“Ementa: Embargos de terceiro. Pretensão de obstar ação de busca e apreensão promovida pela Codevasf em face da Covag. Alegação de existência de hipoteca sobre os bens. Ausência de prova. Sentença de improcedência. Complemento da inicial para fazer constar documento necessário ao deslinde da controvérsia. Possibilidade. Art. 284 do CPC. Impropriedade do instrumento processual (embargos de terceiro) com arrimo no art. 1.047, II, do CPC. Ausência de indícios de alienação judicial dos bens. Hipoteca. Direito de sequela. Alienação de bens hipotecados. Possibilidade. Precedentes do STJ. Direito de sequela preservado. Ausência de interesse de agir. Carência da ação.
I. O juízo monocrático, atestando a inexistência, nos autos, de escritura pública apta a comprovar o registro da hipoteca afirmada pelo embargante, indispensável à comprovação da premissa sobre a qual se erige sua pretensão, julgou improcedente o pedido, sem, entretanto, observar a regra processual que possibilita a emenda ou complementação da petição inicial (CPC, art. 284).
II. A lei processual, prestigiando a instrumentalidade do processo e a coibição do abuso do formalismo, possibilita a correção de eventuais defeitos ou irregularidades da petição inicial, para somente após, no caso do não-suprimento da deficiência constatada, estabelecer a punição processual do autor. Precedentes do STJ.
III. Por conseguinte, inadmissível sentença de improcedência do pedido em razão da ausência de documento indispensável ao deslinde da controvérsia, sem que tenha o autor sido intimado para proceder à sua juntada no prazo legal.
IV. A questão poderia conduzir à nulidade da sentença, o que, todavia, não se afigura conveniente por uma questão de economia processual, na medida em que a prolação de nova sentença não teria o condão de alterar o resultado da lide em favor do autor.
V. Verifica-se a impropriedade da utilização dos embargos de terceiro pelo Banco do Nordeste do Brasil S/A, porque a previsão contida no art. 1.047, II, do CPC, destina-se a ‘obstar alienação judicial do objeto da hipoteca, penhor ou anticrese’.
VI. O embargante utiliza-se dos embargos para tentar impedir a busca e apreensão requerida pela Codevasf em relação a seus próprios bens, não havendo, na hipótese, indícios que demonstrem que tais bens possam ser objetos de alienação judicial.
VII. A doutrina civilista conceitua a hipoteca como o ‘direito real de garantia de natureza civil, incidente em coisa imóvel do devedor ou de terceiro, sem transmissão da posse ao credor’ (Caio Mário da Silva Pereira) ou ainda, ‘direito real de garantia em virtude do qual um bem imóvel, que continua em poder do devedor, assegura ao credor, precipuamente, o pagamento de uma dívida’ (Orlando Gomes).
VIII.‘No sistema jurídico moderno, especialmente no brasileiro, a hipoteca dá a seqüela e a preferência, de modo que se pode vindicar e se prefere, no tocante à coisa, aos credores. O valor do imóvel é sujeito, precipuamente, à solução da dívida garantida’ (Pontes de Miranda, Tratado de Direito Privado).
IX. A expressão ‘direito de seqüela’ é atribuída a Correia Teles, como significando o direito conferido a seu titular de seguir a coisa e executá-la, esteja com quem estiver, mesmo não sendo seu possuidor devedor do credor hipotecário.
X. Havendo a garantia de seqüela do bem hipotecado, não há óbice à sua livre alienação pelo proprietário. Como direito real, segue a hipoteca gravando o prédio alienado, podendo sobre ele, inclusive, serem constituídos outros direitos reais, até mesmo outras hipotecas. Precedentes do STJ.
XI. Ressalta a falta de interesse de agir do embargante ao veicular pretensão de obstar judicialmente ação de busca e apreensão de bens ao argumento de que os mesmos encontram-se gravados como garantia hipotecária, uma vez que a hipoteca não impede a alienação do bem.
XII. Não havendo cumprimento da obrigação principal, o direito de seqüela confere ao credor hipotecário a possibilidade de excutir o bem hipotecado esteja com quem estiver, pois a garantia hipotecária é oponível erga omnes, característica própria dos direitos reais.
XIII. Se for hipotecária a garantia, encontra-se resguardado o direito do credor em face da ação de busca e apreensão promovida pela Codevasf, pois mesmo em caso de alienação a garantia permanece gravando os bens.
XIV. O embargante é carecedor da ação, por falta de interesse de agir, uma vez que não se vislumbra, no caso, necessidade de obtenção de provimento judicial para a preservação de seu direito, dado que a ação de busca e apreensão não é causa extintiva da hipoteca que grava os bens dados em garantia pelo devedor. Ao credor remanesce o direito de seqüela.
XV. Não prospera a argumentação de que a garantia hipotecária é anterior ao contrato de cessão de uso gratuito firmado entre a Codevasf e a Covag, tornando questionável a validade do negócio, sendo imprecisa a afirmativa do embargante de que ‘ninguém pode doar o que não lhe pertence, como ocorreu no presente caso’.
XVI. A hipoteca não transfere a propriedade do bem ao credor. Gravado o bem com hipoteca, continua a pertencer ao devedor, que não perde, com o contrato de garantia real, o direito pleno da propriedade, podendo, portanto, dele dispor.
XVII. A hipoteca não cria obstáculo a contrato de cessão de uso, pelos mesmos motivos que não impede nem mesmo a alienação do bem gravado. Por outro lado, se há qualquer nulidade a viciar o referido negócio jurídico, não se vislumbra interesse do Banco do Nordeste do Brasil S/A em argüi-la, pois sua posição é de terceiro estranho ao pacto.
XVIII. Apelação improvida.” (AC 1998.38.00.008744-3/MG. Rel.: Des. Federal Selene Maria de Almeida. 5ª Turma. Unânime. DJ 2 de 20/03/06.)
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