Acórdão: Agravo de Instrumento n. 2004.033942-2, da Capital.
Relator: Des. Maria do Rocio Luz Santa Ritta.
Data da decisão: 23.08.2005.
Publicação: DJSC n. 11.753, edição de 13.09.2005, p. 14.
EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA JURISDICIONAL. OBRIGAÇÃO DE FAZER. INTELIGÊNCIA DO ART. 461, §§ 3O E 4O, DO CPC. DIREITO DE PERSONALIDADE. DESVINCULAÇÃO DO NOME RELATIVAMENTE A ARTIGO VIRTUAL COM PROJEÇÕES PEJORATIVAS. INCIDÊNCIA DOS ARTS. 12 E 17 DO CÓDIGO CIVIL DE 2002. RECURSO IMPROVIDO.
A liberdade de manifestação do pensamento e de expressão da atividade científica (art. 5°, IV e IX, da CF), forma de tutela a direitos constitucionais de primeira geração, não se afigura absoluta e encontra contenções, dentre outros, nos direitos à honra e à dignidade da pessoa humana (art. 5o, V, e 220, §1°, da CF) e nos demais direitos de personalidade, dentre os quais o nome (art. 16, CC/02), insuscetível de emprego em publicações e representações que o exponham ao desprezo do público em geral (art. 17, CC/02). Sob essa perspectiva, o direito de manifestar-se, externando livremente o pensamento, afigura-se condicionado à observância de outros direitos coexistentes, tais quais a honra, o nome e a dignidade alheios, que se lhe podem, assim, superpor. Nessa conjuntura é que "o nome da pessoa não pode ser empregado por outrem em publicações ou representações que a exponham ao desprezo público, ainda que não haja intenção difamatória" (art. 17, CC/02), sendo possível, em caso contrário, "exigir que cesse a ameaça, ou lesão, a direito de personalidade (...)" (art. 12, CC/02). Transparecendo nos autos, em juízo sumário, que o nome do autor restou empregado em crônica virtual com projeções pejorativas no meio médico (probabilidade no direito), ressai o acerto da decisão que, forte no art. 461, §§ 3o e 4o do CPC, determina-lhe in limine a exclusão do corpo do texto, pena de multa, contendo a perpetuação no tempo da lesão ao direito de personalidade (perigo da demora).
Vistos, relatados e discutidos estes autos de agravo de instrumento n. 2004.033942-2, da Capital (6a Vara Cível), em que é agravante Paulo César Trevisol Bittencourt, sendo agravado Ylmar Corrêa Neto:
ACORDAM, em Primeira Câmara de Direito Civil, por votação unânime, negar provimento ao recurso.
Custas de lei.
I - RELATÓRIO:
Tratam os autos, em resumo, de agravo de instrumento interposto por Paulo César Trevisol Bittencourt contra a decisão do Dr. Juiz de Direito da 6a Vara Cível da Comarca da Capital que, em "ação condenatória c/c cumprimento de obrigação de fazer com requerimento de antecipação parcial dos efeitos da tutela" proposta por Ylmar Corrêa Neto, instou ao agravante a que, em 48 horas, fizesse retirar do ar o excerto de publicação constante de site eletrônico, com expressões teoricamente contumeliosas, que mencionava o nome do autor, fixando astreinte diária em R$ 100.000,00 (cem mil reais).
Em razões recursais, empreende o agravante retrospecção do contexto fático em que redigido o artigo. Historia que, inicialmente, publicou no periódico Arquivos Catarinenses de Medicina, da Associação Catarinense de Medicina, um trabalho científico intitulado "Aspectos clínicos de demência e suas principais etiologias em nossa sociedade". No aludido artigo, de par com considerações de ordem técnica, denunciava, sob um prisma da ciência da medicina, a "situação calamitosa em que viviam pacientes internados em um Hospital psiquiátrico da grande Florianópolis". Consternados, contudo, com o teor do artigo, o autor e outro médico mobilizaram-se no sentido de publicar, em edições seguintes, notas de desagravo, taxando de inverídicos e chulos os apontamentos científicos levados a efeito pelo agravante. Tal fato o estimulou a deflagrar ação de indenização por danos morais, em trâmite na 6a Vara Cível da Comarca da Capital. Noticia, ainda, que após discussões internas no Conselho Regional de Medicina - CRM/SC, restou absolvido das imputações realizadas pelo autor, o que o impeliu a publicar uma "crônica" em torno da dissensão. A propósito dela, dentre outras constatações, enfatizou que o autor, Dr. Ylmar Corrêa, "paranoicamente vestiu a carapuça" quanto às denúncias do primeiro artigo, tomando a "atitude bestial" de publicar um desagravo, em ato "provinciano", no afã de alcançar seu "objetivo torpe". Com base, contudo, nessas novas declarações, o autor ingressou com a presente ação condenatória, visando ao ressarcimento de danos morais e, antecipadamente, à retirada do ar da aludida crônica, o que restou deferido. Justifica, porém, o pequeno excesso das palavras no clima tenso que se instaurou entre as partes no séqüito do julgamento perante o CRM/SC. Ponderando que o texto não excede a garantia constitucional de livre manifestação do pensamento, insatisfeitos os requisitos para a concessão da tutela antecipada, requereu o provimento do recurso.
Apresentada a contraminuta, vieram os autos conclusos.
II - VOTO:
A liberdade de manifestação do pensamento e de expressão da atividade científica (art. 5°, IV e IX, da CF), forma de tutela a direitos constitucionais de primeira geração, não se afigura absoluta e encontra contenções, dentre outros, nos direitos à honra e à dignidade da pessoa humana (art. 5o, V, e 220, §1°, da CF) e nos demais direitos de personalidade, dentre que o nome (art. 16, CC/02), insuscetível de emprego em publicações e representações que o exponham ao desprezo do público em geral (art. 17, CC/02). Sob essa perspectiva, o direito de manifestar-se, externando livremente o pensamento, afigura-se condicionado à observância de outros direitos coexistentes, tais quais a honra, o nome e a dignidade alheios, que se lhe podem, assim, superpor.
No caso, mesmo sem imiscuir-se antecipadamente na questão em torno da existência ou não do dever de indenizar, é fácil perceber que o nome do autor se achava divulgado, sem autorização, em publicação virtual que o decrescia perante o público. Afinal, o agravante fez publicar uma crônica, aludindo ao prenome, sobrenome e agnome do autor, na qual o estimava uma "figura inominável" "histericamente transtornada", que "paranoicamente vestiu a carapuça" quanto às denúncias científicas de impropriedade no exercício da medicina em hospital local de psiquiatria. Ainda no artigo, registrou-se a existência de "insultos provincianos" por parte do autor, na "bestial atitude" e com o "objetivo torpe" de, "em conluio patológico com seus semelhantes", realizar o "energúmeno trabalho de fiscal da moral e dos bons costumes". É natural que tais expressões, perscrutadas isoladamente ou em contexto, franqueiem o direito de exigir a cessação imediata da lesão ao direito de personalidade (art. 12, CC/02). A ninguém apeteceria, em ensaio público, ver-se similarmente adjetivado. Ocorre que "o nome da pessoa não pode ser empregado por outrem em publicações ou representações que a exponham ao desprezo público, ainda que não haja intenção difamatória" (art. 17, CC/02), sendo possível, em caso contrário, "exigir que cesse a ameaça, ou lesão, a direito de personalidade (..)" (art. 12, CC/02).
Foi o que determinou, com acerto, o magistrado a quo. Note-se que os demais argumentos do recurso, em análise individualizada, não derruem a retidão da conclusão. A tutela antecipatória consiste em técnica de restrição no nível cognitivo sob uma perspectiva vertical, permitindo ao juiz que, em presentes cumulativamente, num juízo sumário/não-exauriente, perigo da demora (perpetuação à lesão ao direito de personalidade) e probabilidade no direito (expressões que denigrem a honra alheia), antecipe os efeitos ou parte dos efeitos práticos do pronunciamento jurisdicional. Implica, por sua própria essência, um pronunciamento precário, suscetível de revogação, sobre aquilo que os autos exprimem num primeiro momento, não procedendo a alegação de que houve pré-julgamento. Por outro lado, é evidente que uma eventual absolvição no processo administrativo instaurado perante o Conselho Regional de Medicina CRM/CS não é estorvo a que o prejudicado socorra-se no Poder Judiciário, mormente em decorrência de atos supostamente lesivos levados a efeito posteriormente a tal julgamento. E a ação a propor-se pelo lesado pode sê-lo a qualquer tempo, enquanto não precluso o direito de ação, desinteressando se somente a aforou em decorrência de ação prévia proposta pela parte adversa. Por fim, é curial que o 'clima de tensão' decorrente dos eventos antecedentes não legitima o ato de expor o nome alheio em público de forma pejorativa. Nada existe, assim, que autorize remanesça o nome do autor vinculado à crônica.
Convém notar, não fora isso, que a decisão objurgada, embora pudesse, conforme o caso fazê-lo, contendo excessos, não impede a livre manifestação do pensamento por parte do agravante. Não implica censura. Apenas lhe circunscreve a manifestação à esfera de licitude, determinando a exclusão, relativamente à publicação, de referências textuais ao nome do autor. De modo que ao agravante remanesce possível expor seus dissabores em termos genéricos, ou aludindo ao nome de quem expressamente o permita.
É bem de ver que esta Corte de Justiça, perquirindo hipótese análoga, à luz do art. 461 e §§ do CPC, assim se manifestou:
"ANTECIPAÇÃO DE TUTELA ESPECÍFICA - OBRIGAÇÃO DE FAZER E DE NÃO-FAZER - "GRUPO DE DISCUSSÃO" ("FÓRUM") EM SITE DE ASSOCIAÇÃO CONTENDO TEXTOS ANÔNIMOS DE CUNHO OFENSIVO À HONRA DE PESSOAS - DECISÃO QUE DETERMINA SUA DESATIVAÇÃO - APLICAÇÃO DE PENA PECUNIÁRIA EM CASO DE DESCUMPRIMENTO - CPC, ART. 461, § 4º - REQUISITOS PARA CONCESSÃO DA MEDIDA PRESENTES
1. Demonstradas a verossimilhança das alegações - prova da manutenção, por associação de classe, de página na internet com conteúdo lesivo à moral de pessoas determinadas - e o justificado receio de ineficácia do provimento final - consistente na perpetuação do agente denegridor da moral e na propagação de seu teor até a prolação da sentença -, ao juiz é lícito conceder antecipação de tutela específica com o objetivo de cessar a divulgação do material ofensivo e de colher elementos a fim de identificar os seus autores.
2. Ao conceder a antecipação da tutela específica, compete ao juiz cominar pena pecuniária para a hipótese de descumprimento da medida (CPC, art. 461, § 4º)" (Agravo de Instrumento n. 2002.014628-0, da Capital. Relator: Des. Marcus Tulio Sartorato).
Comentando o aludido dispositivo, Teori Albino Zavascki anota:
"Trata o § 3º do art. 461 do Código de Processo Civil da concessão da tutela por liminar ou mediante justificação prévia, citado o réu. Para que tal ocorra, supõe a lei dois requisitos: (a) relevância dos fundamentos e (b) risco de ineficácia do provimento final. São os mesmos previstos no art. 7º, II, da Lei n. 1.533, de 1951, que dão ensejo à concessão de medida liminar em mandado de segurança. (...) Com efeito, 'fundamento relevante' é enunciado de conteúdo equivalente a 'verossimilhança da alegação', e 'justificado receio de ineficácia do provimento final' é expressão que traduz fenômeno semelhante a 'fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação'" (Antecipação de tutela. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 152).
Presentes os pressupostos para a adoção das providências insertas no art. 461, §3o e 4o, do CPC, o voto é pelo improvimento do recurso.
III - DECISÃO:
Ante o exposto, por votação unânime, a Câmara nega provimento ao recurso.
Participaram do julgamento os Exmos. Srs. Des. Carlos Prudêncio e Sérgio Roberto Baasch Luz.
Florianópolis, 23 de agosto de 2005.
Carlos Prudêncio
Presidente
Maria do Rocio Luz Santa Ritta
Relatora
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Por: TJSP - Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
Por: TRF3 - Tribunal Regional Federal da Terceira Região
Por: TJSC - Tribunal de Justiça de Santa Catarina Brasil
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