Rcl 10.920-MC/PR*
RELATOR: Min. Celso de Mello
EMENTA: RECLAMAÇÃO. ALEGADA USURPAÇÃO DA COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. UTILIZAÇÃO DESSE MEIO PROCESSUAL POR ESTADO ESTRANGEIRO. POSSIBILIDADE. SUBMISSÃO ESPONTÂNEA DA REPÚBLICA DO PARAGUAI À JURISDIÇÃO DA SUPREMA CORTE BRASILEIRA. CONSEQUENTE DESNECESSIDADE DO EXAME DA QUESTÃO PERTINENTE À IMUNIDADE DE JURISDIÇÃO DOS ESTADOS SOBERANOS. POSIÇÃO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL A RESPEITO DESSE TEMA (RTJ 133/159 – RTJ 161/643-644 – RTJ 184/740-741, v.g.). INAPLICABILIDADE, AOS ESTADOS ESTRANGEIROS, DAS PRERROGATIVAS PROCESSUAIS RECONHECIDAS, UNICAMENTE, ÀS PESSOAS JURÍDICAS DE DIREITO PÚBLICO INTERNO. USURPAÇÃO NÃO CONFIGURADA NOS CASOS DE LITÍGIO ENTRE MUNICÍPIOS, DE UM LADO, E ESTADO ESTRANGEIRO, DE OUTRO: HIPÓTESE DE COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (CF, ART. 109, II). PRECEDENTES. CONHECIMENTO PARCIAL DA RECLAMAÇÃO. MEDIDA CAUTELAR INDEFERIDA.
DECISÃO: Trata-se de reclamação, com pedido de medida liminar, promovida por Estado estrangeiro (República do Paraguai) com o objetivo de fazer preservar a competência do Supremo Tribunal Federal, alegadamente usurpada em relação aos seguintes feitos:
“Apelação Cível nº 2004.70.00.042373-3, em trâmite perante o Tribunal Regional Federal da 4ª Região, e respectivos Recurso Especial (autos STJ nº 1.143.398/PR) e Recurso Extraordinário.
Os Recursos em tela se originam de Ação Anulatória de Débito Fiscal ajuizada perante a 7ª Vara Federal de Curitiba – PR por ** em face do ESTADO DO PARANÁ.
A Ação Anulatória intentada tem como objeto garantir a isenção de ICMS à Requerente nos serviços prestados à ITAIPU BINACIONAL, dando eficácia à norma disposta no TRATADO DE ITAIPU, que instituiu entre Paraguai e Brasil a ITAIPU BINACIONAL e regulamentou, dentre diversos temas, o tratamento tributário de suas relações.
A referida demanda tem como objetivo garantir a isenção de ICMS pela previsão do artigo 12 do TRATADO DE ITAIPU, anulando-se assim débitos desta espécie já lançados, uma vez que a Requerente celebrou com ITAIPU BINACIONAL contrato de prestação de serviços.
Tendo o TRF4 negado provimento à Apelação interposta pelo pólo ativo da demanda, foram interpostos por Itaipu Binacional Recurso Especial e Recurso Extraordinário.
No âmbito específico do Recurso Especial, autuado sob o nº 1.143.398/PR, o ingresso da República do Paraguai foi inadmitido pelo Excelentíssimo Senhor Ministro Relator, ensejando, inclusive no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, a usurpação de competência que a presente reclamação pretende afastar.
Embargos à Execução Fiscal nº 2009.70.02.003651-0, em trâmite perante a 1ª Vara Federal Cível de Foz do Iguaçu.
Nesse feito, a embargante ** ajuizou embargos à execução fiscal originalmente promovida pelo município de Foz do Iguaçu, tendo por objeto indevida cobrança de ISS.
O foro originário da demanda era a 1ª Vara Cível da Justiça Estadual da Comarca de Foz do Iguaçu, em sede de Embargos à Execução de autos nº 964/2008.
Ao apreciar o pedido de assistência da Itaipu Binacional, o juízo federal limitou-se ao indeferimento do pleito, sem a devida remessa do feito ao Pretório Excelso, caracterizando a usurpação de competência.
Mandado de Segurança de autos nº 2004.70.02.008156-6, em trâmite perante a 1ª Vara Federal Cível de Foz do Iguaçu.
O mandado de segurança em tela foi manejado por Itaipu Binacional em face de ilegal exação fiscal levada a efeito pelo Sr. Secretário da Fazenda do Município de Foz do Iguaçu, que pretendia impor o indevido pagamento de ISS por serviços tomados pela empresa binacional.
A sentença proferida em primeiro grau foi objeto da Apelação Cível nº 2004.70.02.008156-6.
No âmbito desse recurso, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região decretou a nulidade da sentença anteriormente proferida, entendendo ser ela ‘citra petita’.
Ocorre que o Egrégio TRF4 deixou de apreciar o pleito da República do Paraguai, entendendo que a competência respectiva assistiria ao juízo de primeiro grau.
Remetidos os autos à origem, o juízo de primeiro grau, ao receber o petitório da República do Paraguai, limitou-se a intimar as partes para que se manifestassem, o que também caracteriza usurpação de competência, haja vista que o fato, por si só, da formulação de pleito por Estado Estrangeiro implica o deslocamento de competência para o Pretório Excelso.
Após a manifestação das partes, a usurpação de competência foi cabalmente confirmada por meio da decisão de fls. 500 e ss., na qual o pedido de assistência da República do Paraguai foi indeferido.
Apelação Cível nº 2005.70.00.014354-6, em trâmite perante o Tribunal Regional Federal da 4ª. Região e respectivos recursos de Agravo de Instrumento em Recurso Especial (autos STJ nº 126.381-9/PR) e em Recurso Extraordinário (autos TRF4 nº 2009.04.00.040707-3).
Os recursos acima referidos foram interpostos no curso de processo iniciado mediante o ajuizamento de Ação Anulatória de Débito Fiscal que tem como autora ** e como requerido o Estado do Paraná. A ação tem por escopo anular débito indevido lançado a título de ICMS.
Após julgamento de recurso de Apelação no âmbito do Egrégio TRF4, ante a sentença de improcedência exarada pelo juízo de primeiro grau, foram interpostos por Itaipu Binacional Recurso Especial e Recurso Extraordinário.
Ambos os recursos tiveram seu seguimento negado pelo TRF4, o que importou a interposição de Agravos de Instrumento em sede de Recurso Especial e de Recurso Extraordinário.
No âmbito do agravo interposto contra a decisão que negou seguimento ao REsp (autuado no Egrégio STJ sob o nº126.381-9/PR), foi proferida decisão monocrática pelo Excelentíssimo Ministro Relator, negando provimento ao Agravo e deixando de conhecer o pedido de assistência de Itaipu Binacional, o que perfectibilizou a usurpação de competência.
O Agravo interposto no âmbito do Recurso Extraordinário, a seu turno, ainda não foi remetido ao Excelso STF, encontrando-se seu trâmite sobrestado no Tribunal Regional Federal da 4ª. Região.
Apelação Cível nº 0513513-7, em trâmite perante o Tribunal de Justiça do Estado do Paraná.
O recurso de Apelação supra foi manejado em sede de Mandado de Segurança impetrado por ** em face do Presidente do Conselho de Contribuintes do Município de Foz do Iguaçu.
O ‘mandamus’ tem por escopo afastar indevida cobrança do ISSQN.
Negada a segurança em primeiro grau, foi interposta a Apelação em cujo âmbito foi proferido acórdão no qual se indefere o pedido de assistência formulado pela República do Paraguai.
A negativa por parte do Egrégio Tribunal (que, ‘data venia’, sequer teria a competência para a apreciação do pleito) ensejou, destarte, a usurpação de competência que justifica a presente reclamação.
Do acórdão proferido foram interpostos Recursos Especial e Extraordinário, sendo que este último ainda não foi remetidos ao Excelso Supremo Tribunal Federal. O REsp, a seu turno, foi autuado no Colendo Superior Tribunal de Justiça sob o nº 1.204.976.
Ação Anulatória de Débitos nº 2008.70.02.008882-7, em trâmite perante a 2ª Vara Federal de Foz do Iguaçu.
A demanda em tela foi proposta por ** em face do município de Foz do Iguaçu, com o fito de obter a anulação do indevido lançamento de débito de ISSQN.
Nesses autos, foi proferida sentença de improcedência do pedido inicial, tendo, também, sido negado o pedido de assistência formulado pela República do Paraguai, consumando, destarte, a usurpação de competência.” (grifei)
Registro, em caráter preliminar, que a República do Paraguai submeteu-se, voluntariamente, à jurisdição do Supremo Tribunal Federal, o que permite afastar, no presente caso, o exame da delicada questão pertinente à imunidade de jurisdição dos Estados soberanos (RTJ 133/159, Rel. Min. SYDNEY SANCHES – RTJ 161/643-644, Rel. Min. CELSO DE MELLO – RTJ 184/740-741, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.).
Em conseqüência dessa espontânea submissão à autoridade jurisdicional do Estado brasileiro, não poderá, a República do Paraguai, invocar a sua condição de soberania estrangeira para se exonerar das obrigações processuais que incumbem a qualquer dos sujeitos da relação processual, submetendo-se, por tal razão, ao mesmo estatuto jurídico aplicável às partes em geral, a significar, portanto, que não lhe será lícito invocar, porque unicamente aplicáveis às entidades estatais brasileiras, as prerrogativas inerentes às pessoas jurídicas de direito público interno, como aquelas previstas no art. 188 do CPC e no art. 6º, “caput”, da Lei nº 9.028/95.
Assentada tal premissa, passo a examinar a presente causa. E, ao fazê-lo, constato, desde logo, da leitura da síntese descritiva que venho de reproduzir, que, das 06 (seis) causas tributárias em tramitação perante os órgãos judiciários ora reclamados, em 04 (quatro) delas o Município de Foz do Iguaçu/PR, somente ele, figura como única entidade política da Federação brasileira a integrar a relação processual instaurada em cada uma daquelas demandas judiciais (Embargos a Execução Fiscal nº 2009.70.02.003651-0; Mandado de Segurança nº 2004.70.02.008156-6; Apelação Cível nº 513.513-7; e Ação Anulatória de Débitos nº 2008.70.02.008882-7), ostentando, nelas, posição antagônica aos interesses processuais deduzidos pela República do Paraguai, em situação que, longe de tornar aplicável a regra inscrita no art. 102, I, “e”, da Constituição, faz instaurar, na realidade, a competência da Justiça Federal de primeira instância (CF, art. 109, II).
Torna-se evidente, pois, que inocorre, nos processos ora indicados, qualquer situação configuradora de usurpação da competência do Supremo Tribunal Federal, eis que as causas instauradas entre Estado estrangeiro, de um lado, e Municípios brasileiros, de outro, não se incluem na esfera de competência originária desta Suprema Corte, subsumindo-se, antes, ao âmbito das atribuições jurisdicionais dos magistrados federais de primeiro grau, consoante prescreve, em regra explícita de competência, a própria Constituição da República (CF, art. 109, II).
Como se sabe, o Supremo Tribunal Federal tem advertido não se incluir, em sua competência, o poder para julgar, em sede originária, litígios que, envolvendo Municípios, não se ajustem à previsão constante do art. 102, I, “e”, da Constituição.
Com efeito, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, em precedente específico sobre a matéria (ACO 1.364-AgR/SE, Rel. Min. CELSO DE MELLO), deixou assinalado que, em face da regra de direito estrito consubstanciada no art. 102, I, da Constituição da República (RTJ 171/101-102), esta Corte não dispõe, por ausência de previsão normativa, de competência para processar e julgar, em sede originária, causas instauradas entre Municípios, de um lado, e a União, autarquias federais e/ou empresas públicas federais, de outro. Em tal hipótese, a competência para apreciar esse litígio pertence à Justiça Federal de primeira instância.
Devo ressaltar que essa orientação jurisprudencial tem prevalecido em casos nos quais a controvérsia instaurou-se entre Municípios, de um lado, e a União Federal ou autarquias federais ou, ainda, empresas públicas federais, de outro (ACO 829-TA/GO, Rel. Min. CELSO DE MELLO - ACO 1.047/CE, Rel. Min. MARCO AURÉLIO – ACO1.342-AgR/RJ, Rel. Min. MARCO AURÉLIO – ACO 1.352/ES, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA, v.g.).
Vê-se, portanto, que falece competência ao Supremo Tribunal Federal para processar e julgar, em sede originária, as causas a que aludi anteriormente (Embargos a Execução Fiscal nº 2009.70.02.003651-0; Mandado de Segurança nº 2004.70.02.008156-6; Apelação Cível nº 513.513- -7; e Ação Anulatória de Débitos nº 2008.70.02.008882-7).
Daí porque não se pode sustentar que incidiria, na espécie, para efeito de utilização do instrumento processual da reclamação, a regra consubstanciada no art. 102, I, “e”, da Carta Política, pois, insista-se, a norma constitucional em questão somente terá aplicabilidade, se e quando se tratar de litígio que envolva Estado estrangeiro ou organismo internacional, de um lado, e “a União, o Estado, o Distrito Federal ou Território”, de outro.
Embora o Município integre a organização político-administrativa da República Federativa do Brasil (CF, art. 1º, c/c o art. 18), a mera existência de litígio entre municipalidade e “Estado estrangeiro ou organismo internacional” não enseja, só por si, por efeito do que expressamente dispõe o art. 102, I, “e”, da Constituição da República, a competência do Supremo Tribunal Federal.
Tenho para mim, desse modo, que, em relação aos quatro processos acima mencionados (Embargos a Execução Fiscal nº 2009.70.02.003651-0; Mandado de Segurança nº 2004.70.02.008156-6; Apelação Cível nº 513.513-7; e Ação Anulatória de Débitos nº 2008.70.02.008882-7), inocorre usurpação de competência desta Corte, considerado o próprio teor da norma inscrita no art. 102, I, “e”, da Constituição da República, porque aplicável, em tal situação (Município versus Estado estrangeiro), a regra fundada no inciso II do art. 109 da Carta Política, que atribui competência aos juízes federais de primeiro grau:
“Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:
.......................................................
II - as causas entre Estado estrangeiro ou organismo internacional e Município ou pessoa domiciliada ou residente no País;” (grifei)
Examinarei, portanto, a pretensão reclamatória da República do Paraguai apenas em relação aos 02 (dois) outros feitos apontados como reveladores da alegada usurpação de competência do Supremo Tribunal Federal (Apelação Cível nº 2004.70.00.042373-3 e Apelação Cível nº 2005.70.00.014354-6).
Observo, quanto ao acórdão emanado do TRF/4ª Região, proferido na Apelação Cível nº 2004.70.00.042373-3, que o apelo extremo contra ele deduzido (RE 637.300/DF) já foi por mim julgado, havendo sido improvido, em momento subseqüente, o recurso de agravo nele interposto.
No que se refere ao acórdão do TRF/4ª Região, que julgou a Apelação Cível nº 2005.70.00.014354-6, cabe registrar que o recurso extraordinário contra ele deduzido sofreu juízo negativo de admissibilidade, o que motivou a interposição de agravo de instrumento, a que também se negou provimento nesta Corte.
Sendo assim, e em face das razões expostas, indefiro o pedido de medida cautelar.
2. A Secretaria deverá proceder à retificação da autuação, para, nesta, apenas manter a referência à República do Paraguai, ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região, ao Superior Tribunal de Justiça, **, ao Estado do Paraná, à Itaipu Binacional e aos respectivos procuradores.
3. Após a retificação ora determinada, requisitem-se informações ao E. Superior Tribunal de Justiça e ao E. Tribunal Regional Federal da 4ª Região (Lei nº 8.038/90, art. 14, I).
Publique-se.
Brasília, 1º de setembro de 2011.
Ministro CELSO DE MELLO
Relator
*decisão publicada no DJe de 8.9.2011
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Por: TJSP - Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
Por: TRF3 - Tribunal Regional Federal da Terceira Região
Por: TJSC - Tribunal de Justiça de Santa Catarina Brasil
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