiro de Oliveira (Presidente) e Des. Marcel Esquivel Hoppe.
Porto Alegre, 20 de fevereiro de 2008.
DES. IVAN LEOMAR BRUXEL,
Relator.
RELATÓRIO
Des. Ivan Leomar Bruxel (RELATOR)
JANAINA RODRIGUES MORAES, nascida em 15/12/1982, foi denunciado como incurso nas sanções do art. 33, caput, e 40, III, da Lei n° 11.343/06.
Narra a inicial que no dia 21 de março de 2007, por volta das 10h, na sala de revista localizada no interior da Penitenciária Estadual do Jacuí- PEJ, em Charqueadas, a denunciada trazia consigo, sem autorização e em desacordo com determinação legal e regulamentar, visando ao tráfico de drogas, com o fim de fornecer a apenado, uma pedra da droga conhecida como crack, com peso aproximado de 20g, substância entorpecente que determina dependência física e psíquica.
Na oportunidade, a denunciada, ao ser revistada por policiais militares, quando ingressava na referida casa prisional, apresentou um certo volume em sua calcinha, momento em que foi constatado que trazia a referida droga revestida com um preservativo masculino, no interior de sua vagina, no intuito de alcançar o estupefaciente a interno do estabelecimento prisional.
A denúncia foi recebida em 28MAIO07 (fl. 84).
Sobreveio sentença (fls. 115/124), publicada em 29JUN07, proferida pela Juíza de Direito Káren Rick Danilevicz Bertoncello, julgando procedente a ação penal, para condenar o réu nas sanções do art. 33, caput, c/c o art. 40, III, ambos da Lei 11.343/06, à pena de seis anos e seis meses de reclusão (pena-base em cinco anos e sete meses, presente a causa especial de aumento, restou majorada em um sexto), em regime inicial fechado. Foi imposta ainda pena de quinhentos dias-multa, na razão de 1/30 do salário mínimo vigente na época do fato.
A Defesa Pública (fls. 138/147) requer a absolvição da acusada, ou subsidiariamente, a redução da pena-base para o mínimo legal, o reconhecimento da atenuante da confissão espontânea, reduzindo-se a pena aquém do mínimo legal e, por fim, a exclusão da pena de multa e das custas processuais.
O Ministério Público em contra-razões requer o improvimento do recurso.
O Procurador de Justiça Sérgio Guimarães Britto opinou pelo improvimento do apelo.
É o relatório.
VOTOS
Des. Ivan Leomar Bruxel (RELATOR)
A existência do fato está estampada no auto de apreensão da fl. 11, Laudo de constatação da natureza da substância da fl. 25, no laudo toxicológico definitiva da fl. 72, bem como pelas demais provas carreadas aos autos.
Na ocasião de seu interrogatório, à fl. 92, a ré disse que:
"(...). J: O que houve? R: Dizer como aconteceu? J: Sim. E porquê? R: Eu estava apavorada, sem dinheiro...sem gás em casa, sem as coisas...Eu fui nesse bar para deixar a bolsa, que a gente deixa antes de entrar no presídio. Me encontrei com uma mulher de boa aparência, que me ofereceu uma ajuda. Eu, sem pensar nas conseqüências, aceitei.
Na hora eu não vi o que tinha e aceitei. Ela falou que eu ia entregar para alguém depois da revista. J: Quem é? E quanto ela lhe ofereceu em dinheiro? R: R$ 100,00 J: A senhora ia visitar quem, na penitenciária? R: Eu ia visitar meu companheiro, mas não era para ele que eu ia levar (...)".
Eloísa Rosane Groff, policial militar que apreendeu a droga, relata em juízo à fl. 93:
"...Na entrada, na hora da revista, foi verificado que havia um volume na calcinha da mesma. Conversando com ela, questionando sobre o que seria, ela disse que estava portando...que tinha alguma coisa no interior da vagina, pedi que ela retirasse e estava envolvida em uma camisinha, uma substância conhecida como "crack".
Elisângela Luciane Pedo relata à fl. 93v que:
" ...A soldado Groff avistou sob a calcinha dela, na revista, um volume e pediu para que a mesma retirasse esse volume. A mesma retirou uma camisinha, sendo constatada uma substância conhecida como "crack".
A policial militar Cláudia Simone Gonçalves (fl. 94) disse que:
"...Eu estava presente porque a sala é uma só, é grande. Quando dá algum problema com as visitas a gente chama as demais que estão ali, para presenciar. No caso, ela tinha observado que tinha um volume excessivo na calcinha dela e perguntou para ela, mas ela não criou problema nenhum. Ela retirou o que ela tinha com a Eloisa ali...eu só presenciei a apreensão e continuei fazendo o meu serviço".
Ao que se constata, a ré trazia a substância (20 gramas de crack) dentro da vagina, envolto em um preservativo, com o fim de fornecer a apenado, conforme o depoimento de várias testemunhas, acima referidas.
Valho-me das palavras da Magistrada por bem ter apanhado a questão (fl. 118):
"(...). Inviável, ainda, que a prática da ré seja acobertada pela necessidade extrema e a dificuldade econômica, haja vista a existência de formas dignas e lícitas para prover o sustento da família, meios pelos quais a maioria dos brasileiros sobreviventes.
Ademais, ainda mais reprovável a conduta da ré justamente porque mãe de três filhos pequenos, os quais vêem na figura materna o exemplo e o apoio tanto moral quanto financeiro e educacional, o que não foi sopesado pela denunciada quando da prática do delito. E sendo já visitante na penitenciária, tinha plena ciência dos riscos que corria ao tentar ingressar com a droga na casa prisional".
Quanto à validade dos depoimentos das policiais militares, a jurisprudência tem decidido que a condição de agentes da segurança pública não retira a confiabilidade de seus depoimentos como testemunha. Veja-se que seria contraditório atribuir-lhes tal função, para o qual demonstram capacidade de exercício e, no momento em que relatam os fatos ocorridos, negar-lhes veracidade sem o mínimo fundamento, tornando imprestáveis seus depoimentos.
Assim:
APELAÇÃO CRIME. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. ASSOCIAÇÃO PARA TAL DELITO. POSSE DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO E POSSE DE MUNIÇÃO DE USO PROIBIDO E RESTRITO. 1. No tocante ao tráfico, com base nos elementos probatórios trazidos aos autos, mormente a palavra dos policiais, a condenação dos réus é o corolário lógico-jurídico. Não há razão para se retirar a validade dos depoimentos dos agentes públicos, quando sequer existem motivos que indiciem intenção por parte deles de prejudicar os acusados. O fato de ser o acusado Diego um usuário de drogas, não o impede de ser traficante e conseqüentemente não afasta o crime mais grave. 2. O vínculo associativo (estável ou permanente) entre os réus, requisito necessário para a configuração do delito previsto no art. 14 da Lei nº 6.368/76, atual art. 35 da Lei 11.343/06 não restou evidenciado. Outrossim, inexiste comprovação nos autos de que eles tenham se associado com a finalidade específica de traficar drogas, mas sim em razão da convivência marital. 3. Extinção da punibilidade do fato atribuído ao delito de posse de arma de fogo e munição ante a abolitio criminis temporária prevista na Lei nº 10.826/03. 4. Quanto à pena do tráfico, há possibilidade da aplicação da redução prevista no art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/06, no caso concreto, em face de serem os acusados primários, de bons antecedentes, não se dedicarem às atividades criminosas e nem integrarem organização criminosa. 5. Com relação ao regime de cumprimento da pena, a Lei nº 11.464/06, publicada em 29 de março do corrente, alterou o § 1º do art. 2º da Lei nº 8.072/90, estabelecendo expressamente o inicial fechado para os delitos hediondos ou a eles equiparados. APELO DO MINISTÉRIO PÚBLICO IMPROVIDO. APELOS DEFENSIVOS PARCIALMENTE PROVIDOS. UNÂNIME. (Apelação Crime Nº 70020914545, Terceira Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: José Antônio Hirt Preiss, Julgado em 13/12/2007)
A prova, portanto, é farta para afirmar a convicção condenatória pelo artigo 33 da Lei n.º 11.343/06, restando perfeitamente comprovada a destinação ao tráfico.
Ressalta-se que a denunciada foi flagrada com uma quantidade razoável de entorpecente escondido em lugar íntimo, adentrando estabelecimento penal, violando com isso, também, as sanções do artigo 40, III, da Lei 11.343/06.
Por tais razões, a manutenção da condenação é medida que se impõe.
Da pena aplicada
A pena-base estabelecida para a ré foi de cinco anos e sete meses, majorada em um sexto pela causa de aumento prevista no artigo 33, III, da Lei n.º 11.343/06, restando fixa em seis anos e seis meses de reclusão.
A Defesa postula que a pena-base seja fixada no mínimo legal. Porém, as circunstâncias judiciais autorizam o afastamento do mínimo legal, assim explicou a Magistrado 'a quo' :
"(...) A ré tinha todas as condições de fato para entender o caráter ilícito da conduta e podia agir conforme o direito. A acusada registra antecedentes nos autos, fls. 68/69...Os motivos são inerentes ao tipo, ou seja, a obtenção de lucro fácil com a distribuição de substância ilícita...As conseqüências resultantes do delito não constam dos autos, mas reprováveis em virtude da distribuição de substâncias entorpecentes que acarreta a destruição da vida útil de qualquer usuário(...)".
Quanto a atenuante da confissão espontânea, esta não ocorreu nos autos.
Nas palavras do Procurador de Justiça à fl. 174v:
"Ocorre que a ré, ao ser interrogada, não descreveu a conduta delitiva com todas suas circunstâncias, uma vez que tentou diminuir a gravidade do fato praticado, aduzindo que passava necessidades e que levava a droga a pedido de alguém para outrem, que pegaria a droga dentro do presídio, após a revista, os quais não sabia identificar.
Sua versão, todavia, não encontra amparo nos demais elementos de prova colididos, o que torna ineficaz para o fim colimado, uma vez que se trata de confissão parcial ou incompleta, a qual, como se sabe, não é apta para o reconhecimento da atenuante pretendida...".
Ademais, a negativa da ré acerca da posse da droga, seria inócua, diante da sua prisão em flagrante, quando transportava, para dentro da penitenciária, no interior da sua vagina, aproximadamente 20 gramas de crack.
A Defesa Pública pede que seja computada a atenuante da confissão espontânea de modo a fixar a pena abaixo do mínimo legal.
Ainda que fosse a atenuante reconhecida, a pena não poderia ser fixada abaixo do mínimo legal. Trata-se, aliás, de matéria sumulada pelo Superior Tribunal de Justiça, o que de todos sabido.
Ora, nesta fase da aplicação da pena é vedada a sua redução aquém do mínimo legal, a teor da Súmula n°. 231 do STJ. Logo, não havia como reduzi-la.
Diz a súmula:
"A incidência da circunstância atenuante não pode conduzir a redução da pena abaixo do mínimo legal".
Tendo em vista a quantidade da pena e a condição de usuária de drogas (fl. 68), não merece a redução prevista no § 4º do art. 33 da Lei 11.343/06.
Da pena pecuniária.
Observa-se que a pena pecuniária restou fixada no mínimo legal, não merecendo alteração diante das condições financeiras da ré.
Quanto ao pedido de afastamento da pena pecuniária, não merece prosperar, haja vista que se cuida de cominação legal, ou seja, não se trata da possibilidade de sua aplicação, mas da imposição prevista no tipo penal. A multa é imputada cumulativamente com a pena privativa de liberdade àquele que comete o delito.
De qualquer forma, a competência para analisar a possibilidade de isenção do pagamento de multa ou custas processuais é do juízo de execução criminal.
Neste sentido, tem se manifestado esta Corte:
"TOXICO. TRAFICO DE MACONHA. PROVA SUFICIENE DA MATERIALIDADE E DA AUTORIA DO DELITO. REGIME INTEGRALMENTE FECHADO PARA CUMPRIMENTO DA PENA RECLUSIVA, RESULTANTE DE TEXTO EXPRESSO DE LEI CUJA CONSTITUCIONALIDADE TEM SIDO REAFIRMADA PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. MULTA. ALEGADA IMPOSSIBILIDADE DE PAGAMENTO. MATERIA A SER DISCUTIDA NA EXECUCAO. APELO DEFENSIVO IMPROVIDO". (APELAÇÃO CRIME Nº 70002262202, PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL, TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RS, RELATOR: RANOLFO VIEIRA, JULGADO EM 04/04/2000).
"APELACAO CRIME. TOXICOS (ART. 16 DA LEI N. 6.368/76). PEQUENA QUANTIDADE. TESE DA AUTOLESAO. PRINCIPIO DA INSIGNIFICANCIA. INAPLICABILIDADE. AUTORIA. CONFISSAO E APREENSAO DA SUBSTANCIA ENTORPECENTE EM PODER DO AGENTE. PROVA SUFICIENTE. PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO. LEI N. 9.437/97. DELITO DE MERA CONDUTA. ISENCAO DO PAGAMENTO DA PENA DE MULTA. DESCABIMENTO. CONDENACAO MANTIDA. (...) INCABIVEL A ISENCAO DO PAGAMENTO DE MULTA IMPOSTA AO REU BENEFICIARIO DA GRATUIDADE DA JUSTICA, UMA VEZ QUE CONSTITUI PENA DECORRENTE DE DISPOSICAO LEGAL. A IMPOSSIBILIDADE DE PAGAMENTO PELO ESTADO DE POBREZA DO APENADO DEVE SER ALEGADA NO JUIZO DA EXECUCAO." (APELAÇÃO CRIME Nº 70005048897, TERCEIRA CÂMARA CRIMINAL, TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RS, RELATOR: DANÚBIO EDON FRANCO, JULGADO EM 14/11/2002) .
Correto o regime inicial fechado, pois apesar de hediondo o crime, não mais subsiste o regime integral fechado diante da Lei 11.464/07, mantida a vedação à substituição.
Ante o exposto, nego provimento ao apelo defensivo.
Des. Marcel Esquivel Hoppe (REVISOR) - De acordo.
Des. Marco Antônio Ribeiro de Oliveira (PRESIDENTE) - De acordo.
DES. MARCO ANTÔNIO RIBEIRO DE OLIVEIRA - Presidente - Apelação Crime nº 70021109715, Comarca de Charqueadas: "NEGARAM PROVIMENTO AO APELO DEFENSIVO. UNÂNIME."
Julgadora de 1º Grau: KAREN RICK DANILEVICZ BERTONCELLO
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