Rec. Esp. 1.060.753 - Sp (2008/0113082-6) - Rel.: Min.Eliana Calmon - Recte.: Rodrimar S/A. Transportes Equipamentos Industriais e Armazéns Gerais - Adv.: José Alberto Clemente Junior e Outro(s) - Recdo.: Fazenda do Estado de São Paulo - Proc.: Fábio Teixeira Rezende e Outro(s) - J. Em 01/12/2009 - DJ 14/12/2009 - 2ª T. - STJ.
1. A competência para o julgamento de execução fiscal por dano ambiental movida por entidade autárquica estadual é de competência da Justiça Estadual.
2. Não ocorre ofensa ao art. 535, II, do CPC, se o Tribunal de origem decide, fundamentadamente, as questões essenciais ao julgamento da lide.
3. O princípio da precaução pressupõe a inversão do ônus probatório, competindo a quem supostamente promoveu o dano ambiental comprovar que não o causou ou que a substância lançada ao meio ambiente não lhe é potencialmente lesiva.
4. Nesse sentido e coerente com esse posicionamento, é direito subjetivo do suposto infrator a realização de perícia para comprovar a ineficácia poluente de sua conduta, não sendo suficiente para torná-la prescindível informações obtidas de sítio da internet.
5. A prova pericial é necessária sempre que a prova do fato depender de conhecimento técnico, o que se revela aplicável na seara ambiental ante a complexidade do bioma e da eficácia poluente dos produtos decorrentes do engenho humano.
6. Recurso especial provido para determinar a devolução dos autos à origem com a anulação de todos os atos decisórios a partir do indeferimento da prova pericial.
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça "A Turma, por unanimidade, deu provimento ao recurso, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a)." Os Srs. Ministros Castro Meira, Humberto Martins (Presidente), Herman Benjamin e Mauro Campbell Marques votaram com a Sra. Ministra Relatora.
Brasília-DF, 1º de dezembro de 2009(Data do Julgamento)
MINISTRA ELIANA CALMON, Relatora
RELATÓRIO
A EXMA. SRA. MINISTRA ELIANA CALMON: - Trata-se de recurso especial interposto com fundamento nas alíneas "a" e "c" do permissivo constitucional contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo assim ementado (fl.93):
EMBARGOS Á EXECUÇÃO - Meio Ambiente - Multa aplicada pela CETESB - Dano ambiental por emissão de poluentes - Cerceamento de defesa - Ilegitimidade da CETESB - Sentença improcedente - Perícia desnecessária Carbonato de sódio lançado em irregular manuseio - Contaminação incontroversa - Legitimidade da CETESB amparada pela lei - Multa fixada dentro dos parâmetros legais - Certidão da divida ativa é título executivo, da qual emana liquidez, certeza e exigibilidade - Preliminar afastada, recurso desprovido.
Houve embargos de declaração (fls. 99/104), que restaram rejeitados sob fundamento de inexistência de omissão (fls. 110/111)
Alega o recorrente, além de dissídio jurisprudencial, contrariedade aos arts. 219, 420 e 535, II, do CPC, bem como contrariedade da legislação local frente à legislação federal.
Defende, em síntese, que:
a) o acórdão foi omisso em apreciar questões de relevo para a correta solução do litígio, pois furtou-se a apreciar:
a.1) o cerceamento de defesa consistente na negativa de realização da prova pericial para evidenciar que o carbonato de cálcio (barrilha) é poluente e se houve, de fato, emissão do produto químico; e
a.2) a aplicação exata do Decreto Estadual 8.468/76 em face da Lei 6.938/81.
b) violou-se o art. 420 do CPC porque a recorrente negou o fato da emissão dos poluentes e a própria perniciosidade do produto para o meio ambiente, mas o Tribunal local entendeu, com base em opinião técnica extraída de sítio eletrônico, afastar ambas as afirmações por restarem incontroversas;
c) defende que a barrilha não é substância poluente, seja porque não encontra-se arrolada na legislação pertinente, seja porque é inerte nas condições normais de operação e que buscou a prova pericial para determinar, de acordo com os critérios científicos, qual a concentração da substância tolerável no meio ambiente e abstrair, por critérios matemáticos e estatísticos, a ocorrência ou não de poluição na operação em comento;
d) a autoridade estadual é incompetente para autuar a recorrente, visto que concentra suas atividades em área federal, no Porto de Santos, área portuária vinculada ao Ministério dos Transportes, sob regime de concessão pública federal. A única conduta que lhe era possível, nos termos do art. 22 da Lei 9.966/2000 seria enviar relatório circunstanciado à autoridade competente, na hipótese, o IBAMA;
e) o acórdão recorrido quanto à questão da competência para averiguar e autuar o dano ambiental diverge de precedentes desta Corte (CC 39.111 e CC 16.863); e
f) o aresto hostilizado interpretou mal a legislação local e, por isso, violou a legislação federal quando considerou legal uma autuação, pois não há disposição legal qualificando a barrilha como elemento poluidor; não há regulamentação legal acerca dos níveis de emissão que caracterizem a poluição pela substância barrilha e não houve critério legal e objetivo para a medição da emissão da substância no meio ambiente. (fls. 115/142)
Requer, assim o provimento do recurso.
Sem contrarrazões, o recurso especial foi inadmitido.
No Agravo de Instrumento 977.567/SP determinei a subida da irresignação para melhor exame.
É o relatório.
VOTO
A EXMA. SRA. MINISTRA ELIANA CALMON (Relatora): - Preliminarmente, vale destacar que a competência cível da Justiça Federal, a teor do art. 109, I, da Constituição Federal, é definida ratione personae, e, por isso, absoluta, determinada em razão das pessoas que figuram no processo como autoras, rés, assistentes ou oponentes.
Nesse sentido confiram-se, os seguintes julgados desta Corte: CC 47.915/SP, DJ de 02.08.2005; CC 45475/SP, DJ de 16.05.2005 e CC 40.534/RJ, DJ de 17.05.2004.
Na hipótese dos autos, cuida-se de execução fiscal movida pela Fazenda estadual paulista em razão de multa aplicada pela CETESB - Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental do Estado bandeirante.
A competência, portanto, é da justiça comum estadual.
Esta Corte possui entendimento sedimentado no sentido que o dano ao meio ambiente deve ser repreendido da forma mais veemente possível, de modo que a competência para fiscalização e autuação pelo cometimento do dano ambiental é concorrente.
Confiram-se o seguinte precedente:
PROCESSUAL CIVIL. CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA AJUIZADA POR MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL. DANO AMBIENTAL. UNIÃO E AUTARQUIA FEDERAL QUE FIGURAM COMO RÉUS. CONFLITO SUSCITADO PELA JUSTIÇA FEDERAL. IMPOSSIBILIDADE.
1. A competência cível da Justiça Federal é definida ratione personae, sendo irrelevante a natureza da controvérsia posta à apreciação. Por isso, quando presente um dos entes relacionados no art. 109, I, da CF, a competência será da Justiça Federal. Precedente: (CC 90722/BA, Rel. Ministro JOSÉ DELGADO, Rel. p/ Acórdão Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 25/06/2008, DJe 12/08/2008).
2. In casu, o Ministério Público Estadual ajuizou Ação Civil Pública, na justiça estadual, com pedido de liminar, em face da União e do DNIT, objetivando a condenação em obrigação de fazer, consistente na recuperação de uma cratera de cerca de 30 metros, formada em galpão de propriedade do DNIT, às margens da rodovia federal BR-262, no município de Manhuaçu/MG. O juiz de direito deferiu a liminar pleiteada pelo MP-MG. Inconformado, o DNIT interpôs Agravo de Instrumento ao TJ-MG. O desembargador-relator determinou a remessa dos autos ao TRF/1ª Região. Ao receber os autos, o relator do TRF/1ª Região suscitou o conflito, por entender não competir à justiça federal julgar recurso em face de decisão proferida por Juiz de Direito, que não está atuando por delegação de competência federal, nos termos do art. 109, § 3º, da Constituição Federal.
3. "Tribunal Regional Federal não é competente para julgar recurso de decisão proferida por juiz estadual não investido de jurisdição federal". (Súmula 55 do STJ) 4. A incompetência absoluta originária deve ser declarada de ofício pelo Tribunal (art. 113, do CPC), ainda que a pretexto e na cognição de agravo de instrumento interposto contra liminar satisfativa.
5. Consectariamente, a decisão interlocutória do juízo estadual absolutamente incompetente deve ser apreciada pelo próprio tribunal para os fins de, como preliminar, decidir o vício da incompetência.
6. A justiça federal de 2ª instância somente ostenta competência para rever ato do juízo originário estadual quando este exercer função delegada. Precedentes: AgRg no CC 95.683/SP, Rel. Ministra DENISE ARRUDA, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 24/09/2008, DJe 13/10/2008; CC 56.914/RJ, Rel. Ministra ELIANA CALMON, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 14/03/2007, DJ 09/04/2007; CC 47.906/GO, Rel. Ministra ELIANA CALMON, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 08/11/2006, DJ 27/11/2006)
7. Conflito de competência conhecido para declarar competente o Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, o suscitado. (CC 63.245/MG, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 24/06/2009, DJe 03/08/2009)
O acórdão recorrido para negar a pretensão desconstitutiva apoiou-se nos seguintes fundamentos:
1) irrelevância da prova pericial, pois a recorrente com sua conduta contaminou o ar com substância que não o integra naturalmente, sendo tal circunstância bastante para configurar a infração ambiental;
2) a barrilha, ainda que não venenosa, pode causar efeitos adversos à saúde humana;
3) o controle da poluição ambiental é feito de forma concorrente, nos termos do art. 24 da Constituição federal;
4) a multa foi aplicada secundum legis, considerando-se que a recorrente é reincidente; e
5) não se afastou a presunção de certeza e liquidez do título executivo. (fls. 93/95)
Pelo quanto relatado, inexistiu omissão de questão relevante a ser apreciada pelo acórdão recorrido, que interpretando a legislação local considerou a legitimidade da autuação empreendida, além de considerar prescindível a prova pericial, na medida em que a barrilha é naturalmente um poluente. Afasta-se, portanto, a alegação de violação ao art. 535 do CPC.
Por fim, no que pertine à violação do art. 420 do CPC, é relevante esclarecer se há necessidade de comprovação da eficácia poluente de determinada substância para a configuração do ilícito ambiental ou se, nos termos do acórdão recorrido, o simples contato de substância estranha com o meio ambiente já é suficiente para a caracterização do dano ambiental.
A questão ganha destaque quando se cogita da inversão do ônus da prova em matéria ambiental, desta feita sob a ótica de direito do suposto poluidor de comprovar que não praticou o ilícito ambiental.
Sobre a controvérsia em questão - possibilidade de inversão do ônus da prova -, a Primeira Turma desta Corte se manifestou recentemente em sentido favorável à tese da acusação, no julgamento do Recurso Especial 1049822/RS, da relatoria do eminente do Ministro Francisco Falcão, com ementa nos seguintes termos:
AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO AMBIENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROVA PERICIAL. INVERSÃO DO ÔNUS. ADIANTAMENTO PELO DEMANDADO. DESCABIMENTO. PRECEDENTES.
I - Em autos de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Estadual visando apurar dano ambiental, foram deferidos, a perícia e o pedido de inversão do ônus e das custas respectivas, tendo a parte interposto agravo de instrumento contra tal decisão.
II - Aquele que cria ou assume o risco de danos ambientais tem o dever de reparar os danos causados e, em tal contexto, transfere-se a ele todo o encargo de provar que sua conduta não foi lesiva.
III - Cabível, na hipótese, a inversão do ônus da prova que, em verdade, se dá em prol da sociedade, que detém o direito de ver reparada ou compensada a eventual prática lesiva ao meio ambiente - artigo 6º, VIII, do CDC c/c o artigo 18, da lei nº 7.347/85.
IV - Recurso improvido. (REsp 1049822/RS, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 23/04/2009, DJe 18/05/2009).
Desta feita, percebo que a análise sobre o ônus da prova, em ação por dano ambiental, deve ser dirimida pela interpretação das leis aplicáveis e à luz dos princípios norteadores do Direito Ambiental.
Isso porque, em regra, a inversão do ônus probatório deve assentar-se exclusivamente em disposição expressa de lei. Mas, no presente caso, essa inversão encontra fundamento também em princípios transversais ao ordenamento jurídico, quais sejam, os princípios ambientais.
No plano legal, destaco os dispositivos que guardam relação direta com a questão posta em discussão:
Código de Defesa do Consumidor
Art. 6º São direitos básicos do consumidor:
(...)
VIII - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências;
Lei 7.347/1985
Art. 21. Aplicam-se à defesa dos direitos e interesses difusos, coletivos e individuais, no que for cabível, os dispositivos do Título III da lei que instituiu o Código de Defesa do Consumidor.
Código Civil
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem. (grifei).
Vê-se que há uma interdisciplinariedade entre as normas de proteção ao consumidor e às referentes à defesa dos direitos coletivos.
No caso das ações civis por danos ambientais, entendo que o caráter público e coletivo do bem jurídico tutelado - e não a eventual hipossuficiência do autor da demanda em relação ao réu -, nos leva à conclusão de que alguns dos direitos do consumidor também devem ser extendidos ao autor daquelas ações, afinal essas buscam resguardar (e muitas vezes reparar!) o patrimônio público de uso coletivo, consubstanciado no meio ambiente.
A essas normas agrega-se o Princípio da Precaução. Esse preceitua que o meio ambiente deve ter em seu favor o benefício da dúvida no caso de incerteza (por falta de provas cientificamente relevantes) sobre o nexo causal entre determinada atividade e um efeito ambiental negativo.
Na doutrina, afirma
Incentiva-se, assim, a antecipação de ação preventiva, ainda que não se tenha certeza sobre a sua necessidade e, por outro lado, proíbe-se as atuações potencialmente lesivas, mesmo que essa potencialidade não seja cientificamente indubitável.
Além desse conteúdo substantivo, entendo que o Princípio da Precaução tem ainda uma importante concretização adjetiva: a inversão do ônus da prova.
Sobre o tema, cito lição do eminente Ministro Herman Benjamin:
Uma das justificativas para a constituição de um regime diferenciado (= fragmentado) para a responsabilidade civil pelo dano ambiental reside no fato de que a proteção do meio ambiente é informada por uma série de princípios que a diferenciam na vala comum dos conflitos humanos.
O primeiro deles, princípio da precaução, já escrevemos em outro momento, responde a uma pergunta simples mas chave para o sucesso ou insucesso de uma ação judicial ou política de proteção ao meio ambiente: diante da incerteza científica quanto à periculosidade ambiental de uma dada atividade, quem tem o ônus de provar sua inofensividade? O proponente ou o órgão público/vítima? Em outras palavras, suspeitando que a atividade traz riscos ao ambiente, devem o Poder Público e o Judiciário assumir o pior e proibi-la (ou regulá-la, impondo-lhe padrões de segurança rigorosos), ou, diversamente, deve a intervenção pública ocorrer somente quando o potencial ofensivo tenha sido claramente demonstrado pelo órgão regulador ou pelos representantes não-governamentais do interesse ambiental, amparados num raciocínio de probabilidades, ou, nos termos do Direito Civil codificado, num regime de previsibilidade adequada?
(...)
Com isso, pode-se dizer que o princípio da precaução inaugura uma nova fase para o próprio Direito Ambiental. Nela já não cabe aos titulares de direitos ambientais provar efeitos negativos (= ofensividade) de empreendimentos levados à apreciação do Poder Público ou do Poder Judiciário, como é o caso do instrumentos filiados ao regime de simples prevenção (p. ex., o Estudo de Impacto Ambiental); por razões várias que não podem aqui ser analisadas (a disponibilidade de informações cobertas por segredo industrial nas mãos dos empreendedores é apenas uma delas), impõe-se aos degradadores potenciais o ônus de corroborar a inofensividade de sua atividade proposta, principalmente naqueles casos em onde eventual dano possa ser irreversível, de difícil reversibilidade ou de larga escala.
Noutro prisma, a precaução é o motor por trás da alteração radical que o tratamento de atividades potencialmente degradadoras vem sofrendo nos últimos anos. Firmando-se a tese - inclusive no plano constitucional - de que há um dever genérico e abstrato de não-degradação do meio ambiente, inverte-se, no campo dessas atividades, o regime de ilicitude, já que, nas novas bases jurídicas, esta se presume até prova em contrário. (in Responsabilidade Civil pelo Dano Ambiental, Revista de Direito Ambiental, São Paulo, v. 9, ano 3, p. 17-18, jan/mar. 1998, grifei).
Portanto, a partir da interpretação do art. 6º, VIII, da Lei 8.078/1990 c/c o art. 21 da Lei 7.347/1985, conjugado ao Princípio da Precaução, justifica-se a inversão do ônus da prova, transferindo para o empreendedor da atividade potencialmente perigosa o ônus de demonstrar a segurança do empreendimento.
Ocorre que no caso em tela é o suposto poluidor quem deseja fazer prova de que não infringiu a lei ambiental, não gerou dano ao meio ambiente porque entende que a barrilha não é poluente ou não o é na medida em que fora despejado no meio ambiente. Em suma, pretende desconstituir o nexo causal entre sua conduta e a existência de dano ambiental.
Como afirma Marcelo Abelha Rodrigues:
Muito embora o termo poluidor seja de uso corrente no nosso dia-a-dia, a grande verdade é que identificá-lo não é tarefa fácil. Mas considerando que estamos diante de um vocábulo que exprime uma ideia relacional, transitiva, certamente que não pode haver um poluidor se não existir poluição. Parece óbvio e até redundante dizer, mas só pode haver um poluidor se efetivamente tiver ocorrido poluição. Essa constatação, no entanto, não afasta uma última indagação: quando existir poluição, necessariamente ocorrerá dano ambiental?
Considerando que a responsabilidade civil ambiental está fulcrada na exigência de demonstração do dano ambiental, somado ao nexo de interdependência entre esse dano e um sujeito que lhe tenha dado causa, pensamos que é necessário e até um pressuposto lógico à identificação do poluidor, que antes se faça a descoberta do que seja degradação, poluição e dano ambiental.
(...)
Sendo o dano um dos alicerces da responsabilidade civil, é claro que "não pode haver responsabilidade sem a existência de um dano, e é verdadeiro truísmo sustentar esse princípio, porque, resultando a responsabilidade civil em obrigação de ressarcir, logicamente não pode concretizar-se onde nada há que reparar". (in Elementos de Direito Ambiental, Parte Geral, 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, pp. 294-5 e 299)
Visto por esta ótica é plenamente coerente com as normas e princípios ambientais que o suposto poluidor possa comprovar a ineficácia de sua conduta para a poluição ambiental, não sendo suficiente para comprovar o inverso - a poluição e o nexo causal - a alusão a informações retiradas da internet, como fez o ilustre relator do voto condutor.
Ou seja, o princípio da inversão do ônus da prova em matéria ambiental é uma proteção da coletividade e também um direito do suposto poluidor para que possa comprovar que sua conduta não promove um ilícito ambiental.
Ademais, diz o CPC que se realizará a produção de prova pericial sempre que houver a necessidade de conhecimento especial técnico para a prova do fato, nos termos do art. 420, parágrafo único, do CPC a contrario sensu, o que sem dúvida ocorre na seara ambiental dada a complexidade do bioma e da eficácia poluente dos diversos produtos decorrentes do engenho humano.
Com essas considerações, dou provimento ao recurso especial para devolver os autos à origem, anulando o processo desde o momento em que a perícia judicial foi indeferida.
É o voto.
CERTIDÃO DE JULGAMENTO
SEGUNDA TURMA
Reg.: 2008/0113082-6 - REsp 1.060.753/SP - Origem: 14172006 200702677612 61063350 6106335101 6106335302 - PAUTA: 01/12/2009 JULGADO: 01/12/2009 - Rel.: Ministra ELIANA CALMON - Presidente da Sessão: Ministro HUMBERTO MARTINS - Subprocurador-Geral da República: Dr. EUGÊNIO JOSÉ GUILHERME DE ARAGÃO - Secretária: Bela. VALÉRIA ALVIM DUSI
CERTIDÃO
Certifico que a egrégia SEGUNDA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão: "A Turma, por unanimidade, deu provimento ao recurso, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a)." Os Srs. Ministros Castro Meira, Humberto Martins (Presidente), Herman Benjamin e Mauro Campbell Marques votaram com a Sra. Ministra Relatora.
Brasília, 01 de dezembro de 2009. VALÉRIA ALVIM DUSI, Secretária
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) foi criado pela Constituição Federal de 1988 com a finalidade de preservar a uniformidade da interpretação das leis federais em todo o território brasileiro. Endereço: SAFS - Quadra 06 - Lote 01 - Trecho III. CEP 70095-900 | Brasília/DF. Telefone: (61) 3319-8000 | Fax: (61) 3319-8700. Home page: www.stj.jus.br
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BRASIL, STJ - Superior Tribunal de Justiça. STJ - Processual civil. Competência para julgamento de execução fiscal de multa por dano ambiental. Inexistência de interesse da União. Competência da justiça estadual. Prestação jurisdicional. Omissão. Não-ocorrência. Perícia. Dano ambiental Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 05 mar 2010, 16:35. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Jurisprudências/19349/stj-processual-civil-competencia-para-julgamento-de-execucao-fiscal-de-multa-por-dano-ambiental-inexistencia-de-interesse-da-uniao-competencia-da-justica-estadual-prestacao-jurisdicional-omissao-nao-ocorrencia-pericia-dano-ambiental. Acesso em: 23 nov 2024.
Por: TJSP - Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
Por: TRF3 - Tribunal Regional Federal da Terceira Região
Por: TJSC - Tribunal de Justiça de Santa Catarina Brasil
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