Acórdão: Apelação Cível n. 70025428962, de Taquari.
Relator: Des. Carlos Rafael dos Santos Júnior.
Data da decisão: 16.12.2008.
EMENTA: REINTEGRAÇÃO DE POSSE.. REQUISITOS. ESPÓLIO. SAISINE. Posse anterior decorrente da saisine. Art. 1.784, CCB. Herdeiro que, sem partilha ou aquiescência dos demais, se apossa de imóvel da sucessão. Posse anterior e esbulho configurados. Perda da posse. A prova da posse anterior, do esbulho e da perda da posse, conduz à procedência da ação. Art. 927 do CPC. Deram provimento.
APELAÇÃO CÍVEL DÉCIMA NONA CÂMARA CÍVEL: Nº 70025428962
COMARCA DE TAQUARI
ESPOLIO DE LAERTE MARQUES DE MEDEIROS: APELANTE
HEBE CALCADA DOS REIS: APELADO
DATA DO JULGAMENTO: 16/12/2008
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos.
Acordam os Desembargadores integrantes da Décima Nona Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, dar provimento à apelação.
Custas na forma da lei.
Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores DES. GUINTHER SPODE (PRESIDENTE) E DESA. MYLENE MARIA MICHEL.
Porto Alegre, 16 de dezembro de 2008.
DES. CARLOS RAFAEL DOS SANTOS JÚNIOR,
Relator.
RELATÓRIO
DES. CARLOS RAFAEL DOS SANTOS JÚNIOR (RELATOR)
Trata-se de apelação interposta por ESPOLIO DE LAERTE MARQUES DE MEDEIROS, inconformado com a sentença prolatada nos autos da AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE ajuizada contra HEBE CALÇADA DOS REIS.
Segundo a inicial, o autor (espólio) é proprietário de imóvel, o qual esteve locado à Tatiane Vitalina Pereira. Esta restituiu o imóvel à inventariante em março de 2006. A representante do autor relatou que quando foi até o imóvel, surpreendeu-se com a troca de cadeado e troca das fechaduras pela ré, que havia tomado posse do bem.
Relatou o espólio que a ré foi casada com o autor da herança, com quem possui um filho de 16 anos. Disse que não houve autorização da inventariante para a aludida posse; que os bens adquiridos durante a união da ré com o autor da herança já foram partilhados e o filho dela ocupa imóvel de propriedade do espólio. Afirmou o esbulho e enfatizou que poderia ser prejudicada a futura partilha de bens. Pediu para ser reintegrado no imóvel.
Foi designada audiência de conciliação, com a informação de que o prazo da contestação fluiria a contar daquela data, caso não obtido acordo. Inexitosa a conciliação, foi apensado aos autos o inventário de Laerte Marques de Medeiros.
Designada audiência de justificação e cientificada a ré que o prazo da contestação iniciaria a contar da intimação do deferimento ou não da liminar, nesta foi deferida a suspensão do processo para partilha amigável.
Houve nova audiência de conciliação e suspensão desta em razão da manifestação de possível herdeira do espólio buscando a sua legitimidade para herdar.
Determinado o desapensamento dos processos, houve produção de prova oral.
A Dra. Juíza de Direito julgou improcedente o pedido. Entendeu que não restou comprovada a posse anterior do espólio e o esbulho praticado pela ré.
A sucessão autora, nas razões de apelo, alega que não demanda em nome próprio, mas sim como inventariante do Espólio de Laerte Marques de Medeiros. Pelo fato de o imóvel estar locado, havia posse indireta. Assevera que restaram comprovados todos os requisitos do art. 927 do CPC.
Efetuado o preparo, fl. 225, a apelação foi recebida, fl. 226. Juntadas as contra-razões, fls. 129/138, subiram os autos.
É o relatório.
VOTOS
DES. CARLOS RAFAEL DOS SANTOS JÚNIOR (RELATOR)
Como se viu do relatório, insurge-se a recorrente contra a sentença que julgou improcedente o pedido de reintegração de posse por ausência de posse anterior e pela falta de prova do esbulho. Alega que o autor da ação é o espólio e que a inventariante não demandou em nome próprio.
Para a procedência da ação de reintegração de posse, efetivamente é necessária a demonstração dos requisitos do art. 927 do Código de Processo Civil, ou seja, a posse anterior da parte autora, o esbulho e a perda da posse.
Examinando-se os autos, vê-se que foi aberto o inventário dos bens deixados por Laerte Marques Ribeiro em dezembro de 2005, tendo sido nomeada Adriana Martins da Silva como inventariante, fl. 08.
A presente ação foi ajuizada pelo Espólio de Laerte Marques Ribeiro.
Com efeito, pela prova testemunhal se tornou incontroverso que Laerte (autor da herança), construiu a casa objeto desta ação, locando-a para terceiros.
Tatiane Vitalina Pereira, fl. 86: “ A senhora locou o imóvel de quem? – Da Adriana e do Laerte, tratei com os dois juntos.(..) - E depois que a senhora deixou esse imóvel a senhora sabe quem se apossou dele? – Eu saí na terça-feira pela manhã e eu sei que na terça pela noite já tinha entrado e trocado o miolo da chave e tinha entrado dentro do imóvel. – (..) Quem entrou dentro da casa a senhora não sabe? – A Hebe foi o que as pessoas falaram.”
João Carlos Severo Vargas, fl. 88: “Quem construiu essa casa?- Essa casa (..) e o Laerte estava sempre próximo e o Adelmo ajudou a construir. – E quem era o dono da obra? – A Adriana.(..) – Como o senhor deduziu que seria para a Adriana? – O que aconteceu que o levou a crer que a casa seria para a Adriana? – Porque ele tinha passado para nós que seria para ela.”
Vera Teresinha Pereira, fl. 90, verso: “Ele vivia com a Adriana nessa época? – Sim. Aí ele comprou e fez a casa para ela. – A Adriana chegou a morar na casa? – Não. – Por que não? – Porque eles moravam de aluguel e aí ela alugou a casa. (...) – e agora a casa está com quem? – Está com a dona Hebe e o filho.”
Luciane Aparecida Ternov, fl. 92, verso: “De quem é essa casa? – Da Adriana. (..) – Aluguei da Adriana. (...) – A senhora chegou a conhecer o Laerte? – Conheci. – Ele tinha algum relacionamento com a Adriana? – Sim, eles moravam juntos.(...)- A Adriana chegou a morar alguma vez nessa casa? – Não chegou a morar. – Por que ela nunca morou lá? – Porque foi alugada.(..) – Depois que o Laerte faleceu mais alguém morou lá? – Não porque entrou foi a primeira mulher dele.”
Nara Palagi Kern, fl. 94, verso: “Essa casa foi construída por quem? - Pelo Laerte.(..) – E essa casa era utilizada por alguém? – Tinha pessoas que moravam de aluguel.”
Leni Pereira da Silva, fl. 97 verso: “Quando ele foi viver com Adriana esta casa construída nesse terreno, ela já existia? (..) –Sim faltava terminar mas já existia. (...) Ele chegou a morar algum tempo com Adriana nesse local? – Não. (...) – Ele andou alugando.”
Não há falar, portanto, em ausência de posse anterior.
Isso porque com o falecimento do autor da herança, nos termos do artigo 1.784, CCB/2002, os bens da herança, e sua posse por certo, se transmitem imediatamente aos herdeiros, todos passando a exercer o direito de posse e propriedade sobre a integralidade daquela. A posse anterior da parte demandante, espólio, por conseguinte, advém da saisine.
Ademais, restou incontroverso que o imóvel pertencia ao autor da herança, o qual era locado para terceiros. Havia posse indireta que foi transmitida aos herdeiros com os mesmos caracteres, art. 1206 do CC.
A ré, em memoriais, diz que reside no local em companhia de seu filho Lucas que, como herdeiro necessário, com a morte do pai, passou a ocupar o imóvel. Alega ser parte ilegítima para o feito e enfatiza a inexistência de esbulho, porque seu filho, herdeiro, é que tomou posse da casa.
Primeiramente, não há falar em ilegitimidade passiva se a ré está na posse do imóvel no qual a autora quer ser reintegrada, já que posse é fato. Portanto, a ré tem legitimidade para responder à demanda.
Quanto à ausência de esbulho porque o imóvel está na posse do filho da ré, dispõe o art. 1.791, do Código Civil de 2002, parágrafo único: “Até a partilha, o direito dos co-herdeiros, quanto à propriedade e posse da herança, será indivisível, e regular-se-á pelas normas relativas ao condomínio.”
Eduardo de Oliveira Leite, ao comentar o art. 1791 preleciona: “O art. 1791 e seu parágrafo único resgatam duas idéias fundamentais do direito sucessório: a da devolução unitária da herança aos herdeiros e, igualmente, a noção da indivisibilidade do monte hereditário, no momento da abertura da sucessão, até o partilhamento final da herança.” (Comentários ao Novo Código Civil, Rio de Janeiro, 2003, Forense, 2ª ed., p. 67)
Até a expedição dos formais de partilha, portanto, conta o herdeiro com a expectativa da individualização dos bens que lhe tocarão, no limite de seu quinhão, frente ao universo dos bens inventariados.
Vale salientar que o inventário é um processo judicial destinado precisamente a apurar o acervo hereditário, verificar as dívidas para, após o pagamento do passivo, estabelecer a divisão do patrimônio deixado entre os herdeiros.
Portanto, a tomada de posse por um dos herdeiros ou por sua mãe, ré nesta ação, sem a concordância dos demais herdeiros, antes da partilha, configura o esbulho.
Neste sentido:
REINTEGRAÇÃO DE POSSE. LIMINAR. HERDEIRO QUE, SEM QUALQUER AUTORIZAÇÃO, PASSA A OCUPAR IMÓVEL OBJETO DE INVENTÁRIO AINDA NÃO CONCLUÍDO. Os herdeiros, apesar de serem titulares da propriedade dos bens do espólio, são demitidos da posse direta sobre esses, não podendo, até a partilha, usar e fruir de seus quinhões hereditários. Correta, portanto, a decisão liminar que, diante da ocupação, por um dos herdeiros, de imóvel que ainda não foi partilhado, reconhece a ocorrência do esbulho e defere, liminarmente, a reintegração de posse. RECURSO DESPROVIDO. (Agravo de Instrumento Nº 70003822202, Segunda Câmara Especial Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marilene Bonzanini Bernardi, Julgado em 09/05/2002)
Logo, demonstrada a posse anterior, configurado o esbulho e tendo ocorrido a perda da posse, imperativa era a procedência do pedido.
Em face da alteração do julgado, os ônus sucumbenciais deverão ser suportados pela ré, vencida no pleito. Assim, inverto os ônus, mantendo os parâmetros fixados na sentença.
Do exposto, dá-se provimento à apelação para julgar procedente a ação de reintegração de posse determinando-se a expedição do mandado reintegratório em favor da autora, devendo a ré desocupar o imóvel em 30 dias da intimação, pena de despejo compulsório.
DESA. MYLENE MARIA MICHEL (REVISORA) - De acordo.
DES. GUINTHER SPODE (PRESIDENTE) - De acordo.
DES. GUINTHER SPODE - Presidente - Apelação Cível nº 70025428962, Comarca de Taquari: "DERAM PROVIMENTO. UNÂNIME"
Julgador(a) de 1º Grau: PATRICIA STELMAR NETTO
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Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BRASIL, STJ - Superior Tribunal de Justiça. TJRS. Civil. Posse. Reintegração. Requisitos. Espólio. Saisine. Posse anterior decorrente de saisine. Herdeiro que, sem partilha ou aquiescência dos demais, se apossa de imóvel da sucessão Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 15 jul 2011, 05:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Jurisprudências/24980/tjrs-civil-posse-reintegracao-requisitos-espolio-saisine-posse-anterior-decorrente-de-saisine-herdeiro-que-sem-partilha-ou-aquiescencia-dos-demais-se-apossa-de-imovel-da-sucessao. Acesso em: 24 nov 2024.
Por: TJSP - Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
Por: TRF3 - Tribunal Regional Federal da Terceira Região
Por: TJSC - Tribunal de Justiça de Santa Catarina Brasil
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