Acórdão: Apelação Cível 2004.009766-2, da Capital.
Relator: Des. Wilson Augusto do Nascimento.
Data da decisão: 16.12.2005.
Publicação: DJSC n. 11.834, edição de 31.01.2006, p. 11.
Juiz(a) : Jaime Luiz Vicari
Apelante : Maria Helena Rufino
Advogadas: Sandra Regina Machado de Souza e outros
Apelado : Wanderlei Reis
Advogados: Roberto Luís de Freitas Pereira e outro
DECISÃO: por votação unânime, negar provimento ao recurso. Custas na forma da lei.
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL C/C COM REINTEGRAÇÃO DE POSSE E PERDAS E DANOS - INADIMPLEMENTO DAS PARCELAS PACTUADAS - APONTADA A CULPA DO ADQUIRENTE - INOCORRÊNCIA – EXEGESE DO ART. 476 DO NOVO CÓDIGO CIVIL – IMÓVEL ENTREGUE COM IMPOSTOS IMPAGOS - SENTENÇA MANTIDA - RECURSO NÃO PROVIDO.
Não merece prosperar a ação de rescisão contratual fundada no inadimplemento da parte ex adversa, ante à aplicação do princípio exceptio non adimpleti contractus, estampado no art. 476 do novo Código Civil, não tendo a autora cumprido integralmente a obrigação pactuada, in casu, a entrega de imóvel com os impostos quitados.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de apelação cível n. 2004.009766-2, da Comarca da Capital (4ª Vara Cível), em que é apelante Maria Helena Rufino, sendo apelado Vanderlei Reis:
ACORDAM, em Terceira Câmara de Direito Civil, por votação unânime, negar provimento ao recurso.
Custas na forma da lei.
I -RELATÓRIO:
Maria Helena Rufino interpôs recurso de apelação cível, inconformada com a sentença prolatada pelo MM. Juiz de Direito da 4ª Vara Cível da comarca da Capital, o qual julgou improcedente o pedido formulado nos autos da ação de rescisão de contrato cumulada com pedido de reintegração de posse e perdas e danos, ajuizada contra Vanderlei Reis.
Em síntese, importa destacar, o réu adquiriu da autora terreno no valor de R$ 16.000,00 (dezesseis mil reais), pago com: a) veículo no valor de R$ 9.000,00 (nove mil reais) b) cheque de R$ 1.000.00 (um mil reais); e 12 (doze) notas promissórias de R$ 500,00 (quinhentos reais), a serem resgatadas mensalmente. Sob o argumento de que o réu deixou de transferir o veículo para o nome da autora, bem como de pagar as notas promissórias, esta ingressou com a presente demanda.
O magistrado, ao julgar o feito, reconheceu ter a autora deixado, igualmente, de cumprir parte da avença, ante à existência de impostos impagos, vencidos anteriormente à venda. Condenou, ainda, a autora, ao pagamento de custas e honorários advocatícios, estes arbitrados em R$ 600,00 (seiscentos reais), conforme disposto no art. 20, § 4º, do Código de Processo Civil (fls. 64/67).
A apelante alegou ser incontroverso o inadimplemento contratual do apelado, existindo previsão expressa, no sentido de que a transferência do imóvel encontrava-se condicionada ao pagamento integral do bem alienado.
Afirmou que, passado um ano da realização do contrato, o apelado não cumpriu os termos previstos na avença, tornando imperiosa a rescisão da avença.
Requereu o conhecimento e provimento do recurso, para ver reformada a sentença hostilizada (fls. 70/72).
Devidamente intimado, o apelado apresentou contra-razões, rebatendo os termos consignados na peça recursal (fls. 76/79).
Ascenderam os autos a este Egrégio Tribunal de Justiça.
Vieram conclusos.
É o relatório.
II -VOTO:
Trata-se de recurso de apelação cível interposto com o desiderato de ver reformada a sentença prolatada nos autos da ação de rescisão de contrato cumulada com pedido de reintegração de posse e perdas e danos, julgada improcedente.
O pleito recursal formulado pela autora/apelante limitou-se a apontar o inadimplemento do apelado, afirmando que o contrato previa expressamente que a transferência do imóvel estava condicionada ao pagamento do valor pactuado.
Assim, diante da devolução dos cheques dados em pagamento pelo apelado, para o resgate das notas promissórias, afirmou ser imperiosa a rescisão do contrato.
Contudo, a presente demanda deve ser examinada à luz do art. 476 do Código Civil de 2002, que dita: "Nos contratos bilaterais, nenhum dos contratantes, antes de cumprida a sua obrigação, pode exigir o implemento da do outro."
Conforme o dispositivo legal supracitado, a parte só pode exigir a contraprestação da obrigação pactuada, tão-somente, após o cumprimento da sua.
Neste sentido, precisa a lição de Silvio de Salvo Venosa:
"Como foi exposto, nos contratos bilaterais, cada parte tem direito de exigir que a outra cumpra sua parcela na avença. É característica ínsita ao sinalagma presente nesse negócio. Permite a lei que o contratante suste sua parte no cumprimento até que o outro contratante perfaça a sua. É uma 'exceção' tratada dentro do princípio romano de que a exceptio é uma forma de defesa. O contratante opõe essa exceção de mérito. Com essa oposição, o contratante logra apor um obstáculo legal à existência de seu cumprimento, pelo não-cumprimento da outra parte. Pressupões-se, por outro lado, que o contratante em falta esteja a exigir indevidamente o cumprimento do contrato. Esse é justamente o âmago da questão, a se examinado pelo juiz em cada caso concreto. Se o contratante está em dia com o cumprimento de suas obrigações, pode validamente exigir que o outro cumpra a avença no que lhe couber" (Direito Civil: Teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos. 5ª ed. São Paulo: Atlas, 2005, v. 2, p. 426)
Acerca do assunto, já decidiu esta Egrégia Corte de Justiça:
"A reciprocidade de prestações é da essência dos contratos bilaterais. Dela resulta a exceção non adimpleti contractus, em virtude da qual se uma das partes, sem ter cumprido a sua prestação, exigir o cumprimento da outra, esta se defende, alegando que não pode ser coagida, porque o outro contraente também não cumpriu o prometido." (TJSC - ACV n. 00.019956-7 - Rel. Des. Carlos Prudêncio).
Dito isto, mister examinar os argumentos vertidos pelo apelado para justificar o inadimplemento que motivou o ingresso da lide em apreço. Isto porque, o recorrido apontou a existência de impostos impagos sobre imóvel adquirido, referente à época em que a apelante detinha a sua propriedade.
Logo, inexistindo qualquer previsão contratual, impondo ao apelado o pagamento dos impostos vencidos anteriormente à aquisição do imóvel, forçoso reconhecer a obrigação da apelante de entregá-lo com seus encargos quitados.
Consequentemente, tendo o apelado acostado aos autos demonstrativo de débito fornecido pela prefeitura, indicando o inadimplemento de 6 (seis) anos do imposto predial e territorial urbano, demonstrou, claramente, não ter a apelante cumprido sua parte no contrato. Note-se, inclusive, as alegações trazidas à baila pelo apelado sequer foram rechaçadas pela apelante.
Desta maneira, de acordo com o art. 476 do Código Civil de 2002, que estampa o princípio exceptio non adimpleti contractus, impossível a apelante formular pedido de rescisão contratual, apontando o inadimplemento da parte ex adversa, uma vez que deu causa para o sobrestamento dos pagamentos.
Deste relator:
"APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE RESCISÃO DE CONTRATO PARTICULAR DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE APARTAMENTO EM EDIFÍCIO C/C PERDAS E DANOS - PROMESSA DE COMPRA E VENDA - CONTRATO NÃO CUMPRIDO - EXCEPTIO NON ADIMPLENTI CONTRACTUS - INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 1.092 DO CÓDIGO CIVIL DE 1916 - SENTENÇA MANTIDA - RECURSO NÃO PROVIDO.
O artigo 1.092 do Código Civil de 1916 enuncia o princípio da exceptio non adimpleti contractus, pelo qual uma das partes somente pode exigir o cumprimento das obrigações da outra quando houver cumprido com as suas. No caso, a construtora, ora apelante, tendo entregue a obra em condições diversas das predeterminadas no contrato, não tem o direito de exigir do apelado o cumprimento das obrigações pertinentes a ele" (ACV n. 02.011366-8)
No mesmo diapasão, colhe-se da jurisprudência:
"APELAÇÃO CÍVEL - EMBARGOS DO DEVEDOR - CONTRATO DE COMPRA E VENDA - BILATERALIDADE - EXCEÇÃO DO CONTRATO NÃO CUMPRIDO - ARTIGO 476 DO CÓDIGO CIVIL - APLICAÇÃO - DÉBITO INEXISTENTE - RECURSO IMPROVIDO - Nos contratos bilaterais, nenhum dos contraentes, antes de cumprida a sua obrigação, pode exigir o implemento da do outro, a teor do que dispõe o art. 476 do CPC. Assim, se o alienante-exeqüente não cumpre com sua obrigação de pagar os impostos municipais cujos fatos geradores ocorreram antes da assinatura da avença, não pode exigir o pagamento da última parcela devida pelo adquirente-embargante, que teve de assumir a dívida tributária perante o município, no intuito de poder regularizar, perante o Poder Público, a sua atividade comercial" (TJMS - ACV 04.006729-1/0000-00 - Rel. Des. Oswaldo Rodrigues de Melo).
Conclui-se, não merece prosperar a ação de rescisão contratual fundada no inadimplemento da parte ex adversa, ante à aplicação do princípio exceptio non adimpleti contractus, estampado no art. 476 do novo Código Civil, não tendo a autora cumprido integralmente a obrigação pactuada, in casu, a entrega de imóvel com os impostos quitados.
Ante o exposto, mantém-se incólume a sentença objurgada, negando-se provimento ao recurso.
III -DECISÃO:
Nos termos do voto do relator, decidiu a Câmara, por votação unânime, negar provimento ao recurso.
Participaram do julgamento os Exmos. Srs. Desembargadores Marcus Túlio Sartorato e Sérgio Izidoro Heil.
Florianópolis, 16 de dezembro de 2005.
Wilson Augusto do Nascimento
PRESIDENTE E RELATOR
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