SUMÁRIO: Introdução. 1. Da proteção à personalidade jurídica à admissão de sua desconsideração. 2. O incidente de desconsideração da personalidade jurídica no CPC/15. 3. A responsabilidade tributária. 4. A responsabilidade tributária dos administradores. 5. A Súmula no 435 do STJ. 6. O Redirecionamento da Execução Fiscal. 7. Diferenças entre desconsideração da personalidade jurídica e o redirecionamento para o administrador. 8. Inaplicabilidade do incidente de desconsideração da personalidade jurídica às execuções fiscais. Conclusão. Referências Bibliográficas/
INTRODUÇÃO
Muito se discute, ainda hoje, acerca das hipóteses de responsabilização dos sócios por dívidas contraídas pelas sociedades, sobretudo quando estas adotam a forma de sociedade limitada ou de sociedade anônima. Especificamente no Direito Tributário, ganha importância a figura do responsável tributário, notadamente os sócios e administradores das sociedades, sendo comum os casos em que a execução fiscal é redirecionada para atingi-los, desde que preenchidos os requisitos previstos no Código Tributário Nacional.
O Novo Código de Processo Civil estabeleceu rito específico a ser seguido nos casos de desconsideração da personalidade jurídica, cabendo às mais distintas áreas do direito estabelecer os pressupostos materiais para a configuração da desconsideração. Após a edição do novo código, portanto, surgiram dúvidas acerca da aplicabilidade do incidente de desconsideração ao redirecionamento havido no bojo das execuções fiscais.
O presente trabalho buscará examinar as razões pelas quais o incidente em questão se mostra inaplicável ao redirecionamento aos administradores ocorrido nas execuções fiscais. No primeiro capítulo, será brevemente demonstrada a evolução histórica da proteção à autonomia patrimonial das pessoas jurídicas, que nos trouxe ao cenário atual de admissão da desconsideração dessa personalidade. Em seguida, serão expostos os aspectos gerais do procedimento estabelecido pelo CPC/15 para instauração do incidente de desconsideração.
No terceiro, quarto e quinto capítulos, serão exploradas as hipóteses de responsabilidade tributária, como foco para aquela dos sócios e administradores das pessoas jurídicas, bem como a responsabilidade do administrador ante a dissolução irregular da sociedade, admitida pela importantíssima súmula no 435 do STJ. Em seguida, no sexto capítulo, será exposto a forma como ocorre esse redirecionamento no bojo das execuções fiscais.
Já no sétimo capítulo, serão demonstradas, detidamente, as distinções existentes entre o instituto da desconsideração da personalidade jurídica e o do redirecionamento ao administrador das pessoas jurídicas, previsto no art. 135, III, do CTN. Por fim, no oitavo capítulo, será enfim explicado o motivo pelo qual se entende pela inaplicabilidade do incidente de desconsideração da personalidade jurídica aos redirecionamentos nas execuções fiscais, embora a doutrina e a jurisprudência não sejam pacíficas quanto ao tema.
1.dA proteção à personalidade jurídica à admissão de sua desconsideração
O princípio da autonomia patrimonial das pessoas jurídicas, previsto no art. 1.024 do Código Civil, consagra a limitação da responsabilidade dos sócios, a depender do tipo societário adotado. Tal limitação mostra-se interessante não apenas para os empreendedores, mas também para o próprio Estado, na medida em que a separação patrimonial se mostra importante fator de mobilização de recursos financeiros e de incentivo ao desenvolvimento econômico.
É a autonomia patrimonial conferida às pessoas jurídicas, sobretudo aquelas que assumem a forma de sociedade limitada ou sociedade anônima, que permite que os sócios saibam, de antemão, a extensão dos riscos que assumem investindo naquela atividade econômica, e protejam seus patrimônios particulares de eventuais perdas vivenciadas pela sociedade, na medida que responderão apenas com os bens que contribuíram para a formação do capital social.
Tal separação patrimonial permitiu formidável avanço nas relações empresariais, incentivando a assunção de riscos e o empreendedorismo por parte dos particulares. A proteção à personalidade jurídica representa importante corolário da livre iniciativa, valor constitucionalmente protegido no art. 1º de nossa Constituição. Por essas razões, deve-se defender ao máximo a autonomia patrimonial conferida pelo ordenamento às pessoas jurídicas, como meio de se proteger, assim, o livre desenvolvimento das atividades econômicas.
A história das relações econômicas demonstrou, contudo, que tal autonomia patrimonial dava ensejo, não raro, a abusos por parte dos sócios, que se utilizavam da personalidade jurídica para frustrar os credores da sociedade empresária. É comum, assim, se encontrarem sócios que obtêm todos os ganhos da atividade econômica, transferindo os bens da pessoa jurídica para o seu patrimônio particular, e relegando à pessoa jurídica apenas as perdas oriundas daquela atividade.
Justamente de modo a se defender o princípio da autonomia patrimonial das pessoas jurídicas dessas malversações é que foi formulada doutrina da desconsideração da personalidade jurídica. O instituto, que deve ser aplicado quando se constata o uso abusivo da personalidade jurídica com a intenção de prejudicar os credores, foi inspirado na doutrina e jurisprudência inglesas e norte americanas, denominadas “disregard doctrine” ou “lifting the corporate veil”.
Como bem adverte Gustavo Tepedino, tanto a “disregard doctrine” quanto a doutrina do “lifting the corporate veil” não têm por objetivo a anulação da personalidade ou a dissolução da pessoa jurídica, “mas tão somente a desconstituição de cenários reprovados socialmente”. E acrescenta:
“Supera-se o escudo protetor conferido pela pessoa jurídica, episodicamente, a fim de atribuir os efeitos de determinada relação obrigacional, instituída de forma fraudulenta ou abusiva, aos seus sócios ou administradores, os quais passam, por conseguinte, a responder com seu patrimônio pela dívida da pessoa jurídica. Daí a doutrina afastar o termo ‘despersonalização’, tendo também o Projeto de Código Civil seguido este caminho ao distanciar-se da tentação autoritária, cogitada no projeto originário, que aventava a possibilidade de dissolução da pessoa jurídica nos casos de fraude ou abuso.”[1]
A desconsideração, como aduzido por Gilberto Gomes Bruschi, está intimamente ligada à fraude à execução, assim entendida como “todo ato praticado pelo devedor com a finalidade de prejudicar os seus credores, privando-os de legitimamente, haver o que lhes é devido”.[2] Segundo o autor, deve-se interpretar a natureza jurídica da desconsideração como “forma de recusa aos efeitos do ato constitutivo societário, para aquele caso concreto especificamente, mantendo-se, no mais e ante aqueles que não têm relação com o fato, perfeitamente eficaz”.
Já para Fredie Didier, a desconsideração da personalidade jurídica encontra respaldo na função social da propriedade, corolário da denominada “função social da pessoa jurídica” ou “função social da empresa”. Assim, “o caráter de instrumentalidade implica o condicionamento do instituto ao pressuposto do atingimento do fim jurídico a que se destina”, devendo “qualquer desvio ou abuso [...] dar margem para a aplicação da sanção contida na desconsideração da personalidade jurídica”.[3]
De modo quase unânime, contudo, a doutrina entende que a desconsideração da personalidade jurídica foi tratada como medida excepcional, extraordinária, cabível apenas se verificados certos requisitos previstos em lei. No Código Civil, encontram-se no art. 50 os pressupostos necessários à sua configuração:
Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.
A possibilidade de se desconsiderar a personalidade jurídica, como se vê, é prerrogativa atribuída ao juiz, que, segundo o Código Civil, dependerá de requerimento da parte ou do Ministério Público, não lhe cabendo decretá-la de oficio. Desse dispositivo extrai-se, ainda, que os efeitos dessa desconsideração serão pontuais, relativamente a relações jurídicas e obrigações determinadas, reforçando o caráter excepcional do instituto.
A aplicação da desconsideração da personalidade jurídica, deve-se destacar desde logo, não se confunde com a imputação, aos administradores da sociedade, de responsabilidade perante terceiros. Os dois institutos, não obstante a semelhança de pressupostos e de efeitos na sua aplicação, não se confundem. Confira-se a lição de Leonardo Toledo da Silva:
“Os fundamentos societários tradicionais de responsabilização dos administradores perante terceiros são muito pouco elucidativos. Os conceitos utilizados pela doutrina em geral, para organizar esse foco de responsabilidade, são claramente insuficientes para a tutela dos interesses dos terceiros que se relacionam com a sociedade, pautando-se, acima de tudo, nas regras genéricas de responsabilidade civil no direito comum (culpa, dano e nexo causal).
No Brasil, duas foram, no nosso entender, as principais consequências dessa insuficiência dogmática para tutela do interesse de terceiros perante o administrador. A primeira, que será abordada na Parte III, foi a utilização indevida e displicente da diregard doctrine como mecanismo de imputar responsabilidade ao administrador. [...]
A segunda consequência foi que, ante a estagnação dos mecanismos jurídicos societários de responsabilidade do administrador perante terceiros, foi necessária a criação de hipóteses de responsabilidade próprias para microssistemas normativos específicos (como o art. 135 do CTN e os arts. 36, 39 e 40 da Lei n. 6.024/1974).
Por tal razão, no Brasil, foram as hipóteses legais específicas, aliadas à jurisprudência e doutrina que as interpretaram, e estas deram os parâmetros que têm sido mais adotados na disciplina de responsabilidade do administrador perante terceiros.”[4]
Ainda segundo o autor, os deveres legais dos administradores perante terceiros são de caráter aquiliano, encontrando fundamento nos preceitos do direito comum. Assim, dentre os deveres genéricos dos administradores, pode-se citar os deveres de diligência, de lealdade, de informação, de obediência ao objeto social e interesse social, bem como o dever de não agir em conflito de interesses. [5]
Previram os artigos 1.015, p. ú., e 1.016 do Código Civil, nesse sentido, a responsabilidade pessoal dos administradores que agirem com excesso de poderes, estabelecendo o caráter solidário de sua responsabilidade, tanto perante a sociedade quanto perante terceiros prejudicados, quando agirem com culpa no desempenho de suas funções:
Art. 1.015. No silêncio do contrato, os administradores podem praticar todos os atos pertinentes à gestão da sociedade; não constituindo objeto social, a oneração ou a venda de bens imóveis depende do que a maioria dos sócios decidir.
Parágrafo único. O excesso por parte dos administradores somente pode ser oposto a terceiros se ocorrer pelo menos uma das seguintes hipóteses:
I - se a limitação de poderes estiver inscrita ou averbada no registro próprio da sociedade;
II - provando-se que era conhecida do terceiro;
III - tratando-se de operação evidentemente estranha aos negócios da sociedade.
Art. 1.016. Os administradores respondem solidariamente perante a sociedade e os terceiros prejudicados, por culpa no desempenho de suas funções.
Como se vê, a responsabilização do administrador das sociedades empresárias possui contornos distintos da desconsideração da personalidade jurídica, não podendo ser com ela confundida. Nesse sentido, também defende Fredie Didier:
“É importante frisar, curiosamente, que a aplicação da teoria da desconsideração pressupõe a prática de atos aparentemente lícitos (ao menos aparentemente). [...] Enquanto o ato é imputável à sociedade, ele é lícito; torna-se ilícito apenas quando se o imputa ao sócio, ou administrador: se o ilícito, desde logo, pode ser identificado como ato de sócio ou administrador, não é caso de desconsideração. A personalidade jurídica é desconsiderada quando não se puder imputar diretamente o ato fraudulento ao sócio; o ato era aparentemente lícito. Não se deve falar em desconsideração da personalidade jurídica quando o sócio já for responsável pela dívida societária, de acordo com o regime de responsabilidade patrimonial de que faz parte (limitada ou ilimitada, por exemplo).” [6]
Como se defenderá adiante, a hipótese de redirecionamento da execução fiscal aos administradores, tal como prevista no art. 135, III, do CTN, trata de atribuição de responsabilidade pessoal, prevista expressamente em lei, pelos atos praticados com excesso de poder, infração à lei, ao contrato social ou ao estatuto. Não se confunde, assim, com as hipóteses de desconsideração da personalidade jurídica, embora semelhantes nos seus pressupostos.
O art. 50 do Código Civil, acima transcrito, consagra o que a doutrina chama de Teoria Maior da desconsideração da personalidade jurídica, uma vez que exige, para sua configuração, não apenas a insuficiência patrimonial, mas também o abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou confusão patrimonial.
Hodiernamente, a jurisprudência vem admitindo, ainda, interpretações extensivas da previsão do Código Civil, criando-se novas formas de desconsideração, notadamente a desconsideração inversa - quando se busca satisfazer, no patrimônio da sociedade, dívidas pessoais dos sócios – bem como a desconsideração entre empresas do mesmo grupo econômico.
Há, ainda, dispositivos com regras específicas aplicáveis às relações de consumo, aos crimes ambientais e às infrações à ordem econômica, dispostos em leis especiais. Tais formulações, que se aplicam apenas a essas áreas específicas do direito, consagram o que a doutrina chama de Teoria Menor da desconsideração da personalidade jurídica, por exigir apenas o prejuízo do credor para a sua configuração, e não necessariamente o abuso da personalidade através do desvio de finalidade e confusão patrimonial.
Em virtude das distintas normas de direito material que preveem a desconsideração da personalidade jurídica, se fazia necessário uma sistematização da aplicação do instituto. Tal missão foi empreendida pelo novo Código de Processo Civil, que estabeleceu normas gerais procedimentais a serem adotadas sempre que a personalidade da pessoa jurídica pudesse ser desconsiderada no caso concreto.
2.O INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA NO CPC/15
O Novo Código de Processo Civil destinou capítulo específico para o regramento do incidente de desconsideração da personalidade jurídica, contido nos artigos 133 a 137 do Código. O regramento estabelecido primou pelo respeito ao contraditório e ao devido processo legal, buscando evitar que a desconsideração da personalidade jurídica fosse decretada de modo arbitrário pelos magistrados. Nos dizeres de Alexandre Freitas Câmara:
“Importante, ainda, é registrar que este incidente vem assegurar o pleno respeito ao contraditório e ao devido processo legal no que diz respeito à desconsideração da personalidade jurídica. É que sem a realização desse incidente o que se via era a apreensão de bens de sócios (ou da sociedade, no caso de desconsideração inversa) sem que fossem eles chamados a participar, em contraditório, do processo de formação da decisão que define sua responsabilidade patrimonial, o que contraria frontalmente o modelo constitucional de processo brasileiro, já que admite a produção de uma decisão que afeta diretamente os interesses de alguém sem que lhe seja assegurada a possibilidade de participar com influência na formação do aludido pronunciamento judicial (o que só seria admitido, em caráter absolutamente excepcional, nas hipóteses em que se profere decisão concessiva de tutela provisória, e mesmo assim somente nos casos nos quais não se pode aguardar pelo pronunciamento prévio do demandado).
Ora, se ninguém será privado de seus bens sem o devido processo legal, então é absolutamente essencial que se permita àquele que está na iminência de ser privado de um bem que seja chamado a debater no processo se é ou não legítimo que seu patrimônio seja alcançado por força da desconsideração da personalidade jurídica.”[7]
Segundo expressa disposição no art. 795, caput e §4º, do CPC/15, os bens particulares dos sócios não respondem pelas dívidas da sociedade, senão nos casos previstos em lei, sendo “obrigatória a observância do incidente previsto neste Código”. Não há dúvidas, portanto, que o Código de Processo Civil previu normas gerais, aplicáveis às mais distintas áreas do direito, às quais cabem estabelecer pressupostos específicos para a admissão da desconsideração da personalidade jurídica.
Por exemplo, nos processos em que a relação jurídica subjacente for de direito civil, deve-se aplicar especificamente os requisitos trazidos pelo art. 50 do CC/02, o mesmo ocorrendo se a relação for de consumo (art. 28 do CDC) ou quando tratar-se de responsabilidade por dano ambiental (art. 4º da Lei no 9.605/98). A legislação processual, portanto, estabelece o procedimento, cabendo aos diplomas específicos a definição dos pressupostos materiais ensejadores da desconsideração. Nesse sentido, confiram-se as lições de Daniel Amorim Assumpção Neves:
“Reconhecendo que o incidente criado se limita a tratar do procedimento para a desconsideração da personalidade jurídica, o §1º do art. 133 do Novo CPC prevê que a desconsideração da personalidade jurídica observará os pressupostos estabelecidos em lei. A opção do legislador deve ser saudada porque os pressupostos para desconsideração da personalidade jurídica são tema de direito material e dessa forma não devem ser tratados pelo Código de Processo Civil.”[8]
Considerando, assim, que os dispositivos atinentes ao incidente devem regrar a decretação da desconsideração da personalidade jurídica nas mais diversas áreas do direito, passa-se a expor detidamente a forma como se desenvolverá tal procedimento.
Confira-se a redação dos dispositivos do Código de Processo Civil:
Art. 133. O incidente de desconsideração da personalidade jurídica será instaurado a pedido da parte ou do Ministério Público, quando lhe couber intervir no processo.
§ 1o O pedido de desconsideração da personalidade jurídica observará os pressupostos previstos em lei.
§ 2o Aplica-se o disposto neste Capítulo à hipótese de desconsideração inversa da personalidade jurídica.
Art. 134. O incidente de desconsideração é cabível em todas as fases do processo de conhecimento, no cumprimento de sentença e na execução fundada em título executivo extrajudicial.
§ 1o A instauração do incidente será imediatamente comunicada ao distribuidor para as anotações devidas.
§ 2o Dispensa-se a instauração do incidente se a desconsideração da personalidade jurídica for requerida na petição inicial, hipótese em que será citado o sócio ou a pessoa jurídica.
§ 3o A instauração do incidente suspenderá o processo, salvo na hipótese do § 2o.
§ 4o O requerimento deve demonstrar o preenchimento dos pressupostos legais específicos para desconsideração da personalidade jurídica.
Art. 135. Instaurado o incidente, o sócio ou a pessoa jurídica será citado para manifestar-se e requerer as provas cabíveis no prazo de 15 (quinze) dias.
Art. 136. Concluída a instrução, se necessária, o incidente será resolvido por decisão interlocutória.
Parágrafo único. Se a decisão for proferida pelo relator, cabe agravo interno.
Art. 137. Acolhido o pedido de desconsideração, a alienação ou a oneração de bens, havida em fraude de execução, será ineficaz em relação ao requerente
De início, deve-se destacar que a desconsideração terá natureza constitutiva, pois cria-se uma nova relação jurídica nos autos daquele processo. Não se trata de uma ação autônoma, tendo o novo Código afastado definitivamente a dúvida doutrinária que recaía sobre a forma adequada de sua decretação, privilegiando os princípios da celeridade e da economia processual, na linha do que já vinha sendo adotado pelo Superior Tribunal de Justiça. [9]
Dentro do espírito de celeridade e economia processual pensado pelo novo Código, destaca-se, ainda, a desnecessidade de instauração do incidente quando a desconsideração for requerida na petição inicial, como previsto pelo art. 134, §2º. Nesse caso, os sócios serão citados junto da sociedade empresária, participando desde o início daquela relação processual. Ainda que não haja a instauração do incidente, serão aplicáveis, no que couber, as regras procedimentais previstas nos artigos acima transcritos. Portanto, ainda que não seja instalado o incidente para se apurar o pedido de desconsideração, é certo que “nunca será exigido um processo autônomo para tal finalidade” [10].
Como se vê dos dispositivos acima transcritos, o incidente pode ser instaurado a requerimento da parte ou do Ministério Público – nunca ex officio. Quanto à legitimidade do Ministério Público, adverte Daniel Amorim Assumpção Neves que apenas existirá quando participar do processo como autor, e não como custos legis:
“O art. 133, caput, do Novo CPC prevê expressamente que a desconsideração da personalidade jurídica depende de pedido da parte ou do Ministério Públio, com o que afasta a possibilidade de o juiz instaurar o incidente ora analisado de ofício. Já era nesse sentido a previsão do art. 50 do CC. A legitimidade do Ministério Público, apesar de o artigo ora mencionado sugerir ser ampla, deve ser limitada à hipótese em que participa do processo como autor, não havendo sentido em se admitir tal pedido quando funciona no processo como fiscal da ordem jurídica.” [11]
Pode o incidente, ademais, ser instaurado em qualquer fase do processo, inclusive no cumprimento de sentença e na execução de título executivo, sendo possível, assim, a inclusão dos sócios na execução, ainda que os mesmos não tenham participado da fase de conhecimento. De qualquer sorte, a instauração do incidente irá suspender o processo principal, até que se decida a questão da desconsideração, segundo o art. 134, §3º.
A esse respeito, cumpre ressaltar a controvérsia doutrinária existente acerca do momento específico em que se daria a instauração do incidente. Para alguns, o mero pedido da parte já seria suficiente, enquanto para outros somente quando o juízo admite o pedido, analisando os requisitos legais, se poderia considerar verdadeiramente instaurado o incidente. A discussão influi não apenas na determinação de suspensão do processo principal, mas principalmente na hipótese de fraude à execução, da qual se tratará mais adiante. [12]
Em sua petição, deverá o requerente alegar o preenchimento dos pressupostos legais específicos para desconsideração da personalidade jurídica, a depender da natureza da relação jurídica de direito material subjacente. Embora o Código expressamente se refira à necessidade de “demonstração” do preenchimento dos requisitos para a desconsideração, a doutrina vem se posicionando no sentido de que bastaria a apresentação da fundamentação jurídica do pedido, não sendo necessária a apresentação de prova pré-constituída no requerimento.[13] Tal entendimento se coaduna com a disposição do art. 136, que prevê a possibilidade de instrução probatória no bojo do incidente.
Mostra-se pertinente, no entanto, a ressalva feita por Fredie Didier, segundo o qual não se pode pretender instaurar o incidente com base em alegações genéricas de abuso da personalidade jurídica, sob pena de se prejudicar substancialmente a defesa da parte contrária:
“Não bastam, assim, afirmações genéricas de que a parte quer desconsiderar a personalidade jurídica em razão do ‘princípio da efetividade’ ou do ‘princípio da dignidade da pessoa humana’. Ao pedir a desconsideração, a parte ajuíza uma demanda contra alguém; deve, pois, observar os pressupostos do instrumento da demanda. Não custa lembrar: a desconsideração é uma sanção para a prática de atos ilícitos; é preciso que a suposta conduta ilícita seja descrita no requerimento, para que o sujeito possa defender-se dessa acusação.” [14]
Apresentado o pedido pelo requerente, o sócio ou a pessoa jurídica (no caso de desconsideração inversa) serão citados, segundo o art. 135, para se manifestarem em 15 dias, requerendo as provas cabíveis. O contraditório, portanto, será o tradicional, dando-se a oportunidade de defesa ao sócio ou à sociedade, a depender do caso, antes de ser proferida a decisão de desconsideração.
Tal circunstância, evidentemente, não afasta a possibilidade de aplicação do contraditório diferido, decretando-se desde logo a desconsideração, nos casos em que restarem preenchidos “os requisitos típicos para a concessão da tutela de urgência e do pedido de antecipação dos efeitos da desconsideração da personalidade jurídica”. [15]
A adoção do contraditório tradicional pelo legislador é inequívoca, sendo corroborada pelas disposições dos artigos 135 e 136 do Código, que preveem ampla dilação probatória antes que se decida, de fato, a questão da desconsideração, por meio de decisão interlocutória. Admitida a desconsideração, portanto, o sócio passará a ser responsável secundário pela dívida da sociedade empresarial, figurando como litisconsorte passivo da sociedade.
A despeito das controvérsias doutrinárias acerca da qualidade ostentada pelo sócio na demanda originária, se o mesmo passaria a ser parte ou permaneceria como um terceiro, o Superior Tribunal de Justiça não admite a oposição de embargos de terceiro, indicando os embargos à execução como via de defesa adequada a ser manejada pelos sócios atingidos pela decisão de desconsideração da personalidade jurídica. [16]
Nesse sentido, confira-se:
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. PENHORA DE BENS DO SÓCIO PROPRIETÁRIO. OPOSIÇÃO DE EMBARGOS DE TERCEIRO. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. ACÓRDÃO RECORRIDO EM HARMONIA COM O ENTENDIMENTO DO STJ. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. 1. Nos termos da jurisprudência iterativa desta Corte, os embargos do devedor são o meio adequado para defender interesse patrimonial do ex-sócio incluído no polo passivo da execução por força da desconsideração da personalidade jurídica da empresa. 2. Encontrando-se o Tribunal estadual em harmonia com o entendimento do STJ, é de rigor a aplicação da Súmula 83 desta Corte. 3. Agravo regimental não provido. (AgRg no Ag 1378143/SP, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 13/05/2014, DJe 06/06/2014)
Destaca-se, por fim, a recorribilidade da decisão interlocutória que decidir o incidente de desconsideração da personalidade jurídica, seja acolhendo ou rejeitando o seu pedido, com base na redação ampla dada ao inciso IV, do art. 1.015, abaixo transcrito:
Art. 1.015. Cabe agravo de instrumento contra as decisões interlocutórias que versarem sobre:
III - rejeição da alegação de convenção de arbitragem;
IV - incidente de desconsideração da personalidade jurídica;
V - rejeição do pedido de gratuidade da justiça ou acolhimento do pedido de sua revogação;
VI - exibição ou posse de documento ou coisa;
VII - exclusão de litisconsorte;
VIII - rejeição do pedido de limitação do litisconsórcio;
IX - admissão ou inadmissão de intervenção de terceiros;
X - concessão, modificação ou revogação do efeito suspensivo aos embargos à execução;
XI - redistribuição do ônus da prova nos termos do art. 373, § 1o;
XIII - outros casos expressamente referidos em lei.
Parágrafo único. Também caberá agravo de instrumento contra decisões interlocutórias proferidas na fase de liquidação de sentença ou de cumprimento de sentença, no processo de execução e no processo de inventário.
Caso a desconsideração ocorra pelo relator no Tribunal, contudo, o recurso cabível não será o agravo de instrumento, mas sim o agravo interno, nos termos do art. 136, parágrafo único. Da mesma forma, caso seja requerida a desconsideração já na petição inicial – hipótese em que não se instaurará, como visto, um incidente – é possível que a decisão de desconsideração ocorra apenas na sentença, sendo oponível o recurso de apelação nesse caso.
Há precedente do STJ reconhecendo a legitimidade da pessoa jurídica para recorrer da decisão que desconsidera a sua personalidade, desde que o faça para defender a sua regular administração e sua autonomia – não tratando, portanto, dos direitos dos sócios. Confira-se:
RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. LEGITIMIDADE DA PESSOA JURÍDICA PARA INTERPOSIÇÃO DE RECURSO. ARTIGOS ANALISADOS: 50, CC/02; 6º E 499, CPC.
1. Cumprimento de sentença apresentado em 02/09/2009, do qual foi extraído o presente recurso especial, concluso ao Gabinete em 22/11/2013.
2. Discute-se a legitimidade da pessoa jurídica para impugnar decisão judicial que desconsidera sua personalidade para alcançar o patrimônio de seus sócios ou administradores.
3. Segundo o art. 50 do CC/02, verificado "abuso da personalidade jurídica", poderá o juiz decidir que os efeitos de certas e determinadas relações obrigacionais sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.
4. O interesse na desconsideração ou, como na espécie, na manutenção do véu protetor, podem partir da própria pessoa jurídica, desde que, à luz dos requisitos autorizadores da medida excepcional, esta seja capaz de demonstrar a pertinência de seu intuito, o qual deve sempre estar relacionado à afirmação de sua autonomia, vale dizer, à proteção de sua personalidade.
5. Assim, é possível, pelo menos em tese, que a pessoa jurídica se valha dos meios próprios de impugnação existentes para defender sua autonomia e regular administração, desde que o faça sem se imiscuir indevidamente na esfera de direitos dos sócios/administradores incluídos no polo passivo por força da desconsideração.
6. Recurso especial conhecido em parte e, nesta parte, provido.
(REsp 1421464/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 24/04/2014, DJe 12/05/2014)
O STJ, ainda, em recente julgado, admitiu a legitimidade da pessoa jurídica para recorrer da decisão de desconsideração de modo a preservar a sua boa fama, pois haveria interesse em manter incólume o seu patrimônio moral:
AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. INTERESSE. SOCIEDADE. OCORRÊNCIA. REQUISITOS. DESVIO DE FINALIDADE OU CONFUSÃO PATRIMONIAL. NÃO OCORRÊNCIA. NÃO PROVIMENTO. 1. "À pessoa jurídica interessa a preservação de sua boa fama, assim como a punição de condutas ilícitas que venham a deslustrá-la. Dessa forma, quando o anúncio de medida excepcional e extrema que desconsidera a personalidade jurídica tiver potencial bastante para atingir o patrimônio moral da sociedade, à pessoa jurídica será conferida a legitimidade para recorrer daquela decisão" (REsp 1.208.852/SP, Relator Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 12/5/2015, DJe 5/8/2015) 2. A mera circunstância de a empresa devedora ter encerrado suas atividades sem baixa na Junta Comercial ou a inexistência de bens penhoráveis, se não evidenciado dano decorrente de violação ao contrato social da empresa, fraude, ilegalidade, confusão patrimonial ou desvio de finalidade da sociedade empresarial, não autoriza a desconsideração de sua personalidade para atingir bens pessoais de herdeiro de sócio falecido. Inaplicabilidade da Súmula 435/STJ, que trata de redirecionamento de execução fiscal ao sócio-gerente de empresa irregularmente dissolvida, à luz de preceitos do Código Tributário Nacional. 3. Agravo interno a que se nega provimento. (AgInt no AREsp 1003963/RJ, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 03/10/2017, DJe 06/10/2017)
Por fim, há de se destacar a hipótese de fraude à execução. Ante a sua próxima relação com a desconsideração da personalidade jurídica, previu o art. 137 do CPC, ainda, que, uma vez “acolhido o pedido de desconsideração da personalidade jurídica, a alienação ou oneração de bens, havida em fraude à execução, será ineficaz com relação ao requerente”. Nessa esteira, deve-se analisar o disposto no art. 792 do Código:
Art. 792. A alienação ou a oneração de bem é considerada fraude à execução:
I - quando sobre o bem pender ação fundada em direito real ou com pretensão reipersecutória, desde que a pendência do processo tenha sido averbada no respectivo registro público, se houver;
II - quando tiver sido averbada, no registro do bem, a pendência do processo de execução, na forma do art. 828;
III - quando tiver sido averbado, no registro do bem, hipoteca judiciária ou outro ato de constrição judicial originário do processo onde foi arguida a fraude;
IV - quando, ao tempo da alienação ou da oneração, tramitava contra o devedor ação capaz de reduzi-lo à insolvência;
V - nos demais casos expressos em lei.
§ 1o A alienação em fraude à execução é ineficaz em relação ao exequente.
§ 2o No caso de aquisição de bem não sujeito a registro, o terceiro adquirente tem o ônus de provar que adotou as cautelas necessárias para a aquisição, mediante a exibição das certidões pertinentes, obtidas no domicílio do vendedor e no local onde se encontra o bem.
§ 3o Nos casos de desconsideração da personalidade jurídica, a fraude à execução verifica-se a partir da citação da parte cuja personalidade se pretende desconsiderar.
§ 4o Antes de declarar a fraude à execução, o juiz deverá intimar o terceiro adquirente, que, se quiser, poderá opor embargos de terceiro, no prazo de 15 (quinze) dias.
Conjugando-se o art. 792, §3, com o art. 137, tem-se que, embora o termo inicial para que se considere determinado ato como havido em fraude à execução seja a citação da sociedade empresária, a declaração de ineficácia dos atos fraudulentos restará condicionada ao acolhimento do pedido de desconsideração da personalidade jurídica, nos termos do art. 137.
Daniel Amorim Assumpção Neves aponta as relevantes críticas levantadas pela doutrina ao referido dispositivo:
“A interpretação do art. 792, §3º, do Novo CPC, contudo, não vem sendo tranquila na doutrina que já versou sobre o tema. Enquanto a parcela majoritária, partindo de uma interpretação literal do dispositivo legal, entende que a citação lá prevista não é dos sujeitos afetados pela desconsideração, mas da própria pessoa que terá sua personalidade desconsiderada, há corrente doutrinária que defende que a citação seja daqueles que terão seus patrimônios sujeitos à pretensão do credor em razão da desconsideração da personalidade jurídica.
A questão é tormentosa porque o legislador aparentemente não fez a escolha mais adequada ao disciplinar o termo inicial de fraude à execução na desconsideração da personalidade jurídica. Basta imaginar um sócio que, sem ter conhecimento da existência de demanda judicial contra a sociedade empresarial da qual faz parte, aliena bem em transação que venha a ser declarada ineficaz em razão de fraude à execução. Por outro lado, enquanto não for citado no incidente de desconsideração da personalidade jurídica esse sócio não fará parte do processo, não se podendo nesse caso aceitar que um terceiro pratique ato de fraude à execução.
De qualquer forma, não parece ter sido essa a opção do legislador diante da literalidade do art. 792,§3º do Novo CPC, que provavelmente entende ser suficiente a presunção de ciência do sócio do processo movido contra a sociedade para a configuração da fraude à execução.” [17]
A ciência acerca da existência do processo pela pessoa jurídica, assim, seria suficiente à configuração da fraude à execução por parte dos sócios, ainda que não citados, se restar acolhido o pedido de desconsideração ao final do incidente instaurado. Embora possa ser problemática essa presunção de ciência da execução, pelo sócio, desde o momento de citação da pessoa jurídica, eis a escolha inequívoca do legislador.
Demonstrado o novo procedimento previsto no Código para que haja a desconsideração da personalidade jurídica das sociedades, cumpre lembrar que o mesmo será aplicado, em regra, às lides das mais distintas áreas do direito, desde que dirimidas segundo o Código de Processo Civil. A exceção, como se defenderá a seguir, será em matéria tributária, notadamente as execuções fiscais de créditos tributários, às quais se aplicam primariamente a Lei de Execução Fiscal (Lei 6.830/80) e apenas subsidiariamente o CPC.
3.A responsabilidade tributária
Expostas, em linhas gerais, o histórico da admissão da desconsideração da personalidade jurídica, bem como a forma como se dá a instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica no Código de Processo Civil brasileiro, passa-se a expor as formas de atribuição de responsabilidade na seara tributária, para, em seguida, tratar-se especificamente da responsabilidade dos sócios e administradores da pessoa jurídica.
No direito tributário, o sujeito passivo de uma obrigação pode ser um contribuinte ou um responsável. Será contribuinte se tiver uma relação pessoal e direta com o fato gerador, e responsável se, embora de alguma forma vinculada ao fato gerador, não possuir um vínculo direto e pessoal com a hipótese definida em lei.[18] Assim dispõe o art. 128 do CTN:
Art. 128. Sem prejuízo do disposto neste capítulo, a lei pode atribuir de modo expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação, excluindo a responsabilidade do contribuinte ou atribuindo-a a este em caráter supletivo do cumprimento total ou parcial da referida obrigação.
É imprescindível, contudo, que o terceiro apontado como responsável esteja de alguma forma vinculado com o fato gerador, ostentando uma posição que possa facilitar a fiscalização e a tributação. Nesse sentido:
“O responsável tributário não integra a relação contributiva. É sujeito passivo de obrigação própria de colaboração com o Fisco, cumprindo deveres que facilitam a fiscalização ou que impedem o inadimplemento. Só no caso de descumprimento da sua obrigação de colaboração é que assume a posição de garante, passando, então à posição de responsável pela satisfação do crédito tributário. Exemplo é o caso do tabelião que tem a obrigação de exigir do comprador o comprovante de pagamento do ITBI, com o que impede que o negócio seja feito sem que esse tributo tenha sido recolhido. Caso o tabelião cumpra as suas obrigações, exigindo a apresentação da guia de pagamento do imposto, seu patrimônio nada terá que suportar. Descumprindo, contudo, poderá ser obrigado a satisfazer o tributo inadimplido pelo contribuinte. Não tivesse ele nenhuma relação com o fato gerador ou com o contribuinte, sequer poderia ser colocado na posição de responsável tributário, pois não teria como interceder junto ao mesmo.” [19]
Há duas modalidades de responsabilidade, a por “substituição” e a por “transferência”. Na primeira, a sujeição passiva do responsável surge no momento de ocorrência do fato gerador, como, por exemplo, na retenção do IRPF pela fonte pagadora. Na segunda modalidade, por “transferência”, a sujeição passiva do responsável surge em um momento posterior, definido em lei como apto a ensejar a modificação do polo passivo da obrigação.
A responsabilidade tributária pode ser total ou parcial, e levar à solidariedade com o devedor principal - no caso, o contribuinte - à subsidiariedade entre ambos, ou, até mesmo, à liberação do contribuinte do vínculo obrigacional, no caso de responsabilidade por substituição.[20]
Dentre as hipóteses de responsabilidade por transferência incluem-se os casos de responsabilidade por solidariedade (art. 124, do CTN), por sucessão (art. 130 a 133, do CTN) e a de terceiros (art. 134 e 135, do CTN). Confiram-se, por oportuno, os dispositivos em questão:
Art. 124. São solidariamente obrigadas:
I - as pessoas que tenham interesse comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação principal;
II - as pessoas expressamente designadas por lei.
Parágrafo único. A solidariedade referida neste artigo não comporta benefício de ordem.
Art. 130. Os créditos tributários relativos a impostos cujo fato gerador seja a propriedade, o domínio útil ou a posse de bens imóveis, e bem assim os relativos a taxas pela prestação de serviços referentes a tais bens, ou a contribuições de melhoria, subrogam-se na pessoa dos respectivos adquirentes, salvo quando conste do título a prova de sua quitação.
Parágrafo único. No caso de arrematação em hasta pública, a sub-rogação ocorre sobre o respectivo preço.
Art. 131. São pessoalmente responsáveis:
I - o adquirente ou remitente, pelos tributos relativos aos bens adquiridos ou remidos;
II - o sucessor a qualquer título e o cônjuge meeiro, pelos tributos devidos pelo de cujus até a data da partilha ou adjudicação, limitada esta responsabilidade ao montante do quinhão do legado ou da meação;
III - o espólio, pelos tributos devidos pelo de cujus até a data da abertura da sucessão.
Art. 132. A pessoa jurídica de direito privado que resultar de fusão, transformação ou incorporação de outra ou em outra é responsável pelos tributos devidos até à data do ato pelas pessoas jurídicas de direito privado fusionadas, transformadas ou incorporadas.
Parágrafo único. O disposto neste artigo aplica-se aos casos de extinção de pessoas jurídicas de direito privado, quando a exploração da respectiva atividade seja continuada por qualquer sócio remanescente, ou seu espólio, sob a mesma ou outra razão social, ou sob firma individual.
Art. 133. A pessoa natural ou jurídica de direito privado que adquirir de outra, por qualquer título, fundo de comércio ou estabelecimento comercial, industrial ou profissional, e continuar a respectiva exploração, sob a mesma ou outra razão social ou sob firma ou nome individual, responde pelos tributos, relativos ao fundo ou estabelecimento adquirido, devidos até à data do ato:
I - integralmente, se o alienante cessar a exploração do comércio, indústria ou atividade;
II - subsidiariamente com o alienante, se este prosseguir na exploração ou iniciar dentro de seis meses a contar da data da alienação, nova atividade no mesmo ou em outro ramo de comércio, indústria ou profissão.
§ 1o O disposto no caput deste artigo não se aplica na hipótese de alienação judicial:
I – em processo de falência;
II – de filial ou unidade produtiva isolada, em processo de recuperação judicial.
§ 2o Não se aplica o disposto no § 1o deste artigo quando o adquirente for:
I – sócio da sociedade falida ou em recuperação judicial, ou sociedade controlada pelo devedor falido ou em recuperação judicial;
II – parente, em linha reta ou colateral até o 4o (quarto) grau, consangüíneo ou afim, do devedor falido ou em recuperação judicial ou de qualquer de seus sócios; ou
III – identificado como agente do falido ou do devedor em recuperação judicial com o objetivo de fraudar a sucessão tributária.
§ 3o Em processo da falência, o produto da alienação judicial de empresa, filial ou unidade produtiva isolada permanecerá em conta de depósito à disposição do juízo de falência pelo prazo de 1 (um) ano, contado da data de alienação, somente podendo ser utilizado para o pagamento de créditos extraconcursais ou de créditos que preferem ao tributário.
O presente trabalho focará na responsabilidade de terceiros (artigos 134 e 135, do CTN), notadamente a do administrador da pessoa jurídica, prevista no art. 135, III, do CTN. Deve-se, contudo, fazer uma breve digressão para tratar de forma um pouco mais detida as hipóteses de responsabilização de terceiros prevista no art. 134. Confira-se a sua redação:
Art. 134. Nos casos de impossibilidade de exigência do cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte, respondem solidariamente com este nos atos em que intervierem ou pelas omissões de que forem responsáveis:
I - os pais, pelos tributos devidos por seus filhos menores;
II - os tutores e curadores, pelos tributos devidos por seus tutelados ou curatelados;
III - os administradores de bens de terceiros, pelos tributos devidos por estes;
IV - o inventariante, pelos tributos devidos pelo espólio;
V - o síndico e o comissário, pelos tributos devidos pela massa falida ou pelo concordatário;
VI - os tabeliães, escrivães e demais serventuários de ofício, pelos tributos devidos sobre os atos praticados por eles, ou perante eles, em razão do seu ofício;
VII - os sócios, no caso de liquidação de sociedade de pessoas.
Parágrafo único. O disposto neste artigo só se aplica, em matéria de penalidades, às de caráter moratório.
Nos casos previstos no art. 134, os terceiros agiram regularmente, sem violação à lei, ao contrato social ou ao estatuto. O art. 135, do qual se tratará adiante, ao contrário, prevê hipóteses em que se agiu de forma irregular, sendo essa a principal distinção entre ambas as hipóteses de atribuição de responsabilidade a terceiros.
Para que haja a responsabilização das pessoas elencadas no art. 134, é preciso que o contribuinte não tenha meios de cumprir com a sua obrigação. Tal circunstância fica evidente por prever o artigo que a responsabilidade do terceiro só surgirá “nos casos de impossibilidade de exigência do cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte”.
A execução, portanto, deve ser inicialmente proposta contra o contribuinte, apenas podendo haver o redirecionamento para o responsável se a execução for frustrada por insuficiência de bens ou por não ter sido localizado o contribuinte. É certo, assim, que se trata de responsabilidade subsidiária - não obstante previr o artigo, de forma atécnica, a solidariedade – que abrangerá tanto o tributo quanto as multas moratórias, segundo o parágrafo único do artigo 134. Essa responsabilidade, ademais, só será imputável ao terceiro enumerado nas alíneas do artigo em questão se este tiver intervindo ou se omitido indevidamente. [21]
Os requisitos previstos no caput (impossibilidade de cobrança do contribuinte e ação ou omissão indevida por parte do responsável) valem para todos os terceiros elencados nos incisos do artigo, que não responderão de maneira automática e direta pelas obrigações tributárias assumidas pelo contribuinte indicado na lei. A exceção a essa regra serão apenas os casos de atuação com excesso de poderes, em violação à lei, ao contrato social ou ao estatuto, que levam à incidência do art. 135 do CTN, tratado adiante.
Tomando-se como exemplo, portanto, o art. 134, I, é certo que os pais representantes de filhos menores apenas responderão pelos tributos devidos por estes, caso tenham intervindo em determinado ato, ou se omitido indevidamente. Nessa hipótese, seria possível responsabilizar os pais subsidiariamente, ou seja, na impossibilidade de cobrança do tributo do próprio menor.
A hipótese prevista no art. 134, VII, ao prever a responsabilidade dos sócios no caso de liquidação de sociedade de pessoas merece algum destaque. Trata-se de hipótese bastante específica, aplicável apenas no caso em que houver, de fato, a liquidação da sociedade, devendo esta ser necessariamente uma sociedade de pessoas.
Como ensina James Marins, a regra é inaplicável às empresas prestadoras de serviço, comerciais ou industriais organizadas sob a forma de quotas de responsabilidade limitada ou mesmo sob a roupagem de sociedade anônima.[22] Não encontra o referido artigo maior aplicabilidade, ademais, porque, muitas vezes, não há a liquidação propriamente dita da pessoa jurídica devedora, que apenas é encerrada irregularmente pelos seus sócios.
Como se vê, a hipótese prevista no art. 134, VII, do CTN não pressupõe qualquer atuação irregular por parte dos sócios, que agem corretamente liquidando a sociedade de pessoas a qual integram e, por esse motivo, apenas responderão subsidiariamente, pelos atos em que intervierem ou pelas suas omissões. Não se confunde, portanto, com a possibilidade de responsabilização pessoal do sócio-gerente, ou do administrador da sociedade empresária, prevista no art. 135 do CTN, da qual se tratará a seguir.
4.A responsabilidade tributária DOS ADMINISTRADORES
A responsabilidade prevista no art. 135 do CTN, como dito, decorre da atuação irregular de alguma das pessoas elencadas nos seus incisos. Tal responsabilidade é vista, pela ampla maioria da doutrina, como uma responsabilidade pessoal pela obrigação tributária. Confira-se o dispositivo:
Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos:
I - as pessoas referidas no artigo anterior;
II - os mandatários, prepostos e empregados;
III - os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado.
O inciso I do art. 135 se refere às pessoas elencadas no artigo anterior – pais, tutores, curadores, administradores de bens de terceiros, inventariante, síndico, comissário, tabeliães, escrivães, serventuários de ofício e sócios de sociedades de pessoas. É certo, portanto, que tais personagens, caso atuem com excesso de poderes, em infração à lei, ao contrato social ou ao estatuto, deixarão de responder subsidiariamente, na forma prevista no art. 134, e passarão a responder de forma pessoal pela obrigação. [23]
Nos demais incisos do art. 135 incluem-se, ainda, os mandatários, prepostos e empregados (inciso II), bem como diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado (inciso III). Estes últimos dão ensejo a maior parte das discussões doutrinárias e jurisprudenciais, sendo verdadeiramente o foco do presente trabalho.
A grande controvérsia envolve os administradores e dirigentes das sociedades limitadas e sociedades anônimas, nas quais, como visto, os sócios responderão, em regra, apenas pelo montante do capital social integralizado. Também no direito tributário a regra será, evidentemente, que a pessoa jurídica responda pelos tributos oriundos da sua atividade, sendo os atos dos dirigentes imputados à sociedade.
O art. 135, III, do CTN, contudo, afirma que, se o dirigente agir com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos, será pessoalmente responsável pelos tributos decorrentes de sua atuação, respondendo com seu patrimônio particular.
Diga-se, desde logo, que tal hipótese não se confunde com a responsabilidade por infrações, prevista no art. 137, III, c do CTN, que prevê a responsabilidade dos dirigentes das pessoas jurídicas pela prática de ilícitos tributários, com dolo específico de prejudicar a empresa a que dirigem. No art. 135, III, o ato praticado não necessariamente será ilícito tributário, podendo decorrer apenas da ausência de legitimação ou de autorização para a sua prática, também não se exigindo o intuito de lesar a pessoa jurídica.
Embora a responsabilidade do sócio-gerente prevista no art. 135, III, seja dita como pessoal, é certo que a pessoa jurídica não restará excluída do polo passivo da obrigação tributária. Nesse sentido, confiram-se as lições de Ricardo Alexandre:
“Não obstante, o Superior Tribunal de Justiça, ao julgar caso em que a aplicação das regras ora estudadas resultou na responsabilização pessoal de diretores por débitos de uma sociedade, expressamente afirmou que eles ‘respondem para com esta e para com terceiros solidária e ilimitadamente pelo excesso de mandato e pelos atos praticados com violação do estatuto ou lei’ (EResp 174.532-PR). Para chegar a esta conclusão, o STJ percebeu que seria um contrassenso atribuir a ato ilícito praticado por sócio um efeito liberatório sobre a correspondente pessoa jurídica. Para o Tribunal, não há, nem no CTN nem na legislação esparsa, regra afirmando que a responsabilização do terceiro que agiu de forma irregular constitui causa de exclusão de responsabilidade tributária da pessoa jurídica (REsp 1.455.490-PR)” [24]
Tendo em vista que se trata de responsabilidade pessoal decorrente da prática de ilícito, o ideal é que se apure, já na fase administrativa, não apenas a ocorrência do fato gerador, mas o próprio ilícito que faz com que o débito possa ser exigido de terceiro. Verificada a ocorrência do ilícito administrativamente, deve ser lavrado termo apontado tal fato, oportunizando-se às pessoas apontadas como responsáveis o exercício da ampla defesa e do contraditório. [25]
Destaca-se, mais uma vez, que apenas pessoas que possuam verdadeiro poder de gestão podem ser apontadas como responsáveis tributárias, segundo o art. 135, III, do CTN. A responsabilização decorre, assim, da prática de algum ato direto pela pessoa apontada, ou, no mínimo, como bem colocado por Leandro Paulsen, pela tolerância perante a prática de ato abusivo e ilegal, quando em posição de influir para a sua não ocorrência. [26]
A mera condição de sócio, portanto, não se mostra suficiente à responsabilização, não sendo possível imputar ao dirigente responsabilidade por atos praticados em período anterior ou posterior à sua gestão. Confira-se:
“Constitui prova para a configuração da responsabilidade o fato de o agente encontrar-se na direção da empresa na data do cumprimento da obrigação, devendo ter poderes de decisão quando ao não recolhimento do tributo. A mera condição de sócio é insuficiente, pois a condução da sociedade é que é relevante. [...] Sendo a responsabilidade, assim, do diretor, gerente, ou representante, e não do simples sócio sem poderes de gestão, também não é possível responsabilizar pessoalmente o diretor ou o gerente por atos praticados em período anterior ou posterior à sua gestão. Assim, sócios que não tenham tido qualquer ingerência sobre os fatos não podem ser pessoalmente responsabilizados pelos créditos tributários decorrentes.” [27]
Da mesma forma que a mera condição de sócio não é suficiente à configuração da responsabilidade prevista no art. 135, III, do CTN, o mero inadimplemento da obrigação tributária também não configura ato praticado com excesso de poderes, em infração à lei, ao contrato social ou ao estatuto, não sendo capaz de ensejar, portanto, a responsabilização do dirigente.
Esse é o entendimento pacífico do Superior Tribunal de Justiça, que editou, inclusive, o verbete da Súmula no 430 nesse sentido: “O inadimplemento da obrigação tributária pela sociedade não gera, por si só, a responsabilidade solidária do sócio-gerente.” Entende-se, assim, que o inadimplemento se insere na área de atuação normal da empresa, sendo fator inerente ao risco do negócio e dependente da disponibilidade financeira da sociedade, não configurando ato de infração à lei. [28]
Da mesma forma, não constitui ato ilícito o requerimento de falência, que, se verificado no caso concreto, não pode ser invocado pelo Fisco como fundamento para o pedido de aplicação do art. 135, III, do CTN. A falência, em verdade, é o procedimento correto a ser adotado pelo administrador nos casos de grave e insuperável crise financeira da sociedade. Seu requerimento, por esse motivo, não configura hipótese de infração à lei, tampouco de dissolução irregular. Eis o posicionamento do e. STJ:
TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. REDIRECIONAMENTO. INADIMPLEMENTO DA OBRIGAÇÃO DE PAGAR TRIBUTOS. IMPOSSIBILIDADE. FALÊNCIA. 1. O mero inadimplemento da obrigação de pagar tributos não constitui infração legal capaz de ensejar a responsabilidade prevista no artigo 135 do Código Tributário Nacional. Ademais, a quebra da empresa executada não autoriza a inclusão automática dos sócios, devendo estar comprovada a prática de atos com excesso de poderes ou infração à lei. Precedentes. 2. Agravo regimental não provido. (AgRg no REsp 1273450/SP, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 02/02/2012, DJe 17/02/2012)
PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. SÓCIO-GERENTE. REDIRECIONAMENTO. IMPOSSIBILIDADE. ART. 135 DO CTN. DECRETAÇÃO DE FALÊNCIA. RESPONSABILIDADE DO SÓCIO. SUBJETIVIDADE. COMPROVAÇÃO. 1. O redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente da empresa somente é cabível quando comprovado que ele agiu com excesso de poderes, infração à lei ou contra estatuto, ou na hipótese de dissolução irregular da empresa. O simples inadimplemento de obrigações tributárias não caracteriza infração legal. 2. A autofalência é faculdade estabelecida em lei em favor do comerciante impossibilitado de honrar seus compromissos, não se configurando hipótese de dissolução irregular da empresa. 3. Recurso especial conhecido, mas improvido. (REsp 571.740/RS, Rel. Ministro FRANCISCO PEÇANHA MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 02/06/2005, DJ 08/08/2005, p. 253)
Há, portanto, apenas duas formas de dissolução regular da sociedade, quais sejam, o encerramento das atividades após o pagamento de todos os seus débitos tributários, ou o requerimento de falência, caso não seja possível fazê-lo. Por essa razão, não pode o requerimento de falência ou autofalência ser entendido como infração à lei apta a ensejar a aplicação do art. 135 do CTN. Nesse sentido, ainda:
“Note-se que ou a empresa encerra suas atividades após o pagamento de todos os seus débitos tributários, obtendo, assim, a certidão negativa indispensável à requisição de baixa, ou a encerra com débitos que não tem como saldar. Neste último caso, deverá requerer a autofalência. Muitas vezes, porém, simplesmente fecha as portas deixando credores. Mas, ainda assim, é certo que tal dissolução irregular (de fato, não de direito) não é fato gerador de tributo algum; da dissolução, propriamente, não decorre obrigação tributária nova.” [29]
5.A Súmula no 435 do STJ
Expostas as hipóteses de atribuição de responsabilidade pessoal aos administradores da sociedade, destaca-se, nesse momento, a razão mais comum para aplicação do art. 135, III, do CTN: a dissolução irregular da pessoa jurídica. Tal hipótese se dá “através do abandono da sociedade ou da transferência mediante simulação de sua titularidade a terceiros ou, também, na hipótese em que deixa de funcionar em seu domicílio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes (comercial e tributário)”.[30]
O STJ entende que a dissolução irregular dá ensejo à responsabilização do administrador, uma vez que “ao gerente competia adotar as providências legalmente exigíveis para que a dissolução fosse operacionalizada em conformidade com o direito” [31]. Eis o entendimento que levou à edição da Súmula no 435 do STJ: “Presume-se dissolvida irregularmente a empresa que deixar de funcionar no seu domicílio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes, legitimando o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente”.
A presunção a que a súmula faz menção é favorável ao Fisco, ou seja, se a tentativa de citação da empresa no seu domicílio fiscal restar frustrada, presume-se sua dissolução irregular, autorizando-se imediatamente o redirecionamento para os gerentes e demais administradores. Como aponta Hugo de Brito Machado Segundo, contudo, trata-se de presunção relativa, passível de ser ilidida por prova em contrário a ser apresentada na defesa do executado:
“Presume-se, diante de uma dissolução irregular de sociedade de pessoas, que os sócios são todos responsáveis tributários. Entretanto, o STJ tem arestos nos quais admite que estes provem não ter concorrido para tal dissolução. A dissolução irregular operaria uma presunção relativa, que poderia ser elidida em sede de embargos.”[32]
Muito se discute, ainda hoje, se, para aplicação da referida súmula contra dirigente da sociedade seria necessário que o mesmo tivesse poder de gestão à época do inadimplemento, à época da dissolução irregular, ou em ambos os momentos. Há posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais em todos os três sentidos.
Os que defendem a responsabilização do gerente à época da dissolução irregular – independentemente se o mesmo fazia parte ou não da sociedade à época do inadimplemento – calcam-se no entendimento da Súmula no 430 do STJ, segundo a qual o simples inadimplemento do tributo não seria capaz de gerar a responsabilização pessoal do sócio. Assim, o que autorizaria o Fisco a buscar a responsabilização pessoal é justamente a infração à lei, ao contrato social ou ao estatuto, e não o simples inadimplemento, devendo ser o responsabilizado apenas o sócio no momento da dissolução irregular. Nesse sentido:
“O que gera a responsabilização do gerente é o cometimento dos ilícitos estudados ao longo deste tópico, o que pode acontecer, como é bastante comum, contemporaneamente à ocorrência do fato gerador ou o vencimento do tributo, ou noutro momento, como, por exemplo, numa futura dissolução irregular. [...] Assim, a pessoa que exerce a gerência no momento de dissolução irregular da sociedade é responsável pelos tributos eventualmente devidos, mesmo quando não esteve no exercício da gerência no momento da ocorrência do fato gerador.” [33]
Embora a tese acima exposta possua bons fundamentos, é relevante o temor exarado por parcela da doutrina, de que a adoção de tal entendimento abra espaço para alterações societárias fraudulentas, “destinadas a concentrar toda a responsabilidade tributária em determinada pessoa, de forma a livrar da sujeição passiva os verdadeiros causadores e beneficiários do inadimplemento tributário, lesando os direitos da Fazenda Pública”. [34]
O STJ ora encampa a primeira corrente, ora a segunda, havendo, ainda, julgados que apenas admitem a responsabilização do sócio se conjugados dois elementos: a existência de poderes de administração na época do fato gerador do tributo inadimplido e a permanência na sociedade quando de sua dissolução irregular. Diante dessa grave divergência existente, o Recurso Especial no 1.377.019/SP foi afetado como representativo da seguinte controvérsia: "possibilidade de redirecionamento da execução fiscal contra o sócio que, apesar de exercer a gerência da empresa devedora à época do fato tributário, dela regularmente se afastou, sem dar causa, portanto, à posterior dissolução irregular da sociedade empresária".
Embora a questão envolvendo qual administrador poderia ser responsabilizado seja importantíssima, um dos temas sensíveis afetos ao redirecionamento ao sócio por dissolução irregular diz respeito à forma adequada para apuração e formalização dessa responsabilidade. Confira-se, sobre o procedimento de redirecionamento no caso de dissolução irregular, as lições de Mauro Luis Rocha Lopes:
“No Superior Tribunal de Justiça, tem prevalecido o entendimento segundo o qual, para os fins do disposto no art. 135, inciso III, do CTN, a dissolução irregular da sociedade, que simplesmente deixa de operar, sem a quitação dos tributos que oneraram suas atividades, gera a responsabilidade do gerente ou diretor pelas dívidas tributárias da empresa. [...]
Indícios de dissolução irregular de uma sociedade costumam ser evidenciados nos próprios autos da execução fiscal, como no caso em que o oficial de justiça certifica não ter podido realizar a diligência de citação em razão de a empresa não estar mais localizada no seu endereço declarado e de não possuir bens. [...]
Note-se que a simples devolução da carta citatória, pelos correios, não enseja a presunção de dissolução irregular da sociedade, já que a informação lançada pelo carteiro não ostenta o atributo da ‘fé pública’. Assim, diante da inviabilidade de se realizar a citação por via postal, deve ser extraído mandado, para que o analista judiciário executante de mandados – oficial de justiça – diligencie no endereço da empresa executada e certifique, se for o caso, os indícios de extinção irregular da sociedade. [...]
O Superior Tribunal de Justiça possui jurisprudência pacificada segundo a qual a legitimidade passiva do responsável tributário não pode ser, em regra, impugnada através de exceção de pré-executividade. [...] Admite-se, excepcionalmente, a aludida exceção quando houver prova pré-constituída, ou seja, direito líquido e certo a afastar a legitimação passiva do pretenso responsável.”[35]
Um dos grandes temas envolvendo a responsabilização dos responsáveis tributários diz respeito à forma pela qual se dará sua inclusão no polo passivo da obrigação, do qual se tratará a seguir.
6. O REDIRECIONAMENTO DA EXECUÇÃO FISCAL
A cobrança do crédito e da obrigação tributária devida, nos termos do art. 135, III, do CTN, se dará, em regra, mediante o redirecionamento da execução fiscal aos responsáveis tributários, incluindo-os no polo passivo da execução. É possível, contudo, que a Fazenda Pública os inclua já na certidão de dívida ativa, que será emitida não apenas em face da sociedade, mas também dos possíveis responsáveis pela satisfação do débito.
Tal conduta deveria preceder, como sustenta grande parte dos doutrinadores, de uma apuração, realizada no bojo do processo administrativo de lançamento, da prática de algum ato irregular elencado no art. 135 do CTN por aquele indivíduo. Como bem aponta James Marins, “nem o CTN nem a LEF e tampouco o CPC, referem-se a ‘possíveis responsáveis’ ou ‘potenciais responsáveis’, mas, claramente, a ‘corresponsável’ ou ‘responsável tributário’. E completa:
“Logo, a condição de responsabilidade há que estar formalmente presente – e não apenas potencialmente presente – para que possa ensejar, legalmente, sua inserção no título executivo e, por consequência, sua sujeição passiva no processo de execução fiscal. O modo correto e jurídico de tornar existente essa responsabilidade tributária é o procedimento fiscal e, se necessário, o processo administrativo fiscal.” [36]
Segundo as lições de Humberto Theodoro Junior, será no regular processo administrativo de lançamento e inscrição do débito que se averiguará se o terceiro pode, ou não, ser responsabilizado pelo débito tributário:
“Com relação à co-responsabilidade de terceiros pelo crédito tributário inscrito em nome de outrem, o que não se sabe, antes do regular processo administrativo de lançamento e inscrição do crédito também contra o possível co-responsável, é justamente se o terceiro apontado é, ou não, um legítimo responsável tributário. É, precisamente, portanto, sua qualidade de responsável tributário que está a reclamar acertamento antes do ingresso da Fazenda no juízo executivo, pois do contrário estar-se-ia admitindo execução forçada sem título executivo e, consequentemente, sem a certeza jurídica da obrigação que se intenta realizar, sob coação estatal de medidas executivas concretas, imediatas e definitivas.”[37]
A inscrição em dívida ativa do nome do responsável, de forma indiscriminada e sem que haja qualquer procedimento prévio apto a confirmar sua responsabilidade no caso concreto, gera sérios problemas. Tal prática, adotada por vezes pela Fazenda Pública, propicia a inversão do ônus da prova, valendo-se da presunção relativa de liquidez e certeza da CDA, cabendo ao responsável, então, demonstrar que não praticou ato com excesso de poder, em infração à lei, ao contrato social ou ao estatuto.
Caso não haja a apuração prévia dessa responsabilidade do terceiro, não deveria a certidão de dívida ativa sequer gozar da liquidez e certeza que lhe é peculiar, conforme defendido por Humberto Theodoro Junior. Segundo o autor, “a co-responsabilidade tributária não pode, em regra, decorrer de simples afirmação unilateral da Fazenda no curso da execução fiscal”, sendo necessária a “apuração pelos meios legais, e só depois do indispensável acertamento do fato que a tiver gerado é que a responsabilidade do estranho poderá ser havida como líquida e certa”.[38]
Especificamente quanto à responsabilidade dos administradores das pessoas jurídicas, não obstante as opiniões doutrinárias acima esposadas, é certo que a jurisprudência admite o redirecionamento da execução fiscal para atingi-los, ainda que seus nomes não constem da certidão de dívida ativa. Sua responsabilização, contudo, estará subordinada à comprovação da prática de atos de abuso de gestão ou de violação à lei, como já exposto.
O e. STJ, no julgamento do EREsp no 702.232/RS[39], na tentativa de equacionar as dúvidas envolvendo o redirecionamento e a presunção de certeza e liquidez da CDA, adotou os seguintes parâmetros, bem resumidos por Humberto Theodoro Junior:
“Se a execução for iniciada contra a sociedade, é possível, no curso do processo, redirecioná-la para os sócios administradores, quer constem, quer não, os respectivos nomes na certidão de dívida ativa, o que provoca reflexos significativos sobre o ônus da prova. A jurisprudência do STJ assenta-se sobre os seguintes princípios para equacionar o problema [...]:
a) Sócio que não figurou na CDA nem na petição inicial:
Se o sócio-gerente não figura na CDA, caberá ao Fisco, ao requerer o redirecionamento, ‘demonstrar a presença de um dos requisitos do art. 135 do CTN’, ou seja, ‘deverá demonstrar infração à lei, ao contrato social ou aos estatutos, ou, ainda, dissolução irregular da sociedade’.
b) Sócio que, na petição inicial, foi apontado como co-executado:
‘Se a execução foi proposta contra a pessoa jurídica e contra o sócio-gerente, a este compete o ônus da prova, já que a CDA goza de presunção relativa de liquidez e certeza, nos termos do art. 204 do CTN c/c art. 3º, da Lei n. 6.830/80’ (mesmo que o nome do sócio não tenha figurado na CDA).
c) ‘Caso a execução tenha sido proposta somente contra a pessoa jurídica e havendo indicação do nome do sócio gerente na CDA como co-responsável tributário, não se trata de típico redirecionamento. Neste caso, o ônus da prova compete igualmente ao sócio, tendo em vista a presunção relativa de liquidez e certeza que milita em favor da Certidão de Dívida Ativa.’
Em síntese, a posição unânime da 1ª seção do STJ é de que, na hipótese de ter sido a execução fiscal proposta ou redirecionada com base em CDA da qual consta o nome do sócio-gerente como co-responsável tributário, cabe a este o ‘ônus de provar a ausência dos requisitos do art. 135 do CTN’[...].”[40]
Para que se evitassem arbitrariedades por parte da Fazenda Pública, “a inserção do nome do gerente como codevedor na Certidão de Dívida Ativa somente deveria ser feita caso ele houvesse sido pessoalmente notificado do lançamento, em cujo texto deveria constar a ação ou omissão que lhe estivesse sendo imputada como fundamento da responsabilização.” [41] Restaria assegurado, assim, o seu direito a apresentar reclamações e recursos previstos na lei do processo administrativo fiscal. Observadas as devidas formalidades prévias à inscrição em dívida ativa no que diz respeito à apuração da responsabilidade do sócio, será garantida à Fazenda a liquidez e certeza do seu título executivo, invertendo-se o ônus da prova.
É certo, assim, que, para propor a execução fiscal contra o sócio que já figura na CDA, ou para redirecionar a execução contra ele, caso o seu nome já conste da certidão, “a Fazenda credora não precisa explicar, desde logo, como se estabeleceu a co-responsabilidade” .[42] Tal afirmação não vale, contudo, para os casos em que se requer o redirecionamento contra quem não teve o nome inscrito na CDA, cabendo à Fazenda demonstrar, nos autos da execução fiscal, a irregularidade do ato praticado pelo administrador, na esteira do já decidido pelo STJ no EREsp no 702.232/RS.
Como bem aponta Humberto Theodoro Junior, “a Fazenda Pública beneficia-se de contar com um título extrajudicial a que a lei atribui presunção de liquidez e certeza, mas não de indiscutibilidade”.[43] E complementa:
“Dessa maneira, se o sócio demonstrar que a inscrição se deu em seu nome sem nada lhe ter sido imputado concretamente, a exigência fiscal cairá, por si só, por falta de fundamento. Da mesma maneira, se o fato apurado no processo administrativo não for idôneo à demonstração de co-responsabilidade do gestor, este se eximirá da exigência fiscal, independentemente de prova negativa absoluta.” [44]
Destaca-se, nessa esteira, a parte final da Súmula no 392 do STJ, que proíbe a substituição da CDA para modificação do sujeito passivo da execução: “A Fazenda Pública pode substituir a certidão de dívida ativa (CDA) até a prolação da sentença de embargos, quando se tratar de correção de erro material ou formal, vedada a modificação do sujeito passivo da execução.”
Referida súmula não trata, ressalte-se, da hipótese de redirecionamento, em que não há a emissão de CDA substitutiva, que é utilizada apenas para corrigir erros materiais ou formais no lançamento. No caso do redirecionamento, a Fazenda inscreveu corretamente a pessoa jurídica em dívida ativa, ajuizando a execução fiscal contra o sujeito passivo. No entanto, em razão de um fato superveniente – por exemplo, a descoberta de sua dissolução irregular - quem passará a responder pelo débito será um terceiro, no caso, o administrador.
Assim, apesar das prerrogativas de que se revestem o crédito tributário inscrito em dívida ativa, não pode a Fazenda Pública substituir a CDA por outra, com o objetivo de incluir o nome do sócio que não constou da inscrição original, beneficiando-se da presunção de certeza e liquidez inerentes ao título executivo. Se pretender cobrar o débito dos sócios administradores cujos nomes não constaram da CDA original, deverá o Fisco requerer em juízo o redirecionamento da execução, demonstrando a existência dos pressupostos legalmente previstos para tanto.
De todo modo, como ressalta Mauro Luís Rocha Lopes, embora se admita o redirecionamento da execução fiscal ainda que o nome do responsável não conste da CDA, “a penhora de seus bens, para garantia do débito, deve ser antecedida de citação, sob pena de violação do devido processo legal”.[45] Uma vez admitido o redirecionamento da execução fiscal, “em virtude dos direitos fundamentais ao contraditório e à ampla defesa”, deve o sócio ser citado para que ofereça sua defesa, seja por meio de exceção de pré-executividade ou, após garantido o juízo, por meio de embargos à execução, “com a realização de todo o procedimento em face dele”.[46]
O redirecionamento pode ocorrer a qualquer tempo, enquanto a execução fiscal estiver em curso. Deve-se respeitar, apenas, o prazo prescricional da obrigação tributária contra aquele que não figura como parte no processo. Sobre o tema, encontra-se pendente para julgamento o REsp no 1.201.993/SP, afetado para apreciação segundo o rito dos recursos repetitivos, e que questiona o termo a quo do referido prazo prescricional.
Embora a jurisprudência tradicional do STJ entendesse que o redirecionamento não poderia ser feito passados mais de cinco anos da citação da pessoa jurídica, houve, em 2010, a alteração desse posicionamento.
Acolheu-se a tese da Fazenda, portanto, de que a prescrição para a cobrança do devedor principal e dos demais responsáveis tributários seria única, não havendo prazos diferenciados, ou momentos distintos, para a sua incidência. Segundo tal raciocínio, se não houve prescrição quanto ao devedor principal, é porque se reconhece que inexistiu inércia da Fazenda Pública, não se devendo reconhecer a ocorrência de prescrição em relação aos corresponsáveis.[47]
6.Diferenças entre desconsideração da personalidade jurídica e o redirecionamento para o administrador
Expostas, sucintamente, as hipóteses de responsabilidade tributária e de redirecionamento da execução fiscal aos sócios e aos administradores das pessoas jurídicas, passa-se a expor as profundas diferenças existentes entre o instituto da desconsideração da personalidade jurídica e o redirecionamento da execução fiscal.
A desconsideração da personalidade jurídica é regulada, como visto, pelo art. 50 do Código Civil, e também por dispositivos previstos em leis especiais, aplicáveis às relações de consumo, aos crimes ambientais, às infrações à ordem econômica, entre outras matérias.
Seja qual for o dispositivo utilizado no caso concreto, é fato que a desconsideração tem por objetivo impedir que haja o abuso da personalidade jurídica pelos sócios, buscando defender o princípio da autonomia patrimonial de possíveis malversações. Nessa esteira é que se permite atingir, episodicamente, o patrimônio dos sócios integrantes daquela pessoa jurídica, para se adimplir dívida imputável, inequivocamente, à sociedade.
Já o art. 135, III, do CTN, muito ao contrário, prevê a responsabilidade pessoal de “diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado” quanto a “obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos”. A responsabilidade do sócio pela obrigação tributária não é, nem nunca foi, um caso de desconsideração da personalidade jurídica. Não se assemelham os institutos quanto aos seus pressupostos, tampouco quanto aos seus efeitos.
A desconsideração da personalidade civil, como visto, pode ser efetivada por dispositivos que abarcam a Teoria Maior (art. 50 do CC/02) ou a Teoria Menor (lei de crimes ambientais e o Código de Defesa do Consumidor). Segundo a primeira, a mera insuficiência patrimonial da pessoa jurídica não seria motivo suficiente para se atingir o patrimônio dos sócios, sendo necessário, adicionalmente, o desvio de finalidade ou a confusão patrimonial. Esse último requisito, no entanto, não será exigido nos dispositivos que adotam a Teoria Menor, bastando, à desconsideração da personalidade jurídica aplicável à matéria ambiental e consumerista, assim, a dificuldade no adimplemento da obrigação da sociedade.
Seja qual for o tipo de desconsideração adotado, é certo que a mesma não decorre de uma conduta pessoal e direta de excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos por parte do sócio. Trata-se de dívida contraída pela própria sociedade, sendo possível, excepcionalmente, que se atinja o patrimônio particular de todos os sócios – e não apenas aqueles com poderes de gestão – desde que verificado o abuso da personalidade jurídica ou, em casos específicos, a dificuldade no adimplemento da dívida.
A responsabilidade dos sócios da pessoa jurídica, nas hipóteses de desconsideração, decorrerá diretamente da decisão judicial ao final do incidente. Até que se ultime o julgamento do incidente, o único responsável por aquela dívida será a própria sociedade. Nos casos de responsabilidade do administrador previstos no art. 135, III, do CTN, no entanto, a responsabilidade não decorrerá de uma decisão judicial, mas sim da própria legislação tributária, sendo aquele indivíduo responsável pela dívida contraída mediante excesso de poderes, em infração à lei, ao estatuto ou ao contrato social, desde o seu surgimento.
Quanto aos pressupostos, portanto, vê-se que os institutos são consideravelmente distintos, bastando, ao redirecionamento da execução fiscal com base no art. 135, III, do CTN, que haja uma conduta pessoal e direta por parte do administrador, com excesso de poderes ou em infração à legislação.
Os institutos diferem-se, ainda, quanto aos seus efeitos, eis que a desconsideração da personalidade jurídica, ainda que se adote a Teoria Menor, apenas permite o atingimento do patrimônio dos sócios caso a própria sociedade não possua meios de adimplir a obrigação. Por outro lado, a condição de responsável tributário do administrador, prevista no art. 135, III, do CTN, como visto, não lhe concede qualquer benefício de ordem, sendo solidariamente responsável ao lado da pessoa jurídica a que integra.
A responsabilidade tributária do administrador, nesse caso, é pessoal e decorre de sua própria conduta irregular, tal como ocorre nos artigos 1.015, p. ú., e 1.016 do Código Civil, que imputa a responsabilidade diretamente aos administradores, quando estes agirem com excesso de poderes ou com culpa no desempenho de suas funções.[48] Não há que se falar, portanto, em aplicação da desconsideração da personalidade jurídica quando o sócio ou administrador puder ser, desde logo, identificado como o sujeito responsável pela dívida, seja ela tributária ou não, de acordo com os dispositivos legais vigentes.
Assim, nem mesmo sob o ângulo conceitual é possível confundir a responsabilidade do sócio fundada no art. 135, III, do CTN com o instituto da desconsideração da personalidade jurídica. E nisso está mais uma razão para que o incidente dos arts. 133 e segs. do CPC/15 não se aplique à hipótese, como será detidamente exposto a seguir.
7.INAPLICABILIDADE DO INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA ÀS EXECUÇÕES FISCAIS
Expostas as profundas distinções existentes entre a desconsideração da personalidade jurídica e a figura da responsabilização tributária do sócio administrador, passa-se a expor as razões pelas quais o incidente de desconsideração da personalidade jurídica, trazido nos artigos 133 a 137 do Código de Processo Civil, não se aplica às hipóteses de redirecionamento da execução fiscal.
Deve-se fazer, contudo, desde logo a ressalva de que há inúmeros e respeitados autores que defendem a aplicação do incidente ao processo executivo fiscal, devendo a lei tributária dispor, apenas, acerca dos pressupostos para que houvesse a desconsideração – no caso, o redirecionamento da execução.
Esse não vem sendo, contudo, o posicionamento adotado pelos tribunais, que, salvo pontuais exceções, não instauram o incidente de desconsideração da personalidade jurídica ao deferir o pleito de redirecionamento da execução fiscal, seja com base no art. 135, III, do CTN ou com base na Súmula no 435 do STJ, ante a dissolução irregular da sociedade. A defesa do sócio incluído na execução fiscal, assim, fica restrita à oposição de exceção de pré-executividade ou embargos à execução, mediante a apresentação de garantia ao juízo.
Nesse sentido, os magistrados federais, no II Fórum Nacional de Execução Fiscal (FONEF) aprovaram, por unanimidade, a orientação segundo a qual não se aplicaria o incidente às execuções fiscais cujo redirecionamento se dá com base no art. 135 do CTN e em virtude da dissolução irregular:
“Enunciado no 20: O incidente de desconsideração da personalidade jurídica, previsto no art. 133 do NCPC, não se aplica aos casos em que há pedido de inclusão de terceiros no polo passivo da execução fiscal de créditos tributários, com fundamento no art. 135 do CTN, desde que configurada a dissolução irregular da executada, nos termos da súmula 435 do STJ.”
A mesma diretriz é encampada pelo Enunciado nº 53 da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (ENFAM), cuja redação é: “O redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente prescinde do incidente de desconsideração da personalidade jurídica previsto no art. 133 do CPC/2015”.
Idêntica é a orientação do Enunciado nº 06 do Fórum de Execuções Fiscais da 2ª Região (FOREXEC): “A responsabilidade tributária regulada no art. 135 do CTN não constitui hipótese de desconsideração da personalidade jurídica, não se submetendo ao incidente previsto no art. 133 do CPC/2015”.
As razões para tal posicionamento são inúmeras. A primeira delas, como tratado no capítulo anterior, diz respeito às profundas diferenças conceituais existentes entre a desconsideração da personalidade jurídica e o redirecionamento para o administrador que assume a figura de responsável tributário. Nos casos do art. 135, III, do CTN, assim, se estaria, por expressa previsão legal, diante de uma responsabilidade pessoal do administrador – e não da sociedade em si - não sendo necessário excepcionar a autonomia patrimonial da pessoa jurídica para que possa se atingir o seu patrimônio particular. Nesse sentido:
“Entendemos que não há necessidade de desconsideração da personalidade jurídica para atingir o patrimônio pessoal do sócio ou administrador, pois, se a conduta deste não estava amparada pelo contrato ou estatuto social, a responsabilidade pelo pagamento do tributo já é pessoal dele, e não da pessoa jurídica que somente responderá quando seu administrador tiver praticado atos que não configurem ilícito.
Isso porque o princípio da autonomia patrimonial implica a regra geral de que os sócios não respondem pelas obrigações contraídas pela sociedade, minimizando, portanto, os riscos de eles comprometerem seu patrimônio pessoal em decorrência do fracasso financeiro da sociedade.
Como todo princípio não é absoluto, ele veio sofrendo flexibilização com a teoria da desconsideração da personalidade jurídica (Disregard Doctrine), cujo objetivo é justamente alcançar o sócio e responsabilizá-lo por obrigações que, a princípio, seriam da sociedade, como forma de evitar que a pessoa jurídica funcione apenas para mascarar atividades irregulares dos sócios que prejudiquem terceiros de boa fé. [...]
Todavia, no Direito Tributário, o legislador preocupou-se em inserir no art. 135, III, Código Tributário Nacional, as hipóteses que ensejam a responsabilidade pessoal e exclusiva do sócio ou administrador que agiu com excesso de poderes ou infringência à lei que, por isso, fica obrigado a adimplir o crédito tributário. Portanto, incabível e desnecessário o instituto da desconsideração da personalidade jurídica nesta seara do Direito, porque não há que falar em teoria da autonomia ou desconsideração da personalidade jurídica da sociedade neste caso, porque a responsabilidade tributária já é pessoal e direta do sócio ou administrador.”[49]
Como tratado anteriormente, o CPC buscou criar um procedimento único para a aplicação do instituto da desconsideração da personalidade jurídica, primando pela oportunidade de exercício de ampla defesa e contraditório, inclusive mediante dilação probatória, antes de se decidir pelo atingimento do patrimônio particular dos sócios. Buscou o CPC, portanto, coibir os abusos que vinham sendo praticados em sede de desconsideração da personalidade jurídica, conferindo-lhe tratamento uniforme.
O aspecto mais marcante desse procedimento é a suspensão do processo principal (art. 134, §3º, CPC), enquanto se apura, no bojo do referido incidente, se o pedido de desconsideração se mostra legítimo ou não. Os atos constritivos, assim, tanto do patrimônio da sociedade quanto do dos sócios, só serão retomados após a prolação de decisão definitiva acerca do pedido de desconsideração.
O referido procedimento mostra-se absolutamente contrário à principiologia e às regras da Lei de Execuções Fiscais, que, em seu art. 16, §1º, continua a exigir a garantia do juízo como condição prévia para a suspensão da execução e apresentação de defesa do executado, mediante embargos à execução. Confira-se a previsão expressa do referido dispositivo:
Art. 16 - O executado oferecerá embargos, no prazo de 30 (trinta) dias, contados:
II - da juntada da prova da fiança bancária ou do seguro garantia;
III - da intimação da penhora.
§ 1º - Não são admissíveis embargos do executado antes de garantida a execução.
§ 2º - No prazo dos embargos, o executado deverá alegar toda matéria útil à defesa, requerer provas e juntar aos autos os documentos e rol de testemunhas, até três, ou, a critério do juiz, até o dobro desse limite.
§ 3º - Não será admitida reconvenção, nem compensação, e as exceções, salvo as de suspeição, incompetência e impedimentos, serão argüidas como matéria preliminar e serão processadas e julgadas com os embargos.
A Lei de Execuções Fiscais, portanto, previu forma especial de proteção ao crédito tributário, admitindo a defesa do executado, mediante ampla dilação probatória, apenas após o oferecimento de eficaz garantia ao juízo. A previsão se mostra em harmonia, inclusive, com o disposto no art. 151 do CTN, que prevê, dentre as hipóteses de suspensão da exigibilidade do crédito tributário, o depósito integral do débito em juízo.
A suspensão do processo principal, tal como prevê o Código de Processo Civil, implicaria, inequivocamente, na suspensão da possibilidade de se exigir o crédito tributário – retomando-se os atos constritivos na execução fiscal apenas após uma decisão final, no curso do incidente, acerca da legitimidade do redirecionamento ao sócio. Ocorre que, para a instauração do incidente e suspensão do processo principal, o CPC não exige o oferecimento de nenhuma garantia.
Ainda que se entenda que o Código de Processo Civil pode ser aplicável às execuções fiscais, é certo que o art. 1º da LEF admite a sua aplicação de maneira subsidiária, quando disso não resultar ofensa às regras especiais nela previstas ou aos princípios que a informam.
Não é possível, assim, admitir a aplicação do art. 134, §3º para suspender a execução fiscal sem que haja o oferecimento de garantia do juízo, sob pena de se violar frontalmente não apenas as regras especiais de proteção ao crédito tributário previstas na Lei de Execuções Fiscais, mas também a disposição expressa do art. 151, do CTN. Admitir a suspensão da execução fiscal mediante aplicação do art. 134, §3º, do CPC, assim, cria hipótese de suspensão da exigibilidade do crédito tributário não previsto no art. 151 do CTN, cujo rol o STJ já entendeu, quando do julgamento do REsp repetitivo no 1156668/DF (Tema 378), ser taxativo, não se admitindo analogias.
A incompatibilidade do incidente com a LEF salta ainda mais aos olhos quando se considera o regime da Exceção de Pré-executividade, modalidade de defesa passível de ser apresentada pelo executado original nos próprios autos.
Como aponta a Súmula nº 393 do e. STJ, a exceção só é cabível para alegação de matérias passíveis de conhecimento de ofício e que não demandem dilação probatória, e ainda assim, evidentemente, sem suspensão automática da execução fiscal. Em muitos casos, a alegação veiculada por exceção é justamente a ilegitimidade passiva do executado original. Ora, não faz nenhum sentido conferir tratamento mais vantajoso à defesa do sócio, através do incidente de desconsideração, do que ao executado original, jungido ao regime da exceção: por que somente o sócio se beneficiaria de uma suspensão automática e da oportunidade de dilação probatória nos próprios autos se nem mesmo o executado original tem esse direito?
Há, ainda, outra última razão pela qual a suspensão causada pelo incidente o torna absolutamente incompatível com as execuções fiscais. Como se sabe, o art. 146, III, “b”, da CF/88 exige que os casos de prescrição em matéria tributária sejam previstos em lei complementar, tradicionalmente o Código Tributário Nacional.
Aplicar o incidente de desconsideração à execução fiscal levaria ao cenário em que a Fazenda está impedida de perseguir o seu crédito – eis que a execução se encontra suspensa – mas a prescrição continua a correr, sem que a Fazenda nada possa fazer para interrompê-la. Não parece possível, assim, a atribuição de nova hipótese de suspensão da exigibilidade do crédito tributário por via de lei ordinária, sem a correspondente interrupção do prazo prescricional.
São muitos, portanto, os óbices do ordenamento jurídico, o que leva à inarredável conclusão pela inaplicação do incidente às hipóteses de redirecionamento da execução fiscal aos administradores da pessoa jurídica. Nesse mesmo sentido, confiram-se as lições de Marco Antônio Rodrigues:
“Note-se que o CPC de 2015 prevê, em seus artigos 133 a 137, um incidente de desconsideração da personalidade jurídica, visando regulamentar o procedimento para que seja afastado, no curso de um processo, o uso abusivo de personalidade jurídica por sócios de sociedades. Ocorre que tal procedimento se afigura descabido para o fenômeno do redirecionamento da execução fiscal de dívida tributária. Isso porque no caso do redirecionamento dessa espécie de execução fiscal, está-se diante de responsabilidade solidária, na forma do art. 134 do Código Tributário Nacional, ou de responsabilização pessoal por ato ilícito, consoante estabelecido no art. 135 de tal diploma, o que se mostra distinto da mera desconsideração da personalidade jurídica, já que o responsável é legitimado passivo para a execução fiscal, por força do art. 4º da Lei 6.830/80.” [50]
conclusão
Como se viu, o Código de Processo Civil de 2015 inovou ao criar um procedimento específico para que haja a desconsideração da personalidade jurídica, primando pela defesa do contraditório e da ampla defesa. Tais avanços são louváveis e devem ser aplaudidos, eis que impedem que a autonomia patrimonial das pessoas jurídicas seja afastada arbitrariamente, incrementando o risco empresarial e afastando empreendedores.
Contudo, como se buscou demonstrar ao longo deste trabalho, há inúmeras diferenças entre os institutos da desconsideração da personalidade jurídica e o de responsabilização dos sócios e administradores das pessoas jurídicas no direito tributário e que levam à inaplicabilidade do incidente ao redirecionamento das execuções fiscais. As distinções são de ordem não apenas conceitual, mas também sistêmicas e procedimentais.
Serve a desconsideração para se atribuir, aos sócios, obrigação inicialmente imputável à sociedade, enquanto na responsabilização tributária, o crédito e a obrigação tributária recaem direta e objetivamente sobre os próprios sócios e administradores, em decorrência da prática de ato com excesso de poderes, em infração à lei, ao contrato social ou ao estatuto.
O incidente de desconsideração da personalidade jurídica do CPC/15 foi pensado, assim, para atender apenas à primeira hipótese, e não aos casos de responsabilidade tributária havida com base nos artigos 134 e 135 do CTN. Prova disso é que, também sob o ponto de vista sistêmico, o incidente se mostra incompatível com o regramento do redirecionamento das execuções fiscais.
Como visto, não se mostra possível, diante do ordenamento jurídico atualmente vigente, suspender a execução fiscal – e, consequentemente, a exigência do crédito tributário – tal como prevê o art. 134, §3º do Código de Processo Civil, enquanto se apura a legitimidade do sócio e administrador da pessoa jurídica. Tal hipótese é incompatível não apenas com todo o regramento da Lei de Execuções Fiscais, mas também com os princípios que inspiram o direito processual tributário, conferindo especial proteção aos créditos fazendários.
A edição da Súmula no 435 do STJ representou um grande avanço em busca da efetividade das execuções fiscais, presumindo a dissolução irregular da pessoa jurídica que deixa de funcionar em seu domicílio fiscal e permitindo a responsabilização pessoal, nos termos do art. 135, III, do seu administrador, por incorrer o mesmo em ato de infração à lei.
Contam-se aos milhares as execuções fiscais que foram redirecionadas aos administradores por terem os mesmos simplesmente encerrado as atividades das sociedades que dirigiam, sem adimplir com seus tributos nem requerer sua falência. Entender pela aplicação do incidente de desconsideração da personalidade jurídica aos casos em que há responsabilização pessoal do sócio, segundo o art. 135, III, do CTN, levaria à regressão à impunidade, tornando ainda mais difícil ao Fisco perseguir os seus créditos, e privilegiando, inequivocamente, o empresário que deixa de cumprir com suas obrigações legais.
Em que pese seja importantíssima a proteção à ampla defesa e ao contraditório, é certo que não se pode permitir seja o crédito tributário, legitimamente constituído, discutido ad aeternum pelo contribuinte, sem que haja qualquer forma de garantia ao Fisco. O regramento instituído pelo CPC/15, que suspende o processo principal até que se decida acerca da necessidade de responsabilização do sócio, não se coaduna com a necessária defesa do interesse público ao adimplemento dos tributos pelas pessoas jurídicas e gera um desestímulo à atuação regular dos sócios e administradores.
Não se ignora que, da forma como vem sendo feito, os redirecionamentos das execuções fiscais muitas vezes se mostram abusivos, impondo sobre os sócios e administradores das pessoas jurídicas um ônus excessivo para que se defendam e protejam seus patrimônios particulares. Isso porque possuem, como meios de defesa, apenas a exceção de pré-executividade, restrita às matérias de ordem pública, ou os embargos à execução fiscal que, embora admitam ampla dilação probatória, dependem da integral garantia do débito para a sua admissão.
A imperfeição do sistema, contudo, não pode levar ao seu completo desvirtuamento, tal como ocorreria caso o incidente de desconsideração da personalidade jurídica fosse aplicado aos redirecionamentos nas execuções fiscais
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[2] BRUSCHI, Gilberto Gomes. Aspectos Processuais da Desconsideração da Personalidade Jurídica, São Paulo: Saraiva, 2009, p. 37.
[3] DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil, parte geral e processo de conhecimento. 18ª ed., Salvador: Juspodivm, 2016, p. 524.
[4] SILVA, Leonardo Toledo. Abuso de desconsideração da personalidade jurídica. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 131/132.
[5] SILVA, Leonardo Toledo. Abuso de desconsideração da personalidade jurídica. São Paulo: Saraiva, 2014, p.116/126.
[6] DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil, parte geral e processo de conhecimento. 18ª ed., Salvador: Juspodivm, 2016, p. 525.
[7] CÂMARA, Alexandre Freitas, O Novo Processo Civil Brasileiro - 2ª ed., rev. e atual., - São Paulo: Atlas, 2016, p. 95
[8] NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil, 9ª ed., Salvador: Juspodivm, 2017, p. 377
[9] NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil, 9ª ed., Salvador: Juspodivm, 2017, p. 379
[10] NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil, 9ª ed., Salvador: Juspodivm, 2017, p. 378
[11] NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil, 9ª ed., Salvador: Juspodivm, 2017, p. 377
[12] NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil, 9ª ed., Salvador: Juspodivm, 2017, p. 379
[13] NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil, 9ª ed., Salvador: Juspodivm, 2017, p. 378
[14] DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil, parte geral e processo de conhecimento. 18ª ed., Salvador: Juspodivm, 2016, p. 526.
[15] NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil, 9ª ed., Salvador: Juspodivm, 2017, p. 380
[16] NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil, 9ª ed., Salvador: Juspodivm, 2017, p. 382
[17] NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil, 9ª ed., Salvador: Juspodivm, 2017, p. 384
[18] PAULSEN, Leandro. Curso de Direito Tributário Completo, 7ª ed., Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2015, p. 193
[19] PAULSEN, Leandro. Curso de Direito Tributário Completo, 7ª ed., Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2015, 193.
[20] LOPES, Mauro Luis Rocha. Processo Judicial Tributário, execução fiscal e ações tributárias, 4ª ed., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 247.
[21] ALEXANDRE, Ricardo. Direito tributário, 11ª ed., Salvador: Juspodivm, 2017, p. 406.
[22] MARINS, James. Direito Processual Tributário Brasileiro: administrativo e judicial. 10ª ed., rev. atual. e ampl.,São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2017, p. 755.
[23] PAULSEN, Leandro. Curso de Direito Tributário Completo, 7ª ed., Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2015, p. 198.
[24] ALEXANDRE, Ricardo. Direito tributário, 11ª ed., Salvador: Juspodivm, 2017, p. 411.
[25] PAULSEN, Leandro. Curso de Direito Tributário Completo, 7ª ed., Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2015, p. 199.
[26] PAULSEN, Leandro. Curso de Direito Tributário Completo, 7ª ed., Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2015, p. 199.
[27] PAULSEN, Leandro. Curso de Direito Tributário Completo, 7ª ed., Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2015, p. 199/200.
[28] PAULSEN, Leandro. Curso de Direito Tributário Completo, 7ª ed., Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2015, p. 200.
[29] PAULSEN, Leandro. Curso de Direito Tributário Completo, 7ª ed., Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2015, p. 201.
[30] MARINS, James. Direito Processual Tributário Brasileiro: administrativo e judicial. 10ª ed., rev. atual. e ampl.,São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2017, p. 756
[31] ALEXANDRE, Ricardo. Direito tributário, 11ª ed., Salvador: Juspodivm, 2017, p. 413.
[32] SEGUNDO, Hugo de Brito Machado. Código Tributário Nacional, 7ª ed., São Paulo: Gen Atlas, 2018, p. 287.
[33] ALEXANDRE, Ricardo. Direito tributário, 11ª ed., Salvador: Juspodivm, 2017, p. 414.
[34] ALEXANDRE, Ricardo. Direito tributário, 11ª ed., Salvador: Juspodivm, 2017, p. 413.
[35] LOPES, Mauro Luis Rocha. Processo Judicial Tributário, execução fiscal e ações tributárias, 4ª ed., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 30/34
[36] MARINS, James. Direito Processual Tributário Brasileiro: administrativo e judicial. 10ª ed., rev. atual. e ampl.,São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2017, p. 757.
[37] THEODORO JUNIOR, Humberto. Lei de execução fiscal: comentários e jurisprudência, 11ª ed., São Paulo: Saraiva, 2009, p. 39.
[38] THEODORO JUNIOR, Humberto. Lei de execução fiscal: comentários e jurisprudência, 11ª ed., São Paulo: Saraiva, 2009, p. 40.
[39] Confira-se a ementa do referido acórdão: TRIBUTÁRIO. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. ART. 135 DO CTN. RESPONSABILIDADE DO SÓCIO-GERENTE. EXECUÇÃO FUNDADA EM CDA QUE INDICA O NOME DO SÓCIO. REDIRECIONAMENTO. DISTINÇÃO. 1. Iniciada a execução contra a pessoa jurídica e, posteriormente, redirecionada contra o sócio-gerente, que não constava da CDA, cabe ao Fisco demonstrar a presença de um dos requisitos do art. 135 do CTN. Se a Fazenda Pública, ao propor a ação, não visualizava qualquer fato capaz de estender a responsabilidade ao sócio-gerente e, posteriormente, pretende voltar-se também contra o seu patrimônio, deverá demonstrar infração à lei, ao contrato social ou aos estatutos ou, ainda, dissolução irregular da sociedade. 2. Se a execução foi proposta contra a pessoa jurídica e contra o sócio-gerente, a este compete o ônus da prova, já que a CDA goza de presunção relativa de liquidez e certeza, nos termos do art. 204 do CTN c/c o art. 3º da Lei n.º 6.830/80. 3. Caso a execução tenha sido proposta somente contra a pessoa jurídica e havendo indicação do nome do sócio-gerente na CDA como co-responsável tributário, não se trata de típico redirecionamento. Neste caso, o ônus da prova compete igualmente ao sócio, tendo em vista a presunção relativa de liquidez e certeza que milita em favor da Certidão de Dívida Ativa. 4. Na hipótese, a execução foi proposta com base em CDA da qual constava o nome do sócio-gerente como co-responsável tributário, do que se conclui caber a ele o ônus de provar a ausência dos requisitos do art. 135 do CTN. 5. Embargos de divergência providos. (EREsp 702.232/RS, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 14/09/2005, DJ 26/09/2005, p. 169).
Nesse mesmo sentido, tem-se, ainda: “[...]1. A orientação da Primeira Seção desta Corte firmou-se no sentido de que, se a execução foi ajuizada apenas contra a pessoa jurídica, mas o nome do sócio consta da CDA, a ele incumbe o ônus da prova de que não ficou caracterizada nenhuma das circunstâncias previstas no art. 135 do CTN, ou seja, não houve a prática de atos "com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos [...]". (REsp 1104900/ES, Rel. Ministra DENISE ARRUDA, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 25/03/2009, DJe 01/04/2009)
[40] THEODORO JUNIOR, Humberto. Lei de execução fiscal: comentários e jurisprudência, 11ª ed., São Paulo: Saraiva, 2009, p. 40.
[41] ALEXANDRE, Ricardo. Direito tributário, 11ª ed., Salvador: Juspodivm, 2017, p. 414.
[42] THEODORO JUNIOR, Humberto. Lei de execução fiscal: comentários e jurisprudência, 11ª ed., São Paulo: Saraiva, 2009, p. 59.
[43] THEODORO JUNIOR, Humberto. Lei de execução fiscal: comentários e jurisprudência, 11ª ed., São Paulo: Saraiva, 2009, p. 59.
[44] THEODORO JUNIOR, Humberto. Lei de execução fiscal: comentários e jurisprudência, 11ª ed., São Paulo: Saraiva, 2009, p. 59.
[45] LOPES, Mauro Luis Rocha. Processo Judicial Tributário, execução fiscal e ações tributárias, 4ª ed., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 25.
[46] RODRIGUES, Marco Antonio. A Fazenda Pública no Processo Civil. São Paulo: Atlas, 2016, p. 168.
[47] Nesse sentido, confira-se: PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. DEFICIÊNCIA NA FUNDAMENTAÇÃO. SÚMULA 284/STF. EXECUÇÃO FISCAL. REDIRECIONAMENTO CONTRA O SÓCIO-GERENTE EM PERÍODO SUPERIOR A CINCO ANOS, CONTADOS DA CITAÇÃO DA PESSOA JURÍDICA. PRESCRIÇÃO. REVISÃO DA JURISPRUDÊNCIA DO STJ. [...]. 8. Carece de consistência o raciocínio de que a citação da pessoa jurídica constitui o termo a quo para o redirecionamento, tendo em vista que elege situação desvinculada da inércia que implacavelmente deva ser atribuída à parte credora. Dito de outro modo, a citação da pessoa jurídica não constitui "fato gerador" do direito de requerer o redirecionamento. 9. Após a citação da pessoa jurídica, abre-se prazo para oposição de Embargos do Devedor, cuja concessão de efeito suspensivo era automática (art. 16 da Lei 6.830/1980) e, atualmente, sujeita-se ao preenchimento dos requisitos do art. 739-A, § 1º, do CPC. 10. Existe, sem prejuízo, a possibilidade de concessão de parcelamento, o que ao mesmo tempo implica interrupção (quando acompanhada de confissão do débito, nos termos do art. 174, parágrafo único, IV, do CTN) e suspensão (art. 151, VI, do CTN) do prazo prescricional. 11. Nas situações acima relatadas (Embargos do Devedor recebidos com efeito suspensivo e concessão de parcelamento), será inviável o redirecionamento, haja vista, respectivamente, a suspensão do processo ou da exigibilidade do crédito tributário. 12. O mesmo raciocínio deve ser aplicado, analogicamente, quando a demora na tramitação do feito decorrer de falha nos mecanismos inerentes à Justiça (Súmula 106/STJ). 13. Trata-se, em última análise, de prestigiar o princípio da boa-fé processual, por meio do qual não se pode punir a parte credora em razão de esta pretender esgotar as diligências ao seu alcance, ou de qualquer outro modo somente voltar-se contra o responsável subsidiário após superar os entraves jurídicos ao redirecionamento. 14. É importante consignar que a prescrição não corre em prazos separados, conforme se trate de cobrança do devedor principal ou dos demais responsáveis. Assim, se estiver configurada a prescrição (na modalidade original ou intercorrente), o crédito tributário é inexigível tanto da pessoa jurídica como do sócio-gerente. Em contrapartida, se não ocorrida a prescrição, será ilegítimo entender prescrito o prazo para redirecionamento, sob pena de criar a aberrante construção jurídica segundo a qual o crédito tributário estará, simultaneamente, prescrito (para redirecionamento contra o sócio-gerente) e não prescrito (para cobrança do devedor principal, em virtude da pendência de quitação no parcelamento ou de julgamento dos Embargos do Devedor). 15. Procede, dessa forma, o raciocínio de que, se ausente a prescrição quanto ao principal devedor, não há inércia da Fazenda Pública. 16. Recurso Especial parcialmente conhecido e, nessa parte, não provido. (REsp 1095687 / SP; RECURSO ESPECIAL 2008/0214589-2; Relator Ministro HERMAN BENJAMIN; SEGUNDA TURMA, DJe 08/10/2010)
[48] Art. 1.015. No silêncio do contrato, os administradores podem praticar todos os atos pertinentes à gestão da sociedade; não constituindo objeto social, a oneração ou a venda de bens imóveis depende do que a maioria dos sócios decidir. Parágrafo único. O excesso por parte dos administradores somente pode ser oposto a terceiros se ocorrer pelo menos uma das seguintes hipóteses:
I - se a limitação de poderes estiver inscrita ou averbada no registro próprio da sociedade;
II - provando-se que era conhecida do terceiro;
III - tratando-se de operação evidentemente estranha aos negócios da sociedade.
Art. 1.016. Os administradores respondem solidariamente perante a sociedade e os terceiros prejudicados, por culpa no desempenho de suas funções.
[49] MANENTE, Luciana Nini, A Responsabilidade Tributária do Sócio ou Administrador na Execução Fiscal e suas Defesas Processuais, São Paulo: Quartier Latin, 2013, p. 74/75
[50] RODRIGUES, Marco Antonio. A Fazenda Pública no Processo Civil. São Paulo: Atlas, 2016, p. 168.
Advogada, formada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ e pós-graduada em Direito e Advocacia Pública pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: LEONARDOS, Gabriela Vieira. Da proteção à personalidade jurídica à admissão de sua desconsideração: a problemática envolvendo a aplicação do incidente de desconsideração da personalidade jurídica em âmbito tributário Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 28 out 2021, 04:54. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Monografias-TCC-Teses-E-Book/57331/da-proteo-personalidade-jurdica-admisso-de-sua-desconsiderao-a-problemtica-envolvendo-a-aplicao-do-incidente-de-desconsiderao-da-personalidade-jurdica-em-mbito-tributrio. Acesso em: 21 nov 2024.
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