EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO – CAUTELAR DE PRODUÇÃO ANTECIPADA DE PROVA – DIREITO SOCIETÁRIO – PRETENSÃO VOLTADA AO LEVANTAMENTO CONTÁBIL DA MOVIMENTAÇÃO PATRIMONIAL DE PESSOAS JURÍDICAS, A FIM DE ESTIMAR O EFETIVO VALOR ECONÔMICO DAS RESPECTIVAS COTAS – DECISÃO SANEADORA INDEFERINDO PRELIMINAR INVOCADA PELAS DEMANDADAS – INSURGÊNCIA – REJEIÇÃO – DEMANDA MOVIDA POR EX-ESPOSA DE UM DOS SÓCIOS DAS LIMITADAS, A QUAL RECEBEU PARTICIPAÇÃO SOCIETÁRIA POR PARTILHA REALIZADA EM SEDE DE AÇÃO DE DIVÓRCIO – POSSIBILIDADE DE ACESSO AOS LIVROS CONTÁBEIS E DEMAIS DADOS NECESSÁRIOS À QUANTIFICAÇÃO DO EFETIVO VALOR DO PATRIMÔNIO RECEBIDO PERANTE O ANTIGO CÔNJUGE (ART. 382 DO CPC) – PROVIDÊNCIA, ADEMAIS, QUE, UMA VEZ NÃO ATENDIDA, INVIABILIZARÁ O EXERCÍCIO DOS DIREITOS TITULARIZADOS PELA AGRAVANTE – LEGITIMIDADE DAS PESSOAS JURÍDICAS RECORRENTES PARA RESIDIREM NO PÓLO PASSIVO DA ASSECURATÓRIA – PRECEDENTE DO STJ – INTERLOCUTÓRIA MANTIDA – RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.
Diante das novas disposição introduzidas pelo Código Civil de 2002, fica evidente que a “meeira das cotas” não pode obrigar a sociedade, quer a aceitá-la em seus quadros, face a ineficácia da transação perante a pessoa jurídica nos termos do art. 1.003 do CC/2002, quer a apurar e consequentemente pagar os direitos societários que aquela adquiriu perante o ex-cônjuge (art. 1.027 do CC/2002), devendo aguardar a liquidação integral da sociedade ou das cotas titularizadas pelo último.
De todo modo, tal entendimento não constitui óbice ao levantamento do efetivo valor patrimonial das cotas partilhadas e titularizadas pela ex-mulher do sócio, pois a ela, inegavelmente, compete o direito de apurar o quantum correspondente aos direitos que adquiriu.
E, apurada a quantia, embora a meeira nada possa exigir das sociedades, poderá postular o adimplemento pelo ex-marido, ou, ainda, alienar os aludidos direitos a terceiros, eventualmente interessados na respectiva aquisição.
Vistos, relatados e discutidos estes autos do agravo de instrumento n. 2006.025470-4, da Comarca de Joaçaba (2a Vara Cível), em que são agravantes Wieser Pichler & Cia Ltda., Elevacar Elevadores Mecânicos Ltda., Joaçaba Indústria de Produtos Alimentícios Ltda., sendo agravada Brigita Ilona Wieser:
ACORDAM, em Terceira Câmara de Direito Comercial, por votação unânime, conhecer do recurso e negar-lhe provimento.
Custas na forma da lei.
I – RELATÓRIO
Trata-se de agravo de instrumento interposto por Wieser Pichler & Cia Ltda., Elevacar Elevadores Mecânicos Ltda., Joaçaba Indústria de Produtos Alimentícios Ltda. contra interlocutória proferida pelo M.M. Juiz de Direito da 2ª Vara Cível de Joaçaba que, nos autos da ação cautelar de produção antecipada de provas movida por Brigita Ilona Wieser em face das oras insurgentes e respectivos sócios, em sede de saneamento do feito, indeferiu as preliminares suscitadas nas contestações ofertadas, separadamente, pelas ora recorrentes, rejeitando teses de ilegitimidade ativa e passiva ad causam.
Irresignadas, as demandadas insurgem-se, reprisando a tese de ilegitimidade passiva ad causam das sociedades recorrentes, haja vista que não podem ser compelidas a apresentar sua movimentação contábil-financeira para a acionante, por esta não se tratar de componente das pessoas jurídicas, pois apenas recebeu os supostos direitos societários por partilha realizada em sede de ação de divórcio, perante seu ex-marido, ajuste que, todavia, não pode ser oposto à limitada.
Negado efeito suspensivo e apresentadas as contra-razões, os autos vieram conclusos.
É o relatório.
II – VOTO
O recurso é conhecido e desprovido.
A discussão debatida no recurso cuida da possibilidade de ex-esposa de sócio de pessoas jurídicas, que recebeu em partilha metade das cotas sociais de titularidade deste, postular levantamento financeiro e contábil das sociedades limitadas, com vistas à futura dissolução e apuração dos haveres decorrentes dos direitos do acordo homologado judicialmente.
No caso, a recorrente recebeu em ação de divórcio metade das cotas sociais de titularidade de seu ex-marido, nas seguintes empresas e com as seguintes participações: a) 5,68% das cotas referentes à Elevacar Elevadores Mecânicos; b) 420.000 cotas alusivas à Wieser & Pichler Cia. Ltda.; e, c) 5.940.000.000 cotas da Joaçaba Indústria de Produtos Alimentícios Ltda..
Sob o argumento de que os demais sócios das pessoas jurídicas acima mencionadas ofereceram preços irrisórios para adquirir a participação da demandante, esta ajuizou a presente demanda cautelar de produção antecipada de provas, visando o levantamento contábil-financeiro das empresas, a fim de quantificar o efetivo valor patrimonial das cotas e, futuramente, vir a deflagrar as competentes ações de dissolução e apuração de haveres, prestação de contas e demais expedientes necessários ao resguardo de seus direitos.
No pólo passivo da lide, atualmente figuram as três pessoas jurídicas, conjuntamente com todos os seus sócios, assim como o ex-marido da requerente, que também integra o quadro societário das limitadas acima mencionadas.
E é de ser reconhecida sua legitimidade para compor o pólo passivo da ação cautelar de produção antecipada de provas, pois, muito embora a acionante não detenha direito de vir a integrar os quadros sociais das empresas, tem ela a possibilidade de postular o levantamento contábil e patrimonial das sociedades, de modo a permitir a exata quantificação do patrimônio que adquiriu perante seu ex-marido na partilha dos bens do antigo casal.
Com efeito, uma das características principais nas sociedades limitadas, organizadas em torno da qualidade pessoal dos sócios que a compõe, é a impossibilidade de admissão de novos sócios, sem a vênia prévia dos participantes originários, tanto que o Novo Código Civil, ao tratar do assunto dispõe:
Art. 1.003. A cessão total ou parcial de quota, sem a correspondente modificação do contrato social com o consentimento dos demais sócios, não terá eficácia quanto a estes e à sociedade.
A regra vem ao encontro do primado constitucional estabelecido no art. 5º, XX, da CF, no sentido de que “ninguém será compelido a associar-se ou a manter-se associado”.
Assim, aquele vinculado a uma sociedade de pessoas tem a liberdade de a qualquer tempo retirar-se da pessoa jurídica. Todavia, sob outro ângulo, aos sócios que regularmente constituem a pessoa jurídica assiste o direito de rejeitar o ingresso de novos participantes, nada devendo a eventual indesejado cessionário de cotas.
Por conseqüência, “a transferência de cotas de sociedade de responsabilidade limitada por força de partilha em divórcio importa tradição por meio de sucessão, não fazendo da adquirente sócia da empresa. Forma-se entre ela e o sócio nova sociedade, a qual é considerada res inter alios acta, quer em relação aos demais sócios, quer aos credores sociais por obrigações já existentes ou futuras (RT - 624/91-92)” (in TJSC, Apelação cível n. 50.880 (88.087856-9), de Itajaí. Relator: Des. Carlos Prudêncio).
O negócio realizado de forma particular por um dos sócios não pode obrigar a pessoa jurídica e os demais componentes dela, razão pela qual queda inviável cogitar a possibilidade de a ex-consorte promover a liquidação da sociedade, por exemplo, alienando bens desta para satisfação de seus direitos, pois tal providência é vetada pelo já aludido art. 1.003 do Novo Código Civil.
Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça já assentou:
COMERCIAL. SOCIEDADE POR QUOTAS DE RESPONSABILIDADE LIMITADA. AQUISIÇÃO DE QUOTAS. APURAÇÃO DE HAVERES. DIREITO DO SÓCIO.
A ação de apuração de haveres em sociedade comercial por quotas de responsabilidade limitada cabe somente a quem dela seja sócio, não se equiparando a tal quem adquire quotas de outro sócio, ainda que por partilha em dissolução de casamento pelo regime da comunhão de bens (REsp nº 29.897/RJ, Min. Dias Trindade, j. 14.12.1992).
Não se desconhece que há também julgado daquela Corte Federal de Uniformização, encampando entendimento contrário, tal como se verifica de consulta ao REsp n. 114.708/MG, j. em 19.02.2001, cujo voto vencedor fora lavrado pelo eminente Ministro Carlos Alberto Menezes Direito.
Sem embargo, filia-se à primeira orientação, mesmo porque esta vem sendo empregada no Tribunal de Justiça de nosso Estado, valendo conferir os seguintes precedentes:
AÇÃO DE DISSOLUÇÃO DE SOCIEDADE COMERCIAL C/C PEDIDO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS E HAVERES - MULHER CASADA QUE PRETENDE A MEAÇÃO DAS COTAS SOCIAIS DO VARÃO - ILEGITIMIDADE ATIVA CARACTERIZADA - PARTILHA DE BENS COMO VIA ADEQUADA.
Não tem legitimidade ativa para pedir a dissolução da sociedade comercial a esposa de um de seus sócios que não tem participação societária direta na empresa. A pretendida meação das cotas sociais do marido deve ser incluída na partilha de bens do casal, até porque poderá ser sócia do marido, em suas cotas, mas não da sociedade (TJSC, Apelação Cível n. 50.880, de Itajaí, Des. Carlos Prudêncio).
Ainda:
AÇÃO DE SEPARAÇÃO CONSENSUAL - PARTILHA DE QUOTAS DE SOCIEDADE DE RESPONSABILIDADE LIMITADA - DETERMINAÇÃO DE TRANSFERÊNCIA DA METADE DAS QUOTAS PERTENCENTES AO VARÃO PARA A MULHER - INADMISSIBILIDADE - FORMAÇÃO APENAS DE UMA SUBSOCIEDADE - SITUAÇÃO QUE NÃO AUTORIZA A INCLUSÃO DA ADQUIRENTE COMO SÓCIA DA EMPRESA - EXISTÊNCIA DE CLÁUSULA CONTRATUAL QUE PROÍBE OS SÓCIOS DE TRANSFERIR SUAS QUOTAS SEM A EXPRESSA CONCORDÂNCIA DOS DEMAIS - INTELIGÊNCIA DOS ARTIGOS 334, DO CÓDIGO COMERCIAL E 1.388, DO CÓDIGO CIVIL.
O acordo celebrado entre casal em ação de separação consensual não pode se sobrepor ao previsto no contrato social. A partilha das quotas pertencentes ao varão forma apenas entre ele e sua ex-esposa uma subsociedade, não a incluindo como sócia da empresa. Assim, não pode ser determinado que a sociedade primitiva transfira a sua parte das quotas para o nome da sua ex-esposa, passando a figurar no quadro social sem aquiescência dos demais (TJSC, Agravo de instrumento n. 96.003109-0, de Blumenau. Relator: Des. Carlos Prudêncio).
Para arrematar:
AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO DE APURAÇÃO DE HAVERES AJUIZADA POR EX-ESPOSA DE SÓCIO DA PESSOA JURÍDICA - ILEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM - EXCLUSÃO DA EMPRESA DO PÓLO PASSIVO DA LIDE
"A ação de apuração de haveres em sociedade comercial por quotas de responsabilidade limitada cabe somente a quem dela seja sócio, não se equiparando a tal quem adquire quotas de outro sócio, ainda que por partilha em dissolução de casamento pelo regime da comunhão de bens" (STJ) (TJSC, Agravo de instrumento nº 99.008854-5, de Lages. Relator: Des. Eder Graf).
Ademais, o Código Civil de 2002, ainda que sem vigência à época da homologação da partilha, dispõe em seu art. 1.027 que “Os herdeiros do cônjuge de sócio, ou o cônjuge do que se separou judicialmente, não podem exigir desde logo a parte que lhes couber na quota social, mas concorrer à divisão periódica dos lucros, até que se liquide a sociedade”.
Sendo assim, mormente diante da nova disposição introduzida pelo Código Civil de 2002 a respeito do tema, fica evidente que a “meeira das cotas” não pode obrigar a sociedade, quer a aceitá-la em seus quadros, face a ineficácia da transação perante a pessoa jurídica nos termos do art. 1.003 do CC/2002, quer a obriga-la a liquidar e consequentemente pagar os direitos societários que aquela adquiriu perante o ex-cônjuge.
De todo modo, tal entendimento, aparentemente, não constitui óbice ao levantamento do efetivo valor patrimonial das cotas partilhadas e titularizadas pela ex-mulher do sócio, já que a ela compete o direito de apurar o quantum correspondente aos direitos que adquiriu.
É curial salientar que a acionante demonstrou preocupação tanto na exordial, quanto na réplica às constestações, em esclarecer que não visa postular futuramente a dissolução parcial contra as sociedades, mas tão-somente a desconstituição da sub-sociedade firmada com seu ex-marido, necessitando, porém, dos dados referentes ao ativo e passivo das três pessoas jurídicas, para que possa efetuar o levantamento do efetivo valor patrimonial das cotas partilhadas com o ex-cônjuge.
Realmente, a partilha das cotas de titularidade do ex-marido importa no estabelecimento de uma “sub-sociedade” entre os antigos cônjuges, sendo lícito à ora proponente exigir eventual direito creditício do varão, dado ao liame constituído entre eles ao ensejo da partilha levada a efeito na ação de divórcio.
E, apurada a quantia, embora nada possa exigir das sociedades, poderá postular o adimplemento pelo ex-marido, ou, ainda, alienar os aludidos direitos a terceiros, eventualmente interessados na respectiva aquisição.
O acesso aos livros contábeis das empresas demandadas encontra suporte no art. 382 do CPC e já teve sua exibição autorizada, em caso bastante semelhante ao dos autos, por julgado do Superior Tribunal de Justiça, verbis:
MANDADO DE SEGURANÇA REQUERIDO POR SOCIEDADE POR QUOTAS DE RESPONSABILIDADE LIMITADA, NA QUALIDADE DE TERCEIRO PREJUDICADO, VISANDO A CASSAR DECISÃO QUE, EM MEDIDA LIMINAR, DETERMINOU A VERIFICAÇÃO CONTABIL DE LIVROS E DOCUMENTOS FISCAIS DA IMPETRANTE.- EXAME CONTABIL QUE TEM ASSENTO NO ART. 382 DO CPC, CUJO OBJETIVO E A SEGURANÇA DA PARTILHA DE BENS DECORRENTE DA DISSOLUÇÃO DE SOCIEDADE CONJUGAL. LEGALIDADE DA MEDIDA. - RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO (STJ, RMS 2618/SP, Rel. Ministro ANTONIO TORREÃO BRAZ, QUARTA TURMA, julgado em 24.05.1994, DJ 01.08.1994 p. 18650).
Portanto, verificada a possibilidade de apuração do atual estado patrimonial das pessoas jurídicas, por parte da autora, exclusivamente para aferir o efetivo valor monetário das cotas que recebeu em partilha de seu ex-marido, mostra-se evidente a legitimidade passiva ad causam das agravantes para residirem no pólo passivo da lide.
CONCLUSÃO
Do exposto, o voto é no sentido de conhecer e negar provimento ao recurso.
III – DECISÃO
Nos termos do voto do relator, decidiu a Câmara, por votação unânime, conhecer do recurso e negar-lhe provimento.
Participaram do julgamento com votos vencedores, os Excelentíssimos Senhores Desembargadores Paulo Roberto Camargo Costa e Alcides Aguiar (Presidente).
Florianópolis, 06 de setembro de 2007.
Marco Aurélio Gastaldi Buzzi
RELATOR
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Por: TJSP - Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
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