Foi numa aula de Teoria Geral do Estado que ouvi, pela primeira vez na vida, a pronunciação da palavra recall. O professor explicava que o recall era adotado em vários países como Estados Unidos, antiga União Soviética, Alemanha (Constituição de Weimar), Áustria, Suíça.
Quando eu poderia imaginar, estando ali, como aluno, a assistir a uma aula do Professor Ademar Martins, em nossa antiga e querida Faculdade de Direito, que 55 anos depois eu estaria no Senado da República discutindo com os senadores justamente a conveniência de ser adotado, no Brasil, o recall e outros instrumentos da democracia participativa.
Mas foi o que aconteceu na semana passada.
Comecei minha fala homenageando Ademar Martins, professor do qual tenho a certeza que se lembram com saudade todos os estudantes de Direito de minha geração.
Durante a audiência, na mesma linha de Fabio Konder Comparato (da USP) defendi a ampliação da participação popular nas decisões políticas.
Já o professor Paulo Kramer (da UnB) declarou que, "em vez de perder tempo com utopias de democracia direta ou participativa, deveríamos reconstruir e aperfeiçoar nossa mais que imperfeita democracia representativa".
Usando da palavra em seguida ponderei que "não há oposição entre democracia representativa e democracia participativa; as duas formas são absolutamente compatíveis. A democracia participativa não desconsidera os representantes, mas aproxima a sociedade da arena decisória".
A respeito do direito de revogação de mandato coloquei o seguinte argumento:
Se o indivíduo, na sua vida particular, tem o direito de arrepender-se de uma determinada decisão, arrependimento este que o Direito Civil acolhe como legítimo, como se pode admitir que, na vida política, o cidadão não possa expressar seu arrependimento? A única diferença entre o arrependimento, na vida privada, e o arrependimento, na vida política, é que na vida privada a pessoa expressa seu arrependimento de forma isolada e esse arrependimento isolado é eficaz. Na vida política, o arrependimento do cidadão é expressado de forma isolada, através do seu voto, mas só se torna eficaz quando se transforma em arrependimento da maioria.
Através do veto popular o povo pode manifestar-se contrário a uma medida ou lei, já devidamente elaborada e em vias de execução. Essa inovação vai contribuir para que o povo se sinta agente, e não espectador dos negócios da coletividade.
Os instrumentos de Democracia participativa já previstos no ordenamento constitucional têm merecido acolhimento popular.
Lembremo-nos do plebiscito sobre proibição da venda de armas. Meu voto pessoal foi voto vencido, mas isto não me impede de reconhecer que aquele plebiscito contribuiu para o crescimento da cidadania. Houve muito debate sobre o tema, o eleitorado procurou informar-se e votou com entusiasmo.
Outro importante instrumento da democracia participativa é a iniciativa popular que também tem despertado grande interesse público. Deve ser referido como relevante marco o projeto de iniciativa popular do qual resultou a Lei 9.840/97, que trata da corrupção eleitoral.
A aprovação das PECs 73, 80 e 82 não basta para instituir realmente uma democracia participativa no Brasil, mas sua aprovação constitui passo animador.
Creio que muitas outras medidas deverão ocorrer. Cito apenas três que me parecem importantes:
1) o plebiscito, o referendo e a iniciativa popular, já acolhidos no bojo da Constituição, são instrumentos cujo uso precisa ser ampliado em nível estadual e municipal;
2) a educação pública exige um grande melhoramento. Jamais conquistaremos a Democracia sem educação universal gratuita de excelente qualidade. Alguns Estados e Municípios remuneram seus mestres de maneira aviltante. Eu julgaria um governo estadual ou municipal tendo nas mãos a tabela de vencimentos dos professores. Um país que queira ter futuro há de nutrir pelos seus mestres consideração e respeito sagrado;
3) é urgente cumprir a Constituição Federal na qual está escrito que a programação das emissoras de rádio e televisão deve ter finalidade educativa e cultural (artigo 221). Quando vou a minha biblioteca e leio o artigo 221 da Constituição e, em seguida, vou à sala e ligo o televisor, a sensação que tenho é a de que, por engano, li a Constituição de outro país.
Vossas Excelências – eu disse textualmente aos senadores – não me convidaram para falar aqui citando autores e livros mas me mantendo distante, pessoal e emocionalmente, do tema desta intervenção. Vossas Excelências convocaram para comparecer neste plenário um juiz aposentado, com 73 anos de idade, inteiramente desprovido de poder, para que também apresente neste espaço democrático o testemunho de sua vida.
Posso então repetir os versos de Thiago de Mello:
“Pois aqui está a minha vida,
Pronta para ser usada.
Vida que não se guarda
nem se esquiva, assustada.
Vida sempre a serviço
da vida.”
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