RESUMO: O presente trabalho visa analisar de que forma o estudo do conflito federativo na tributação de softwares pode contribuir para os debates em torno da reforma tributária no Brasil. Com esse objetivo, faz-se, de início, uma explanação acerca dos conflitos entre os entes federados em matéria fiscal e das razões pelas quais o sistema tributário nacional merece ser reformado. Em seguida, passa-se a uma análise do histórico jurisprudencial acerca da tributação de softwares, ao qual o Supremo Tribunal Federal acrescentou um novo capítulo no ano de 2021, definindo a competência dos Municípios para tributar tais operações. Apontam-se, então, algumas lições que podem ser extraídas após décadas de controvérsias sobre a matéria, correlacionando-as com sugestões de reforma no sistema tributário suscitadas no plano nacional e internacional e com as propostas legislativas atualmente em trâmite no Congresso Nacional.
SUMÁRIO: Introdução. CAPÍTULO I: O FEDERALISMO FISCAL BRASILEIRO E A NECESSIDADE DE REFORMA DO SISTEMA TRIBUTÁRIO. 1.1. O desenvolvimento do federalismo fiscal brasileiro e do sistema tributário nacional. 1.2. A necessidade de uma reforma no sistema tributário nacional. 1.3. O conflito federativo tributário entre Estados e Municípios. CAPÍTULO II: OS DESAFIOS DA TRIBUTAÇÃO DE SOFTWARE. 2.1. Noções introdutórias. 2.2. Histórico da tributação de software no Brasil. 2.3. O julgamento das ADIs nos 1.945 e 5.659 pelo Supremo Tribunal Federal. CAPÍTULO III: APONTAMENTOS PARA UMA FUTURA REFORMA DO SISTEMA TRIBUTÁRIO. 3.1. Algumas lições que podem ser extraídas dos problemas identificados. 3.2. As soluções propostas em âmbito nacional e internacional. 3.3. As propostas de reforma tributária atualmente em trâmite no Congresso. CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.
INTRODUÇÃO
Nos últimos anos, a ascensão da economia digital vem tornando evidente a ineficiência dos meios de tributação tradicionais, moldados para atender a uma economia predominantemente industrial de outrora. No sistema tributário brasileiro, marcado pela complexidade e descentralização entre os entes federados, a discussão acerca da tributação digital envolve acirrados conflitos de competência, sendo o Poder Judiciário recorrentemente instado a se manifestar sobre muitos temas ainda não plenamente legislados.
Tendo como ponto de partida o conflito federativo entre Estados e Municípios envolvendo a tributação de software, o presente trabalho visa analisar os ensinamentos que tal problemática pode trazer às discussões de reforma tributária no país. A par da necessidade de simplificação do sistema tributário nacional, de forma que se torne menos regressivo e mais justo, é indispensável que se discutam formas de tributação adequadas à atual realidade econômica, pautada cada vez mais em bens e serviços intangíveis e em transações financeiras com moedas digitais ocorridas à margem do sistema financeiro tradicional.
Busca-se, portanto, apontar as lições que podem ser extraídas do conflito federativo na tributação de software, de modo que se pense em uma reforma tributária capaz de mitigar as disputas entre os entes e, assim, garantir mais segurança jurídica, coesão e racionalidade à tributação de novas tecnologias.
No primeiro capítulo, se estudará, de forma sucinta, traços do federalismo cooperativo brasileiro, bem como os elementos que levam os entes federados a se digladiar pela definição dos contornos de suas respectivas competências tributárias. Se buscará elencar, ainda, as principais críticas ao atual modelo de tributação nacional.
No capítulo dois, por sua vez, o foco se volta à tributação de software, traçando-se um histórico da guerra fiscal envolvendo Estados e Municípios sobre a matéria. Serão analisados, assim, os julgamentos realizados pelo Supremo Tribunal Federal, de modo que se compreenda a evolução do entendimento da Corte acerca do tema ao longo dos anos.
Por fim, no terceiro capítulo, o presente trabalho buscará desenvolver as lições que se podem extrair da guerra fiscal envolvendo a tributação de software, sobretudo em um cenário de ascensão da economia digital, em que as fronteiras entre mercadorias e serviços tendem a ser cada vez mais nebulosas. Assim, elencam-se algumas soluções pensadas em âmbito internacional e nacional para tal problemática e se realiza, ao final, uma breve análise dos projetos de reforma tributária atualmente em trâmite no Congresso Nacional.
CAPÍTULO I:O FEDERALISMO FISCAL BRASILEIRO E A NECESSIDADE DE REFORMA DO SISTEMA TRIBUTÁRIO
O sistema tributário nacional encontra-se disciplinado no Título VI, Capítulo I, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/88), o qual estabelece as competências tributárias da União, Estados e Municípios e prevê normas de repartição de receitas entre os entes federados. Trata-se de uma expressão do federalismo por cooperação, figurando o direito tributário entre as matérias sujeitas à competência legislativa concorrente, sobre a qual todos os entes estão autorizados a legislar, segundo o art. 24, I, e 30, II, CRFB/88, respeitados os limites de suas respectivas competências.
O modelo de repartição de competência tributária pensada pelo constituinte, no entanto, mostrou-se incapaz de garantir equilíbrio e cooperação entre os entes federados. A parcial sobreposição de competências enseja, ao revés, inúmeros conflitos federativos, tanto no plano horizontal, entre entes de mesma espécie, quanto no plano vertical, entre entes de esferas distintas. Soma-se a isso o fato de as bases do sistema tributário brasileiro, pensado para atender a uma economia predominantemente industrial vigente à década de 1960, se tornarem cada dia mais inadequadas e obsoletas frente à ascensão da economia digital. Por esses e outros motivos, que serão estudados adiante, mostra-se premente a discussão acerca da reforma tributária.
Embora seja possível encontrar exemplos deletérios desse conflito federativo em distintas áreas do direito tributário, o presente trabalho, como mencionado, focará no conflito entre Estados e Municípios acerca tributação de softwares. Antes que se analisem os contornos dessa acirrada guerra fiscal envolvendo ICMS e ISS, contudo, é relevante que se relembre, ainda que brevemente, o caminho constitucional percorrido pelo federalismo fiscal brasileiro.
1.1 O desenvolvimento do federalismo fiscal brasileiro e do sistema tributário nacional
A história da adoção da forma federativa de Estado no Brasil remonta à sua Constituição de 1891. Proclamada a República, o texto elaborado por Rui Barbosa inspirou-se fortemente na Constituição norte-americana, da qual importou não apenas o presidencialismo e o controle jurisdicional de constitucionalidade, mas também o federalismo dual, que se caracteriza por uma nítida separação entre as esferas federal e estadual, com reduzido espaço para cooperação entre elas [1].
A Federação era concebida como união perpétua e indissolúvel das suas antigas Províncias, as quais passariam a constituir Estados dotados de autonomia política e financeira para prover as suas necessidades com os recursos que arrecadavam[2]. Diferentemente do modelo de federação adotado pelos Estados Unidos, que manteve grande parte das atribuições constitucionais a cargo dos Estados, o processo de formação da federação brasileira se deu de forma centrífuga[3], mantendo concentrado boa parte dos poderes e atribuições junto ao ente central.
A Constituição de 1934 fora a primeira a consagrar um modelo cooperativo de federação. Embora mantidas as competências tributárias privativas para a União e Estados, inovou a Carta ao atribuir competência tributária aos Municípios[4].
Entre os marcos constitucionais relevantes a este estudo, contudo, destaca-se a Emenda Constitucional no 18/1965, que reformulou a ordem tributária prevista na Constituição de 1946. O nosso sistema tributário nacional atual remonta, em boa medida, as alterações veiculadas nessa emenda, à qual se seguiu a edição da Lei no 5.172/66, o Código Tributário Nacional (CTN), ato normativo ainda hoje vigente.
Nesse momento, a divisão de competências tributárias entre os entes federativos foi reorganizada, assumindo moldes semelhantes ao atual, sendo os impostos divididos em quatro grandes grupos: impostos sobre comércio exterior, impostos sobre o patrimônio e a renda, impostos sobre a produção e a circulação e impostos residuais[5].
Aos Estados coube o imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias (ICM), com algumas especificidades relevantes[6], e aos Municípios, o imposto sobre serviços de qualquer natureza, materialidade não compreendida na competência da União e Estados. Caberia à lei complementar, ademais, estabelecer os critérios de distinção em relação ao ICM. Em síntese, nas palavras de Maurine Morgan Pimentel Feitosa:
“[....] Conclui-se que o papel desempenhado pelo constituinte reformador de 1965 foi essencial para a consolidação do sistema tributário brasileiro, em virtude da delimitação das competências tributárias entre os entes federativos, da consolidação de princípios e imunidades, além da fixação precisa de critérios para a transferência de receitas tributárias. Estavam lançadas as bases sobre as quais o Direito Tributário brasileiro vem se estruturando nas últimas décadas” [7].
A Constituição de 1967 apresentou algumas especificidades em relação ao modelo estabelecido pelo constituinte reformador dois anos antes, sobressaltando a relevância do papel conferido à lei complementar, à qual caberia a previsão de normas gerais de direito tributário, a resolução de conflitos de competência, bem como a regulação das limitações constitucionais ao poder de tributar[8].
Tal modelo fora mantido e aprimorado pela Constituição de 1988, que, como nos ensina Claudio Pereira de Souza Neto e Daniel Sarmento, embora não tenha rompido com a tradição centrífuga brasileira, de extrema concentração das competências normativas no plano federal, ampliou a autonomia dos Municípios e promoveu a descentralização administrativa e financeira. Assim, repartiu de forma mais equânime as competências e as receitas tributárias entre os entes, conferindo aos Estados e Municípios condições para o exercício das suas competências materiais, buscando “atenuar a dependência econômica em relação ao Poder Central que caracterizava o regime constitucional anterior” [9].
Apesar dos avanços, a Constituição de 1988 aprofundou algumas incongruências na repartição de competências já existentes e potencializou os conflitos entre os entes federativos. Como bem sintetiza Maurine Morgan Pimentel Feitosa, o ponto mais sensível é a tripartição da competência tributária em matéria de impostos sobre consumo:
“Conforme exposto no item anterior, desde a Constituição de 1934, inseriu-se na esfera estadual o recém-criado imposto sobre vendas e consignações (IVC) e, na esfera federal, o imposto sobre consumo. Ou seja, neste primeiro momento, a divisão de competências era bipartida. Posteriormente, com a EC nº 18/1965, traçou-se o quadro que foi mantido pelas Constituições subsequentes, inclusive a de 1988. Nesse cenário, conferiu-se à União a competência para instituir o imposto sobre produtos industrializados (IPI), aos Estados, a competência para o imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias (ICM) e, aos Municípios, a competência para o imposto sobre serviços de qualquer natureza (ISS). Estavam lançadas as bases de uma das questões mais tormentosas das últimas décadas no Direito Tributário: com base em que critérios é possível identificar o âmbito de incidência de cada imposto? A Constituição de 1988 não conferiu uma resposta precisa à questão. Em boa medida, transferiu à lei complementar a atribuição para delimitar competências. De outro lado, a nova Carta Constitucional inseriu um incremento à controvérsia. Passou-se do imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias (ICM) para o imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior (ICMS). Ou seja, incluíram-se no âmbito de incidência do agora ICMS determinadas prestações de serviços, intensificando possíveis zonas de interseção com o ISS. Ressalte-se que, a despeito do conflito potencial com o ISS, as competências que foram conferidas aos Estados pela Constituição de 1988, através da criação do ICMS, eram conferidas pelo constituinte de1969 à União Federal, por meio dos impostos únicos sobre os serviços de comunicações (art. 21, VII) – que será objeto de capítulos próprios nesta obra – serviços de transportes, salvo os intramunicipais (art. 21,X), e sobre os combustíveis, lubrificantes, energia elétrica (art. 21, VIII) e minerais (art. 21, IX)” [10].
A potencialização dos conflitos pela Constituição de 1988 aumentou o debate sobre a possibilidade de uma reforma do sistema tributário nacional, como se verá a seguir.
1.2.A necessidade de uma reforma no sistema tributário nacional
O sistema tributário nacional é composto por uma legislação ampla, que colaciona desde dispositivos presentes na Constituição Federal de 1988 até normas infraconstitucionais editadas pelos três entes federativos. Entre os diplomas normativos tributários, destaca-se o Código Tributário Nacional (CTN), que, recepcionado como lei complementar já pela Constituição de 1967, manteve seu status perante a ordem constitucional de 1988, sendo o responsável pela instituição das normas gerais de direito tributário no Brasil, conforme exigido pelo art. 146, III, “a”, da CRFB/88.
As críticas ao sistema tributário nacional, cuja essência, como se viu, remonta ao ano de 1965, envolvem não apenas a sobreposição de competências legislativas tributárias, mas também a elevada carga tributária, a complexidade do sistema, além da pouca atenção conferida à justiça fiscal e à regressividade da tributação.
Bernard Appy, mentor de uma das propostas de reforma tributária atualmente em curso no Congresso Nacional (PEC 45/2019), afirma que o atual Sistema Tributário Nacional gera graves distorções distributivas e um alto custo de conformidade, além de contribuir para um altíssimo nível de contencioso judicial e administrativo[11].
Do mesmo modo, José Hable aponta que, apesar da evolução e modernização da legislação tributária, é necessária uma reforma tributária que valorize a garantia dos sobreprincípios da segurança jurídica e da justiça fiscal. Para o autor, o problema do Brasil não é, essencialmente, a alta carga tributária, mas sim a forma de sua arrecadação e a sua destinação[12].
No Brasil, apesar do cenário de extrema desigualdade social, a maior parcela da arrecadação nacional ainda é indireta, incidente sobre o consumo, circunstância que agrava a má distribuição de renda e enseja as críticas acima mencionadas[13]. O erro do sistema brasileiro, segundo essa visão, seria justamente o foco dado aos tributos indiretos e cumulativos, que oneram os investimentos e os trabalhadores, bem como à tributação de bens e serviços, em detrimento da renda e do patrimônio.
O pêndulo da arrecadação, assim, deveria pender para os tributos diretos, que evitam que seus efeitos econômicos sejam passados adiante na cadeia, bem como para a tributação incidente sobre a renda e patrimônio, a qual, por melhor atender ao princípio da capacidade contributiva, tende a se mostrar mais justa que aquela sobre bens e serviços.
A superação da regressividade do sistema, que, proporcionalmente, impõe maiores ônus ao indivíduo que possui menor renda e gasta a maior parte de seus vencimentos em bens e serviços, do que sobre aquele que possui mais condições financeiras e pode poupar e investir tais valores, seria, nesse viés, crucial para a redução das desigualdades sociais brasileiras.
Por outro lado, a própria tributação sobre o consumo encontra espaços para aperfeiçoamento. A discussão no Brasil envolve a peculiar circunstância de esta se atrelar a quatro tributos (ICMS, ISS, IPI e PIS/COFINS), cuja competência tributária foi dividida entre União, Estados e Municípios. Nesse contexto, parte da doutrina explora a necessidade de uma reforma do sistema tributário brasileiro por meio da instituição do imposto de valor agregado (IVA), amplamente adotado no exterior.
O IVA consiste em um tributo único cobrado em todas as etapas de produção, com direito a creditamento na fase posterior, independentemente da forma como a cadeia é organizada. A simplificação da legislação e instituição de um tributo único são, inclusive, pontos relevantes das propostas de reforma tributária atualmente em trâmite no Congresso, as quais serão analisadas no terceiro capítulo. Destaca-se, contudo, que o IVA não necessariamente é um instrumento promotor de equidade, embora se mostre mais eficiente, por prestigiar a neutralidade e causar menos distorções na economia.
Como se vê, o sistema tributário nacional possui deficiências e problemas intrínsecos, que desafiam a sua adequação à realidade de extrema desigualdade social brasileira e dificultam a sua desejável simplificação. De um lado, o foco excessivo na tributação de consumo, em detrimento da tributação da renda e patrimônio, torna-o excessivamente regressivo. De outro, a distribuição de competência tributária entre os três níveis federativos favorece a guerra fiscal e contribui substancialmente para a complexidade do sistema, que se tornou um enredado de atos normativos. O imenso acervo legislativo, ademais, gera um altíssimo custo de conformidade, contribuindo para uma alta carga de litigiosidade administrativa e judicial.
Nesse sentido, mostram-se pertinentes as lições de Ricardo Lobo Torres, que defende a adoção de um sistema tributário racional, com a eliminação de múltiplas incidências sobre os mesmos fatos econômicos e com o ajustamento entre as competências dos entes da federação. Segundo o doutrinador, um sistema racional seria capaz de contribuir, por sua neutralidade, para a liberação das forças produtivas de economia, levando à indução do desenvolvimento. Prossegue, em crítica ao modelo atual:
“A grande reforma tributária levada a efeito pela EC 18/65 conseguiu introduzir certa racionalidade no sistema brasileiro. Mas claudicou em alguns de seus aspectos, principalmente os relacionados com o desenvolvimento. O economista Gerson Augusto da Silva, membro da Comissão de Reforma, esforçou-se no sentido de vincular o sistema tributário ao objetivo do desenvolvimento econômico. Alguns juristas também defenderam idêntico ponto de vista. Certas ideias equivocadas foram lançadas então: a de que o imposto “causa mortis” não deveria incidir por alíquotas elevadas, a fim de evitar o fraccionamento da propriedade familiar, motor do desenvolvimento; a de que a tributação sobre os ganhos de capital deveria ser mitigada, para que sobrassem recursos para os investimentos; a de que o imposto de importação deveria ser empregado para inibir a entrada de mercadoria e propiciar a industrialização do país. A centralização de recursos federais e da competência normativa da União também se fez em nome do desenvolvimento.
A CF 88 não chegou a modificar em sua essência essas diretrizes, salvo na questão da partilha tributária, que, entretanto, voltou à centralização no Governo Fernando Henrique. De modo que hoje um dos grandes problemas brasileiros é o da necessidade da reforma tributária, que possa realmente introduzir a racionalidade política e econômica no sistema, compatibilizá-lo com o sistema internacional, a fim de retirar os empecilhos que entravam o desenvolvimento da economia. Desde 1990 estamos discutindo, infrutiferamente, sobre as propostas de reforma fiscal, eis que foram pífias as reformas parciais introduzidas por algumas emendas constitucionais (EC 33/01, EC 37/01 e EC42/03)” [14].
Na última década, a crise econômica vivida pelo Brasil, recentemente agravada pela pandemia da Covid-19, tornou o meio político e a sociedade mais atentos à urgência de realização de uma reforma tributária, justificando-se, portanto, a análise que se fará no terceiro capítulo acerca das propostas de reforma atualmente em curso no Congresso.
1.3 O conflito federativo tributário entre Estados e Municípios
Entre as críticas à atual legislação, destacou-se a complexidade do sistema e a sobreposição das atribuições tributárias conferidas aos entes federados pela própria Constituição. A delimitação das competências tributárias consiste em problemática da qual a doutrina nacional se ocupa há décadas, sendo certo que, ao longo dos anos, com o desenvolvimento da economia, novos pontos de conflito surgiram. Ruy Barbosa Nogueira e Paulo Roberto Cabral Nogueira, nos idos de 1977, já asseveravam:
“[...] Em um país de regime federativo é fundamental a discriminação de rendas. De nada adianta dar aos entes federados menores autonomia política e administrativa sem assegurar-lhes também a autonomia financeira. Paradoxalmente, tal autonomia, se não for delimitada, traz em si o germe de destruição do próprio federalismo. É bem conhecido no Brasil o que se convencionou chamar de guerra tributária entre os Estados. [...]” [15].
A disputa entre os entes pelos contornos das suas competências legislativas, como se vê, assombra o federalismo fiscal brasileiro, havendo inúmeros exemplos de graves conflitos tanto no plano horizontal, envolvendo entes de mesma espécie, quanto vertical. As controvérsias entre hipóteses de incidência de ISS e ICMS, focos do presente trabalho, são numerosas.
Assim dispõe a Constituição Federal acerca desses impostos:
Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:
[...]
II - operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior; [...]
Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre:
[...]
III - serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II, definidos em lei complementar.
Compete aos Estados, portanto, a cobrança de ICMS, e aos Municípios a cobrança do ISS. No plano infraconstitucional, em cumprimento à exigência de lei complementar estabelecida pelo art. 155, §2º, XII, CRFB/88[16] e pelo próprio art. 156, III, acima transcrito, a matéria é regulada pela Lei Complementar 87/1996 (ICMS) e pela Lei Complementar no 116/2003 (ISS).
O fato de a Constituição Federal prever a tributação pelo ISS apenas sobre os serviços expressamente previstos na lista constante de lei complementar e, pelo ICMS, somente das operações de circulação de mercadorias, além dos serviços de transporte interestadual e telecomunicações, nunca foi suficiente para dirimir os conflitos envolvendo a competência tributária de cada ente.
A dúvida mais comum, relacionada ao fornecimento de mercadorias em conjunto com a prestação de serviços, a própria Constituição buscou elucidar. Como se vê do art. 155, IX, “b”, CF/88, no caso de operações complexas, caberá o ICMS sobre o valor total da operação, desde que os serviços não estejam compreendidos na competência tributária dos Municípios. A contrário sensu, portanto, se o serviço abrangido pela operação mista estiver mencionado na LC 116/03, caberia a cobrança de ISS sobre o valor total da operação.
Há casos, contudo, em que o serviço consta da Lista Anexa à LC 116/03, mas a própria legislação prevê a sujeição ao ICMS quanto à determinada parcela da operação (art. 2º, V, LC 87/96[17]), como nos itens 7.02, 7.05, 13.05, 14.01, 14.03 e 17.11 da Lista Anexa à LC 116/03[18]. Não se aplicaria, nessas hipóteses, a ressalva feita pela Constituição.
Apesar do esforço envidado pelo constituinte e pelo legislador para dirimir os conflitos de forma ex ante, há, ainda, exemplos em que a divergência quanto à incidência do ISS ou ICMS precisou ser resolvida pela jurisprudência, como na hipótese de fornecimento de alimentação e bebidas em restaurantes e bares (Súmulas no 574, STF e no 163, STJ[19]) ou do fornecimento de filmes por meio de fitas de vídeo, DVD’s e blue-ray (Súmulas no 156, STJ e no 662, STF[20]). Diferencia-se, neste último caso, a venda em escala industrial de produtos padronizados, feita por sociedades empresárias que realizam a comercialização dessas mercadorias com habitualidade, incidindo o ICMS, dos serviços específicos prestados sob encomenda por empresas cinematográficas e produtoras independentes, sujeito ao ISS.
Nesse contexto, relevante mencionar um dos parâmetros utilizados pela doutrina e jurisprudência como última ratio para definir a incidência de ICMS e ISS: a dicotomia entre obrigações de dar e de fazer. Interpretando a definição de serviços contida no art. 156 da Constituição Federal à luz dos conceitos do direito privado, conforme entendimento tradicional acerca do art. 110 do CTN[21], o STF editou a Súmula Vinculante no 31, segundo a qual seria inconstitucional a incidência de ISS sobre locação de bens móveis[22].
Entendiam os Tribunais Superiores, então, que apenas poderiam se qualificar como serviços, para fins de incidência de ISS, aqueles atos e fatos assim classificáveis à luz do Direito Civil, excluindo-se dessa categoria qualquer obrigação de dar[23]. Embora a Súmula ainda esteja em vigor, a jurisprudência do STF evoluiu, passando a mitigar esse entendimento.
O primeiro traço de que o parâmetro anteriormente adotado poderia ser superado se deu no julgamento quanto à incidência de ISS sobre operações de leasing financeiro (Recursos Extraordinários nos 592.905 e 547.245)[24]. Nesse julgado, embora não tenha sido alterado, formalmente, o entendimento plasmado na Súmula Vinculante no 31, foi evidenciada a possibilidade de cobrança do imposto em operações complexas, desde que, em sua essência, prevalecesse uma obrigação de fazer.
Assim, apesar das críticas ao entendimento adotado pela Corte, sobretudo por se entender, tradicionalmente, que o leasing financeiro mais se assemelharia a uma operação de crédito do que a um serviço, prevaleceu a compreensão de que a operação se sujeitaria à cobrança do ISS, em razão de uma preponderância da obrigação de fazer sobre as diversas atividades contempladas no contrato[25].
Em 2016, contudo, ao analisar o caso das operadoras de planos de saúde (RE no 651.703/PR-RG), concluiu o STF por uma interpretação mais ampla do conceito constitucional de serviços, desvinculando-se da distinção civilista entre obrigações de dar e de fazer e prestigiando uma interpretação econômica do direito tributário. Assim, qualquer utilidade oferecida a outrem, a partir de um conjunto de atividades imateriais, prestadas com habitualidade e intuito de lucro, estando conjugada ou não com a entrega de bens ao tomador, configuraria serviços para fins de ISS[26].
A Súmula Vinculante no 31, contudo, não restou cancelada, mantendo-se o entendimento tradicional da Corte acerca da necessidade de presença de obrigações de fazer para que se conclua pela incidência do ISS, adotado inclusive no recente julgamento do RE 603.136, sobre contratos de franquia[27]. Assim resume a doutrina especializada:
“A orientação firmada no caso de leasing não abandonou os preceitos estabelecidos no Direito Privado a respeito da vinculação do serviço a uma obrigação de fazer. Na realidade, no referido julgamento, apontou-se para a necessidade de se observar a preponderância do serviço em operações complexas, como elemento indispensável e suficiente para aferir se a atividade se encontra no campo de incidência do ISS. Não por outro motivo, a tese quanto à necessária presença de uma obrigação de fazer – única ou preponderante – para deflagrar a hipótese de incidência do ISS foi relembrada pelo STF no recente julgamento de leading case envolvendo a cobrança de imposto sobre contratos de franquia. [...] Com efeito, os Ministros julgadores que concluíram pela incidência do ISS sobre os contratos de franquia, reconheceram a importância de aferir se tais operações envolvem – ou não – obrigação de fazer. A bem da verdade, trata-se de questão imprescindível para legitimar a cobrança do imposto, que, na realidade, não foi superada quando do julgamento do caso afeto ao leasing.
Dada a precisão com que o assunto é enfrentado, confira-se o trecho abaixo do voto exarado pelo Ministro Marco Aurelio no julgamento afeto às franquias:
‘[...] considerados os negócios jurídicos complexos, mostra-se indispensável levar em conta o conjunto de atos praticados para extrair a essencialidade da prestação. É dizer: se, de um lado, o negócio entabulado revelar, em essência, obrigação de dar, há de excluir-se a atividade do campo de incidência tributária, por não preencher a operação os elementos do tipo serviço. Se, de outro, existente, por núcleo da prestação, um fazer, surge caracterizado um serviço, a viabilizar a cobrança de ISS’” [28].
O STF, portanto, no recente julgado sobre os contratos de franquia, parece ter retornado, ainda que parcialmente, ao seu entendimento anterior, sendo indispensável a existência de uma prestação de fazer, ainda que se trate de um contrato complexo, para a configuração de serviço e consequente incidência de ISS.
Percebe-se, assim, que não faltaram oportunidades para que o STF consolidasse um conceito apto a dirimir, de uma vez por todas, as dúvidas em torno da incidência de ISS. A postura oscilante da Corte, contudo, permanece ensejando dúvidas, constituindo o julgamento acerca das operações com software, do qual se tratará detidamente a seguir, um novo capítulo dessa história.
Antes mesmo que o legislador e a jurisprudência pudessem responder, com segurança, aos clássicos conflitos de competência entre ISS e ICMS, o tema passou a assumir novos contornos com a ascensão da economia digital, padrão econômico que apresenta muitas peculiaridades e levanta novas dúvidas.
Os conflitos de competência da modernidade reproduzem a problemática já conhecida. Isso porque a própria dinâmica da economia digital, ao ampliar as funcionalidades dos produtos ofertados, gera novas operações híbridas, ora com natureza jurídica de serviço, ora com natureza jurídica de comercialização de produto ou circulação de mercadoria. Nesse sentido, Luís Eduardo Schoueri aponta para a natureza complexa das transações realizadas nesta seara, por vezes envolvendo não apenas a venda de mercadoria, mas sucessivas prestações de serviços:
“Tendo em vista que objetos inteligentes constituem, a priori, mercadorias, mas realizam outras funções, sobretudo a transmissão de dados, pode-se aventar a possibilidade de haver uma prestação de serviço (“servicificação” das mercadorias, product-as-a-service). Assim, surge o conflito entre os Estados e Municípios, já que os primeiros podem se ver competentes para instituir ICMS, ao passo que os últimos, ISS”[29].
Como mencionam Luiz Guilherme de Medeiros Ferreira e Marcos Nóbrega, na economia tradicional e industrial, o objeto contratado costumava ter uma “natureza intrínseca” que o acompanhava qualquer que fosse o tipo de negócio entabulado entre as partes[30]. Na nova economia digital, contudo, os objetos contratados podem possuir diferentes características, a depender das funções que exerçam naquele negócio específico, “diluindo-se na prática negocial a possibilidade de ‘descobrir’ sua natureza intrínseca e imutável”. Haveria, assim, uma “migração da preponderância da ideia de natureza intrínseca permanente para a ideia de funcionalidade extrínseca circunstancial, ou temporária do objeto contratado”[31].[32]
Interessante exemplo trazido pelos autores diz respeito ao confronto envolvendo serviços de streaming e o conteúdo de prestadores de serviço de TV a cabo, pontuando o efeito deletério que tais falhas do sistema tributário podem causar na livre concorrência:
“[...] O mesmo filme se assistido via Netflix, possuirá natureza de serviço de streaming, porém se via Globo Play, ou Net Now, será considerado serviço de telecom. Aí surge a pergunta: qual seria a natureza intrínseca para disponibilização ou oferta de filmes? Nenhuma. Haverá sim, uma função extrínseca exercida a partir do modelo de negócios em que estiver inserida. Veja o tamanho da distorção gerada neste caso, pois tem-se de um lado a cobrança de ISS a 2,9% e de outro o ICMS comunicação de 10% a 25%. Essa discrepância, além de controvérsias fiscais, gera externalidades negativas que afetam a competitividade. Ou seja, ofertas similares poderão obter vantagem competitiva não por sua eficiência e qualidade, mas por uma distorção do sistema tributário[33].
Embora parcela da doutrina[34] adote o entendimento de que os conflitos envolvendo a tributação da economia digital estariam resolvidos pela Lei Complementar no 116/03, uma vez que a alteração realizada pela LC 157/16, incluindo diversas atividades da econômica digital, teria concretizado o art. 146, I, CRFB/88[35], é certo que a aprovação do Convênio CONFAZ 106/17, que regulamenta a incidência de ICMS nas operações envolvendo bens digitais comercializados por meio de transferência de dados, gerou uma enorme insegurança jurídica, da qual se tratará detidamente a seguir.
CAPÍTULO II: OS DESAFIOS DA TRIBUTAÇÃO DE SOFTWARE
Expostos, em linhas gerais, os principais pontos do federalismo fiscal brasileiro e algumas das críticas à legislação nacional realizadas pela doutrina especializada, bem como exemplos de controvérsias envolvendo a incidência de ICMS e ISS, passa-se à análise específica da disputa envolvendo a tributação de softwares.
O surgimento de novas tecnologias e a sua constante evolução desencadeiam cenários altamente desafiadores no Brasil. De início, ressalta-se o fato de que a legislação nacional está voltada para operações com bens tradicionais, de modo que a ascensão do comércio eletrônico e o aparecimento de bens digitais geram a necessidade de uma legislação adequada a essa recente realidade. A dificuldade maior, contudo, está em definir se as novas operações digitais se enquadram nos conceitos de “circulação de mercadoria”, atraindo, portanto, a incidência do ICMS, ou de “prestação de serviço”, incidindo, consequentemente, o ISS.
A controvérsia ganhou novos ares após a edição da LC 157/2016, que alterou a LC no 116/2003 para prever a incidência de ISS sobre a elaboração de programas de computador e o seu licenciamento ou disponibilização via streaming, seguida do Convênio no 106/2017, que autorizou a tributação, pelo ICMS, das operações com bens e mercadorias digitais comercializadas através da transferência eletrônica de dados.
Exemplo prático dessa disputa se deu entre o Estado e o Município de São Paulo, que figuraram em uma verdadeira guerra fiscal no que tange à tributação de bens digitais. Em 2017, tanto o governo estadual quanto o municipal editaram normativas no sentido de estabelecer os tributos de suas referidas competências sobre operações e produtos digitais. O Estado de São Paulo editou o Decreto 63.099/2017, além da Decisão Normativa CAT 04/2017, afirmando a incidência de ICMS em operações que envolvessem qualquer tipo de software, incluindo aqueles ofertados por outros meios que não por loja física. Por sua vez, o Município de São Paulo emitiu o Parecer Normativo SF 01/2017, que determinou, à luz da LC 116/2003, a incidência do ISS nessas mesmas operações envolvendo softwares.
As empresas passaram a enfrentar uma evidente bitributação, gerando dois impactos negativos bastante relevantes: (i) o evidente desestímulo ao desenvolvimento digital e criação de produtos/serviços tecnologicamente inovadores, considerando que a carga tributária incidente nessas operações inviabiliza a exploração de tais atividades pelas empresas do segmento, que, em sua maioria, são pequenas sociedades ou startups; e (ii) o aumento desnecessário e, considerando a bitributação, inconstitucional, do preço desses produtos/serviços, o que leva os consumidores à contratação no exterior, deixando de fomentar o mercado nacional e gerando um ciclo vicioso de estagnação de inovações no Brasil.
A ausência de uma legislação apropriada aos meios digitais é, por certo, a principal causa do conflito federativo nesse contexto digital. Em um mundo ideal, o conflito de competência travado entre os Municípios e os Estados deveria encontrar limites no sistema de repartição das competências tributárias previsto na Constituição, ou ser dirimido por lei complementar, segundo dispõe o art. 146 da CF/88. Ocorre que os conceitos de mercadoria e serviço estão longe de terem um significado uniforme e, não obstante anos de intensos debates sobre o tema, ainda pairam incertezas sobre os seus contornos.
A discussão acerca da extensão da incidência do ICMS perpassa o exame dos três termos expressos na norma constitucional, quais sejam, operação, circulação e mercadoria. Discute-se se o conceito de mercadoria compreende ou não bens incorpóreos e há divergências quanto à necessidade de que exista efetiva transferência de titularidade da mercadoria.[36]
De um lado, militam em favor da incidência do ISS aqueles que entendem que a circulação passível de tributação pelo ICMS pressupõe a existência da transferência de titularidade das mercadorias, sendo indispensável o caráter corpóreo da mercadoria e a sua destinação à venda. Assim, “qualquer bem que não possua um destes critérios está fora do campo de incidência do ICMS”.[37] De outro, figuram aqueles que compreendem o software como sendo uma mercadoria passível de transferência de propriedade, operação sobre a qual deveria incidir o ICMS, ainda que se refira a bens incorpóreos. Assim, incidiria o imposto estadual quando os arquivos digitais, cópias ou exemplares dos softwares forem produzidos em série e comercializados no varejo, como o chamado “software de prateleira” (off the shelf).[38]
Com relação à necessidade de efetiva transferência de titularidade da mercadoria também há divergências. Para alguns, ela é indispensável, adotando-se a teoria da circulação jurídica[39]. Para outros, contudo, mostra-se desnecessária, desde que a saída configure etapa do processo natural de circulação da mercadoria até o consumidor final, sob o prisma da teoria da circulação econômica.
No que concerne à incidência de ISS sobre softwares, a controvérsia envolve, inicialmente, o conceito trazido pelo art. 1º da Lei no 9.609/1998, que trata da proteção da propriedade intelectual de programa de computador e define programa de computador (“software”) como “a expressão de um conjunto organizado de instruções em linguagem natural ou codificada, contida em suporte físico de qualquer natureza, de emprego necessário em máquinas automáticas de tratamento da informação, dispositivos, instrumentos ou equipamentos periféricos, baseados em técnica digital ou análoga, para fazê-los funcionar de modo e para fins determinados”.
A partir desse conceito, a utilização de software estaria sujeita ao licenciamento ou a cessão de uso, atividade que poderia ser enquadrada na lista de serviços anexa à Lei Complementar no 116/2003, submetida ao ISS[40]. O licenciamento ou cessão de uso, ademais, são operações distintas da transferência de propriedade, sendo este mais um ponto de atrito com relação à incidência do ICMS.
Nessa esteira, pode-se dizer que a discussão acerca da competência tributária para bens digitais não é nova. Embora tenha ganhado novos ares após a edição da LC 157/2016, que alterou a LC 116/2003, seguida da aprovação do Convênio no 106/2017 pelo CONFAZ, as dúvidas acerca da matéria se avolumam há décadas no Judiciário.
No atual cenário jurídico, há pelo menos cinco processos distintos no Supremo Tribunal Federal que tratam desta temática: ADI’s 1.945, 5.958, 5.576 e 5.659, além do RE 688.223.
A ADI 1.945 se insurge contra a Lei nº 7.098/98, editada pelo Estado do Mato Grosso, que determinava a incidência do ICMS sobre a transferência de software padronizado via download. A liminar requerida chegou a ser apreciada pela Corte em 2010, sendo o julgamento do mérito finalizado em 2021, como será melhor analisado adiante.
A ADI 5.958 visa à declaração de inconstitucionalidade do Convênio ICMS 106/2017 e do art. 2º, I, da LC 87/1996, de modo a afastar qualquer possível interpretação que permita a incidência de ICMS sobre operações de transferência eletrônica de software e congêneres. Manifestou-se a Procuradoria Geral da República no sentido de improcedência da ação, por não existir bitributação, tomando-se por base a distinção entre “software de prateleira” e “software de encomenda” – sobre o primeiro incidiria o ICMS, e sobre o segundo, o ISS.
As ADI’s 5.576 e 5.659, por sua vez, foram ajuizadas em face de legislações estaduais que também passaram a prever a incidência de ICMS sobre operações com software, independentemente de como se deu sua aquisição – ou seja, por meio físico ou digital. Em ambos os casos, a PGR manifestou-se contrariamente à pretensão de declaração de inconstitucionalidade, pelos mesmos motivos elencados acima.
A ADI 5.659 será apreciada em conjunto com a ADI 1.945, mencionada anteriormente, sendo este o julgamento mais recente da Corte, do qual se tratará detidamente adiante.
Encontra-se pendente de julgamento, ainda, o RE 688.223, cujo objeto é a análise da legitimidade da incidência de ISS sobre o licenciamento de software por encomenda, oportunidade em que o STF poderá reanalisar a questão atinente ao conceito de serviço, para fins de identificação dos limites semânticos do fato gerador da referida exação municipal[41].
Maurine Morgan Pimentel Feitosa considera que caberá ao STF “dar a última palavra sobre o conflito de competência entre o ISS e o ICMS, assim como julgar se isoladamente as hipóteses colocadas à sua apreciação ensejam a incidência de um ou outras espécies tributárias”[42]. Passa-se, então, ao histórico desse debate em sede jurisprudencial.
2.2. Histórico da tributação de software no Brasil
O início da controvérsia remonta ao ano de 1998, ocasião em que pela primeira vez a matéria foi contemplada pela Primeira Turma do STF, no julgamento do Recurso Extraordinário 176.626/SP.
O entendimento exarado pelo Ministro Relator Sepúlveda Pertence distinguiu o licenciamento ou cessão de direito de uso de programas de computador, que abrangeria o software personalizado, produzido por encomenda, da comercialização do denominado “software de prateleira” ou “standard”, produzido de maneira genérica, uniforme e em larga escala, de maneira que as suas funcionalidades não são desenvolvidas especialmente para usuários específicos.[43]
Em resumo, do julgamento do RE nº 176.626/SP extraem-se as seguintes conclusões: (i) o conceito de mercadoria não incluiria bens incorpóreos, como os direitos em geral; mercadoria seria um conceito restrito aos bens corpóreos objeto de atos de comércio ou destinados a sê-los; e (ii) bem que é passível de licenciamento não pode ser objeto de contrato de compra e venda. [44] Dessa forma, fixou-se o entendimento de que o licenciamento ou cessão de direito de uso de programas de computador estaria sujeita à incidência do ISS, enquanto a operação de comercialização de software padronizado estaria sujeita à incidência de ICMS.
Não obstante o julgamento liminar ter ocorrido em 1998, sem a apreciação pelo Plenário - não se tratando, portanto, de um precedente vinculante - o entendimento ali exarado serviu como uma das poucas balizas norteadoras do debate da tributação de software, de maneira que as autoridades fiscais adotam usualmente os fundamentos deste precedente para resolver questões atinentes à matéria.
A tributação do software foi novamente submetida à apreciação da Suprema Corte por meio da ADI 1.945. Nesta oportunidade, o STF fora provocado a se manifestar acerca da constitucionalidade de lei mato-grossense que determinava a incidência do ICMS sobre a transferência de software padronizado via download.
Embora a ação tenha sido ajuizada em 1999, a liminar fora apreciada apenas em 2010. Nessa ocasião, o STF entendeu que o conceito de mercadoria abrangeria também os bens incorpóreos, razão pela qual seria legítima a incidência do ICMS sobre o software disponibilizado ao usuário por meio de download, representando, assim, uma alteração no posicionamento anteriormente firmado pela Suprema Corte no bojo do RE 176.626/SP.
Concluiu a Corte, desse modo, que a legislação mato-grossense era, a priori, constitucional, indeferindo o pedido liminar constante na ADI 1.945. Embora a decisão tenha sido exarada em sede de cognição sumária, houve dúvidas se se trataria de uma superação do entendimento anterior, na medida em que a Corte deixou de fazer a diferenciação entre softwares adquiridos mediante transferência eletrônica de dados e os softwares de prateleira.
O novo entendimento pautou-se no fato de que não poderia o Tribunal se apegar a diretrizes jurídicas que não mais refletiam as novas situações que emergiam e as consequências delas decorrentes, porquanto tal apego acabaria por enfraquecer o texto constitucional ao não permitir a adaptação de seus dispositivos aos novos tempos. Por essa razão, entendeu-se – ainda que em cognição sumária – que seria possível a incidência de ICMS sobre bens incorpóreos, como os softwares, transferidos mediante download.
Depois de anos sem novidades jurisprudenciais relevantes relacionadas à tributação do software, a ADI 1.945 teve a análise de seu mérito iniciada, por meio da sistemática de julgamento virtual, em 17 de abril de 2020.
A constante evolução dos meios tecnológicos resulta no igualmente necessário desenvolvimento do posicionamento do Poder Judiciário, a fim de estar a par dos avanços desenfreados do mundo atual. Não obstante as grandes expectativas envolvidas nessa nova apreciação do tema, deve-se ressaltar que a ADI 1.945 possui um escopo de cognição reduzido e que acabou ficando estagnado no tempo, na medida em que analisa apenas a dúvida acerca da incidência de ICMS ou ISS sobre o software disponibilizado ao usuário final por meio de download.
Atualmente, a grande maioria das operações envolvendo softwares não mais pressupõe a sua circulação, tendo a tecnologia migrado quase que integralmente para um modelo de cessão de uso denominado “software as a service”, o qual permite a utilização de software e suas atualizações mediante o acesso online à “nuvem”, por meio de streaming, de acordo com as necessidades do usuário. [45]
O julgamento do mérito da ADI 1.945 foi suspenso em outubro de 2020, para realização do julgamento em conjunto com a ADI 5.659, a qual se insurge contra decreto do Estado de Minas Gerais semelhante à lei do Mato Grosso, ambas permitindo a incidência de ICMS sobre operações com software independentemente de como se deu sua aquisição, seja por meio físico ou digital.
O julgamento do mérito das ADIs 1.945 e 5.659 pelo STF, portanto, se tornou altamente relevante, a fim de uniformizar de alguma forma o entendimento da Suprema Corte acerca da tributação de software, permitindo, assim, a atribuição de maior segurança jurídica ao tema.
2.3. O julgamento das ADIs nos 1.945 e 5.659 pelo Supremo Tribunal Federal
Em fevereiro de 2021, o julgamento das ADIs 1.945 e 5.659 foi finalizado, tendo prevalecido a incidência do ISS sobre as operações com softwares. Como dito, na ADI 5.659, a Confederação Nacional de Serviços se insurgia contra decreto de Minas Gerais, enquanto na ADI 1.945, o Movimento Democrático Brasileiro (MDB) argumentava a inconstitucionalidade de dispositivo de lei mato-grossense, sendo alegado, em ambos os casos, a ocorrência de bitributação e a invasão da competência municipal.
Em abril de 2020, quando do início do julgamento do mérito da ADI 1.945, os Ministros Carmem Lúcia (relatora) e Edson Fachin proferiram votos pela improcedência da ação, concluindo pela constitucionalidade da cobrança do ICMS nas operações com software, por se tratar de criação intelectual produzida em série destinada à atividade mercantil.
Em seu voto, o Ministro Edson Fachin ressalta que a distinção de softwares segundo o grau de customização é essencial para definir a competência tributária. Enaltece o Ministro, assim, o raciocínio jurídico desenvolvido pelo STF em relação aos “softwares de prateleira”, objeto do julgamento, de modo a “reputá-lo mercadoria sujeita à comercialização na economia de mercado, pois se trata de criação de acesso amplo disponibilizada ao público em geral”.
O Ministro Fachin reconhece, no entanto, que os “softwares de prateleira” sofreram mudanças, uma vez que passaram a viger novas maneiras de comercializar, pagar transações, encomendar e consumir bens, o que faz com que “o crescimento da economia digital a transforme na própria economia”. Explica que, como consequência, os programas de computador não são mais adquiridos e produzidos da mesma forma, de modo que a transmissão eletrônica de dados sem a existência de um suporte físico se tornou uma realidade que dispensa a mercadoria como algo corpóreo, podendo acontecer mediante download ou streaming, não estando mais limitada à aquisição material em lojas.
Não obstante tais mudanças, afirma o Ministro que permanece “parte do sentido dos softwares off the shelf, relativamente a ser um programa já acabado, bem definido, estável e concebido para desempenhar uma mesma função a uma pluralidade de usuários”. Reconhece, paralelamente, que o software é correlato aos direitos do autor, na qualidade de criação artística, literária e conexas, estando, por essa razão, albergado no âmbito de proteção da propriedade intelectual, como mencionado anteriormente.
Concluiu, portanto, que independentemente do modo de comercialização, os Estados detêm a competência para tributar softwares através do ICMS, reputando constitucional a incidência de ICMS sobre softwares de prateleira, ainda que a circulação da mercadoria ocorra apenas de forma digital e virtual.
Em sentido diametralmente oposto votou o Ministro Dias Toffoli, relator da ADI 5.659, que entendeu pela inconstitucionalidade da cobrança do ICMS, sob o argumento de que tais operações se caracterizam como uma prestação de serviço, tributada pelo ISS, independentemente das características do software (se padronizado ou customizado, licenciado por meio de download ou com suporte físico). A divergência inaugurada pelo Ministro Toffoli foi acompanhada pelos Ministros Alexandre de Moraes, Roberto Barroso, Rosa Weber, Ricardo Lewandowski e Luiz Fux.
O Ministro Marco Aurélio votou pela inconstitucionalidade da cobrança de ICMS nas operações com software, e, ainda que sob diferentes argumentos, defendeu também a não incidência do ISS. O Ministro Gilmar Mendes, por sua vez, defendeu a manutenção do entendimento anterior do STF, de que haveria a incidência do ISS sobre os softwares desenvolvidos de forma personalizada e do ICMS sobre os softwares padronizados, comercializados em escala industrial e massificada.
Prevaleceu na Corte, portanto, o entendimento inaugurado pelo Ministro Dias Toffoli, no sentido de que a elaboração de softwares é um serviço que resulta do esforço humano. Isso porque, tanto no caso de fornecimento personalizado por meio do comércio eletrônico direto, quanto no licenciamento ou na cessão de direito de uso, está clara a obrigação de fazer na confecção do programa de computador, no esforço intelectual e, ainda, nos demais serviços prestados ao usuário. Por essas razões, seis dos onze Ministros concluíram que o ISS deveria ser o imposto incidente sobre as operações com software.
A jurisprudência da Corte, segundo o Ministro Dias Toffoli, tradicionalmente resolve as ambiguidades entre o ISS e o ICMS com base na sistemática objetiva, isto é, determina a incidência apenas do primeiro se o serviço está definido por lei complementar como tributável por tal imposto, ainda que sua prestação envolva o fornecimento de bens, ressalvadas as exceções previstas na lei; ou a incidência apenas do segundo sobre as operações de circulação de mercadorias que envolvam serviços não definidos por lei complementar como tributáveis por imposto municipal.
O licenciamento ou cessão de direito de uso de software, seja ele padronizado (customizado ou não), seja por encomenda, independentemente da forma que ocorre a transferência de dados, por se enquadrarem no subitem 1.05 da lista de serviços anexa à Lei Complementar 116/03, já teriam o condão de responder quaisquer dúvidas acerca da incidência de ISS ou ICMS nas transações de software. Isso porque a própria CF/88 estabeleceu que os conflitos de competência devem ser resolvidos por Lei Complementar nacional, consoante o disposto no art. 146, I, da Carta Maior.
Assim, afirmou o Ministro Toffoli ser impossível desconsiderar, para o deslinde da controvérsia, a legítima opção do legislador complementar de, por meio do subitem 1.05 da lista anexa à LC 116/03, fazer incidir o imposto municipal, e não o estadual, sobre o licenciamento ou a cessão de direito de uso de programas de computador.
No que tange ao fornecimento de software personalizado, segundo o Ministro, não haveria dúvidas quanto à incidência de ISS sobre a operação, mesmo se considerado o entendimento firmado no RE 176.626/SP, mencionado anteriormente. Isso porque, mesmo à luz deste precedente, o ISS já incidia sobre a operação relativa a software personalizado gravado em suporte físico, realizada quer por meio do comércio tradicional quer pelo comércio eletrônico indireto.
Ademais, conforme já exposto, no licenciamento ou cessão de direito de uso desse tipo de software, inequivocamente há a prestação de serviço, porquanto há o desenvolvimento de um programa de computador personalizado. Paralelamente, ainda que se considere que o fornecimento de software personalizado envolva não só o esforço para a confecção do programa, mas também a própria transferência do bem digital, a incidência do ISS permanece como a opção correta, uma vez que constitui este software uma operação mista/complexa, sendo inviável separar a obrigação de dar (transferência do bem digital) da obrigação de fazer (desenvolvimento do programa).
Nessa esteira, o Ministro Toffoli reiterou a importância e imprescindibilidade da existência do esforço humano para a confecção do programa de computador, sendo essa a sua característica fundamental e intrínseca, mesmo diante do desenvolvimento de software que é replicado para ser comercializado para diversos usuários distintos.
Fundamentando a sua posição, seu voto trouxe acórdãos proferidos em outros processos que, apesar de abordarem outras hipóteses de incidência, se coadunam com o entendimento da aplicabilidade do ISS a operações mistas/complexas, como o RE 651.703, de relatoria do Ministro Luiz Fux, em que se discutiu a incidência de ISS sobre atividades realizadas pelas operadoras de planos de saúde, mencionado anteriormente[46].
Por fim, abordou o Ministro a tributação do chamado Software as a Service (Saas), ou cloud computing, enaltecendo o voto da Ministra Carmen Lúcia, que – a despeito de defender a incidência de ICMS sobre as operações com softwares - reconheceu que essa hipótese específica, por geralmente contar com regras próprias de licenciamento e cessão de uso, são “possivelmente atividades passíveis de reconhecimento como prestação de serviços no item 1.05 da Lista anexa à Lei Complementar 116/03”. Assim, defendera a Ministra a não incidência do imposto estadual nesse caso, em que há o licenciamento ou cessão de direito de uso de programas de computador, tal como previsto no item 1.05 da lista de serviços anexa à Lei Complementar 116/2003.
O julgamento foi finalizado em fevereiro de 2021, após voto-vista do Ministro Nunes Marques, que aderiu à corrente minoritária, no sentido da incidência do ICMS. Segundo o Ministro, o mero licenciamento ou a cessão de software por meio digital, sem que o produto esteja acompanhado de suporte físico, não faria surgir, por si só, a incidência do ISS. Defendeu, assim, ser possível a incidência de ICMS sobre a circulação de mercadorias virtuais, que se tornam cada vez mais comuns em ambientes digitais.
Assim, após décadas de dúvidas e acirrada guerra fiscal envolvendo a tributação de software, enfim o STF chegou a uma conclusão, prevalecendo a competência tributária dos Municípios. Os efeitos da decisão foram modulados, estabelecendo a Corte os efeitos ex nunc de seu novo entendimento, prevendo diferentes soluções a depender da situação específica de cada contribuinte. [47]
Delineado, assim, o histórico da posição do STF acerca da matéria, vê-se a gravidade do conflito federativo que envolvia a tributação de softwares. O país mostrou-se claramente incapaz de dirimir tais controvérsias pela via legislativa, restando ao Judiciário, após duas décadas de discussões e precedentes contraditórios, a tarefa de definir o tributo incidente sobre tal operação, se ICMS ou ISS.
A forma como a tributação de software foi tratada pelas instituições representa, por certo, exemplo a não ser seguido com relação às demais controvérsias envolvendo a economia digital. Relevante, portanto, perquirir os aprendizados que se deve retirar dessas décadas de controvérsias, bem como analisar os possíveis caminhos de reforma que se colocam para o futuro.
CAPÍTULO III: APONTAMENTOS PARA UMA FUTURA REFORMA DO SISTEMA TRIBUTÁRIO
3.1. Algumas lições que podem ser extraídas dos problemas identificados
Conforme exposto ao longo deste trabalho, o sistema tributário brasileiro apresenta diversos problemas, entre os quais se destacam, especificamente no caso da tributação de softwares e da economia digital, a sobreposição de competências legislativas entre os entes federados e a ausência de normas adequadas aos novos padrões econômicos. Tais fatores dificultam a resolução das controvérsias e acabam dando ao Judiciário a função de definir os contornos da tributação de novas tecnologias no Brasil.
Do cenário problemático exposto nos capítulos anteriores é possível extrair algumas conclusões, elencadas a seguir, sem pretensão de exaustividade, ante os limites do presente trabalho.
A primeira lição, pressuposto de todas as outras, é que o sistema tributário brasileiro precisa ser reformado. Entre os pontos de reforma explorados no presente trabalho pode-se destacar a necessidade de (i) redução da complexidade do sistema; (ii) definição de contornos claros das competências legislativas de cada ente federativo; (iii) criação de bases de tributação adequadas à nova economia, não sendo mais suficiente a mera distinção entre mercadoria e serviço, conceitos que se tornam cada dia mais difíceis de serem verificados com clareza nas operações tributáveis.
A segunda lição é que o Judiciário não deve ser o ator preponderante na definição da tributação nacional. Não apenas em razão da morosidade para a resolução das controvérsias, como se pôde ver no caso da tributação dos softwares acima esmiuçado, mas também em função das críticas que a sua atuação em matérias como a tributação digital, em que não há embasamento legislativo específico, é capaz de suscitar.
Isso porque, majoritariamente, a doutrina tributarista ainda defende um conceito fechado de legalidade tributária, no qual o Legislativo possuiria um monopólio da interpretação e criação das normas fiscais[48]. Essa posição tradicional encontra fundamento na garantia do contribuinte contra as intervenções estatais em sua propriedade e conecta-se ao surgimento do Estado Liberal e à ideia de autoconsentimento da população, que, por meio do Parlamento, autorizaria a tributação realizada por seus representantes [49].
Nesse contexto, a lei deveria ser aplicada objetivamente, sem subjetivismos por parte do intérprete[50]. Entende Alberto Xavier, expoente dessa corrente doutrinária, por exemplo, que a tipicidade fechada do direito tributário seria, ao fim e ao cabo, medida de proteção do princípio da separação de poderes, sendo certo que o Legislativo deteria o monopólio da criação e do aumento dos tributos. Haveria, na sua visão, uma inversão de competências se a lei tributária utilizasse “cláusulas gerais, conceitos indeterminados e faculdades de delegação, que abririam as portas para que os órgãos de aplicação do direito pudessem criar ou aumentar tributos, pelo exercício do poder regulamentar, da aplicação analógica e do poder discricionário”[51].
Ainda que se defenda um conceito aberto de legalidade, no qual se confere ao Executivo e ao Judiciário papel relevante na complementação, interpretação e aplicação da legislação tributária, não há como se negar que a atuação expansiva do Judiciário em matéria de tributação digital, em que não há bases normativas seguras a nortear a sua atuação, pode suscitar críticas em virtude do princípio democrático e da separação de poderes.
Isso porque se trata de decisões proferidas por agentes não dotados do batismo do voto popular, na expressão de Luis Roberto Barroso, e que, por vezes, se sobrepõem e suplantam as escolhas dos legítimos representantes da população. Assim afirma o Ministro do Supremo Tribunal Federal:
A importância da Constituição – e do Judiciário como seu intérprete maior – não pode suprimir, por evidente, a política, o governo da maioria, nem o papel do Legislativo. A Constituição não pode ser ubíqua. Observados os valores e fins constitucionais, cabe à lei, votada pelo parlamento e sancionada pelo Presidente, fazer as escolhas entre as diferentes visões alternativas que caracterizam as sociedades pluralistas. Por essa razão, o STF deve ser deferente para com as deliberações do Congresso. Com exceção do que seja essencial para preservar a democracia e os direitos fundamentais, em relação a tudo mais os protagonistas da vida política devem ser os que têm votos. Juízes e tribunais não podem presumir demais de si próprios – como ninguém deve, aliás, nessa vida – impondo suas escolhas, suas preferências, sua vontade. Só atuam, legitimamente, quando sejam capazes de fundamentar racionalmente suas decisões, com base na Constituição. [...][52].
Tome-se como exemplo dessa maximização do papel do Judiciário[53] em matéria tributária a recente Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) no 786, ajuizada pelo partido Rede Sustentabilidade, em que se pretendia o reconhecimento de um estado de coisas inconstitucional do sistema tributário nacional. Pleiteava-se, entre outros pontos, que a Corte determinasse ao Executivo e ao Congresso Nacional a elaboração, no prazo de seis meses, de uma proposta de reforma tributária que resolvesse a regressividade do sistema atual. O relator, Ministro Alexandre de Moraes, em acertada decisão[54], negou seguimento à ação, por entender incabível a ADPF.
O assoberbamento dos Tribunais Superiores, ademais, torna extremamente lenta a resolução das demandas, fato que, atrelado à frequente ausência de modulação de efeitos das decisões judiciais, contribui sobremaneira para a insegurança jurídica em diversos setores da economia. Nesse sentido, Gustavo Brigagão menciona como os Tribunais Superiores são capazes de aumentar a insegurança jurídica envolvendo os limites de tributação dos Estados e Municípios:
“Em vez de solucionarem esses conflitos de competência, os nossos tribunais superiores acabaram por agravá-los, quando, ao julgarem questões relativas a pretensões estaduais e municipais sobre a mesma atividade, ampliaram indevidamente os limites a que sujeitos os conceitos de mercadorias e serviços.
De fato, quando o que se discutia era o conceito de ‘serviços’ e esse conceito era indevidamente ampliado, as fazendas municipais acabavam por ter as suas competências impropriamente ampliadas, e os estados, por sua vez, viam-se prejudicados, pois, dessa ampliação, decorria a consequente limitação das suas competências.
Quando o que se discutia era o conceito de ‘mercadorias’ e esse conceito era indevidamente ampliado, as fazendas estaduais eram, então, as que tinham as suas competências ampliadas, e os municípios, por sua vez, os que se viam prejudicados, porque, dessa ampliação, decorria a limitação das suas competências.
Ou seja, em vez de dirimir conflitos, a jurisprudência dos nossos tribunais acabava (como ainda acaba) por agravá-los, na medida em que ela própria oferecia fundamentos a que, qualquer que fosse o pleito, proveniente dos estados ou dos municípios, ele estivesse sempre amparado por precedentes contraditórios, ou assistemáticos, das cortes superiores. Ampliou-se, assim, a zona cinzenta em que ambos os níveis da Federação (estados e municípios) passaram a se entender competentes para tributar as atividades econômicas exercidas pelos contribuintes” [55].
Destacam-se, ainda, os efeitos deletérios que a excessiva judicialização tributária produz na organização e no planejamento orçamentário do Poder Público. Além de desestimular o pagamento espontâneo de tributos pelo contribuinte, a judicialização excessiva faz com que o Fisco, não raro, seja surpreendido por decisões que não apenas tolhem parte de sua arrecadação, mas ainda lhe impõem passivo decorrente de eventuais ações de restituição de indébito, causando grave desequilíbrio às contas públicas [56].
Heleno Taveira Torres, nesse contexto, defende que a reforma do sistema tributário deveria perpassar o aprimoramento e maior incentivo aos meios alternativos de resolução de controvérsias:
“No Judiciário, atualmente, estão em andamento cerca de 100 milhões de processos, cuja demanda crescente tem sido atendida por um grupo aproximado de 16.500 juízes. Nesta quadra, desde 1988, o STF recebeu 1.524.060 processos que tramitaram ou ainda tramitam naquela Corte. Contudo, o volume é crescente e em 2014 foram distribuídos 78.110 processos e julgados 110.603 processos. A maioria de natureza tributária e previdenciária. [...] A dificuldade está em concretizar justiça em matéria tributária onde a demora gera custos recíprocos, ao Estado e aos contribuintes, mediante combinação de rigor técnico, celeridade, certeza e segurança jurídica. E somente com a combinação de métodos adicionais de solução de controvérsias pode-se chegar a este resultado. [...] Assim, no campo da aplicação, nada impede que a lei possa qualificar, dentro de limites e no atendimento do interesse coletivo, os melhores critérios para constituição, modificação ou extinção do crédito tributário, inclusive os meios de resolução de conflitos, vinculativamente e com espaço para discricionariedade, no que couber visando a atender a economicidade, celeridade e eficiência da administração tributária” [57].
A preferência à resolução extrajudicial dos conflitos sugerida poderia ser endereçada por vias infraconstitucionais, por meio de propostas legislativas que aprimorem e estimulem a adoção de meios alternativos de disputas, como a mediação, conciliação e arbitragem. A arbitragem, inclusive, mostra-se forma de heterocomposição especialmente interessante para solução de demandas tecnicamente complexas, potencial certamente ostentado por muitas das controvérsias envolvendo a tributação digital que ainda surgirão.
Dessa forma, o assoberbamento das Cortes seria mitigado e, considerando o regramento legislativo subjacente à implementação dos meios alternativos, se aliviariam as críticas à atuação preponderante do Judiciário em matéria tributária. É certo, contudo, que a par do incentivo à adoção de métodos alternativos de resolução de controvérsias, o ideal seria que atos normativos genéricos e abstratos regulassem os contornos da tributação digital, conferindo segurança jurídica, transparência e previsibilidade à matéria.
A edição de normas jurídicas resta, no entanto, freada pela morosidade do processo legislativo, pelas disputas entre os entes, e, especificamente no que concerne às novas tecnologias, pela complexidade técnica inerente a essas operações. Exemplo desse atraso pôde-se ver nitidamente no caso da Lei Complementar no 157, que, apenas em 2016, alterou a lista de serviços sujeitos ao ISS para prever hipóteses ligadas à economia digital.
Chega-se, então, à terceira lição extraível da problemática envolvendo a tributação de novas tecnologias, que diz respeito à insuficiência da lei em sentido estrito para regular, de modo satisfatório, a economia digital.
As relações econômicas contemporâneas impõem novos traços a conceitos tradicionais como mercadoria, serviços, renda, moeda e domicílio tributário, obrigando o Estado a uma constante atualização da sua legislação, sob pena de perder, paulatinamente, suas fontes de arrecadação, inviabilizando a consecução dos objetivos constitucionais postos a cargo do Poder Público.
Na contramão das evoluções do princípio da legalidade ocorridas no direito penal e administrativo, que admitem certo grau de atuação normativa do administrador, na seara tributária ainda se nutre uma grande desconfiança perante o exercício do poder normativo pelo Executivo. Trata-se de entendimento que já vem sendo relativizado pela jurisprudência[58], mas que ainda possui forte apoio da doutrina tributária nacional. Nutre-se, como bem mencionado por Sergio André Rocha, “uma clara desconfiança em relação à autoridade administrativa, a qual se pretende limitar tanto quanto possível”[59].
Tem-se, nesse contexto, um Poder Executivo reprimido no seu poder regulamentador, porém ávido por recursos para atender às crescentes prestações que lhe são exigidas. Ao seu lado, vê-se um Legislativo incapaz de acompanhar o ritmo de criação de novas tecnologias e, muitas vezes, impossibilitado de avançar nos debates em virtude do modelo de repartição de competências tributárias estabelecido na Constituição. As dúvidas recaem, assim, sobre o Judiciário, que, à falta de parâmetros legais adequados à nova realidade econômica, define, em pontuais julgamentos, os rumos da tributação da economia digital no país.
Com esteio na doutrina defendida, entre outros, por Ricardo Lobo Torres, é possível se pensar em uma releitura do princípio da legalidade tributária, de modo a melhor atender à pretensão de tributação da economia digital. Segundo o autor, com a emergência do Estado Democrático de Direito, o princípio da legalidade teria sido ressignificado.
Primeiramente porque a atual sociedade de risco não comporta mais uma direção estatal pautada apenas na lei formal, sendo necessária uma pluralidade de fontes normativas. Ademais, atualmente é a Constituição, e não mais a lei, que se torna o centro da normatividade jurídica, de forma que “a relação tributária não se esgota na lei formal, senão que deve buscar o seu fundamento na ideia de justiça e nos princípios constitucionais dela derivadas, máxime os da capacidade contributiva, do custo/benefício e da solidariedade social” [60]. Sendo assim, entende que o princípio da legalidade tributária, embora ambíguo e de contornos ainda em construção, possuiria três subprincípios: a supremacia da Constituição, a reserva de lei e o primado da lei.
A supremacia da Constituição consistiria no fato de que todo o ordenamento jurídico, inclusive o tributário, tem sua validade e eficácia condicionada pela Constituição, com a qual deve ser compatível. Com relação ao subprincípio da reserva de lei, o autor, em contraposição ao conceito de reserva absoluta da lei tributária, sustenta que “o direito tributário, utilizando as cláusulas gerais e os conceitos indeterminados, não pode ter na lei formal o fechamento total dos seus conceitos e dos seus tipos e necessita da complementação pelo poder regulamentar da Administração” [61].
Esse subprincípio, segundo alega, vem sendo mitigado ao longo do tempo por força do crescimento das ideias de reserva da administração e de reserva da jurisdição. O primeiro caso, se deu em virtude da “impossibilidade de pleno fechamento dos conceitos de direito tributário pela própria lei formal e a necessidade da maior atuação de Administração na defesa dos direitos”.[62] No caso da reserva de jurisdição, se trata do entendimento já consolidado de que, no nosso sistema legal, o Judiciário terá sempre a última palavra na resolução de litígios.
O subprincípio do primado da lei, por sua vez, sinaliza no sentido de que “a lei formal ocupa o lugar superior no ordenamento infraconstitucional, limitando e vinculando os atos da Administração e do Judiciário” [63]. Tal princípio está intimamente relacionado com o princípio da reserva de lei, o qual, como visto, vem perdendo força em razão da reserva de Administração e de jurisdição. Afirma-se, então, que “a segurança jurídica não depende só da reserva da lei, mas também do judiciário e da administração”.
Tem-se, assim, o cerne da ideia ampla de legalidade defendida por Ricardo Lobo Torres, o qual é categórico ao admitir a regulamentação da lei tributária pela Administração, sobretudo nas zonas de imprecisão da própria legislação. Ressalva-se, sempre, a possibilidade de se recorrer ao Judiciário, cuja interpretação prevalecerá ao final, “mas não se pode eliminar a competência administrativa na elaboração do regulamento, com eficácia sobre terceiros” [64].
Maurine Morgan Pimentel Feitosa, nessa esteira, afirma que a economia digital tem o potencial de acentuar a questão atinente aos limites do poder regulamentar da Administração, tendo em vista que “diversos entes políticos editaram atos administrativos com vistas a disciplinar aspectos tributários das novas tecnologias” [65].
Em um contexto de avanço de tecnologias disruptivas, afirma a autora, percebe-se uma perplexidade quanto ao novo e, ao mesmo tempo, uma tendência a se buscar inserir os novos institutos dentro de modelos já existentes. Nesse contexto de incertezas, caberia ao intérprete o “ônus de identificar, diante de cada caso concreto, se o ordenamento jurídico existente contém elementos necessários e suficientes para fins de ensejar a incidência tributária ou se, ao revés, é necessária a atuação do administrador público ou do legislador”. E continua:
“Portanto, o avanço das novas tecnologias pressupõe que o administrador público identifique de que forma deve exercer o seu poder normativo. Em outras palavras, caberá à Administração Tributária verificar se deve regulamentar determinada atividade. Caso a resposta seja positiva, cabe-lhe perquirir de que modo deve fazê-lo, assim como os limites de sua atuação” [66].
A crise do conceito clássico do princípio da legalidade já fora vivida em outras áreas da ciência jurídica, sendo o exercício do poder normativo pelo Executivo, apesar de rechaçado por parcela doutrinária, plenamente compatível com o direito tributário. As peculiaridades da economia digital, por certo, aceleram e intensificam a necessidade de releitura do referido princípio, na medida em que os atos normativos da Administração, editados dentro de parâmetros determinados pelo próprio legislador, se mostram plenamente capazes de atender, com a celeridade e profundidade técnica necessárias, a esse novo padrão econômico.
De tudo que se expôs, pode-se resumidamente afirmar a imperiosidade de uma reforma tributária, de modo a pôr fim aos conflitos federativos tributários e solucionar os problemas de tributação da economia digital, a qual, como já explanado anteriormente, não se adequa aos moldes industriais sobre o qual nosso atual sistema foi construído. Deve-se superar, ainda, a preponderância assumida pelo Judiciário na matéria, admitindo-se meios alternativos de resolução de controvérsias, sendo pertinente o debate, ainda, acerca da releitura do princípio da legalidade, opção interessante em um contexto em que as bases das relações econômicas se alteram em um ritmo que o processo legislativo ordinário jamais seria capaz de acompanhar.
3.2. As soluções propostas em âmbito nacional e internacional
Considerando as dificuldades de se adequar as novas tecnologias aos tradicionais e estanques conceitos do direito tributário, novos modelos vêm sendo pensados e testados internacionalmente. Países do mundo todo perceberam que devem adequar suas legislações à nova realidade econômica, sob pena de perderem, em breve, parcela considerável de sua arrecadação.
O tema vem sendo fortemente debatido pela comunidade internacional. Os países membros da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), por exemplo, se reuniram em mais de uma ocasião para elaborar relatórios sobre a Erosão da Base Tributável e Transferência de Lucros (Base Erosion and Profit Shifting – BEPS).
No primeiro relatório, publicado em 2013 e denominado Ação 1 do Projeto BEPS, buscou-se identificar as dificuldades de se aplicar à economia digital as regras de tributação internacional vigentes, sendo seguido de um Relatório Intermediário (Interim Report), publicado em 2018, no qual foram divulgadas as medidas de tributação da economia digital implementadas globalmente. Nas palavras de Sergio André Rocha:
“Dentre outros aspectos, a Ação 1 propôs a análise das seguintes questões (i) a capacidade de uma empresa ter presença digital significativa na economia de outro país sem estar sujeita à tributação, diante da inexistência de elementos de conexão nas regras de tributação vigentes; (ii) a atribuição de valor agregado à geração de dados relativos a mercados e clientes; (iii) a aplicação das regras de tributação na fonte; (iv) a qualificação dos rendimentos originados dos novos produtos e serviços digitais; (iv) a qualificação dos rendimentos originados dos novos produtos e serviços digitais; e (v) como assegurar a cobrança efetiva do VAT (Value Added Tax)/ GST (Good and Services Tax) diante do fornecimento transnacional de bens e serviços digitais” [67].
Os desafios da economia digital ganharam tamanha relevância que se tornaram alvo de discussões internacionais, de forma que a OCDE abordou algumas opções para enfrentar esses percalços no âmbito da tributação direta, tais como a adoção do critério da presença econômica substantiva como forma de caracterização de um estabelecimento permanente virtual, bem como a utilização do imposto de renda retido na fonte sobre determinadas atividades digitais [68].
No âmbito da tributação indireta, por sua vez, a cobrança do IVA/GST sobre as transações multinacionais, particularmente as realizadas entre empresas e consumidores, é de especial importância para a OCDE. Assim, recomendou-se que os países aplicassem “os princípios das Diretrizes Internacionais/GST IVA elaborados pela OCDE para a cobrança do IVA sobre prestações de serviços nos serviços B2C (business to consumer models) e de bens intangíveis, além de considerar a introdução dos mecanismos de arrecadação nelas estabelecidos, privilegiando o princípio do destino (local onde a mercadoria é consumida)” [69].
A Comissão Europeia, ademais, apresentou propostas de longo e curto prazo para os países europeus. A primeira visa à reforma das regras de tributação das pessoas jurídicas, sendo de mais difícil implementação; já a segunda prevê a instituição de um imposto provisório sobre as principais atividades digitais atualmente excluídas do sistema tributário europeu, visando evitar a adoção de medidas unilaterais pelos Estados-Membros [70].
Entre as medidas unilaterais já adotadas nesse sentido, a mais controvertida, por certo, foi a opção francesa de criação de um imposto único de 3% incidente sobre a receita de empresas de tecnologia com faturamento acima de 25 milhões de euros na França e 750 milhões de euros no mundo. A taxa, chamada de GAFA (acrônimo para Google, Amazon, Facebook e Apple) causou forte reação nos Estados Unidos, que ameaçaram a aplicação de taxas alfandegárias de 100% sobre produtos franceses, dando ensejo a uma tentativa de acordo liderada pela OCDE. Após o fracasso das negociações diplomáticas, no entanto, a França decidiu levar à frente seus planos de tributação digital, sendo tida como pioneira nesse sentido[71].
Embora o estudo das experiências internacionais na tributação digital mostre-se de extrema importância, é certo que a questão no Brasil possui contornos próprios, impondo-se, assim, uma reflexão acerca da melhor forma de se tributar a economia digital no país, considerando as peculiaridades do nosso sistema e a dinâmica de nossas instituições. Dessa forma, a temática repercute também entre os juristas nacionais, que desenvolvem entendimentos variados acerca de qual seria a melhor solução para esses conflitos.
Tathiane Piscitelli afirma, com relação à controvérsia envolvendo Estados e Municípios em torno da tributação de softwares, que eventual reconhecimento, pelo STF, da incidência do ICMS não causaria incongruências insuperáveis à luz das orientações da OCDE. Haveria, contudo, relevantes óbices constitucionais a esse reconhecimento, reputando a autora como correta a incidência do ISS sobre tais operações [72].
A incidência do ISS sobre as operações da economia digital, inclusive os softwares, embora tecnicamente mais correta na visão da autora, traz outras complicações à luz das orientações propostas pela OCDE. O principal aspecto é o fato de que “os municípios não terão estrutura para aderir às orientações da OCDE e nem a lei complementar que regula o imposto o faz”. É inviável, segundo afirma, o recolhimento no destino, tal como privilegiado pela OCDE, em face dos 5.500 municípios brasileiros, com jurisdições independentes e competências tributárias próprias. Ademais, a inexistência de norma atribuindo responsabilidade aos agentes financeiros que intermediam essas operações reforçaria, segundo sua visão, a inviabilidade prática da incidência do ISS. [73]
Referida autora sugere, então, a criação de um tributo federal sobre a economia digital, cuja incidência se daria por ocasião da operação financeira de pagamento do serviço ou bem digital transacionado. Nesse caso, segundo sua proposta, o agente que intermediasse a operação, como a operadora de cartão de crédito, seria responsável pela retenção do imposto na fonte:
“Essa alternativa parece-me ser a mais viável tanto em termos da preservação do pacto federativo quanto em relação ao necessário alinhamento do Brasil às orientações da OCDE na tributação indireta da economia digital. Isso se dá por diversas razões. Em primeiro lugar, estaríamos diante de um tributo federal, cuja incidência seria uniforme em todas as unidades da Federação. Assim, estaria afastada a necessidade de o provedor dos serviços ou bens digitais ter conhecimento de normas tributárias específicas das diversas localidades do Brasil. Ademais, a retenção no momento do pagamento asseguraria, a um só tempo, a observância do princípio do destino e a simplicidade na cobrança do tributo. Por fim, superaríamos a disputa que já perdura mais de duas décadas entre estados e municípios, de modo a inserir o Brasil em um cenário de maior segurança e estabilidade jurídica. Ambos os desideratos são necessários não apenas para o país se alinhar às orientações da OCDE, mas para ser capaz de atrair investimento na área de tecnologia. Contudo, a adoção dessa solução depende, naturalmente, de vontade política dos entes da Federação, que devem se alinhar para apresentar à comunidade internacional um cenário viável quanto à tributação indireta da economia digital no Brasil” [74].
Bernard Appy, mentor da proposta de reforma consubstanciada na PEC no 45/2019, que se comentará a seguir, ressalta o fato de que a tributação dos bens e serviços no Brasil foge do padrão internacional ao atribuir a quatro tributos (PIS/COFINS, IPI, ICMS e ISS) tal tarefa. Na maior parte dos países do mundo, a tributação é feita por meio do imposto de valor agregado (IVA), o qual é cobrado em todas as etapas de produção, com direito a creditamento na fase posterior. Por possuir, normalmente, uma única ou poucas alíquotas incidentes sobre uma ampla gama de bens e serviços, evita-se a discussão de classificação e enquadramento da atividade.
Defende o autor, assim, a existência de um IVA nacional, partilhado entre os diferentes entes federativos. Afirma ser necessário seguir as melhores práticas internacionais, no sentido da instituição de um tributo com base ampla de bens e serviços, crédito abrangente e um sistema eficaz de ressarcimento. Prevê o autor, contudo, grande resistência por parte dos Estados e Municípios, que perdem o poder sobre o ICMS e ISS; de setores econômicos atualmente beneficiados por regimes especiais setoriais de PIS/COFINS; bem como de apoiadores da Zona Franca de Manaus, que poderia ser muito afetada pela eliminação do IPI[75].
Nesta mesma linha, Leonardo Rocha Hammoud demonstra a carência do sistema em lidar com o novo paradigma de percepções imateriais que os meios digitais proporcionaram e as suas reflexões no campo tributário. Ao abordar as disputas entre os entes tributantes, o autor reconhece serem tais conflitos de competências inerentes à organização da economia tradicional. Defende, da mesma forma, a incidência de um imposto único sobre essas operações, visando maior eficiência e à criação de um ecossistema mais harmônico entre Fisco e contribuintes, no qual a cultura da consensualidade supere o comportamento litigioso atualmente predominante na esfera tributária.[76]
Admite o autor, no entanto, que a implementação de um tributo único possivelmente desencadearia um longo debate quanto à repartição das receitas financeiras. Tal discussão, contudo, geraria efeitos muito menores do que aqueles oriundos dos conflitos de competência vivenciados, passando a ser uma questão que “se alojaria no direito financeiro e no pacto de índole constitucional” [77].
Há forte corrente na doutrina nacional, portanto, em defesa da necessidade de reforma do sistema tributário para instituição do tributo único. Interessante sugestão, que vai além das propostas acima referidas, é feita por Sergio André Rocha, segundo o qual os desafios a serem enfrentados não se restringem à alta complexidade da legislação brasileira. Em sua visão, o ponto mais falho do direito tributário nacional reside em um problema institucional e processual, decorrente da ausência de um órgão de aplicação do direito apto a exercer a função de solucionar as controvérsias fiscais[78].
Em seu entendimento, a maior fonte de insegurança no sistema tributário brasileiro reside no alto grau de relevância atribuído à interpretação/aplicação dos textos legais tributários pelo órgão de aplicação. A segurança jurídica pretendida, nessa esteira, só seria possível caso tal órgão tivesse condições de solucionar adequadamente as controvérsias surgidas entre a Fazenda Pública e os contribuintes, o que não se vê atualmente[79].
Propõe o autor, então, a rediscussão do processo tributário, principalmente no que tange à definição sobre quais instituições são responsáveis pela aplicação do direito tributário em si. Defende, assim, a criação de uma justiça tributária especializada, composta por julgadores com formação e conhecimentos tributários e contábeis sólidos, sem necessária formação jurídica. Assim, seria possível alcançar um espaço de consenso entre Fisco e contribuintes, diminuindo a distância que a desconfiança de um sobre o outro desencadeia – a Fazenda partindo da premissa que os contribuintes farão de tudo para driblar as suas responsabilidades tributárias, e os contribuintes acreditando que a Fazenda tenderá sempre a abusar de seu poder para cobrar além do devido, o que acaba gerando uma forte improdutividade[80].
3.3. As propostas de reforma tributária atualmente em trâmite no Congresso
Expostas algumas sugestões trazidas pela doutrina aos problemas identificados no sistema tributário nacional, passa-se a analisar, de forma sucinta, os pontos principais da reforma tributária atualmente em curso no Congresso Nacional, consubstanciada na PEC no 45/2019, PEC no 110/2019 e PL no 3.887/2020, que deverão ser analisadas em conjunto pelo Poder Legislativo [81].
De acordo com as informações constantes no sítio eletrônico da Câmara dos Deputados, ambas as Propostas de Emendas à Constituição têm como principal objetivo a simplificação e a racionalização da tributação sobre o consumo de bens e serviços no Brasil[82]. O PL 3.887/2020, por sua vez, visa à instituição da Contribuição Social sobre Operações com Bens e Serviços (CBS), extinguindo o PIS e COFINS e criando um tributo sobre o valor agregado.
Por meio das duas propostas de emenda (PEC 45/2019 e 110/2019) pretende-se a extinção de alguns tributos e a criação do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), nos moldes dos impostos sobre valor agregado (IVA) existentes em outros países, bem como a criação de um novo imposto, a incidir sobre bens e serviços determinados, chamado Imposto Seletivo.
O Imposto Seletivo, na PEC 110/2019, tem natureza arrecadatória, sendo cobrado sobre operações com petróleo e derivados, combustíveis, lubrificantes, gás natural, cigarros e outros produtos de fumo, energia elétrica, serviços de telecomunicações do art. 21, XI, CRFB/88, bem como bebidas alcóolicas e não alcóolicas, veículos automotores novos, terrestres, aquáticos e aéreos. Já na PEC 45/2019, o Imposto Seletivo possui natureza predominantemente extrafiscal, cobrado de modo a desestimular o consumo de determinado bem, serviço ou direito, listados em lei ordinária.
As previsões a respeito do IBS parecem atender às críticas ao atual sistema mencionadas ao longo deste trabalho. Assim, o novo imposto incidirá sobre todos os bens e serviços, incluindo exploração de bens e direitos, tangíveis e intangíveis, além da operação de locação de bens.
Contudo, há relevantes distinções entre as duas propostas de emenda no que diz respeito (i) à competência tributária do IBS, (ii) ao número de tributos substituídos pelo IBS, (iii) à determinação da alíquota do IBS, bem como (iv) à possibilidade de concessão de benefícios fiscais e (v) à instituição de regimes de transição.
Com relação ao primeiro ponto, atinente à competência tributária, a PEC 110/2019 prevê o IBS como um tributo estadual, instituído por intermédio do Congresso Nacional, com poder de iniciativa reservado a representantes dos Estados e Municípios.
Há, ainda, o Substitutivo à PEC 110/2019, em que se previu a criação de dois IBS: um IBS federal e um IBS estadual/municipal. O federal, então, seria instituído por lei complementar, e o estadual/municipal pelo Congresso Nacional, por lei complementar específica, com poder de iniciativa reservado aos representantes dos Estados e Municípios. Já a PEC 45/2019, por sua vez, constrói o IBS como um tributo federal, instituído por lei complementar federal.
O número de tributos substituídos também difere: enquanto na PEC 110/2019 são substituídos nove tributos (IPI, IOF, PIS, PASEP, COFINS, CIDE-Combustíveis, Salário Educação, ICMS e ISS), na PEC 45/2019 pretende-se substituir essencialmente os cinco tributos incidentes sobre consumo (IPI, PIS, COFINS, ICMS, ISS).
Com relação à determinação da alíquota do IBS, a PEC 110/2019 prevê que caberá à lei complementar a sua fixação uniforme em todo o território nacional, sendo possível a criação de alíquotas diferenciadas para determinados bens e serviços. O Substitutivo à PEC 110/2019, neste ponto, apresenta inovação relevante para o presente trabalho, que é a possibilidade de instituição de alíquotas diferenciadas em razão da utilização de novas tecnologias, caso em que poderão ser minoradas.
A PEC 45/2019, por seu turno, estabelece que caberá a cada ente federativo fixar uma parcela da alíquota total do imposto, uma espécie de sub-alíquota fixada em lei ordinária de competência do ente. Uma vez fixado o conjunto das sub-alíquotas, forma-se a alíquota única aplicável a todos os bens e serviços consumidos ou destinados a cada um dos Municípios ou Estados brasileiros. A alíquota de referência, que irá substituir a arrecadação dos tributos federais (IPI, PIS, COFINS), incidirá sobre a base de cálculo do IBS, excluída a arrecadação do ICMS estadual e do ISS municipal. Dessa forma, todos os bens e serviços destinados a determinado Município/Estado são taxados por uma mesma alíquota, mas a tributação não será uniforme em todo o território nacional, porque, como explicado, cada Município e cada Estado pode fixar sua sub-alíquota.
Por fim, no que diz respeito à concessão de benefícios fiscais, as propostas também apresentam distinções. A PEC 110/2019 autoriza a concessão de benefícios por lei complementar, desde que a operação seja relacionada a alimentos, medicamentos, transporte público coletivo de passageiros urbano, bens do ativo imobilizado, saneamento básico, educação infantil, ensino fundamental, médio, superior e educação profissional. O Substitutivo à PEC 110/2019 mantém a possibilidade de concessão de benefício tanto para o IBS federal quanto para o IBS estadual/municipal, acrescentando novas hipóteses autorizativas. Já a PEC 45/2019, não permite a concessão de benefício fiscal. Em todas as propostas, contudo, há a possibilidade de devolução do imposto recolhido para contribuintes de baixa renda.
Sob o ponto de vista do direito financeiro, embora escape aos limites do presente trabalho, as propostas de emenda também trazem importantes mudanças, sobretudo no que diz respeito à partilha da arrecadação do IBS e à vinculação da arrecadação a fundos financeiros.
Por fim, cumpre analisar os diferentes regimes de transição propostos. No caso da PEC 110/2019, haveria, durante um ano, a cobrança de uma contribuição “teste” de 1%, com a mesma base de incidência do IBS, a qual substituiria os nove tributos ao longo dos cinco anos seguintes, à razão de um quinto ao ano. A PEC 45/2019, prevê, de forma semelhante, a cobrança de uma contribuição teste de 1% durante dois anos, sendo a transição mais alargada, em oito anos, à razão de um oitavo ao ano.
A PEC 110/2019 prevê, ainda, matérias não abarcadas pela PEC 45/2019, entre elas a extinção da contribuição social sobre o lucro líquido (CSLL), que seria incorporada ao IRPJ; a transferência do ITCMD para a competência federal, com arrecadação integralmente destinada aos Municípios; a ampliação da base de incidência do IPVA, que passaria a incidir sobre aeronaves e embarcações, com arrecadação integralmente destinada aos Municípios; e ainda, a possibilidade de criação de adicional do IBS para financiar a previdência social.
Relevante mencionar, ademais, que as três propostas atualmente em trâmite no Congresso (PECs 45 e 110/2019 e PL 3.887/2020) pretendem adotar o regime de crédito financeiro, permitindo o desconto, sobre os IBS/CBS devidos, de qualquer crédito vinculado à atividade empresarial.
As propostas de reforma tributária, como se pôde ver dessa breve análise, parecem atender a parte dos anseios da comunidade tributária, buscando, sobretudo por meio do IBS, a instituição de um tributo único, incidente sobre o comércio de bens e serviços, tangíveis e intangíveis, o que possivelmente poria fim a muitas das discussões atualmente existentes.
É preciso compreender, no entanto, que o modelo de imposto sobre o valor agregado não é idêntico em todos os países em que adotado. Como bem mencionado por Gustavo Brigagão, apesar das imperfeições percebidas nesse tributo ao redor do mundo, ainda assim sua adoção pelo Brasil se mostra necessária:
“O IVA está presente em 168 países – em uns, de forma mais desenvolvida, e, em outros, com imperfeições. Essas imperfeições vêm sendo observadas e revertidas, no decorrer desses 70 anos, pelos países que o adotam. Consequentemente, as técnicas a ele relativas vêm sendo aperfeiçoadas a cada instante. O mais importante: o IVA é um tributo que o investidor estrangeiro conhece e entende. É o tributo com que esse investidor está habituado. Ele não conhece nem quer ouvir falar em IPI, ICMS, ISS, PIS e Cofins, com todas as complexidades e regras ilógicas a que esses tributos estão submetidos. Ele quer que, ao investir no país, possa lidar com um efetivo ‘sistema tributário’, que seja capaz de ‘conversar’ com os demais regimes do mundo. Portanto, não há dúvidas de que a reforma é necessária. Com o tempo e com as mudanças demonstradas acima, o Sistema Tributário Nacional se mostrou inadequado e insuficiente para atender aos atuais e justos anseios dos Fiscos federal, estadual e municipal, bem como do contribuinte brasileiro[83]”.
Qualquer que seja o arranjo político ao final dos debates legislativos, é certo que, ainda que o tributo único resolva a problemática envolvendo a delimitação da competência tributária, pondo fim ao conflito federativo entre os entes, surgirão novas discussões com relação aos parâmetros de divisão desta arrecadação. Eventual discussão federativa nesse sentido, no entanto, estaria restrita ao âmbito do direito financeiro[84], o que já representaria um avanço frente à atual conjuntura, por minimizar o custo de conformidade do contribuinte e eliminar o risco de que sofra bitributação.
As propostas acima analisadas, por certo, não endereçam todos as nuances em torno dos negócios digitais. Parecem responder, no entanto, às críticas acerca da complexidade do sistema tributário nacional, do conflito federativo envolvendo a tributação sobre o consumo, bem como da indefinição dos limites entre mercadoria e serviço. Há de se aguardar, no entanto, o trâmite legislativo das propostas de reforma e posterior regulamentação do novo tributo pela via infraconstitucional.
Ao longo do presente trabalho, buscou-se demonstrar a seriedade do conflito federativo entre Estados e Municípios vivido, há décadas, no direito tributário e que se agrava diante das mudanças oriundas do rápido desenvolvimento da economia digital.
No primeiro capítulo, tratou-se do conflito federativo envolvendo os limites de incidência do ICMS e do ISS, bem como das críticas realizadas ao atual sistema tributário. O histórico do entendimento do STF acerca da tributação de softwares, estudado no segundo capítulo, levou à compilação de algumas lições extraídas desse conflito no capítulo seguinte, ao qual se seguiu uma breve análise dos projetos de reforma atualmente em curso no Congresso. De todo o exposto, pode-se concluir que as propostas de reforma em questão respondem a algumas, mas não todas, as contendas tributárias levantadas neste estudo.
A instituição de um tributo único sobre bens e serviços, com base de incidência ampla e que engloba, inclusive, bens intangíveis, parece atender à primeira lição extraível do presente trabalho. Isso porque é capaz de reduzir a complexidade do sistema, definir contornos claros de competências legislativas, pondo fim ao conflito federativo atual, e superar a obsoleta distinção entre mercadorias e serviços.
A segunda lição tratada anteriormente, no sentido de que o Judiciário não deveria ser o ator preponderante nas relações tributárias, pode ser endereçada por vias infraconstitucionais, por meio de propostas legislativas que aprimorem e estimulem a adoção de meios alternativos de disputas, como a mediação, conciliação e arbitragem. O assoberbamento das Cortes seria mitigado e se retiraria do Judiciário o peso da definição dos rumos da tributação digital.
A terceira lição extraída deste estudo diz respeito à possibilidade de releitura do princípio da legalidade, de forma a manter a legislação tributária atualizada e tecnicamente adequada às especificidades da nova economia por meio do exercício do poder normativo da Administração. Trata-se, contudo, de apontamento a ser levado em consideração pela lei instituidora do IBS, a qual, como defendido por parcela doutrinária, poderia traçar parâmetros claros para a atuação normativa complementar do administrador, em uma conjugação de esforços capaz de atender adequadamente ao novo padrão econômico.
Resta aguardar, portanto, o desenvolvimento da reforma tributária no Congresso, de modo a verificar se os aprendizados oriundos do conflito federativo envolvendo a tributação de softwares, alguns dos quais elencados neste trabalho, serão levados em consideração pelo Poder Legislativo.
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[1] SOUZA NETO, Claudio Pereira de; SARMENTO, Daniel. Direito Constitucional: teoria, história e métodos de trabalho. 2ª ed. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2016. p. 624.
[2] SOUZA NETO, Claudio Pereira de; SARMENTO, Daniel. Direito Constitucional: teoria, história e métodos de trabalho. 2ª ed. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2016. p. 624.
[3] “Fruto dessa influência alienígena, que o clássico João Barbalho reputou séria e proveitosa, mas que outros consideraram equivocada, porque não se fez acompanhar de uma necessária e cautelosa redução sociológica, acabamos adotando o modelo norte-americano – não por acaso passamos a nos chamar República dos Estados Unidos do Brasil -, em que pesem as profundas diferenças nos processos de construção das duas soluções federativas: ‘lá o centripetismo, os Estados, separados, buscando a união, integrando-se; aqui, o centrifugismo, as províncias fundidas, diferenciando-se, de qualquer sorte se separando.’” (MENDES, Ferreira Gilmar; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 6ª ed. São Paulo: Editora Saraiva. p. 1.680.
[4]“A Constituição de 1934, seguindo a linha traçada pela Constituição de 1891, estabeleceu competências tributárias privativas para a União e Estados, além de hipóteses de competência concorrente entre eles. Contudo, a grande inovação consistiu em conferir competência tributária aos Municípios, dando densidade jurídica à autonomia, prevista desde a Constituição anterior. Cabe remarcar que a Constituição de 1934 previu, na esfera estadual, por meio do seu artigo 8º, I, e, o chamado imposto sobre vendas e consignações, que foi o predecessor do atual imposto sobre circulação de mercadorias e serviços – ICMS. Ademais, por meio de dispositivo que se repetiu nas Constituições de 1937 e 1946, estabeleceu-se que o imposto seria uniforme, sem distinção de procedência, destino ou espécie dos produtos.” FEITOSA, Maurine Morgan Pimentel. O conflito de competência entre o ICMS e o ISS: um estudo de casos na era da internet. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2018. p. 266.
[5] “De outro lado, tanto a EC nº 18/1965 como o Código Tributário Nacional classificaram os impostos em quatro grandes grupos, a saber, impostos sobre comércio exterior, impostos sobre o patrimônio e a renda, impostos sobre a produção e a circulação e impostos especiais. Inicialmente, dispôs a Emenda nº 18/1965 que os impostos sobreo comércio exterior, que englobam tanto o imposto sobre a importação como o imposto sobre a exportação, passariam à órbita federal (art.7º). Em seguida, quanto aos impostos sobre o patrimônio e a renda, o constituinte derivado atribuiu, igualmente, à União, a competência para instituir o imposto sobre a propriedade territorial rural e o imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza (art. 8º).Ainda no âmbito dos impostos sobre o patrimônio e a renda, o imposto sobre a transmissão, a qualquer título, de bens imóveis por natureza ou por cessão física, e de direitos reais sobre imóveis foi inserido na competência estadual (art. 9º), ao passo que o imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana foi mantido na esfera municipal (art. 10). Já no que concerne aos impostos sobre a produção e a circulação, a EC nº 18/1965 atribuiu à União a competência para instituir o imposto sobre produtos industrializados, o imposto sobre operações de crédito, câmbio e seguro e o imposto sobre serviços de transportes e comunicações, salvo os de natureza estritamente municipal (arts. 11 a 15)”. FEITOSA, Maurine Morgan Pimentel. O conflito de competência entre o ICMS e o ISS: um estudo de casos na era da internet. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2018. p 266.
[6] “Aos Estados, por sua vez, foi conferida competência para o imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias, realizadas por comerciantes, industriais e produtores – ICM (art. 12). Portanto, o antigo imposto sobre vendas e consignações passou a assumir nova roupagem jurídica. Embora tenha mantido a previsão de uniformidade que já constava das Constituições de 1934, 1937 e 1946, o art. 12, §1º, EC nº 18/1965 inovou ao prever resolução do Senado Federal para fixar o limite máximo da alíquota do ICM nas operações interestaduais. Ademais, outras importantes inovações consistiram na previsão de não cumulatividade do imposto, através do abatimento, em cada operação, do montante cobrado nas anteriores, além da consagração do princípio da seletividade, mediante a isenção de gêneros de primeira necessidade definidos para vendas a varejo, diretamente ao consumidor (art. 12, §2º).” FEITOSA, Maurine Morgan Pimentel. O conflito de competência entre o ICMS e o ISS: um estudo de casos na era da internet. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2018. p. 266.
[7] FEITOSA, Maurine Morgan Pimentel. O conflito de competência entre o ICMS e o ISS: um estudo de casos na era da internet. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2018. p. 266.
[8] FEITOSA, Maurine Morgan Pimentel. O conflito de competência entre o ICMS e o ISS: um estudo de casos na era da internet. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2018. p. 266.
[9] SOUZA NETO, Claudio Pereira de; SARMENTO, Daniel. Direito Constitucional: teoria, história e métodos de trabalho. 2ª ed. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2016. p. 624.
[10] FEITOSA, Maurine Morgan Pimentel. O conflito de competência entre o ICMS e o ISS: um estudo de casos na era da internet. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2018. p. 266.
[11] APPY, Bernard. Por que o sistema tributário brasileiro precisa ser reformado? Interesse Nacional, v. 8, n. 31, p. 65-81, 2015. Disponível em: <https://www.ccif.com.br/wp-content/uploads/2020/06/Appy_Tributacao_1610.pdf>. Acesso em: 20 dez 2020.
[12] HABLE, José. O sistema tributário nacional nos cinquenta anos do Código Tributário Nacional e os sobreprincípios da segurança jurídica e da justiça fiscal. Reforma Tributária: Ipea-OAB/DF, Rio de Janeiro, p. 268, 2018. Disponível em: < http://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/8634/1/O%20Sistema.pdf>. Acesso em: 20 dez 2020.
[13] HABLE, José. O sistema tributário nacional nos cinquenta anos do Código Tributário Nacional e os sobreprincípios da segurança jurídica e da justiça fiscal. Reforma Tributária: Ipea-OAB/DF, Rio de Janeiro, p. 268, 2018. Disponível em: < http://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/8634/1/O%20Sistema.pdf>. Acesso em: 20 dez 2020.
[14] TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário. 2ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2014. V. 2, p. 423.
[15] NOGUEIRA, Ruy Barbosa; NOGUEIRA, Paulo Roberto Cabral. Direito Tributário Aplicado e Comparado. Rio de Janeiro: Editora Forense, Rio de Janeiro, 1977. Vol. II, p. 199.
[16] XII - cabe à lei complementar: a) definir seus contribuintes; b) dispor sobre substituição tributária; c) disciplinar o regime de compensação do imposto; d) fixar, para efeito de sua cobrança e definição do estabelecimento responsável, o local das operações relativas à circulação de mercadorias e das prestações de serviços; e) excluir da incidência do imposto, nas exportações para o exterior, serviços e outros produtos além dos mencionados no inciso X, "a"; f) prever casos de manutenção de crédito, relativamente à remessa para outro Estado e exportação para o exterior, de serviços e de mercadorias; g) regular a forma como, mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal, isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados. h) definir os combustíveis e lubrificantes sobre os quais o imposto incidirá uma única vez, qualquer que seja a sua finalidade, hipótese em que não se aplicará o disposto no inciso X, b; i) fixar a base de cálculo, de modo que o montante do imposto a integre, também na importação do exterior de bem, mercadoria ou serviço.
[17] Art. 2° O imposto incide sobre: (...) V - fornecimento de mercadorias com prestação de serviços sujeitos ao imposto sobre serviços, de competência dos Municípios, quando a lei complementar aplicável expressamente o sujeitar à incidência do imposto estadual.
[18] 7.02 – Execução, por administração, empreitada ou subempreitada, de obras de construção civil, hidráulica ou elétrica e de outras obras semelhantes, inclusive sondagem, perfuração de poços, escavação, drenagem e irrigação, terraplanagem, pavimentação, concretagem e a instalação e montagem de produtos, peças e equipamentos (exceto o fornecimento de mercadorias produzidas pelo prestador de serviços fora do local da prestação dos serviços, que fica sujeito ao ICMS).
7.05 – Reparação, conservação e reforma de edifícios, estradas, pontes, portos e congêneres (exceto o fornecimento de mercadorias produzidas pelo prestador dos serviços, fora do local da prestação dos serviços, que fica sujeito ao ICMS).
13.05 - Composição gráfica, inclusive confecção de impressos gráficos, fotocomposição, clicheria, zincografia, litografia e fotolitografia, exceto se destinados a posterior operação de comercialização ou industrialização, ainda que incorporados, de qualquer forma, a outra mercadoria que deva ser objeto de posterior circulação, tais como bulas, rótulos, etiquetas, caixas, cartuchos, embalagens e manuais técnicos e de instrução, quando ficarão sujeitos ao ICMS.
14.01 – Lubrificação, limpeza, lustração, revisão, carga e recarga, conserto, restauração, blindagem, manutenção e conservação de máquinas, veículos, aparelhos, equipamentos, motores, elevadores ou de qualquer objeto (exceto peças e partes empregadas, que ficam sujeitas ao ICMS).
14.03 – Recondicionamento de motores (exceto peças e partes empregadas, que ficam sujeitas ao ICMS).
17.11 – Organização de festas e recepções; bufê (exceto o fornecimento de alimentação e bebidas, que fica sujeito ao ICMS).
[19] Súmula 574, STF: Sem lei estadual que a estabeleça, é ilegítima a cobrança do imposto de circulação de mercadorias sobre o fornecimento de alimentação e bebidas em restaurante ou estabelecimento similar.
Súmula 163, STJ: O fornecimento de mercadorias com a simultânea prestação de serviços em bares, restaurantes e estabelecimentos similares constitui fato gerador do ICMS a incidir sobre o valor total da operação.
[20] Súmula 156, STJ: A prestação de serviço de composição gráfica, personalizada e sob encomenda, ainda que envolva fornecimento de mercadorias, está sujeita, apenas, ao ISS.
Súmula 662, STF: É legítima a incidência do ICMS na comercialização de exemplares de obras cinematográficas, gravados em fitas de videocassete.
[21] Art. 110. A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias.
[22] Súmula Vinculante 31: É inconstitucional a incidência do imposto sobre serviços de qualquer natureza - ISS sobre operações de locação de bens móveis.
[23] STF, Pleno, RE 116.121, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 11/10/2000.
[24] RECURSO EXTRAORDINÁRIO. DIREITO TRIBUTÁRIO. ISS. ARRENDAMENTO MERCANTIL. OPERAÇÃO DE LEASING FINANCEIRO. ARTIGO 156, III, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. O arrendamento mercantil compreende três modalidades, [i] o leasing operacional, [ii] o leasing financeiro e [iii] o chamado lease-back. No primeiro caso há locação, nos outros dois, serviço. A lei complementar não define o que é serviço, apenas o declara, para os fins do inciso III do artigo 156 da Constituição. Não o inventa, simplesmente descobre o que é serviço para os efeitos do inciso III do artigo 156 da Constituição. No arrendamento mercantil (leasing financeiro), contrato autônomo que não é misto, o núcleo é o financiamento, não uma prestação de dar. E financiamento é serviço, sobre o qual o ISS pode incidir, resultando irrelevante a existência de uma compra nas hipóteses do leasing financeiro e do lease-back. Recurso extraordinário a que se nega provimento. (RE 592905, Relator(a): EROS GRAU, Tribunal Pleno, julgado em 02/12/2009, REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-040 DIVULG 04-03-2010 PUBLIC 05-03-2010 EMENT VOL-02392-05 PP-00996 LEXSTF v. 32, n. 375, 2010, p. 187-204 JC v. 36, n. 120, 2010, p. 161-179).
[25] BICHARA, Luiz Gustavo A.; GIARDINA, Francisco Carlos Rosas; TOSTES, Guilherme. A insegurança jurídica no conceito constitucional de serviço sujeito ao ISS, à luz da jurisprudência do STF. Temas de Direito Tributário em Homenagem a Gilberto de Ulhoa Canto. Belo Horizonte, Ed. Arraes, 2020. Vol. II, p. 341.
[26] RECURSO EXTRAORDINÁRIO. DIREITO TRIBUTÁRIO. INCIDÊNCIA DE ISS SOBRE ATIVIDADES DESENVOLVIDAS PELAS OPERADORAS DE PLANO DE SAÚDE. RECEITAS ORIUNDAS DAS MENSALIDADES PAGAS PELOS BENEFICIÁRIOS DOS PLANOS. LEI COMPLEMENTAR 116/2003. RELEVÂNCIA DA MATÉRIA E TRANSCENDÊNCIA DE INTERESSES. MANIFESTAÇÃO PELA EXISTÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL DA QUESTÃO CONSTITUCIONAL. (STF – RG RE 651.703 PR – PARANÁ, Relator Min. LUIZ FUX, Data de Julgamento: 06/09/2012, Data de Publicação: DJe-183 18/09/2012).
[27] RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM REPERCUSSÃO GERAL. Tema 300. Tributário. Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza. Incidência sobre contrato de franquia. Possibilidade. Natureza híbrida do contrato de franquia. Reafirmação de jurisprudência. Recurso improvido (RE 603.136, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 29/05/2020, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-149 DIVULG 15/06/2020, PUBLIC 16/06/2020).
[28] BICHARA, Luiz Gustavo A.; GIARDINA, Francisco Carlos Rosas; TOSTES, Guilherme. A insegurança jurídica no conceito constitucional de serviço sujeito ao ISS, à luz da jurisprudência do STF. In: BRIGAGÃO, Gustavo; MATA, Juselder Cordeiro da (Org.). Temas de Direito Tributário em Homenagem a Gilberto de Ulhoa Canto. Belo Horizonte, Ed. Arraes, 2020. Vol. II, p. 337.
[29] SCHOUERI, Luís Eduardo; GALDINO, Guilherme. Internet das coisas à luz do ICMS e do ISS: entre mercadoria, prestação de serviço de comunicação e serviço de valor adicionado. In: FARIA, Renato Vilela; SILVEIRA, Ricardo Maitto da; MONTEIRO, Alexandre Luiz M. R (Coord.). Tributação da Economia Digital: Desafios no Brasil, experiências e novas perspectivas. São Paulo: Saraiva, 2018, pp. 245-268.
[30] Luiz Guilherme de Medeiros Ferreira, Marcos Nóbrega. R. bras. de Dir. Público – RBDP | Belo Horizonte, ano 17, n. 66, p. 9-29, jul./set. 2019.
[31] Luiz Guilherme de Medeiros Ferreira, Marcos Nóbrega. R. bras. de Dir. Público – RBDP | Belo Horizonte, ano 17, n. 66, p. 9-29, jul./set. 2019.
[32] Como exemplo dessa mudança de paradigmas, os autores elencam o caso dos aplicativos de transporte, fontes de debate no Município de São Paulo. A dúvida consistia em saber se essa atividade era de intermediação de negócios ou se poderia possuir característica de puro licenciamento de software, a depender do modelo de contratação. O caso não envolvia conflito federativo, mas a depender do modelo de negócio adotado, a alíquota de ISS poderia variar de 2,9% a 5%. Confira-se a explanação: “Considere que determinado aplicativo cobre simplesmente um valor fixo mensal de cada motorista para utilização de sua plataforma, licenciando a este o uso do correspondente SW [software]. Outro concorrente seu pode apostar em outra forma de precificação, preferindo uma cobrança direta do usuário final (passageiro) de acordo o valor da corrida, remunerando o motorista por um percentual de sua receita. Nesses dois exemplos temos a utilidade (transporte) e as mesmas partes envolvidas (aplicativo, motorista, passageiro). Porém, a simples alteração da precificação da oferta já é suficiente para cambiar as características do negócio, preponderando no primeiro o simples licenciamento e no segundo o efetivo serviço de intermediação. Ou seja, a “natureza jurídica intrínseca” ao objeto contratado cede espaço à sua funcionalidade extrínseca (pois depende da função exercida no modelo de negócios, e não de si mesma). Essa diferença, no município de São Paulo por exemplo, gera uma variação de alíquota de 2,9% (licenciamento) para 5% (intermediação), ou seja, inevitável fonte de mais controvérsia e contencioso. Não é admissível que um sistema tributário racional atribua uma diferente tributação para duas atividades iguais, que tenham como única diferença sua forma de precificação ou modelagem negocial”.
[33] Luiz Guilherme de Medeiros Ferreira, Marcos Nóbrega. R. bras. de Dir. Público – RBDP | Belo Horizonte, ano 17, n. 66, p. 9-29, jul./set. 2019.
[34] “Caberá à lei complementar concretizar os limites e os fins garantidores da uniformidade federativa, de acordo com os quais os Municípios poderão exercer sua autonomia. A autonomia municipal não é anterior ou independente das limitações decorrentes dos ideais de uniformidade e unidade federativas; é resultado deles. (...) A competência municipal nasce, assim, limitada desde já pela Constituição Federal. (...) os limites e os fins, aos quais os Municípios estão jungidos no exercício da sua competência, são estabelecidos por meio de lei complementar”. ÁVILA, Humberto. O Imposto Sobre Serviços e a Lei Complementar 116/03. In: ROCHA, Valdir de Oliveira (Coord.). O ISS e a LC n. 116. São Paulo: Dialética, 2003, p. 103.
[35] Art. 146. Cabe à lei complementar: I - dispor sobre conflitos de competência, em matéria tributária, entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios.
[36] SERPA, Lyvia de Moura Amaral. Conflito de competência entre Estados e Municípios e as operações envolvendo transferência e/ou licenciamento para uso de software. In: OLIVEIRA, Gustavo da Gama Vital de; GOMES, Marcus Livio; ROCHA, Sérgio André (Coord.). Tributação da economia digital. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2019. P. 61.
[37] Nesse sentido, confira-se a divergência: “MIGUEL e OZAI (2016) defendem que o ICMS alcança os “bens digitais”, independentemente de um suporte físico, sustentando ainda que o conceito de circulação é amplo, abrangendo a circulação econômica, não se restringindo à transferência de titularidade jurídica. Para os autores, ‘a incidência tributária leva em conta a natureza da operação relativa à circulação de bens corpóreos ou digitais. Se em uma transação que configure licença de uso, ocorrer uma circulação do bem digital em caráter eventual, sem finalidade mercantil, é certo que não haverá incidência do ICMS, pois não se verificam os elementos caracterizadores da hipótese de incidência desse tributo’. Em sentido contrário, SAMUEL (2017) argumenta que ‘a circulação passível de tributação pressupõe a existência da transferência de titularidade das mercadorias’ e que ‘existem dois principais critérios conotativos aptos a determinar o que se entende por mercadoria, que são: o caráter corpóreo e a destinação à venda’, de maneira que ‘qualquer bem que não possua qualquer um destes critérios está fora do campo de incidência do ICMS”. SERPA, Lyvia de Moura Amaral. Conflito de competência entre Estados e Municípios e as operações envolvendo transferência e/ou licenciamento para uso de software. In: OLIVEIRA, Gustavo da Gama Vital de; GOMES, Marcus Livio; ROCHA, Sérgio André (Coord.). Tributação da economia digital. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2019. P. 61.
[38] SERPA, Lyvia de Moura Amaral. Conflito de competência entre Estados e Municípios e as operações envolvendo transferência e/ou licenciamento para uso de software. In: OLIVEIRA, Gustavo da Gama Vital de; GOMES, Marcus Livio; ROCHA, Sérgio André (Coord.). Tributação da economia digital. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2019. P. 61.
[39] O acolhimento dessa tese pelo Judiciário deu ensejo à Súmula no 166, STJ: “Não constitui fato gerador do ICMS o simples deslocamento de mercadoria de um para outro estabelecimento do mesmo contribuinte.”
[40] Confira-se o item 1.05, da Lista Anexa à LC 116/2003: “1.05 – Licenciamento ou cessão de direito de uso de programas de computação.”
[41] DIREITO CONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIO. LICENCIAMENTO OU CESSÃO DE DIREITO. PROGRAMAS DE COMPUTADOR PERSONALIZADOS (SOFTWARE). INCIDÊNCIA DE ISS. ARTIGO 156, III, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. MANIFESTAÇÃO PELA REPERCUSSÃO GERAL. (RE 688223 RG, Relator(a): LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 20/09/2012, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-195 DIVULG 03-10-2012 PUBLIC 04-10-2012)
[42] FEITOSA, Maurine Morgan Pimentel. O conflito de competência entre o ICMS e o ISS: Um estudo de casos na era da internet. 1ª ed. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2018. P. 88.
[43] EMENTA: I. Recurso extraordinário: prequestionamento mediante embargos de declaração (Súm. 356). A teor da Súmula 356, o que se reputa não prequestionado é o ponto indevidamente omitido pelo acórdão primitivo sobre o qual "não foram opostos embargos declaratórios". Mas se, opostos, o Tribunal a quo se recuse a suprir a omissão, por entendê-la inexistente, nada mais se pode exigir da parte (RE 210.638, Pertence, DJ 19.6.98). II. RE: questão constitucional: âmbito de incidência possível dos impostos previstos na Constituição: ICMS e mercadoria. Sendo a mercadoria o objeto material da norma de competência dos Estados para tributar-lhe a circulação, a controvérsia sobre se determinado bem constitui mercadoria é questão constitucional em que se pode fundar o recurso extraordinário. III. Programa de computador ("software"): tratamento tributário: distinção necessária. Não tendo por objeto uma mercadoria, mas um bem incorpóreo, sobre as operações de "licenciamento ou cessão do direito de uso de programas de computador" " matéria exclusiva da lide ", efetivamente não podem os Estados instituir ICMS: dessa impossibilidade, entretanto, não resulta que, de logo, se esteja também a subtrair do campo constitucional de incidência do ICMS a circulação de cópias ou exemplares dos programas de computador produzidos em série e comercializados no varejo - como a do chamado "software de prateleira" (off the shelf) - os quais, materializando o corpus mechanicum da criação intelectual do programa, constituem mercadorias postas no comércio. (RE 176626, Relator(a): SEPÚLVEDA PERTENCE, Primeira Turma, julgado em 10/11/1998)
[44] PISCITELLI, Tathiane et al. Impactos do julgamento da ADI no 1.945 na tributação de software. Jota, 2020. Disponível em: <https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/impactos-do-julgamento-da-adi-no-1-945-na-tributacao-do-software-28062020>. Acesso em 24 dez 2020.
[45] SERPA, Lyvia de Moura Amaral. Conflito de competência entre Estados e Municípios e as operações envolvendo transferência e/ou licenciamento para uso de software. In: OLIVEIRA, Gustavo da Gama Vital de; GOMES, Marcus Livio; ROCHA, Sérgio André (Coord.). Tributação da economia digital. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2019. P. 66.
[46] Nesse julgamento, como dito, defendeu-se uma interpretação mais ampla do conceito constitucional de serviços, desvinculada da teoria civilista, a qual classifica as obrigações entre “de dar” e “de fazer”, a fim de que tal interpretação tornasse a tributação sobre serviços mais consentânea com a realidade econômica atual. O ISS, assim, incidiria sobre atividades que representem tanto obrigações de fazer quanto obrigações mistas, que também incluem uma obrigação de dar, desde que prevalecente o conteúdo da obrigação de fazer.
[47] “Decisão: Em continuidade de julgamento, o Tribunal, por maioria, modulou os efeitos da decisão, atribuindo efeitos ex nunc, a contar da publicação da ata de julgamento do mérito em questão para: a) impossibilitar a repetição de indébito do ICMS incidente sobre operações com softwares em favor de quem recolheu esse imposto, até a véspera da data da publicação da ata de julgamento do mérito, vedando, nesse caso, que os municípios cobrem o ISS em relação aos mesmos fatos geradores; b) impedir que os estados cobrem o ICMS em relação aos fatos geradores ocorridos até a véspera da data da publicação da ata de julgamento do mérito. Ficam ressalvadas (i) as ações judiciais em curso, inclusive de repetição de indébito e execuções fiscais em que se discutam a incidência do ICMS e (ii) as hipóteses de comprovada bitributação, caso em que o contribuinte terá direito à repetição do indébito do ICMS. Por sua vez, incide o ISS no caso de não recolhimento do ICMS ou do ISS em relação aos fatos geradores ocorridos até a véspera da data da publicação da ata de julgamento do mérito. Por fim, modulou os efeitos da decisão para também se estabelecer efeitos ex nunc, a partir da data da publicação da ata de julgamento do mérito, no tocante à declaração de inconstitucionalidade das expressões “adesão, acesso, disponibilização, ativação, habilitação, assinatura” e “ainda que preparatórios”, constantes do art. 2º, § 2º, I, da Lei nº 7.098/98, com redação dada pela Lei nº 9.226/09; e, em relação à expressão “observados os demais critérios determinados pelo regulamento”, presente no art. 13, § 4º, da Lei nº 7.098/98, que já havia sido suspensa no julgamento da medida cautelar (sessão de 19/4/99), a declaração de inconstitucionalidade deve operar efeitos ex tunc, nos termos do voto do Ministro Dias Toffoli, Redator para o acórdão, vencido o Ministro Marco Aurélio, que não modulava os efeitos da decisão. Presidência do Ministro Luiz Fux. Plenário, 24.02.2021 (Sessão realizada por videoconferência - Resolução 672/2020/STF).”
[48] Apesar de haver diferenças nas suas concepções de legalidade, Alberto Xavier, Misabel Derzi, Sacha Calmon e Roque Antonio Carrazza estão entre os ilustres professores defensores de uma formatação tradicional e fechada do princípio da legalidade.
[49] Confira-se, nesse aspecto, as lições de Ricardo Lodi: “Com o advento do Estado Moderno, palco da consagração do princípio da legalidade na Europa Continental, o consentimento quanto à imposição tributária não tem mais o mesmo sentido da época estamental, não só porque os representantes dos contribuintes têm mandato livre, podendo votar de acordo com a sua consciência e com os interesses da Nação, e não mais como desejam os seus representados, mas, principalmente, porque a autorização que se dá por meio da lei deve expressar, pelo menos no plano de sua legitimação, a vontade geral, e não a do representado. Por outro lado, os tributos passaram a ter um caráter permanente, devendo ser cobrado tantas vezes quantas ocorrer o fato gerador enquanto a lei de incidência estiver em vigor, o que também contribui para esvaziar a crença em uma autorização legal do contribuinte para o lançamento. [...] Dessa maneira, a ideia de autoconsentimento do contribuinte como garantia individual contra tributação como fundamento do princípio da legalidade tributária perde espaço no Estado Moderno. Por sua vez, também resta esvaziado o fundamento, muito utilizado nas monarquias dualistas do século XIX, da garantia da liberdade do indivíduo pela reserva de lei, a partir da origem democrática do parlamento. Já se viu que o Estado Democrático de Direito superou a dicotomia entre Estado e Sociedade, que militava a favor do Poder Legislativo, sendo o Poder Executivo dotado de tanta ou mais legitimidade do que o primeiro [...]”. (RIBEIRO, Ricardo Lodi. O Fundamento da Legalidade Tributária: Do Autoconsentimento ao Pluralismo Político. Revista de Informação Legislativa, vol. 45, n. 177, p.215-222, jan./mar. 2008).
[50] Para o ilustre doutrinador Alberto Xavier, por exemplo, o princípio da legalidade tributária não se resume à mera exigência de uma lei tributária, demandando uma lei qualificada (uma “reserva absoluta de lei”), de forma que o princípio da legalidade seria expresso, na verdade, como o princípio da tipicidade da tributação.
Segundo defende, a reserva absoluta de lei significaria que a lei deve conter não apenas o fundamento da conduta da Administração, mas também o próprio critério de decisão do órgão de aplicação do direito. Transforma-se a lei tributária, portanto, em “lex stricta” (princípio da legalidade estrita), que fornece não apenas o fim, mas também o conteúdo da decisão do caso concreto, o qual se obtém por mera dedução da própria lei. Limita-se o órgão de aplicação, assim, à mera subsunção do fato à norma, sendo incabível qualquer valoração pessoal. Assim, conclui Alberto Xavier: “O princípio da tipicidade da tributação traduz-se, pois, na imposição de comandos ao legislador para que formule as leis tributárias: (i) de um modo casuístico ou seletivo, com a consequente proibição de cláusulas gerais (lex stricta); (ii) de modo completo e exclusivo, com a consequente proibição de normas de reenvio (lex completa); (iii) de modo claro e preciso, com a consequente proibição de conceitos indeterminados (lex certa); (iv) de modo expresso, com a consequente proibição de analogia (lex stricta)”. (XAVIER, Alberto. Tipicidade da Tributação, Simulação e Norma Antielisiva. São Paulo: Dialética, 2001, p. 26/29).
[51] XAVIER, Alberto. Tipicidade da Tributação, Simulação e Norma Antielisiva. São Paulo: Dialética, 2001, p. 26/29.
[52] BARROSO, Luís Roberto. Judicialização, ativismo judicial e legitimidade democrática. Suffragium - Revista do Tribunal Regional Eleitoral do Ceará, Fortaleza, v. 5, n. 8, p. 11-22, jan./dez. 2009.
[53] “A judicialização e o ativismo são traços marcantes na paisagem jurídica brasileira dos últimos anos. Embora próximos, são fenômenos distintos. A judicialização decorre do modelo de Constituição analítica e do sistema de controle de constitucionalidade abrangente adotados no Brasil, que permitem que discussões de largo alcance político e moral sejam trazidas sob a forma de ações judiciais. Vale dizer: a judicialização não decorre da vontade do Judiciário, mas sim do constituinte. O ativismo judicial, por sua vez, expressa uma postura do intérprete, um modo proativo e expansivo de interpretar a Constituição, potencializando o sentido e alcance de suas normas, para ir além do legislador ordinário. Trata-se de um mecanismo para contornar, bypassar o processo político majoritário quando ele tenha se mostrado inerte, emperrado ou incapaz de produzir consenso. Os riscos da judicialização e, sobretudo, do ativismo envolvem a legitimidade democrática, a politização da justiça e a falta de capacidade institucional do Judiciário para decidir determinadas matérias.” (BARROSO, Luís Roberto. Judicialização, ativismo judicial e legitimidade democrática. Suffragium - Revista do Tribunal Regional Eleitoral do Ceará, Fortaleza, v. 5, n. 8, p. 11-22, jan./dez. 2009.)
[54]< https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=460454&ori=1 > acesso em 15 fev. 2021
[55] BRIGAGÃO, Gustavo. O sistema tributário nacional e a necessidade de sua revisão. In: BRIGAGÃO, Gustavo; MATA, Juselder Cordeiro da (Org.). Temas de Direito Tributário, em Homenagem a Gilberto de Ulhoa Canto. Belo Horizonte, Editora Arraes, 2020. Capítulo 56, p. 769.
[56] Heleno Taveira Torres, nesse sentido, afirma: “Orçamento público exige previsibilidade de receitas estimadas para que as despesas possam ser realizadas, o que deve ser garantido principalmente por impostos pagos com elevado grau de espontaneidade. Somente quem desconhece o fenômeno da atividade financeira do Estado imagina que mudanças abruptas no sistema tributário possam ser feitas sem os cuidados de proteção do orçamento na sua totalidade” (TORRES, Heleno Taveira. A reforma tributária infraconstitucional pelas medidas alternativas para solução de controvérsias. In: SANTANA, Lais Hadassah; AFONSO, José Roberto (Coord.). Tributação 4.0. São Paulo: Editora Almedina Brasil, 2020. p. 174).
[57] TORRES, Heleno Taveira. A reforma tributária infraconstitucional pelas medidas alternativas para solução de controvérsias. In: SANTANA, Lais Hadassah; AFONSO, José Roberto (Coord.). Tributação 4.0. São Paulo: Editora Almedina Brasil, 2020. p. 179/181.
[58] Nesse sentido, confiram-se os entendimentos da e. STF nos autos do RE no 343.446/SC, julgado em 20/03/2003, que tratava do Seguro de Acidente de Trabalho (SAT), da ADI no 4,697/DF, julgada em 06/10/2016, em que se julgou constitucional lei que estabelecia teto para estipulação de contribuições sociais de interesse profissional, e do RE no 838.284/SC, julgado em 19/10/2016, em que se analisou a Anotação de Responsabilidade Técnica (ART), taxa de polícia devida aos Conselhos de Engenharia, Arquitetura e Agronomia e que também estipulava teto máximo, bem como no RE 651.703/PR, julgado em 29/09/2016, em que se analisou a incidência de ISS sobre planos de saúde. Foram editados, pelo STF, os Temas 829 e 540 de repercussão geral: “Tema 829 - Não viola a legalidade tributária a lei que, prescrevendo o teto, possibilita o ato normativo infralegal fixar o valor de taxa em proporção razoável com os custos da atuação estatal, valor esse que não pode ser atualizado por ato do próprio conselho de fiscalização em percentual superior aos índices de correção monetária legalmente previstos.” e “Tema 540 - É inconstitucional, por ofensa ao princípio da legalidade tributária, lei que delega aos conselhos de fiscalização de profissões regulamentadas a competência de fixar ou majorar, sem parâmetro legal, o valor das contribuições de interesse das categorias profissionais e econômicas, usualmente cobradas sob o título de anuidades, vedada, ademais, a atualização desse valor pelos conselhos em percentual superior aos índices legalmente previstos”.
[59] Parte-se do princípio de que “as leis serão mal interpretadas/aplicadas”, razão pela qual se busca “na sua elaboração, um fechamento conceitual, uma determinação, um enclausuramento, que limite ao máximo a liberdade de conformação do intérprete/aplicador” (ROCHA, Sergio André. Da lei à decisão: A segurança jurídica tributária possível na pós-modernidade. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2017, p. 10/23).
[60] TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário. 2ª. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2014. v. 2., p. 423.
[61] TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário. 2a. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2014. v. 2, p. 435.
[62] TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário. 2a. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2014. v. 2., p. 444.
[63] TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário. 2a. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2014. v. 2, p. 445.
[64] Confira-se: “A lei tributária formal pode ser regulamentada pela Administração através de decretos e outros atos menores (portarias, instruções de serviços, etc.). Há zonas de imprecisão nas leis tributárias e um certo espaço não preenchido pelo próprio legislador que abrem à Administração o poder de complementar a regra da imposição fiscal. Claro que sempre resta a possibilidade de se contrastar tal interpretação administrativa com a do Judiciário, que prevalecerá afinal. Mas não se pode eliminar a competência administrativa na elaboração do regulamento, com eficácia sobre terceiros. [...] No Brasil o positivismo tem procurado minimizar a importância da interpretação administrativa com defender a existência da tipicidade fechada, que é contradictio in terminis, e da legalidade absoluta [...]. O art. 99 do Código Tributário Nacional expressa a adesão a esse raciocínio, ao estabelecer: ‘o conteúdo e o alcance dos decretos restringem-se aos das leis em função das quais sejam expedidos, determinados com a observância das regras de intepretação estabelecidas nesta lei’. Quer dizer: o próprio CTN procura fechar e limitar a atividade regulamentar da Administração, estabelecendo regras para a interpretação das leis tributárias (arts. 107 a 112) de modo pretensamente unívoco e seguro. Só que tais normas de interpretação carecem elas próprias de interpretação, tornando-se inócuas e vazias, donde redunda que a interpretação administrativa ainda encontra amplo campo para a sua efetivação” (TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário. 2a. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2014. v. 2, p. 445/448.)
[65] FEITOSA, Maurine Morgan Pimentel. O Poder Executivo e a Tributação do Software no Brasil: um Enfoque no Princípio da Legalidade. In: OLIVEIRA, Gustavo da Gama Vital; GOMES, Marcus Livio; ROCHA, Sergio André (Org.). Tributação da Economia Digital. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2019. p. 189.
[66] FEITOSA, Maurine Morgan Pimentel. O Poder Executivo e a Tributação do Software no Brasil: um Enfoque no Princípio da Legalidade. In: OLIVEIRA, Gustavo da Gama Vital; GOMES, Marcus Livio; ROCHA, Sergio André (Org.). Tributação da Economia Digital. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2019. p. 191.
[67] ROCHA, Sergio André; CASTRO, Diana Rodrigues Prado de. Ação 1 do Projeto BEPS e as Diretrizes Gerais da OCDE. In: OLIVEIRA, Gustavo da Gama Vital; GOMES, Marcus Livio; ROCHA, Sergio André (Org.), Tributação da Economia Digital. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2019. p. 246.
[68] ROCHA, Sergio André; CASTRO, Diana Rodrigues Prado de. Ação 1 do Projeto BEPS e as Diretrizes Gerais da OCDE. In: OLIVEIRA, Gustavo da Gama Vital; GOMES, Marcus Livio; ROCHA, Sergio André (Org.), Tributação da Economia Digital. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2019. p. 254.
[69] ROCHA, Sergio André; CASTRO, Diana Rodrigues Prado de. Ação 1 do Projeto BEPS e as Diretrizes Gerais da OCDE. In: OLIVEIRA, Gustavo da Gama Vital; GOMES, Marcus Livio; ROCHA, Sergio André (Org.), Tributação da Economia Digital. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2019. p. 254.
[70] ROCHA, Sergio André; CASTRO, Diana Rodrigues Prado de. Ação 1 do Projeto BEPS e as Diretrizes Gerais da OCDE. In: OLIVEIRA, Gustavo da Gama Vital; GOMES, Marcus Livio; ROCHA, Sergio André (Org.), Tributação da Economia Digital. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2019, p. 267/268; e
GOMES, Marcus Livio; CANEN, Doris. Os Relatórios do Projeto BEPS Ação 1, as Propostas da União Europeia e as Atualizações Referentes a Tributação da Economia Digital. In: OLIVEIRA, Gustavo da Gama Vital; GOMES, Marcus Livio; ROCHA, Sergio André (Org.), Tributação da Economia Digital. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2019, p. 171.
[71] “França confirma ‘imposto digital’ para gigantes da tecnologia. Globo.com | Economia, 2020. Disponível em: <https://g1.globo.com/economia/tecnologia/noticia/2020/11/25/franca-confirma-imposto-digital-para-gigantes-de-tecnologia.ghtml>. Acesso em 08 fev 2021.
[72] Haveria, contudo, desafios internos a serem enfrentados, entre eles o fato de a LC 116/2003 ter estabelecido que as licenças de uso de software seriam tributadas via ISS, sendo certo que o art. 146, I, CRFB/88 estabeleceu caber à lei complementar a resolução dos conflitos de competência. Ademais, segundo a autora, “o fato de que outras transações, que igualmente se inserem no contexto da economia digital, como streaming e determinadas camadas da nuvem” levaria a um resultado de inevitável complexidade, eis que “a depender do objeto do contrato, haveria a incidência do imposto estadual ou municipal, ou ambos”. O resultado, segundo a autora, seria ausência de simplicidade e clareza para a empresa o que também implicaria em completo afastamento das diretrizes da OCDE (PISCITELLI, Tathiane. Tributação Indireta da Economia Digital: o Brasil está pronto para aderir às orientações d/a OCDE? Revista de Direito Tributário Atual, v. 43, n. 43, p. 527, 2019).
[73] PISCITELLI, Tathiane. Tributação Indireta da Economia Digital: o Brasil está pronto para aderir às orientações da OCDE? Revista de Direito Tributário Atual, v. 43, n. 43, p. 527, 2019.
[74] PISCITELLI, Tathiane. Tributação Indireta da Economia Digital: o Brasil está pronto para aderir às orientações da OCDE? Revista de Direito Tributário Atual, v. 43, n. 43, p. 527, 2019.
[75] APPY, Bernard. Por que o sistema tributário brasileiro precisa ser reformado?. Interesse Nacional, v. 8, n. 31, p. 07, 2015. Disponível em:
< https://www.ccif.com.br/wp-content/uploads/2020/06/Appy_Tributacao_1610.pdf>. Acesso em: 5 fev 2021.
[76] HAMMOUD, Leonardo Rocha. Imposto único nas operações de internet: a consensualidade como paradigma e o combate aos conflitos tributários na era digital. In: OLIVEIRA, Gustavo da Gama Vital; GOMES, Marcus Livio; ROCHA, Sergio André (Org.). Tributação da Economia Digital. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2019. p.127-140.
[77] HAMMOUD, Leonardo Rocha. Imposto único nas operações de internet: a consensualidade como paradigma e o combate aos conflitos tributários na era digital. In: OLIVEIRA, Gustavo da Gama Vital; GOMES, Marcus Livio; ROCHA, Sergio André (Org.). Tributação da Economia Digital. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2019. p. 140.
[78] ROCHA, Sergio André. Da Lei à Decisão. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2017, p. 108.
[79] ROCHA, Sergio André. Da Lei à Decisão. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2017, p. 108.
[80] ROCHA, Sergio André. Da Lei à Decisão. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2017, p. 108.
[81] O líder do governo na Câmara, deputado Ricardo Barros (PP-PR), afirmou que o parecer sobre a reforma tributária deverá contemplar aspectos de todas as propostas em análise (PECs 45/19 e PEC 110/19 mais o PL 3887/20, dentre outras). Fonte: Agência Câmara de Notícias. Disponível em:
<https://www.camara.leg.br/noticias/724962-proposta-de-reforma-tributaria-vai-unificar-textos-diz-lider-do-governo>. Acesso em 05 fev 2021.
[82] Confira-se o estudo elaborado por Celso de Barros Correia Neto, Fabiano da Silva Nunes, José Evande Carvalho Araujo e Murilo Rodrigues da Cunha Soares, Consultores Legislativos da Área III Direito Tributário e Tributação: REFORMA TRIBUTÁRIA: COMPARATIVO DA PEC 45/2019 (CÂMARA) E DA PEC 110/2019. Disponível em:
<https://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/estudos-e-notas-tecnicas/publicacoes-da-consultoria-legislativa/fiquePorDentro/temas/sistema-tributario-nacional-jun-2019/reforma-tributaria-comparativo-das-pecs-em-tramitacao-2019>. Acesso em 07 fev 2021.
[83] BRIGAGÃO, Gustavo. O sistema tributário nacional e a necessidade de sua revisão. In: BRIGAGÃO, Gustavo; MATA, Juselder Cordeiro da (Org.). Temas de Direito Tributário, em Homenagem a Gilberto de Ulhoa Canto. Belo Horizonte, Editora Arraes, 2020. Capítulo 56, p. 763.
[84] HAMMOUD, Leonardo Rocha. Imposto único nas operações de internet: a consensualidade como paradigma e o combate aos conflitos tributários na era digital. In: OLIVEIRA, Gustavo da Gama Vital; GOMES, Marcus Livio; ROCHA, Sergio André (Org.). Tributação da Economia Digital. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2019. p. 140.
Advogada, formada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ e pós-graduada em Direito e Advocacia Pública pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: LEONARDOS, Gabriela Vieira. Conflito federativo na tributação de software: apontamentos para uma futura reforma do Sistema Tributário Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 26 out 2021, 04:52. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Monografias-TCC-Teses-E-Book/57320/conflito-federativo-na-tributao-de-software-apontamentos-para-uma-futura-reforma-do-sistema-tributrio. Acesso em: 22 dez 2024.
Por: Conteúdo Jurídico
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