EMENTA: ADMINISTRATIVO. RETROCESSÃO. AÇÃO REAL. PRESCRIÇÃO 10 ANOS. RESTITUIÇÃO DO VALOR DA INDENIZAÇÃO DEVIDAMENTE CORRIGIDO. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO. I - Dada a natureza real da retrocessão, o prazo prescricional é de 10 (dez) anos a teor do art. 205 do Código Civil. II - A devolução do imóvel ao particular-expropriado opera-se mediante a restituição, ao Poder Público-expropriante, do valor efetivamente desembolsado, ao tempo da expropriação, com a incidência de correção monetária pelos índices oficiais vigentes, e não pelo valor atual do bem.
APELAÇÃO CÍVEL / REEXAME NECESSÁRIO N° 1.0319.96.001935-8/001 - COMARCA DE ITABIRITO - REMETENTE: JD COMARCA ITABIRITO - APELANTE(S): MUNICÍPIO ITABIRITO - APELADO(A)(S): HELIO MARQUES DE ASSIS E OUTRO(A)(S) - RELATOR: EXMO. SR. DES. FERNANDO BOTELHO
ACÓRDÃO
Vistos etc., acorda, em Turma, a 8ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, EM NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO.
Belo Horizonte, 26 de novembro de 2009.
DES. FERNANDO BOTELHO - Relator
NOTAS TAQUIGRÁFICAS
O SR. DES. FERNANDO BOTELHO:
VOTO
RELATÓRIO
Cuida-se de Apelação Cível proposta pelo MUNICÍPIO DE ITABIRITO contra decisão proferida pelo MM. Juiz de Direito da Vara Única da comarca de Itabirito/MG que, nos autos da ação de retrocessão movida por HÉLIO MARQUES DE ASSIS, CARMOSINA REIS DE ASSIS, JOSÉ AMANCIO DE ASSIS, MARIA RODRIGUES DE ASSIS, MARIA LÚCIA MARQUES PEDORSA, PERGENTINO PEDROSA e ZILDA SILVA DE ASSIS, julgou procedente o pedido inicial, condenando a Municipalidade a devolver, aos requerentes, o imóvel expropriado mediante a restituição do valor de CZ$22.000.000,00 (vinte e dois milhões de cruzados), pago a título de indenização, atualizado pelos índices do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (fls. 138/144).
Inconformado, apela o Município às fls. 146/153, pugnando pela devolução do imóvel mediante a restituição do valor atual do bem, nos termos do art. 519 do Código de Processo Civil. Argüi que o magistrado nada manifestou acerca do requerimento de prova pericial, determinando a restituição do bem pelo valor pago, a título de indenização, a época do decreto expropriatório.
Contra-razões apresentadas às fls. 166/169, pelo desprovimento do apelo.
É o relatório. Decido.
VOTO
Presentes os pressupostos de admissibilidade, CONHEÇO do recurso de apelação.
Trata-se de ação de retrocessão, movida por Hélio Marques de Assis, Carmosina Reis de Assis, José Amancio de Assis, Maria Rodrigues de Assis, Maria Lúcia Marques Pedrosa, Pergentino Pedrosa e Zilda Silva de Assis, contra o Município de Itabirito, na qual, ao argumento de que transcorridos mais de 5 (cinco) anos do Decreto Municipal nº. 1.165/85, que declarou de utilidade pública "...área de terreno de propriedade de Francisco Marques de Assis e Outros, situada à Rua da Carioca, zona urbana da cidade, medindo 1.620m2 (mil, seiscentos e vinte metro quadrados), com as seguintes divisas: pela frente com a Rua da Carioca, à direita e ao fundo com herdeiros de José Carlos Mendanha e a esquerda com herdeiros ou sucessores de Pacífico Ferreira Pedrosa" (fls. 07/08), não foi dado ao imóvel destino para o qual desapropriado - "...construção do Estádio Municipal" (fls. 08) -, reclamam, pois, a devolução do bem expropriado mediante pagamento do valor da indenização percebida ao tempo da desapropriação.
O réu, argüindo, preliminarmente, defeito de representação dos requerentes, opõe-se à pretensão formulada, ao fundamento que ausente prova do título de propriedade. Repugna o valor ofertado pelo bem expropriado, admitindo a reaquisição do bem mas por seu valor de mercado.
A sentença recorrida, rejeitando as preliminares, conclui pela procedência do pedido, "...para condenar o requerido, MUNICÍPIO DE ITABIRITO, a devolver o imóvel expropriado aos requerentes, HÉLIO MARQUES DE ASSIS E S/M CARMOSINA REIS DE ASSIS, JOSÉ AMANCIO DE ASSIS E S/M MARIA RODRIGUES DE ASSIS, MARIA LÚCIA MARQUES PEDROSA E S/M PERGENTINO PEDROSA E ZILDA SILVA DE ASSIS, mediante a restituição do valor CZ$22.000.00,00, pago de indenização atualizado pelos índices oficiais do Tribunal de Justiça de Minas Gerais" (fls. 138/144).
Tais, os limites da lide.
I - PREJUDICIAL DE MÉRITO
De se notar que todo e qualquer direito ou ação contra a Fazenda Pública prescreve em 5 (cinco) anos contados da data do ato ou fato do qual se originaram, nos termos do art. 1º do Decreto nº. 20.910/32, verbis:
"Art. 1º As dívidas passivas da União, dos Estados e dos Municípios, bem assim todo e qualquer direito ou ação contra a Fazenda federal, estadual ou municipal, seja qual for a sua natureza, prescrevem em cinco anos, contados da data do ato ou fato do qual se originarem".
Todavia, a considerar a natureza real da retrocessão, aplicável o lapso prescricional de 10 (dez) anos a teor do art. 205 do Código Civil1.
A propósito, a jurisprudência do c. Superior Tribunal de Justiça:
"DIREITO ADMINISTRATIVO - RECURSO ESPECIAL - RETROCESSÃO - DESVIO DE FINALIDADE PÚBLICA DE BEM DESAPROPRIADO - DECRETO EXPROPRIATÓRIO. CRIAÇÃO DE PARQUE ECOLÓGICO. NÃO EFETIVAÇÃO. BENS DESTINADOS AO
ATENDIMENTO DE FINALIDADE PÚBLICA DIVERSA. TREDESTINAÇÃO LÍCITA. INEXISTÊNCIA DE DIREITO À RETROCESSÃO OU À PERDAS E DANOS. 1. A retrocessão é o instituto por meio do qual ao expropriado é lícito pleitear as conseqüências pelo fato de o imóvel não ter sido utilizado para os fins declarados no decreto expropriatório. Nessas hipóteses, a lei permite que a parte, que foi despojada do seu direito de propriedade, possa reivindicá-lo e, diante da impossibilidade de fazê-lo (ad impossibilia nemo tenetur), venha postular em juízo a reparação pelas perdas e danos sofridos. 2. A retrocessão constitui-se direito real do ex-proprietário de reaver o bem expropriado, mas não preposto a finalidade pública (Celso Antônio Bandeira de Mello, Curso de Direito Administrativo, 17ª edição, pg. 784). 3. Precedentes: RESP n.º 623.511/RJ, Primeira Turma, deste relator, DJ de 06.06.2005) RESP nº 570.483/MG, Segunda Turma, Rel. Min. Franciulli Netto, DJ de 30.06.2004). 4. Outrossim, o Supremo Tribunal Federal também assentou a natureza real da retrocessão: "DESAPROPRIAÇÃO - Retrocessão - Prescrição - Direito de natureza real - Aplicação do prazo previsto no art. 177 do CC e não do quinquenal do De. 20.910/32 - Termo inicial - Fluência a partir da data da transferência do imóvel ao domíinio particular, e não da desistência pelo Poder expropriante." (STF, ERE 104.591/RS, Rel. Min. Djaci Falcão, DJU 10/04/87) 5. Consagrado no Código Civil, o direito de vindicar a coisa, ou as conseqüentes perdas e danos, forçoso concluir que a lei civil considera esse direito real, tendo em vista que é um sucedâneo do direito à reivindicação em razão da subtração da propriedade e do desvio de finalidade na ação expropriatória. 6. O Supremo Tribunal Federal concluiu que: "Desapropriação. Retrocessão. Alienação do imóvel. Responsabilidade solidária. Perdas e danos. Código Civil, art. 1150 - Transitado em julgado o reconhecimento da impossibilidade de retrocessão do imóvel por já incorporado ao patrimônio público e cedido a terceiros, razoável é o entendimento, em consonância com doutrina e jurisprudência, do cabimento de perdas e danos ao expropriados - Recursos extraordinários não conhecidos." (STF - RE nº 99.571/ES, Rel. Min. Rafael Mayer, DJU de 02/12/83). 7. É cediço na doutrina que o Poder Público não deve desapropriar imóveis sem lhes destinar qualquer finalidade pública ou interesse social, exigência constitucional para legitimar a desapropriação. Com efeito, "não pode haver expropriação por interesse privado de pessoa física ou organização particular" (Hely Lopes Meirelles, Direito Administrativo Brasileiro, p. 576). 8. O e. STJ através da pena do Exmº Sr. Ministro Humberto Gomes de Barros no julgamento do REsp 412.634/RJ, afirmou que a obrigação de retroceder "homenageia a moralidade administrativa, pois evita que o Administrador - abusando da desapropriação - locuplete-se ilicitamente às custas do proprietário. Não fosse o dever de retroceder, o saudável instituto da desapropriação pode servir de instrumentos a perseguições políticas e, ainda ao enriquecimento particular dos eventuais detentores do Poder" (EDREsp 412.634/RJ, Rel. Min. Francisco Falcão, DJ de 09.06.2003). 9. In casu, o Tribunal a quo com ampla cognição de matéria fático-probatória, cujo reexame é vedado ao E. STJ a teor do disposto na Súmula n.º 07/STJ, assentou que, muito embora não cumprida a destinação prevista no decreto expropriatório - criação de Parque Ecológico -, não houve desvio de finalidade haja vista que o interesse público permaneceu resguardado com cessão da área expropriada para fins de criação de um Centro de Pesquisas Ambientais, um Polo Industrial Metal Mecânico e um Terminal Intermodal de Cargas Rodoviário e Estacionamento. 10. Consectariamente, em não tendo havido o desvio de finalidade, uma vez que, muito embora não efetivada a criação de Parque Ecológico, conforme constante do decreto expropriatório, a área desapropriada for utilizada para o atingimento de outra finalidade pública, não há vício algum que enseje ao particular ação de retrocessão, ou, sequer, o direito a perdas e danos. 11. Precedentes que trataram de matéria idêntica à versada nos presentes autos: RESP n.º 800.108/SP, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ de 20.03.2006; RESP n.º 710.065/SP, Rel. Min. José Delgado, DJ de 06.06.2005; RESP n. 847092/SP, Rel. Min. Denise Arruda, DJ. 18.09.2006. 12. Inexistente o direito à retrocessão uma vez que inocorreu desvio de finalidade do ato, o expropriados não fazem jus, da mesma forma, à percepção de indenização por perdas e danos. 13. Não há falar em retrocessão se ao bem expropriado for dada destinação que atende ao interesse público, ainda que diversa da inicialmente prevista no decreto expropriatório. 14. Recurso especial improvido" (REsp 868.120/SP; Ministro LUIZ FUX; Primeira Turma; julgado em 27/11/2007) (g.n.).
Outrossim, o Supremo Tribunal Federal:
"RETROCESSÃO. APLICA-SE-LHE O PRAZO DE PRESCRIÇÃO DE DEZ ANOS, PREVISTO NO ART. 177 DO CÓDIGO CIVIL E NÃO O QUINQUENAL, ESTABELECIDO PELO DECRETO N. 20910/32. MARCO DA PRESCRIÇÃO E A DATA DA TRANSFERÊNCIA DE CADA LOTE AO DOMÍNIO PARTICULAR E NÃO A DA RESTITUIÇÃO DA ÁREA A MUNICIPALIDADE, POR PARTE DA ENTIDADE PÚBLICA ESTADUAL QUE DESISTIRA DA CONSTRUÇÃO DE ESCOLA TECNICA" (RE 104591/RS; Ministro OCTAVIO GALLOTTI; Primeira Turma; julgado em 18/04/1986)(g.n.).
Tendo em conta as correntes doutrinárias desenvolvidas em torno da natureza jurídica do instituto da retrocessão e a edição do Código Civil de 2002, adverte MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO:
"O instituto tem sido objeto de polêmica, formando-se três correntes, todas elas anteriores ao Código Civil de 2002:
1. a que entende não mais existir, no direito brasileiro, a retrocessão como direito real de reivindicar o imóvel de volta, subsistindo apenas como direito pessoal de pleitear perdas e danos, com base no artigo 1.159 do Código Civil (segundo o qual a União, o Estado ou o Município oferecerá ao ex-proprietário o imóvel desapropriado, pelo preço por que o foi caso não tenha o destino para que se desapropriou). É o pensamento de Hely Lopes Meirelles (1996:535), Clóvis Beviláqua (1958, v. 4:257), Erbert Chamoun (1959:45-46) e também a tesa adotada em inúmeros acórdãos (RDA 32/233, 32/224, 43/214, 36/218, RTJ 108/373, RT 389/350 e 373/88). Baseia-se esse entendimento no fato de que o Decreto-lei nº. 3.365 não mais prevê a retrocessão, como o fazia a legislação anterior (art. 2º, §4º, da Lei nº. 1.021, de 28-8-1903), além de proibir, no artigo 35, a reivindicação de bem expropriado já incorporado à Fazenda Pública e determinar que qualquer ação sobre o imóvel, se julgada procedente, resolver-se-á em perdas e danos; restaria, portanto, o direito de preferência ou preempção, previsto no artigo 1.150 do Código Civil, de eficácia puramente obrigacional e não real, conforme decorre do artigo 1.156 do mesmo Código;
2. a que entende que permanece a retrocessão, como direito real, ou seja, como direito à reivindicação do imóvel expropriado; a essa corrente pertencem, entre outros, Seabra Fagundes (RDA 78/15), José Cretella Júnior (1976:489), Pontes de Miranda (1955, v. 14:174-175), além de copiosa jurisprudência (RTJ 104/468, 80/139, RDP 11/274, RF 186/140, RT 258/49, 439/199, 397/210, 413/217). Essa corrente, com algumas variantes na argumentação, baseia-se no preceito constitucional que assegura o direito de propriedade e que só autoriza a desapropriação, como alienação forçada que é, quando a medida seja adotada em benefício do interesse coletivo; se o bem não foi utilizado para qualquer fim público (necessidade pública, utilidade pública e interesse social), desaparece a justificativa para a alienação forçada, cabendo ao ex-proprietário o direito de reaver o bem pelo mesmo preço pelo qual foi expropriado. A norma do artigo 35 do Decreto-lei nº. 3.365/41 somente é aplicável se a desapropriação atendeu aos requisitos constitucionais.
3. Outro argumento é no sentido de que a norma do artigo 1.156 do Código Civil, que dá ao direito de preferência o caráter obrigacional, não se aplica à hipótese prevista no artigo 1.150 (referente à desapropriação), pois aquela pressupõe um contrato de compra e venda, em que haja cláusula da qual decorre uma obrigação para o comprador em face do vendedor, sendo essa obrigação de eficácia puramente pessoal. No que diz respeito ao artigo 1.150, estaria consagrando um direito de natureza real do expropriado frente ao expropriante (cf. voto do Ministro Moreira Alves na Ação Rescisória nº 1.098, in RTJ 104/468);
3. a terceira corrente vê na retrocessão um direito de natureza mista (pessoal e real), cabendo ao expropriado a ação de preempção ou preferência (de natureza real) ou, se preferir, perdas e danos. É o pensamento do Roberto Barcelos de Magalhães (1968: 276-283), acompanhado por acórdão do STF (RTJ 80/139).
Essa terceira corrente é a que melhor se coaduna com a proteção ao direito de propriedade: em princípio, a retrocessão é um direito real, já que o artigo 1.150 do Código Civil manda que o expropriante ofereça de volta o imóvel; pode ocorrer, no entanto, que a devolução do imóvel tenha se tornado problemática, em decorrência de sua transferência a terceiros, de alterações nele introduzidas, de sua deterioração ou perda, da realização de benfeitorias; nesse caso, pode o ex-proprietário pleitear indenização, que corresponderá ao mesmo preço da desapropriação, devidamente corrigido, com alterações para mais ou para menos, conforme as melhorias ou deteriorações incidentes sobre o imóvel. Com as palavras de Manuel de Oliveira Franco (1973:146), "pela retrocessão, firmada no direito à coisa, o expropriado readquire a propriedade de igual modo, pagando um justo preço. E este justo preço deve ser calculado, para o equilíbrio dos direitos, na base em que se calcula o justo preço nas desapropriações".
(...)
É possível que, com o novo Código Civil, volte a prevalecer a tese da retrocessão como direito pessoal, porque não se mantém a redação do artigo 1.150 do Código Civil de 1916. O artigo 519 do novo Código não mais manda que o poder público ofereça o imóvel ao desapropriado, pos apenas assegura ao expropriado o direito de preferência, pelo preço atual da coisa. De acordo com o art. 519, "se a coisa expropriada para fins de necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, não tiver o destino para que se desapropriou, ou não for utilizada em obras ou serviços públicos, caberá ao expropriado direito de preferência, pelo preço atual da coisa".
Não obstante a redação do novo dispositivo do Código Civil, ainda fico com a corrente que utiliza o argumento supra-referido, de ordem constitucional, pois o Código Civil não tem o condão de infringir a norma da Constituição que só permite a desapropriação por motivo de necessidade pública, utilidade pública ou interesse social. Demonstrado que o imóvel não foi utilizado nessa conformidade, o direito de propriedade do expropriado se restabelece em sua totalidade, com o direito à reivindicação do imóvel" (in Direito Administrativo. 15. ed. Atlas: São Paulo, 2003. p. 179/181) (g.n.).
Com efeito, dado o assento constitucional do direito de propriedade (art. 5º, XXIV, CR/882), que só deve ceder à demissão compulsória para a realização de uma finalidade pública, outra não pode ser a conclusão senão a de que a retrocessão consiste no direito real de reaver o próprio bem, e, não, mera prerrogativa pessoal-obrigacional, ressarcível economicamente.
Dessa forma, e a considerar que, pelo novo Código Civil (art. 205), não mais se distinguem as ações reais e pessoais para fins de fixação do lapso prescricional, a jurisprudência deve ser adaptada, para se entender que a prescrição, na retrocessão, se dá no prazo de 10(dez) anos.
Abstenho-se, pois, de proclamá-la ex officio (art. 219, §5º, CPC3).
Dito isto, passo ao exame do mérito propriamente dito.
II - MÉRITO
É certo que o direito de retrocessão tem como suporte fático a não utilização do bem para os fins declarados no decreto expropriatório, ou, para outros fins, desde que de interesse público.
Nesse sentido, estabelece o atual art. 519 do NCC:
"Art. 519 - Se a coisa expropriada para fins de necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, não tiver o destino para que se desapropriou, ou não for utilizada em obras ou serviços públicos, caberá ao expropriado direito de preferência, pelo preço atual da coisa".
O anterior art. 1.150 do Código Civil de 1916:
"Art. 1.150. A União, o Estado, ou o Município, oferecerá ao ex-proprietário o imóvel desapropriado, pelo preço que o foi, caso não tenha o destino, para que se desapropriou".
O art. 35 do Decreto-lei nº. 3.365/41:
"Art. 35. Os bens expropriados, uma vez incorporados à Fazenda Pública, não podem ser objeto de reivindicação, ainda que fundada em nulidade do processo de desapropriação. Qualquer ação, julgada procedente, resolver-se-á em perdas e danos".
Sobre o thema, leciona HÉLIO MORAIS DE SIQUEIRA:
"A nossa posição, ante o problema da existência da retrocessão no direito brasileiro, decorre logicamente dos pressupostos jurídicos que estabelecemos. A matéria é, evidentemente, de direito público constitucional e administrativo. A lei civil cogita do tema, não só porque a propriedade nas suas relações privadas se vincula ao Código Civil, como também, ao que parece, pela precipitação do legislador que decidiu disciplinar a espécie ao tratar da preempção ou preferência. Aliás, como já vimos, a inadvertência do elaborador do Código Civil adquiriu contorno mais acentuado, por subordinar o preceito a capítulo absolutamente inadequado. Por isso é que não temos dúvidas em afirmar que as disposições relativas à preempção convencional, estabelecidas no Código Civil, não se aplicam à retrocessão. Esta recebeu do legislador civil tão só a prescrição contida no art. 1150.
Entretanto - continua - não é na lei civil que se encontra fundamento da retrocessão. Aliás, poder-se-ia, quando muito, vislumbrar o lineamento do instituto. É na Constituição federal que a retrocessão deita raízes e recebe essência jurídica que a sustém. Mesmo ausente o preceito do Código Civil, a figura da retrocessão teria existência no direito brasileiro, pois é conseqüência jurídica do mandamento constitucional garantidor da inviolabilidade da propriedade, ressalvada a desapropriação por utilidade e necessidade pública e de interesse social, mediante prévia e justa indenização em dinheiro.
Consta do voto proferido pelo Ministro Antônio Neder, no RE 81151, que é da doutrina juridicamente certa, porque, se a Constituição garante como regra o direito de propriedade e ressalva tão somente a desapropriação por necessidade ou utilidade pública ou interesse social (art. 153, § 22), inerente a essa norma é o direito de o ex - proprietário do bem desapropriado readquirir - lhe o domínio no caso em que o desapropriante não lhe dê o destino que motivou o desapropriamento; sim, porque a desapropriação é ato materialmente administrativo cuja finalidade se acha determinada na Constituição (disp. Cit.); e disto promove a certeza de que, desviado aquele fim, passa o desvio a criar para o ex-proprietário o direito de readquirir o domínio do bem desapropriado, restaurando, por esse meio, a situação em que se achava antes da desapropriação" (in A retrocessão nas desapropriações. Revista Trimestral de Jurisprudência, V.80, p. 139).
Incontroverso o direito dos autores de reaverem o imóvel que lhes fora despojado, por desvio de finalidade - eis que o fato não merece qualquer debate das partes nos autos, onde a controvérsia se estabelece apenas quanto ao valor a ser liquidado pela restituição do bem aos expropriados -, passa-se ao exame da matéria atinente à indenização, uma vez que o Município-apelante não se conforma que a mesma ocorra mediante pura devolução do valor pago, a título de indenização ao tempo da desapropriação, monetariamente corrigido.
Para tanto, argüi que o juízo primevo nada manifestou acerca do pedido de produção de prova pericial, formulado às fls. 42, "...visando a avaliação do imóvel, objeto da ação, para que se apure o valor a ser restituído aos cofres públicos visando a justa indenização", pugnando pela restituição aos cofres públicos do valor atual do bem.
A despeito da dicção legal, de que "...caberá ao expropriado direito de preferência, pelo preço atual da coisa"(art. 519/NCC), tenho que a devolução do imóvel opera-se pela restituição do valor efetivamente desembolsado, ao tempo da expropriação, com a incidência de correção monetária pelos índices oficiais vigentes.
Ultimada a expropriação, não vindo o Poder Público concretizar a destinação do bem na forma como havia manifestado - in casu, expressamente como se vê do art. 2º do decreto expropriatório ("...a área de terreno mencionada no artigo anterior é necessária à construção do Estádio Municipal") -, o valor a ser pago pelo ex-proprietário, para reaver o imóvel, deverá corresponder ao exato montante recebido, a título de indenização, na desapropriação, devidamente atualizado pelos índices oficiais de correção.
Entender o contrário, é dizer, que a devolução do imóvel se faça pelo valor atual do próprio bem, equivaleria supor o antônimo do princípio restitutio in integrum, pois que, causado o desatendimento de finalidade pública declarada, e, com isso, inviabilizando a própria patrimonialização definitiva do bem, o Poder Público-infrator perceberia, inobstante, porção relacionada, paradoxalmente, com a propriedade não havida, o que conspurcaria, por via transversa, o próprio direito privado à mesma (art. 5º, XXII, CR/88.
Beneficiar-se-ia, duplamente, o infrator, que, além de causar a alienação do bem a seus ex-proprietários, percebendo, pela infração, preço de mercado, em nítida prática especulativa, enriquecendo os cofres públicos às custas do administrado, despojado em sua propriedade por longos anos, serveria ao estímulo, ainda, para exercício temerário da desapropriação, sem que a administração pública se comprometesse com a finalidade pública a justificar tamanha intervenção na propriedade particular.
Não foi outra, aliás, a ponderação do e. Desembargador ANTÔNIO DE PÁDUA, por ocasião do julgamento da Apelação Cível nº. 2.0000.00.469149-4/000(1):
"DESAPROPRIAÇÃO - RETROCESSÃO - INDENIZAÇÃO - ATUALIZAÇÃO MONETÁRIA DO VALOR RECEBIDO - CRITÉRIO JUSTO - SENTENÇA CONFIRMADA. O direito da retrocessão é de índole constitucional. Se a CF no seu art. 153, § 22, assegura o "direito de desapropiação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social", corolário lógico desse direito é que, inocorrentes os motivos constitucionais da desapropiação, há de prevalecer o direito de propriedade. O retorno do bem expropriado ao patrimônio de seu ex-dono, por força de decisão proferida em pleito judicial adequado, importa a obrigação deste em restituir ao expropriante o valor recebido, monetariamente atualizado pelos índices oficiais, para evitar-se enriquecimento sem causa para ambas as partes, não sendo o caso de devolução pelo preço atual do bem, por não se cuidar de recompra, mas de restituição pela sua não utilização.
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Atender à pretensão da ré/apelante, de que a devolução se dê pelo valor atual do imóvel, sendo ela quem deu causa ao aforamento da ação em foco, corresponderia a premiar o infrator, o que a lei não tolera, pois, em tal caso, estaria a mesma alienando o bem a seus ex-proprietários, a preço de mercado, que, em contrapartida, representaria um castigo severo para os mesmos, que perderam seu imóvel, por força de lei, ficando privados por longos anos de sua posse e; ao recobrá-la, teriam de comprá-la a preço de mercado, o que certamente não se afigura justo, nem, por óbvio, valeria a pena para os mesmos" (julgado em 15/10/2004) (g.n.).
Outrossim, a jurisprudência do STJ:
"DIREITO ADMINISTRATIVO - RECURSO ESPECIAL - RETROCESSÃO - DESVIO DE FINALIDADE PÚBLICA DE BEM DESAPROPRIADO - CONDENAÇÃO DO MUNICÍPIO À DEVOLUÇÃO DO BEM MEDIANTE O RESSARCIMENTO DA INDENIZAÇÃO RECEBIDA PELA EXPROPRIADA.
1 - Acórdão fundado na exegese do art. 35 do Decreto 3365 revela inequívoca natureza infraconstitucional, mercê da análise da influência do Código Civil no desate da lide.
2. A retrocessão é um instituto através do qual ao expropriado é lícito pleitear as conseqüências pelo fato de o imóvel não ter sido utilizado para os fins declarados na desapropriação. Nessas hipóteses, a lei permite que a parte, que foi despojada do seu direito de propriedade, possa reivindicá-lo e, diante da impossibilidade de fazê-lo (ad impossibilia nemo tenetur), subjaz-lhe a ação de perdas e danos.
3 - A retrocessão é um direito real do ex-proprietário de reaver o bem expropriado, mas não preposto a finalidade pública (Celso Antônio Bandeira de Mello, Curso de Direito Administrativo, 17ª edição, pg. 784).
4 - A jurisprudência desta Corte considera a retrocessão uma ação de natureza real (STJ: REsp nº 570.483/MG, Segunda Turma, Rel. Min. Franciulli Netto, DJU de 30/06/2004).
(...)
9 - Reconhecendo o v. acórdão recorrido que houve desvio de finalidade na desapropriação, porquanto não foi dada ao imóvel a destinação motivadora do decreto expropriatório, determinou que o imóvel retornasse ao domínio das apelantes, ora recorridas, que em contrapartida devem restituir o valor da indenização recebida, devidamente corrigido e com a incidência de juros moratórios, retroativos à data do seu recebimento.
(...)
14 - É cediço na doutrina que o Poder Público não deve desapropriar imóveis sem lhes destinar qualquer finalidade pública ou interesse social, exigência constitucional para legitimar a desapropriação. Com efeito, "não pode haver expropriação por interesse privado de pessoa física ou organização particular" (Hely Lopes Meirelles, Direito Administrativo Brasileiro, p. 576).
15 - O e. STJ através da pena do Exmº Sr. Ministro Humberto Gomes de Barros no julgamento do REsp 412.634/RJ, afirmou que a obrigação de retroceder "homenageia a moralidade administrativa, pois evita que o Administrador - abusando da desapropriação - locuplete-se ilicitamente às custas do proprietário. Não fosse o dever de retroceder, o saudável instituto da desapropriação pode servir de instrumentos a perseguições políticas e, ainda ao enriquecimento particular dos eventuais detentores do Poder" (EDREsp 412.634/RJ, Rel. Min. Francisco Falcão, DJ de 09.06.2003).
16 - Recurso especial a que se nega provimento" (REsp 623511/RJ; Ministro LUIZ FUX; Primeira Turma; julgado em 19/05/2005) (g.n.).
E ainda, a jurisprudência dos tribunais pátrios:
"PROCESSO CIVIL. VALOR DA CAUSA. 1. Ação ordinária em que o recorrente postula a retrocessão de bem imóvel desapropriado pela agravada, alternativamente o cumprimento de cláusula inscrita no termo de compromisso e, ainda alternativamente, a resolução em perdas e danos. 2. A retrocessão, segundo conceito doutrinário, é a "obrigação que se impõe ao expropriante de oferecer bem ao expropriado, mediante a devolução do valor da indenização, quando não lhe der o destino declarado no ato expropnatóno " (Hely Lopes Meirelles m Direito Administrativo Brasileiro, 25a ed., p.572). Logo, considerando que o agravante busca a devolução do bem mediante a devolução do pagamento da indenização, o valor atribuído à causa deve corresponder àquele que envolveu o respectivo imóvel. Recurso desprovido" (Agravo de Instrumento 8043705800; Des. NOGUEIRA DIEFENTHALER; julgado em 11/08/2008) (g.n.).
"APELAÇÃO CÍVEL. ADMINISTRATIVO. DESAPROPRIAÇÃO. RETROCESSÃO. PRECO JUSTO A SER DEVOLVIDO AO EXPROPRIANTE EM FUNCAO DA PROCEDÊNCIA DA ACAO DE RETROCESSAO E O VALOR INDENIZADO, CORRIGIDO MONETARIAMENTE. NAO HA QUE SE FALAR EM ENRIQUECIMENTO ILICITO DO EX-PROPRIETÁRIO EM FUNCAO DO ELEVADO VALOR DE MERCADO DO BEM EM RELAÇÃO A INDENIZACAO PELA DESAPROPRIAÇÃO. INEXISTÊNCIA DE NOVO NEGÓCIO JURÍDICO. PREEMPCAO LEGAL, APLICACAO DO DISPOSTO NO ARTIGO 1150 DO CCV. MODIFICACAO NO INDICE DE ATUALIZACAO MONETARIA. APELO PARCIALMENTE PROVIDO" (TJRS; Apelação Cível 598353019; Des. VASCO DELLA GIUSTINA; julgado em 10/02/1999)(g.n.).
"PROCESSO CIVIL E ADMINISTRATIVO. RETROCESSÃO. IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. CERCEAMENTO DE DEFESA. INOCORRÊNCIA. PRESSUPOSTO DO DIREITO. VALOR A SER PAGO PELO EX-PROPRIETÁRIO. PROVIMENTO DO RECURSO VOLUNTÁRIO. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA, QUANTO AO MAIS, NO DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO. Porque previsto no ordenamento jurídico, o pedido de retrocessão de imóvel desapropriado, não utilizado pelo expropriante para os fins anunciados, não há que se falar em impossibilidade jurídica do pedido, que não é obstado, de resto, pelo disposto no art. 35 do Decreto-lei nº 3.365/41 e no art. 1231 do Código Civil, resolvendo-se a questão em favor do direito de propriedade, garantido constitucionalmente. Sendo desinfluente para o julgamento da causa o esclarecimento demandado, pelo Réu, ao perito, não há que se falar em cerceamento de defesa. Evidenciado que o Estado não deu a parte do imóvel desapropriado a utilização anunciada no ato de desapropriação, cabe a retrocessão do bem, mediante pagamento do valor pago para a desapropriação, corrigido monetariamente, e não o valor de mercado atual do imóvel, a despeito de superior àquele, pois, se não tivesse ocorrida a desapropriação, o proprietário seria naturalmente beneficiado pela valorização. Tal solução evita, ademais, a utilização do instituto da desapropriação, pelo Estado, com fins especulativos" (TJMG; Apelação Cível 1.0000.00.145201-0/000(1); Des. JOSÉ FERNANDES FILHO; julgado em 26/10/1999) (g.n.).
CONCLUSÃO
Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO ao recurso de apelação confirmando na íntegra a sentença recorrida.
Isento de custas, por prerrogativa do apelante nos termos da Lei nº. 14.939/03.
É como voto.
O SR. DES. EDGARD PENNA AMORIM:
VOTO
Acompanho o em. Relator para manter integralmente a sentença, mas a fundamento diverso.
É que embora adira à conclusão do voto que me antecedeu, no sentido de que a devolução da indenização, em hipótese de retrocessão, deva corresponder ao valor desembolsado pelo ente expropriante, ao tempo da desapropriação, com a incidência de correção monetária pelos índices oficiais, entendo que aquela determinação decorre exatamente da interpretação razoável da parte final do art. 519 do Código Civil de 2002, "in verbis":
"Art. 519. Se a coisa expropriada para fins de necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, não tiver o destino para que se desapropriou, ou não for utilizada em obras ou serviços públicos, caberá ao expropriado direito de preferência, pelo preço atual da coisa." (Grifos deste voto.)
De fato, o preço atual da coisa para os fins da retrocessão é o valor desembolsado pelo ente expropriante, devidamente atualizado.
Pelo exposto, acompanho o em. Relator para negar provimento ao recurso.
O SR. DES. BITENCOURT MARCONDES:
VOTO
De acordo.
SÚMULA : NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO.
1 "Art. 205. A prescrição ocorre em dez anos, quando a lei não lhe haja fixado prazo menor".
2 "Art. 5º. (...)
XXII - é garantido o direito de propriedade;
XXIII - a propriedade atenderá a sua função social;
XXIV - a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos nesta Constituição;" (g.n.).
3 "Art. 219. A citação válida torna prevento o juízo, induz litispendência e faz litigiosa a coisa; e, ainda quando ordenada por juiz incompetente, constitui em mora o devedor e interrompe a prescrição.
(...)
§ 5o O juiz pronunciará, de ofício, a prescrição".
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS
APELAÇÃO CÍVEL / REEXAME NECESSÁRIO Nº 1.0319.96.001935-8/001
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Por: TJSP - Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
Por: TRF3 - Tribunal Regional Federal da Terceira Região
Por: TJSC - Tribunal de Justiça de Santa Catarina Brasil
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