Processual civil - ação civil pública - termo de acordo de regime especial - interesse difuso - legitimidade ativa do Parquet
(Reg. Ac. 204.113). Relator: Des. Jeronymo de Souza. Apelante: Ministério Público do Distrito Federal e Territórios. Apelados: Brasil Beneficiamento e Empacotamento de Cereais Ltda (Advs. Dr. Elvis Del Barco Camargo e outros) e Distrito Federal (Adv. Dr. Almir Nogueira - Procurador do DF).
Decisão: Dar-se provimento ao recurso voluntário. Unânime.
Direito Processual Civil, Civil e Tributário. Ação civil pública. Nulidade. Termo de Acordo de Regime Especial, TARE. Cobrança de ICMS. Tutela. Interesse difuso. Possibilidade de lesão ao interesse público, livre concorrência e ao patrimônio público. Legitimidade do Ministério Público. Art. 5º, § 3º da Lei nº 7.347/1985. Art. 6º, VII da Lei Complementar nº 75/1993. Art. 129, III, da Constituição Federal. Possibilidade. Pedido de declaração de inconstitucionalidade incidental. Precedentes do colendo STF e STJ. Inaplicação. Art. 515, § 3º do CPC. Necessidade. Manifestação. Parquet de 1º grau. Recurso provido. I. A Lei nº 7.347/1985 e a jurisprudência consolidada do colendo Superior Tribunal de Justiça não admitem o emprego da ação civil pública para impugnar a incidência tributária, porque se defende interesse individual homogêneo do contribuinte. II. Diversamente, a presente lide visa a examinar a legalidade da concessão de incentivo fiscal, ou seja, defende a ordem jurídica da tributação, sendo, portanto, cabível o manuseio da ação civil pública, posto que a aludida benesse tributária é hábil a lesionar interesses difusos consubstanciados no prejuízo ao interesse público, à livre concorrência e ao patrimônio público. III. É evidente a preocupação, in casu, com o interesse público, na medida que o TARE é capaz de lesionar a sociedade. Ora, uma vez constatada a vultosa diferença de arrecadação do ICMS, haverá o aumento da carga tributária dos cidadãos, pois o Estado custeará seus gastos de outras maneiras, como, por exemplo, com o reajustamento dos valores do IPTU, IPVA, TLP, além de outras taxas. Infere-se, portanto, que tal acordo é hábil a afetar o direito indivisível (interesse público consolidado na boa gestão do dinheiro público) de um número indeterminado de pessoas (coletividade em geral). Vislumbra-se, pois, tratar-se de interesse difuso, passível de proteção por meio da ação civil pública, sendo vedado ao Poder Judiciário afastar de seu exame esta realidade, nos termos do art. 5º, inciso XXXV da Constituição Federal. IV. Frise-se, outrossim, que a possibilidade, em tese, de ameaça à livre concorrência constitui direito difuso, uma vez que este princípio, albergado inclusive no art. 170, inciso IV da Carta Magna, há de ser sempre examinado à luz dos interesses da coletividade. Dessa forma, dispõe a sociedade de um meio jurídico hábil a corrigir as distorções, erros e violações que advirem do referido acordo, que é a ação civil pública. Possui, portanto, a coletividade o direito de haver uma prestação jurisdicional acerca de eventual dano que possa sofrer ou já estar sofrendo com o referido contrato. V. Vislumbra-se, ainda, a possibilidade de lesão ao patrimônio público, o qual também se reveste de natureza de interesse difuso. VI. Infere-se, pois, que a ação civil pública noticiada nos autos está em defesa tanto dos interesses difusos, quanto do patrimônio público, na medida que pretende defender a ordem jurídica da tributação, garantindo a observância de seus princípios e elidindo prejuízos e abusos do Poder Público local. Encontra-se, portanto, o seu manuseio amparado na lei de regência da ação civil pública e no art. 129, inciso III da Constituição Federal. VII. Sendo assim, confere o § 3º do art. 5º da Lei nº 7.347/1985, bem como o inciso VII do art. 6º da Lei Complementar nº 75/1993, legitimidade ativa ao Ministério Público à propositura da ação civil pública. De mais a mais, nos moldes do art. 129, inciso III da Constituição Federal, a jurisprudência dos colendos Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça têm atribuído legitimação extraordinária ao Ministério Público para propor a presente ação, visando a proteger o patrimônio público. VIII. O excelso STF, bem como o colendo STJ, têm admitido a utilização da ação civil pública com a finalidade do exercício de controle incidental de constitucionalidade, vez que passível de correção pela Suprema Corte pela interposição de recurso extraordinário. Assim, verificando-se que a presente ação civil pública objetiva a anulação do ato administrativo, TARE, a inconstitucionalidade dos atos legislativos quanto à celebração dos denominados TARE configura apenas uma causa de pedir, não impedindo que a pretensão seja veiculada por ação civil pública. IX. Por fim, não se encontrando o processo sub examine maduro para julgamento, eis que não foi o Órgão Ministerial de primeira instância oficiado para se manifestar, inaplicável o art. 515, § 3º do CPC. X. Deu-se provimento ao recurso para cassar a r. sentença, determinando-se o retorno dos autos ao d. juízo a quo, para o regular prosseguimento do feito.
(APELAÇÃO CÍVEL Nº 2003 01 1 033829-8;3ª TURMA CÍVEL; PUBL. EM 01/02/2005; DJ 3, PÁG. 116)
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