“Ementa: Constitucional. Processual civil. Ação popular. Privatização da Companhia Vale do Rio Doce. Tese de situação fática consolidada pelo decurso do tempo. Impossibilidade de aplicação com relação à aferição dos critérios de avaliação da empresa. Possível lesão ao patrimônio público. Anulação da sentença de extinção do processo. Negativa de prestação jurisdicional. Necessidade de perícia. Apelação e remessa providas.
I – A ação popular é o remédio constitucional colocado à disposição de qualquer cidadão para anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, conforme disposto no art. 5º, LXXIII, da Constituição Federal.
II – No que tange ao alcance do controle dos atos administrativos, não cabe ao Poder Judiciário adentrar no juízo de conveniência, oportunidade ou eficiência da Administração, nem na valoração dos motivos ou na escolha do objeto, que caracterizam o mérito administrativo. Deve o Judiciário limitar-se a apreciá-lo sob o prisma da legalidade.
III – As questões formais relativas aos editais da licitação de alienação da empresa e da formação do consórcio de avaliação, tais como a mera publicação do aviso de edital e de sua não-publicação em língua inglesa, não estão superadas pelo decurso do tempo. (Vencida, no ponto, a Relatora).
IV – A questão relativa à avaliação, por óbvio, não pode ser reduzida à simplória tese de situação fática consolidada pelo decurso do tempo. Há que se ter presente que as ações populares têm por objetivo, dentre outros, a recomposição do patrimônio público lesado. Nesse sentido, as alegações relativas aos critérios de avaliação do patrimônio da CVRD ganham relevo, pois, se corretas, eventual sub-avaliação ou nãoavaliação terá levado a um gigantesco prejuízo ao patrimônio público, dada a enormidade do patrimônio da empresa. São irregularidades que, se existentes, não estão atingidas pelo decurso do tempo, ou consolidadas pela transferência da empresa ao domínio privado.
V – Os argumentos dos autores populares, no que tange à sub-avaliação ou não-avaliação do patrimônio da CVRD, encontram respaldo no relatório do Grupo de Assessoramento Técnico da Comissão Externa da Câmara dos Deputados, formada por especialistas reunidos pela Coordenação dos Programas de Pósgraduação em Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, que apurou signifi cativa diferença entre os valores das reservas registrados pela Vale na Securities and Exchange Comission, em Nova Iorque, que foram conferidos e admitidos pelas autoridades americanas, porém, posteriormente, foram reduzidos pela empresa Merril Lynch quando da avaliação do patrimônio da empresa, entre os anos de 1995 e 1996.
VI – Sem que tenha sido permitida a necessária dilação probatória, não há como aferir a correção dos critérios adotados na avaliação. A sentença, tal como proferida, furtou-se a prestar a tutela jurisdicional, ferindo os princípios basilares do acesso à Justiça.
VII – Apelação e Remessa ex-officio providas, para anular a sentença e determinar o retorno dos autos à vara de origem, visando ao regular prosseguimento do feito.” (AC 1997.39.00.010817-8/PA. Rel.: Des. Federal Selene Maria de Almeida. 5ª Turma. Maioria. DJ de 16/12/05.)
Precisa estar logado para fazer comentários.