Valerio de Oliveira Mazzuoli: Mestre em Direito Internacional pela Faculdade de Direito da Universidade Estadual Paulista (UNESP). Doutorando em Direito Internacional na Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Professor de Direito Internacional Público e Direitos Humanos no Instituto de Ensino Jurídico Professor Luiz Flávio Gomes (Curso LFG), em São Paulo
Antiga e consolidada doutrina nacional sempre admitiu que os tratados de direitos humanos (Convenção Americana de Direitos Humanos, Pacto Internacional de Direitos civis e políticos etc.) contam com status constitucional. Essa doutrina, entretanto, nunca foi consagrada na nossa Corte Suprema que, agora, começa a discutir o assunto. Voto do Min. Gilmar Mendes proferido no RE 466.343-SP, rel. Min. Cezar Peluso, j. 22.11.06, ainda não concluído, concebe tais tratados como Direito supralegal. A EC 45/2004 (Reforma do Judiciário) autoriza que tenham status de emenda constitucional, desde que seguido o procedimento contemplado no § 3º do art. 5º da CF.
Tendo em vista o que acaba de ser exposto podemos afirmar que os tratados de direitos humanos incorporam-se no Direito interno brasileiro: (a) como Emenda Constitucional (CF, art. 5º, § 3º) ou (b) como Direito supralegal (voto do Min. Gilmar Mendes) ou (c) como Direito constitucional (posição doutrinária).
A primeira possibilidade vem disciplinada no parágrafo 3º, do artigo 5º, da CF, inserido pela Emenda Constitucional 45, que diz: “Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais”.
A segunda foi sustentada no voto supracitado do Min. Gilmar Mendes (RE 466.343-SP, rel. Min. Cezar Peluso, j. 22.11.06, ainda não concluído).
A terceira emana de uma forte corrente doutrinária ((Flávia Piovesan, Valério Mazzuoli, Ada Pelegrini Grinover, L. F. Gomes etc.), que já conta com várias décadas de existência no nosso país.
O ponto comum entre as três posições citadas reside no seguinte: os tratados de direitos humanos contam com status supralegal, ou seja, estão hierarquicamente acima do direito ordinário.
O § 3º do art. 5º da CF pretendeu pôr termo às discussões relativas à hierarquia dos tratados internacionais de direitos humanos no ordenamento jurídico pátrio, uma vez que a doutrina mais abalizada, antes da reforma, já atribuía aos tratados de direitos humanos status de norma constitucional, em virtude da interpretação do § 2.º do mesmo art. 5.º da Constituição, que dispõe: “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”.
Com base nesse último dispositivo, sempre defendemos que os tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil têm índole e nível constitucionais, além de aplicação imediata, não podendo ser revogados por lei ordinária posterior.
E a nossa interpretação sempre foi a seguinte: se a Constituição estabelece que os direitos e garantias nela elencados “não excluem” outros provenientes dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte, é porque ela própria está a autorizar que esses direitos e garantias internacionais constantes dos tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil “se incluem” no nosso ordenamento jurídico interno, passando a ser considerados como se escritos na Constituição estivessem. É dizer, se os direitos e garantias expressos no texto constitucional “não excluem” outros provenientes dos tratados internacionais em que o Brasil seja parte, é porque, pela lógica, na medida em que tais instrumentos passam a assegurar outros direitos e garantias, a Constituição “os inclui” no seu catálogo de direitos protegidos, ampliando o seu “bloco de constitucionalidade”.
Para nós, a cláusula aberta do § 2.º do art. 5.º da Carta da 1988 sempre admitiu o ingresso dos tratados internacionais de proteção dos direitos humanos no mesmo grau hierárquico das normas constitucionais, e não em outro âmbito de hierarquia normativa. Portanto, segundo sempre defendemos, o fato de esses direitos se encontrarem em tratados internacionais jamais impediu a sua caracterização como direitos de status constitucional.
Esse nosso entendimento doutrinário acabou não sendo sufragado pelo Min. Gilmar Mendes, que avançou um passo nessa matéria, admitindo em relação aos tratados de direitos humanos status supralegal, mas não chegou a concebê-los como normas constitucionais. De qualquer maneira, é certo que todo direito interno que conflita com o Direito humanitário internacional não possui validade. Isso foi afirmado pelo Min. Gilmar Mendes na questão da prisão civil do depositário infiel no caso de alienação fiduciária. A lei ordinária prevê essa prisão civil, mas ela é refutada pela Convenção Americana de Direitos Humanos (art. 7º, 7). Logo, não tem validade (RE 466.343-SP).
Precisa estar logado para fazer comentários.