Um dos principais problemas do Brasil em termos de democratização da televisão é a deficiente regulação estatal, eis que o interesse setorial, em articulação com o poder político, sobrepuja o interesse da sociedade brasileira.
Em função disso torna-se necessária a respectiva regulação, por intermédio de uma agência autônoma dos serviços de televisão por radiodifusão, em relação ao poder político (especialmente, o poder do governo – Presidente e Ministério das Comunicações) e do poder econômico (empresas de mídia nacionais e internacionais e agências de publicidade).
Aqui, adota-se uma postura crítica diante da separação promovida de modo circunstancial pela Emenda Constitucional n.o 08/95, entre os setores de telecomunicação e radiodifusão, defendendo-se a modificação do ordenamento jurídico, para atribuir a competência regulatória à ANATEL sobre os serviços de televisão por radiodifusão. Deste modo, permite-se a relativização da separação entre os dois universos, promovendo alguns passos em direção à aproximação recíproca.
A medida, ora proposta, justifica-se pelas seguintes razões: (i) o processo de convergência de tecnologias e de prestação de serviços em matéria de comunicações eletrônicas requer a unidade regulatória, (ii) evita-se a confusão entre a atribuição de competências entre distintas entidades, o que compromete a segurança jurídica, (iii) aproveita-se a experiência da ANATEL em termos de regulação setorial sobre os serviços de telecomunicações, (iv) facilita a adoção de uma política nacional de comunicações diante da internacionalização da mídia e (v) a implantação do Sistema Brasileiro de Televisão Digital, em razão de sua própria dinâmica requer um órgão especializado no tratamento das questões técnicas que lhe são subjacentes, e, finalmente, (vi) os demais serviços de televisão por assinatura já se encontram sob a jurisdição da referida agência.
Nesse contexto, algumas alterações no direito positivo precisam ser feitas tanto na Constituição Federal quanto na legislação infraconstitucional.
Defende-se, aqui, a proposta de modificação do ordenamento jurídico brasileiro, na forma de emenda constitucional, alterando-se o art. 223, § 1.o, § 2.o, § 3.o, § 4.o, e o art. 49, XII, da CF, para atribuir as competências então conferidas ao Poder Executivo e ao Poder Legislativo (atos de outorga, renovação e de não-renovação) e ao Poder Judiciário (cancelamento da outorga), à ANATEL, dotada de plena autonomia em face do poder político e do poder econômico, com a participação da cidadania brasileira nos procedimentos de outorga, renovação, entre outros. A atribuição de competência regulatória à referida agência em relação ao setor de radiodifusão só tem sentido se ela dispor do poder de outorga, normatização e fiscalização em relação às emissoras de televisão por radiodifusão.
Além disso, deve-se alterar a Lei Geral de Telecomunicações, a fim de incluir tal competência à ANATEL, transformando-a em Agência Nacional de Comunicações. Ora, se há um Ministério das Comunicações nada mais razoável do que a existência de uma agência especializada em matéria de comunicações, independentemente da tecnologia adotada. Ao Ministério competirá a elaboração das políticas públicas em matéria de comunicações, enquanto à agência caberá a definição e a execução da política regulatória. Nesse sentido, o modelo, ora proposto, aproxima-se da experiência da Federal Communications Comission dos EUA que tem por objeto justamente todas as modalidades de serviços de comunicações, independentemente da plataforma tecnológica adotada.
No atual momento histórico, entende-se como inconveniente a criação de mais uma agência especializada unicamente no setor audiovisual. De fato, o conteúdo audiovisual é objeto de tratamento especial pela Constituição, razão qual ela impõe um estatuto específico. Contudo, isto não exige necessariamente uma agência especializada somente no setor da comunicação audiovisual.
Portanto, é perfeitamente possível atribuição à ANATEL a regulação em termos de conteúdo audiovisual. É que a separação entre a regulação da infra-estrutura e do conteúdo audiovisual acaba enfraquecendo a própria proteção a este último. Em regra, quem detém os meios de comunicação é que determina quais os conteúdos que serão veiculados pelas redes de difusão. No Brasil, a disciplina das redes há de ser feita em harmonia com o tratamento dos conteúdos audiovisuais, sob pena de ineficiência. Um dos mecanismos para neutralizar o poder dos proprietários e (ou) controladores das redes é a promoção da regulação, em conjunto, em favor da produção do conteúdo audiovisual. Com isso, minimiza-se o risco de o controlador da rede impor condições excessivas para o transporte de conteúdo audiovisual de outros concorrentes.
Sintetizando-se, ao invés de separação entre os setores de telecomunicações e radiodifusão, deve ocorrer uma aproximação entre os mesmos, justamente em razão do processo de convergência tecnológica, ainda mais acentuado pela implantação do Sistema Brasileiro de Televisão Digital, respeitando-se, no entanto, as singularidades do campo que trabalha com conteúdo audiovisual, o qual requer a devida proteção por força da Constituição do Brasil.
Precisa estar logado para fazer comentários.