A Lei 10.684/2003 autorizou o parcelamento especial (PAES) de todas as contribuições previdenciárias devidas ao INSS e à Receita Federal, vencidas até 28 de fevereiro de 2003, em 180 prestações, com a redução de 50% das multas e substituição dos juros SELIC pela TJLP, além de outros benefícios legais:
“Art. 5º Os débitos junto ao Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, oriundos de contribuições patronais, com vencimento até 28 de fevereiro de 2003, serão objeto de acordo para pagamento parcelado em até cento e oitenta prestações mensais, observadas as condições fixadas neste artigo, desde que requerido até o último dia útil do segundo mês subseqüente ao da publicação desta Lei.
§ 1º Aplica-se ao parcelamento de que trata este artigo o disposto nos §§ 1º a 11 do art. 1º, observado o disposto no art. 8º.”
“Art. 1º Os débitos junto à Secretaria da Receita Federal ou à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, com vencimento até 28 de fevereiro de 2003, poderão ser parcelados em até cento e oitenta prestações mensais e sucessivas.
...
§ 6º O valor de cada uma das parcelas, determinado na forma dos §§ 3º e 4º, será acrescido de juros correspondentes à variação mensal da Taxa de Juros de Longo Prazo - TJLP, a partir do mês subseqüente ao da consolidação, até o mês do pagamento.
§ 7º Para os fins da consolidação referida no § 3º, os valores correspondentes à multa, de mora ou de ofício, serão reduzidos em cinqüenta por cento.
§ 8º A redução prevista no § 7º não será cumulativa com qualquer outra redução admitida em lei, ressalvado o disposto no § 11.
§ 9º Na hipótese de anterior concessão de redução de multa em percentual diverso de cinqüenta por cento, prevalecerá o percentual referido no § 7º, determinado sobre o valor original da multa.
...
§ 11. O sujeito passivo fará jus a redução adicional da multa, após a redução referida no § 7º, à razão de vinte e cinco centésimos por cento sobre o valor remanescente para cada ponto percentual do saldo do débito que for liquidado até a data prevista para o requerimento do parcelamento referido neste artigo, após deduzida a primeira parcela determinada nos termos do § 3º ou 4º.”
Desse modo, milhares de empresas aderiram ao PAES e, seguindo a Lei instituidora, passaram a pagar parcela mínima, estabelecida na lei instituidora em R$ 2.000,00 enquanto aguardavam a consolidação dos valores devidos.
Ocorre que as Receitas, Previdenciária e Federal, demoram em média 12 meses para consolidar os débitos, acarretando inúmeros prejuízos às empresas.
Enquanto não ocorria a consolidação, sem um parâmetro sobre o valor da parcela a ser paga, muitas empresas efetuaram os pagamentos mínimos, por orientação da própria administração fiscal e, sobretudo, em consonância com a determinação contida na lei instituidora do PAES e do artigo 11 da Instrução Normativa INSS/DC nº 91, de 30 de junho de 2003, que prevê:
“ Art. 11 - O débito objeto do parcelamento será consolidado no mês do pedido e será dividido em até 180 (cento e oitenta) parcelas mensais e sucessivas, sendo que o montante de cada parcela mensal será calculado da seguinte forma:
I – MODALIDADE 1: ESPECIAL Lei 10.684, de 2003 – Empresas em Geral e Equiparados na forma do art. 15 da Lei 8.212/91, exceto Microempresas em Empresas de Pequeno Porte:
PARÂMETROS LEGAIS:
QUANTIDADE MÁXIMA DE PARCELA: 180 MESES;
QUANTIDADE MÍNIMA DE PARCELA: 120 MESES;
VALOR MÍNIMO DE PARCELA BÁSICA: R$ 2.000,00;
PERCENTUAL DA RECEITA BRUTA: 1,5 OU 0,75, CONFORME O CASO.
DADOS NECESSÁRIOS:
VALOR CONSOLIDADO DA DÍVIDA – VCD;
VALOR DA RECEITA BRUTA;
VALOR BÁSICO DA PARCELA – VBP= Valor Consolidado da Dívida – VCD/180 ou o resultante da aplicação do valor mínimo de parcela (R$ 2.000,00);
VALOR APURADO COM BASE NA RECEITA BRUTA – VABRP = 1,5 OU 0,75 PONTOS PERCENTUAIS DA RECEITA BRUTA.
CÁLCULO DO VALOR MENSAL DA PARCELA: Para cálculo do valor mensal de parcela deverá ser feita a seguinte operação:
Comparar o Valor Básico da Parcela – VBP (Valor Consolidado da Dívida – VCD/180 ou o resultante da aplicação do valor mínimo de parcela (R$ 2.000,00)) com o valor apurado com Base na Receita Bruta – VABRB (1,5 ou 0,75 PONTOS PERCENTUAIS DA RECEITA BRUTA).
Se o valor do VBP for maior que o VABRP, o VBP será o valor básico da parcela a ser cobrada.
Se o valor do VABRB for maior que o VBP, o VAFB será o valor básico da parcela desde que este não seja maior do que o Valor Consolidado da Dívida – VCD/120, observado o valor mínimo de parcela (R$ 2.000,00).”
Desse modo, as empresas não desatenderam às normas do PAES. Contudo, após a consolidação do débito, as empresas foram surpreendidas com cobranças altíssimas por parte da Receita Previdenciária que, além disso, passou a exigir a quitação imediata da diferença dos valores recolhidos anteriormente, sob pena de serem excluídas do parcelamento especial.
Ora, tal posicionamento é absurdo, pois a diferença deve ser diluída nas parcelas subseqüentes, não sendo crível que as empresas sejam penalizadas pela ineficiência da arrecadação, em flagrante ofensa ao princípio da estrita legalidade tributária, eis que a demora na consolidação dos débitos, com toda certeza pelo acúmulo de trabalho nas Receitas, não pode prejudicar as empresas que vêm pagando rigorosamente em dia o parcelamento.
Tal prejuízo se verifica principalmente quanto às empresas prestadoras de serviços, que têm como clientes basicamente órgãos do Poder Público e, por isso, são obrigadas a apresentar Certidão Negativa de Débito sob pena de não receber o pagamento pelos serviços prestados, de acordo com o impedimento do art. 193 do CTN e da Lei nº 8.666/93.
Ademais, tal arbitrariedade impede que as empresas possam participar de novas licitações, o que a toda evidência decreta a “morte” da empresa e o fim da atividade, com todos os malefícios que acompanham essa conduta, quais sejam: demissão, miséria e o assolamento da condição social tão perversa e cruel para a sociedade como um todo e, sobretudo, para os empregados que irão reforçar a fila dos desempregados.
Partindo da premissa que ao administrador apenas é dado fazer aquilo que é autorizado por lei e ao administrado é permitido fazer tudo que não há vedação legal, jamais a Administração Pública poderia exigir o pagamento, em parcela única dos valores anteriormente recolhidos a menor, senão vejamos:
a) primeiro por ser totalmente irrazoável e ilógico, já que a própria administração orientou seus contribuintes, conforme a lei instituidora, a recolher parcela mínima;
b) segundo porque esta cobrança transformou-se verdadeiramente numa armadilha para excluir os contribuintes, já que torna-se IMPOSSÍVEL efetuar o pagamento em parcela única, querendo impor a sua vontade, sem qualquer amparo legal, pelo contrário, ferindo a lei instituidora e a legislação correlata; e
c) por último porque a Secretaria da Receita Federal e Procuradoria da Fazenda Nacional, ao contrário do INSS, autorizaram e regulamentaram tal entendimento por meio da Portaria Conjunta PGFN/SRF nº 3, de 25 de agosto de 2004, permitindo a diluição destas prestações ao longo do parcelamento. É de se lembrar que o INSS ou Receita Previdenciária e a Receita Federal foram fundidas por meio da Medida Provisória nº 258/2005.
Para diluir estes pagamentos no próprio parcelamento, a Secretaria da Receita Federal e a Procuradoria da Fazenda Nacional fizeram uso da Portaria Conjunta PGFN/SRF nº 3, de 25 de agosto de 2004, que determina no seu artigo 4º:
“Art. 4º O quantitativo total das prestações não poderá exceder a cento e oitenta, devendo o sujeito passivo, até o vencimento da última parcela, liquidar o total do débito sob pena de rescisão.”
Noutras palavras, segundo o artigo 4º da Portaria Conjunta PGFN/SRF nº 3/2004, desde que o contribuinte pague todo o seu débito até que vença a última parcela, não há motivo para negar a expedição da Certidão.
Ora, a todo sentir este é um posicionamento lógico da administração (diluir as diferenças ao longo do parcelamento), até porque exigir o pagamento numa única prestação de toda diferença de recolhimento do parcelamento, originada exclusivamente por orientação do próprio ente público e ocasionado pela demasiada demora na consolidação do débito, é o mesmo que transferir a responsabilidade pela demora na consolidação do débito ao contribuinte.
E nem se diga que a Portaria Conjunta PGFN/SRF nº 3/2004 não seria aplicável para o parcelamento feito no INSS, porquanto com a publicação da Medida Provisória nº 258, em 22 de julho de 2005, a administração de todas as contribuições passou para a Receita Federal do Brasil, que, por óbvio, recepcionou as normas legais e infralegais em vigor da Secretaria da Receita Federal. In verbis:
“ Art. 1º A Secretaria da Receita Federal passa a denominar-se Receita Federal do Brasil, órgão da administração direta subordinado ao Ministro de Estado da Fazenda, mantidas as competências previstas na legislação em vigor na data de publicação desta Medida Provisória.
“ Art. 3º Compete à União, por meio da Receita Federal do Brasil, arrecadar, fiscalizar, administrar, lançar e normatizar o recolhimento das contribuições sociais previstas nas alíneas ‘a’, ‘b’ e ‘c’ do parágrafo único do art. 11 da Lei no 8.212, de 24 de julho de 1991, e das contribuições instituídas a título de substituição, bem como as demais competências correlatas e decorrentes, inclusive as relativas ao contencioso administrativo-fiscal, observado o disposto no art. 4o desta Medida Provisória.”
“ Art. 37. Até 14 de agosto de 2005, o Secretário da Receita Federal e o Secretário da Receita Previdenciária editarão os atos conjuntos necessários ao funcionamento da Receita Federal do Brasil a partir de 15 de agosto de 2005, especialmente quanto ao cumprimento de obrigações tributárias, acessórias e principais, referentes aos tributos e contribuições a serem administrados por este órgão, bem como em relação ao atendimento aos contribuintes.
§1 Fica mantida a vigência dos atos normativos e administrativos editados pela Secretaria da Receita Federal e pela Secretaria da Receita Previdenciária até a edição de atos próprios pela Receita Federal do Brasil.
§2oO disposto no § 1o aplica-se também aos atos editados pelo:
I - Ministério da Previdência Social e pelo INSS, relativos à administração das contribuições a que se refere o art. 3o; e
II - Ministério da Fazenda, relativos à administração dos tributos e contribuições de competência da Secretaria da Receita Federal.”
Enfim, a arbitrária negativa de expedição das Certidões não atende sequer a razoabilidade e a finalidade do parcelamento, especialmente nos casos em que a empresa demonstra ter promovido todos os pagamentos.
Esse entendimento encontra respaldo na doutrina, veja-se o entendimento de Celso Antônio de Melo:
“ Assim, o princípio da finalidade impõe que o administrador, ao manejar as competências postas a seu cargo, atue com rigorosa obediência à finalidade de cada qual. Isto é, cumpre-lhe cingir-se não apenas à própria de todas as leis, que é o interesse público, mas também à finalidade específica abrangida na Lei a que esteja dando execução.
Assim, há desvio de poder e, em conseqüência, nulidade do ato, por violação à finalidade legal, tanto nos casos em que a atuação administrativa é estranha a qualquer finalidade pública quanto naqueles em que o fim perseguido, se bem que de interesse público, não é o fim preciso que a lei assinala para tal ato”[1]
Neste mesmo sentido, pontifica Hely Lopes Meirelles:
“ A alteração expressa da finalidade na norma legal ou implícita no ordenamento jurídico da Administração caracteriza o desvio de poder . . . , que rende ensejo à invalidação do ato, por lhe faltar um elemento primacial em sua formação: o fim público desejado pelo legislador”[2]
O Colendo Superior Tribunal de Justiça, em caso análogo ao presente, julgou inválido ato administrativo que desvia a finalidade da norma legal, consignando entendimento de que não configura invasão de poderes cometida pelo Judiciário o decreto de nulidade de ato administrativo que afronta o princípio “in casu”, vejamos:
“CONTRATO ADMINISTRATIVO. MULTA. MORA NA PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS. REDUÇÃO. INOCORRÊNCIA DE INVASÃO DE COMPETÊNCIA ADMINISTRATIVA PELO JUDICIÁRIO. INTERPRETAÇÃO FINALÍSTICA DA LEI. APLICAÇÃO SUPLETIVA DA LEGISLAÇÃO CIVIL. PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE.
Na hermenêutica jurídica, o aplicador do direito deve se ater ao seu aspecto finalístico para saber o verdadeiro sentido e alcance da norma.
Os Atos Administrativos devem atender à sua finalidade, o que importa no dever de o Poder Judiciário estar sempre atento aos excessos da Administração, o que não implica em invasão de sua esfera de competência.
O art. 86, da Lei nº 8.666/93, impõe multa administrativa pela mora no adimplemento do serviço contratado por meio de certame licitatório, o que não autoriza sua fixação em percentual exorbitante que importe em locupletamento ilícito dos órgão públicos.
Possibilidade de aplicação supletiva das normas de direito privado aos contratos administrativos (art. 54, da Lei de Licitações)
Princípio da Razoabilidade.
Recurso improvido.”[3]
O ilustre mestre Celso Antônio Bandeira de Melo foi enfático em postular que são nulos, por afronta à legalidade, os atos administrativos efetuados com “desvio de poder” ou “desvio de finalidade”, in verbis:
“Em rigor, o princípio da finalidade não é uma decorrência do princípio da legalidade. É mais que isto: é uma inerência dele; está nele contido, pois corresponde à aplicação da lei tal qual é; ou seja, na conformidade de sua razão de ser, do objetivo em vista do qual foi editada. Por isso, se pode dizer que tomar uma lei como suporte para a prática de ato desconforme com a sua finalidade não é aplicar a lei; é desvirtuá-la; é burlar a lei sob o pretexto de cumpri-la. Daí porque os atos incursos neste vício – denominado “desvio de poder” ou “desvio de finalidade” – são nulos. Quem desatende ao fim legal desatende a própria lei.”[4]
Portanto, por afrontar o princípio da finalidade da lei e da legalidade insculpida no artigo 5º, inciso II da Carta Maior, a conduta da Receita se mostra absolutamente ilegal, vez que não existe lei ou qualquer ato normativo que dê guarida ao comportamento, ferindo a premissa inicialmente exposta, qual seja, ao administrador apenas é dado fazer o que for autorizado por lei e ao administrado é permitido fazer tudo que não há vedação legal.
Tal comportamento arbitrário deve ser coibido por meio de mandando de segurança, com pedido de liminar, requerendo a expedição da Certidão de Regularidade Fiscal da empresa prejudicada e a diluição da diferença entre a parcela mínima e o valor consolidado nas parcelas vincendas, vez que não pode ficar submetida ao alvedrio e à arbitrariedade dos administradores, que não seguem a lei, mas têm a sua própria lei, que é a sua vontade. Não há cabimento para tamanho absurdo. Vivemos em um Estado Democrático e de DIREITO!
[1] MELO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo, Malheiros, SP, 11. ed., p. 65, 1999.
[2] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro, Malheiros, SP, 23. ed., p. 134, 1998.
[3] RESP 330677/RS, DJ: 04/02/2002, p. 306, Rel. Min. José Delgado, Primeira Turma.
[4] MELO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo, Malheiros, SP, 11. ed., p. 64, 1999.
Mestre em Direito pela UFP. Professora de Direito Processual Penal. Gomes & Teles Advogados Associados S/S.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: AGUIAR, Fernanda Maria Alves Gomes. Exigências arbitrárias da receita previdenciária no PAES Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 19 set 2008, 07:47. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/14948/exigencias-arbitrarias-da-receita-previdenciaria-no-paes. Acesso em: 26 dez 2024.
Por: Roberto Rodrigues de Morais
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