No presente ensaio iremos nos debruçar sobre os recentes desdobramentos na aplicação das ações afirmativas no Brasil, traçando um paralelo com os programas de diversidade e inclusão adotados mundialmente. De início, é importante destacar as diferenças entre as ações afirmativas e os programas DEI, a depender do grupo beneficiado. No caso das pessoas com deficiência, as cotas de emprego se aplicam tanto em âmbito público quanto privado, com força obrigatória. Diferem, por exemplo, do critério racial, cujas cotas vinculativas são geralmente restritas ao ensino e emprego públicos.
No Japão, a Lei de Promoção do Emprego para Pessoas com Deficiência Física foi aprovada em 1960, estabelecendo cotas voluntárias e orientação vocacional. Em 1976, as cotas se tornaram obrigatórias. Atualmente, o Japão também emprega cotas para mulheres no acesso às universidades, especificamente para cursos STEM (ciência, tecnologia, engenharia e matemática), buscando diminuir a disparidade de gênero nas áreas de cálculo.
Na China, foi aprovada em 1990 a LPDP - Lei sobre Proteção de Pessoas com Deficiência, estabelecendo uma cota de 1,5% nas vagas de emprego. Essa cota é considerada baixa, já que a maioria dos países pratica percentuais de 2% a 7%. Nas universidades, o país aderiu ao sistema de cotas por províncias. Como exemplo, a Universidade de Pequim destinou 31 vagas na área de ciências para os alunos de Sichuan e 111 para alunos de Pequim.
No Brasil, as cotas por cidade ou estado de procedência, seja no acesso às universidades ou nos concursos públicos, são inconstitucionais, por estabelecerem distinção entre brasileiros. No direito positivo pátrio, o art. 93 da Lei 8.213/1991 reservou a cota de 2% a 5% dos empregos privados para pessoas com deficiência. No serviço público, o art. 37, inciso VIII, da CF/88 determinou o estabelecimento de um percentual para pessoas com deficiência, tendo o art. 5°, §2°, da Lei n° 8.112/1990 previsto o percentual de até 20%. Em geral, os editais de concursos públicos preveem um percentual de 5% a 20% para pessoas com deficiência.
De seu turno, a Lei n° 14.126/2021 referendou o entendimento da Súmula 377 do STJ, atribuindo o direito da pessoa com visão monocular de concorrer às vagas destinadas às pessoas com deficiência. Por outro lado, a Lei n° 12.764/2012 conferiu idêntico direito aos portadores de transtorno do espectro autista - TEA.
Pelo mundo existem critérios variados para as cotas, a depender da realidade de cada país, como as cotas de gênero, étnicas, religiosas, por país, por província, e até por idioma e estatura física. De uma maneira geral, as cotas para pessoas com deficiência são mais abrangentes que as demais, aplicando-se ao ensino público e ao acesso a empregos públicos e privados. A única limitação fica por conta das universidades privadas. Já as demais cotas se restringem às universidades públicas e aos empregos públicos, não atingindo os empregos privados.
Contudo, os programas DEI estendem essa abordagem inclusiva para as universidades privadas e empregos privados, abrangendo ainda uma gama maior de grupos beneficiados. De fato, enquanto as ações afirmativas se voltam para pretos, pardos, indígenas, quilombolas e pessoas com deficiência, os programas DEI incluem a orientação sexual, imigrantes, egressos do sistema prisional e pessoas em situação de rua.
Esses programas podem ser adotados voluntariamente ou por meio de estímulos governamentais. Esse estímulo pode vir na forma de selos, prêmios e benefícios fiscais. Mas também podem ser impostos pelo governo, sob pena de taxas, multas e interdições.
Nos EUA, as ações afirmativas remontam ao fim da Guerra de Secessão, sendo adotadas formalmente em 1961 pela Ordem Executiva 10925 do presidente John Kennedy. Esse sistema de cotas foi estendido para o acolhimento de imigrantes. A Lei de Imigração de 1924, aprovada no rescaldo da Primeira Guerra Mundial, conhecida como Lei Johnson-Reed, é chamada de lei de cotas, e reduziu o percentual de acolhimento de imigrantes de 3% para 2% por país, tendo ainda banido o acolhimento de imigrantes asiáticos, buscando privilegiar oriundos do hemisfério ocidental. Atualmente, vigora o Immigration Act de 1990, que estabelece uma cota de 7% por origem nacional.
Mas antes disso, o sistema de cotas teve seu início na Índia, com a reserva para determinadas castas feitas pelo marajá Chatrapati Shahu na virada do século XIX para o século XX, destinando-se até 50% dos cargos públicos para comunidades carentes.
Atualmente, a constituição indiana prevê as reservas no art. 14. Interpretando esse dispositivo, a Suprema Corte do país decidiu em 1992 limitar o total de cotas em 50%. Contudo, 30 anos depois, em 2022, no julgamento do caso “Janhit Abhiyan vs Union of India”, a mesma corte superou esse limite, considerando o total de cotas econômicas e por castas. E em 2024, a corte autorizou a criação de subcastas para as tribos e castas programadas. De uma maneira geral, prevalece no âmbito judicial indiano a compreensão de que as cotas econômicas podem contribuir para erradicar as cotas por castas no acesso às universidades e empregos governamentais.
Nos EUA, as pesquisas de opinião sobre as ações afirmativas oscilaram desde sua adoção formal, mas os levantamentos atuais mostram uma ampla maioria contrária ao uso da etnia ou da raça para ingresso na faculdade, aceitando apenas a pontuação nos testes de admissão. Após esse rechaço da população, as ações afirmativas no país foram substituídas por programas DEIA (diversidade, equidade, inclusão e acessibilidade), com um enfoque mais amplo, já que se aplicam ao acesso às universidades, cargos públicos e empregos privados, estendendo-se às funções de liderança.
No âmbito mercadológico, os programas de diversidade e inclusão estão contidos no conceito mais amplo de ESG, que além da sustentabilidade ambiental, possui uma contrapartida social, sendo estendido para a gestão pública. Contudo, à semelhança das ações afirmativas, após passarem por uma fase de alta, os programas DEI e ESG entraram em declínio, com muitas empresas sendo acusadas de maquiagem verde, tanto na área ambiental quanto social, prática conhecida como “greenwashing”.
Essa tendência resultou na debandada de investimentos dos fundos ESG, tidos como uma área hype, semelhante à bolha da internet que estourou em 2000. De fato, em 2024 foram retirados dezenas de bilhões de dólares dos fundos ESG (ações ambientais, sociais e de governança). Além do mercado financeiro, os programas DEI também sofreram reveses judiciais.
A Suprema Corte dos EUA já havia declarado inconstitucionais as cotas raciais em 1978. Em 2023, esse entendimento foi retomado pela corte no julgamento do caso “Students for Fair Admissions v. Harvard”, onde rejeitou ações afirmativas baseadas na raça para admissão nas faculdades, entendendo que elas reforçam estereótipos. A decisão se deu por maioria: 6 x 3 no caso de Harvard e 6 x 2 no caso da Universidade da Carolina do Norte. Este último resultado ganhou destaque por contar com uma opinião contrária às ações afirmativas proferida por um dos três integrantes negros da corte. Os críticos da decisão indicam que houve a imposição de um “daltonismo legal” no acesso às universidades.
Essa discussão não se restringe aos Estados Unidos. Em Bangladesh, um país vizinho à Índia, com uma população de 173 milhões de habitantes, vigorava um sistema de cotas de 30% no acesso aos cargos públicos para famílias de combatentes na guerra de independência de 1971, que se soma às cotas de 1% para povos indígenas e pessoas com deficiência. Em 2018, após protestos da população mais jovem, a cota para famílias de combatentes foi anulada pelo governo. Em junho de 2024, porém, o Supremo Tribunal do país restabeleceu a cota, o que desencadeou uma onda de protestos violentos, que foram brutalmente reprimidos pelo governo, resultando em centenas de mortos. Em decorrência dos distúrbios, a premiê do país fugiu para a Índia, renunciando ao cargo logo em seguida, com o governo do país passando às mãos dos militares. Atualmente, Bangladesh é governado interinamente pelo nobel da paz Muhammad Yunus. Essa guinada democrática e liberal, apesar de instável, fez o país ser escolhido em dezembro de 2024 como o “país do ano” pela revista “The Economist”.
A Coreia do Sul atravessa dilema semelhante. Em 2024, houve uma explosão na oferta de vagas nas faculdades de medicina do país, o que não ocorria há quase trinta anos. Esse aumento de vagas irá triplicar o número de médicos em atuação, suprindo as deficiências constatadas durante a pandemia. No entanto, essa reforma no ensino causou uma reação contrária da classe médica. Também houve críticas vindas do meio acadêmico, já que esse foco em cursos de medicina retirou muitos alunos de ponta dos cursos STEM, enfraquecendo a área de ciências.
No Brasil, houve igualmente um aumento acentuado na quantidade de médicos ativos nos últimos anos, que já somam mais de meio milhão, com tendência de crescimento, dado o aumento da quantidade de vagas nas universidades, fazendo com que em uma década o país atinja a cifra de um milhão de médicos ativos. Contudo, esse crescimento não foi acompanhado pelo aumento proporcional na quantidade de vagas nas residências médicas, criando um enorme abismo que compromete a qualidade dos serviços prestados.
Nem todas as universidades adotavam o sistema de cotas. A faculdade de medicina da USP é a mais concorrida do país. A USP é uma universidade estadual que não adotava nenhum sistema de cotas, preferindo um sistema de auxílio para estudantes da rede pública, pagando uma cota de cursinhos privados para qualificá-los a concorrer no vestibular da FUVEST.
Essa realidade se alterou em 2017, quando a USP passou a adotar o sistema de cotas de vagas, destinando 50 das 175 vagas oferecidas em 2018 para as melhores notas do SISU. Destas 50 vagas, 15 foram destinadas para alunos de escolas públicas que se autodeclararem pretos, pardos e indígenas - PPI. Esse sistema foi alterado em 2019, pondo fim ao sistema de bonificações, e destinando-se 60% das vagas para ampla concorrência e 40% para cotas vinculativas, sendo 37,5% para estudantes de escolas públicas autodeclarados pretos, pardos e indígenas. Contudo, para alguns cursos houve diminuição do número de alunos oriundos da escola pública, cuja proporção já era maior que 40% antes das cotas, como filosofia.
Além do curso de medicina da USP, o ITA também não adotava vagas reservadas. A Lei nº 12.711/2012, que instituiu as cotas de 50% nas universidades públicas para alunos da escola pública que se autodeclararem pretos, pardos e indígenas, além de quilombolas e pessoas com deficiência, é uma lei federal, que não se aplica às universidades estaduais. Nas escolas militares, como ITA, IME e escolas navais, há um entendimento interno de que essa lei também não se aplica a elas, já que não se qualificam como universidades vinculadas ao Ministério da Educação, mas sim instituições militares vinculadas ao Ministério da Defesa. Com isso, o Ministério Público Federal ajuizou uma ação civil pública no Distrito Federal em 2015 requerendo que os concursos de ingresso nas forças armadas adotassem a reserva de vagas de 20% para candidatos negros, conforme previsto na Lei nº 12.990/2014, tendo sido acatada pela justiça. Desta forma, desde 2019, após decisão final do STF, o ITA adota referida cota de 20%, mas não a de 50%. Esta cota se limita aos alunos das escolas públicas, enquanto aquela não faz essa distinção.
Em 2024, o estado de Santa Catarina publicou um edital para um concurso público na área de educação com 10 mil vagas, sem a previsão de cotas raciais. Logo em seguida, a Defensoria Pública do Estado ajuizou uma ação que foi acatada liminarmente pela justiça, sob o argumento de que a legislação brasileira prevê a reserva de 20% das vagas em concursos públicos para negros, sendo validada pelo STF. Contudo, em agosto de 2024, o TJSC reverteu essa decisão, por falta de lei estadual tratando do assunto, uma vez que o Projeto de Lei com idêntico teor (PL nº 424/2023) foi rejeitado pela Assembleia Legislativa.
De fato, em maio de 2024, o STF examinou a prorrogação da vigência da lei federal sobre cotas, adotando uma posição deferente ao Congresso Nacional, ao declarar no julgamento que a reserva de vagas não deflui diretamente da Constituição Federal ou dos tratados internacionais, mas da manifestação expressa do Poder Legislativo.
Dessume-se desse quadro legal de jurisprudencial que tanto a Lei nº 12.711/2012, que instituiu a cota de 50% nas universidade, quanto a Lei nº 12.990/2014, que instituiu a cota de 20% nos concursos públicos, são leis federais, e não nacionais. Mas as escolas militares passam por uma simbiose de ambos, já que através de seus vestibulares é que há o ingresso no serviço público militar. Daí a razão para a aplicação da cota de 20% em seus vestibulares, conforme decidido pelo STF em 2018. Em 2025, a cota no ITA chegou a quase 30%.
Apesar de ambas as leis não serem nacionais, é possível a adoção espontânea das cotas, sem necessidade de lei local autorizativa. Por outro lado, para a aplicação compulsória de cotas nas universidades estaduais e municipais, bem como nos concursos estaduais e municipais, é imprescindível a aprovação de leis de cotas pelo respectivo ente federativo.
Em cursos mais concorridos, as notas para acesso por cotas são muito próximas às notas da ampla concorrência. As cotas também estimularam os pais a colocarem os filhos em escolas públicas durante o ensino médio, mesmo podendo pagar escolas particulares, a fim de concorrerem nas vagas reservadas. Em cursos medianos, contudo, a diferença entre cotistas e não cotistas é mais proeminente. Levantamentos recentes feitos nas universidade federais indicam que estudantes de ações afirmativas apresentam um desempenho inferior aos da ampla concorrência, além de necessitarem de mais tempo para a graduação e possuírem um maior número de reprovações e evasão, a exemplo da pesquisa feita por Maria Vogado Rodrigues.
Na UFRJ, a taxa de formatura dos alunos cotistas nas engenharias é de 42%, enquanto dos não cotistas é de 90%, havendo uma taxa de reprovação de 70%. Para evitar a evasão e reprovação seriada, a escola politécnica da universidade decidiu em 2023 reduzir o nível das disciplinas de cálculo nos cursos de engenharia. Em 2024, a mesma universidade chegou a dividir as turmas entre cotistas e não cotistas, matriculando aqueles no primeiro semestre e estes no segundo, estendendo essa prática para os demais cursos, como Direito e Medicina.
O sistema de cotas nas universidades também é adotado na África do Sul. Como exemplo, na faculdade de medicina da Universidade da Cidade do Cabo, a nota média para ingresso é de 78% no certificado nacional sênior para alunos indianos e brancos, e de 59% para alunos negros. Como novidade, em 2013, o país também adotou cotas nas principais modalidades esportivas.
De uma maneira geral, o “quotaism” indica a ideia de representar a distribuição demográfica em todos os níveis da sociedade, de acordo com as estatísticas nacionais. Afinal, em muitos países o ensino universitário e os cargos públicos conferem status social e financeiro. Historicamente, essa visão remonta à “idade de ouro” do Iraque, no século VIII d.C. Nesta época, existia a Casa da Sabedoria em Bagdá, que perdurou por séculos como um local de formação de médicos e engenheiros, preservando livros raros. A atração pela ciência era tamanha, que os califas preferiam receber textos científicos como despojos de guerra do que riquezas. De fato, o califa Al-Ma'mum reivindicou o livro “Almagesto” de Ptolomeu como condição para a paz após a guerra entre os abássidas e o Império Romano do Oriente, que tinha sede em Constantinopla, na atual Turquia. O Almagesto datava do século II, e continha valiosos ensinamentos astronômicos sobre a trajetória planetária e lunar, que eram de suma importância para as viagens noturnas. Entre 1000 e 1200 d.C, Bagdá era umas das três cidades do mundo com mais de um milhão de habitantes, ao lado de Kaifeng e Hangzhou, e a vida acadêmica era sinônimo de elevado status social. Até que ocorreu a invasão mongol em 1221 que devastou a cidade.
Nos tempos atuais, depois da deposição de Saddam Hussein, o governo iraquiano foi estabelecido por cotas, a fim de espelhar as diferentes etnias e religiões existentes no país. O sistema muhasasa no Conselho de Governo destinou a presidência para a etnia curda, o cargo de primeiro-ministro para os xiitas e a presidência do parlamento para os sunitas, de modo a garantir uma representação proporcional.
Na Nigéria, há três etnias principais: hauçás, ibos e iorubás. Os cristãos ficam no sul do país, enquanto os muçulmanos ficam no norte. O inglês é o idioma oficial, mas há mais de 500 línguas locais. O país adota um sistema de cotas nas universidades para os alunos da região centro-norte, que foram incluídas na constituição nigeriana em 1979. Esse sistema concede um peso de 55% para a área de influência e grau de desvantagem, destinando apenas 45% para o mérito na média ponderada. Atualmente, esse sistema sofre críticas por fomentar a mediocridade educacional e até travar o desenvolvimento do país.
O cotismo também é praticado no acesso aos cargos eletivos, como as cotas de gênero na política do Egito. A ditadura do país teve fim após a primavera árabe em 2011. No ano seguinte, a ex-presidente do STF, Ellen Gracie, foi designada para a comissão de juristas que elaborou a nova constituição egípcia, tendo a tarefa de construir uma travessia para uma constituição democrática, nos moldes da experiência brasileira de 1987. Mas em 2019, houve uma alteração na constituição do país, instituindo uma cota para mulheres de 25% na composição do parlamento. As cotas de gênero existem desde 1979, oscilando desde então. Contudo, os críticos indicam que essas concessões atuais para grupos minoritários são acompanhadas pela contrapartida de concentração do poder estatal.
A Coreia do Sul e Taiwan igualmente implementaram cotas de gênero nos sistemas políticos. O cotismo de gênero também foi adotado pela União Europeia, desta feita em cargos privados de liderança, com a aprovação da diretiva 2381 de 2022, estabelecendo a obrigação de os países membros destinarem por lei, até junho de 2026, 33% a 40% dos cargos de direção em conselhos empresariais para mulheres.
Nos EUA, de onde emanava os programas DEI, houve um crescimento nas críticas bipartidárias sobre a adoção desses programas no governo do país, atribuindo a eles o aumento da ineficiência das agências e órgãos governamentais. Até que em 20 de janeiro de 2025, o novo governo dos EUA assinou uma ordem executiva proibindo toda a gama de programas DEI do governo, colocando centenas de funcionários do setor em licença administrativa. O governo ainda proibiu esses programas nas forças armadas, priorizando a prontidão das tropas, a letalidade e a coesão das unidades.
No âmbito privado, os programas DEI nos EUA foram adotados a partir de 2020. Apesar disso, no mercado editorial já haviam obras tradicionais sobre o tema, como o livro “Leituras para Diversidade e Justiça Social”, de Warren J. Blumenfeld e coautores, que figura há mais de duas décadas no mercado, estando atualmente em 4° edição, lançada em 2018 pela editora Routledge, onde expõe temas variados de diversidade e inclusão no ambiente corporativo.
Mais recentemente, o livro “Diversidade, Equidade e Inclusão para Instrutores: Promovendo DEI no Local de Trabalho”, foi lançado em 2022 pela editora Association for Talent Development. A autora, Maria Morukian, é filha de um refugiado armênio-cubano e sua mãe cresceu numa comunidade agrícola polonesa nos EUA. Ela usa sua origem multicultural e multilíngue como exemplo de fomento à diversidade e inclusão no mercado.
No entanto, após o revés na Suprema Corte em 2023 no caso da Universidade de Harvard, as empresas passaram a encerrar seus setores de diversidade e inclusão, direcionando o foco preponderante ao mérito. As companhias que seguiram esse curso compõem uma variedade de setores da economia norte-americana, como as grandes varejistas Walmart, Target e Lowe's, as big techs, Amazon, McDonald's, Ford, Toyota, Nissan, Boeing, Harley-Davidson, Brown-Forman (controladora da Jack Daniels), John Deere (fabricante de equipamentos agrícolas), Tractor Supply (fornecedora de tratores), e a AB InBev (controladora da Bud Light). Neste último caso, as campanhas DEI da marca ocasionaram um prejuízo bilionário.
No Brasil, a empresa varejista Magazine Luiza adotou um programa DEI em 2020, passando em seguida por um forte prejuízo financeiro entre 2021 e 2024. Muitos analistas atribuem esses prejuízos das companhias listadas à adoção de campanhas de diversidade e inclusão. O Projeto de Lei n° 4.988/2023 do Senado foi aprovado na CDH em 2024, estabelecendo um selo para empresas que promovem programas DEI, com três níveis: bronze, prata e ouro. Mas com o revés na tendência estrangeira, essa política será inevitavelmente revisada.
Os programas DEI eram adotados globalmente, dos EUA à China, tornando-se uma febre no mercado, com destaque para as companhias Microsoft e Alibaba, respectivamente. Contudo, a Microsoft, outrora baluarte da diversidade e inclusão, dissolveu seu departamento DEI em julho de 2024, demitindo toda a equipe. No início de 2025, o CEO da Walt Disney Co. também anunciou que a empresa desativou seus programas DEI, que eram adotados pela companhia desde 2020, período que coincide com um forte prejuízo financeiro da empresa.
À semelhança dos programas DEI, as ações afirmativas no Brasil precisam passar por uma reformulação, a fim de contornar as injustiças e fraudes constatadas na sua aplicação, conforme os exemplos expostos a seguir.
A Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB) dedica até 85% das vagas para cotas, a depender do curso, abrangendo pretos, pardos, indígenas, quilombolas, ciganos, pessoas com deficiência, mulheres, transexuais, travestis, transgêneros e comunidades tradicionais. Dentro desta última definição se encaixam, por exemplo, os ribeirinhos e as quebradeiras de coco babaçu. Em 2021, a mesma universidade aprovou o aumento das cotas para incluir detentos, ex-presidiários e refugiados.
Por seu turno, a UFBA reduziu a nota de avaliação de 7 para 5 em 2011, buscando diminuir as reprovações. O ingresso na faculdade de medicina da universidade é tumultuado pela avalanche de ações judiciais. O curso tem capacidade de ofertar 160 vagas anuais, mas recebeu 55 alunos a mais nos últimos dois anos em decorrência de liminares que contestam os critérios para as cotas.
Nesta questão exsurge o limbo jurídico da heteroidentificação dos pardos, que são aceitos como cotistas em algumas universidades federais e em outras não. Em 2024, a Cesgranrio realizou o Concurso Nacional Unificado, contando com mais de dois milhões de inscritos. Mas uma denúncia aportou no MPF dando conta de que o Ministério da Gestão e Inovação orientou os avaliadores do processo de heteroidentificação a excluir os pardos das cotas, limitando-as aos negros retintos, o que contraria a Lei nº 12.990/2014, que define negro como pretos e pardos. À semelhança da decisão da Suprema Corte indiana tomada em 2024, seria o caso de se criar uma subcota destinada aos pardos, a fim de conciliar as duas leis.
Em alguns concursos públicos, o fracionamento do edital em diversos cargos específicos pode tornar o percentual de cotas inaplicável, já que exige a oferta de três ou mais vagas, segundo o entendimento do Supremo Tribunal Federal. Com base nisso, o edital do concurso de 2024 para professores de medicina da UFBA previu a preferência na convocação da primeira vaga para os candidatos cotistas. Assim, a candidata que tirou a maior nota da ampla concorrência, com média 9,4, perdeu a vaga para a quarta colocada, que tirou média 7,6, e figurava em primeiro lugar na lista de cotas. A candidata excluída obteve decisão judicial favorável, retomando a vaga. Em seguida, nova decisão judicial ordenou que a candidata cotista também fosse convocada para uma vaga desocupada. O caso ensejou um debate sobre a conciliação entre o entendimento do STF e a prática de fracionamento das vagas do edital. Além disso, também despertou reflexões sobre a finalidade das cotas, já que os candidatos que disputavam a vaga no concurso público eram médicos especialistas com doutorado, o que lhes confere elevado status social e financeiro.
A aplicação das leis de cotas esbarra ainda em situações que reforgem à sua lógica intrínseca, como sua aplicação no acesso à segunda graduação, bem como nos cursos de mestrado, doutorado e residência médica. Em outubro de 2024, a Universidade Estadual de Londrina ofertou 30% das vagas de residência para cotas, utilizando um algoritmo para distribuir as vagas de forma objetiva pelas especialidades. Contudo, o método fez com que 100% das vagas nas especialidades mais concorridas fossem destinadas às cotas, não restando nenhuma vaga para a ampla concorrência.
Essas situações extremas remetem ao princípio da reserva do possível, que decorre do caso “Numerus Clausus”, julgado pelo Tribunal Constitucional Federal da Alemanha em 1972, decorrente de uma ação impetrada por estudantes que pretendiam cursar a faculdade de medicina e discutir os métodos de admissão estaduais.
Em conclusão, uma crítica frequente no Brasil indica que as ações afirmativas saíram do sistema tradicional de cotas percentuais e se converteram na regra, abrangendo a maioria das vagas em muitas seleções, com a ampla concorrência tornando-se a exceção. Outra crítica corrente indica que as cotas esvaziaram a pressão sobre a raiz do problema no acesso às universidades, que é a melhoria da educação básica. Com isso, a tendência atual do setor privado em valorizar o mérito e abandonar os programas DEI certamente irá repercutir no setor público, forçando o ajuste das ações afirmativas praticadas em solo pátrio, com adoção de critérios objetivos que reduzam a proliferação de litígios judiciais.
Oficial de Justiça do TRT 7° Região.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: COELHO, LEONARDO RODRIGUES ARRUDA. Panorama atual das ações afirmativas e programas DEI nos âmbitos público e privado. Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 18 fev 2025, 04:28. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigo/67832/panorama-atual-das-aes-afirmativas-e-programas-dei-nos-mbitos-pblico-e-privado. Acesso em: 21 fev 2025.
Por: SERGIO FURQUIM
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