Não sou espírita. Sou católico. Mas tenho grande simpatia pela doutrina espírita.
Nem sempre pensei assim. Nasci numa família católica, em Cachoeiro de Itapemirim. Na infância e adolescência respirei um ambiente religioso que não transigia em questões dogmáticas. Só bem adiante é que surgiu João XXIII, o Papa que abriu o diálogo da Igreja Católica com todas as religiões e correntes de opinião.
O que me encanta na doutrina espírita é a abertura para o próximo, a generosidade. Creio que isto é a síntese do Cristianismo. Neste ponto parece-me que podem comungar católicos, espíritas, protestantes e ateus. Incluo seguramente ateus nesta desejada comunhão porque, segundo minha visão, quem se declara ateu, mas ama o próximo, tem paixão pela Justiça social, sonha com um mundo de igualdade, apenas não explicita a Fé, mas vive a Fé porque a Fé é vida, e não palavras.
Se nos debruçarmos sobre os diversos municípios do Espírito Santo para descobrir, em nossas cidades, instituições que se abrem para o próximo, que se condoem de presos e de prostitutas, que buscam encaminhar crianças, que se dedicam ao cuidado de seres humanos marcados por deficits físicos ou mentais, veremos que muitas dessas instituições, ou a maioria delas, são levadas avante por seguidores do Espiritismo. Acredito que o mesmo fato ocorra em outros Estados do Brasil.
Segundo o relato bíblico, no julgamento final, Jesus Cristo não chamará as pessoas para o lado dos escolhidos, segundo um determinado timbre ou rótulo religioso, mas segundo as obras:
“Vinde a mim, benditos de meu Pai, que me deste pão quando tive fome; tive sede e me destes de beber; era peregrino e me acolhestes; nu e me vetistes; enfermo e me visitastes; estava preso e viestes a mim”.
Quando fui juiz de Direito, os desembargadores que melhor entenderam meu trabalho e minhas ações eram espíritas. Cito com reverência dois desses desembargadores: Carlos Teixeira de Campos e Mário da Silva Nunes. Foi graças ao apoio deles que consegui resistir.
Uma decisão que proferi libertando uma pobre prostituta, envolvida com drogas, porque ela seria Mãe, tornou-se nacionalmente conhecida em razão da divulgação dessa sentença pela internet, num site espírita.
Transcrevo a seguir um pequeno trecho do decisório.
“É uma dupla liberdade a que concedo: liberdade para Edna e liberdade para o filho de Edna que, se do ventre da mãe puder ouvir o som da palavra humana, sinta o calor e o amor da palavra que lhe dirijo, para que venha a este mundo tão injusto com forças para lutar, sofrer e sobreviver.
Este Juiz renegaria todo o seu credo, rasgaria todos os seus princípios, trairia a memória de sua Mãe, se permitisse sair Edna deste Fórum sob prisão.
Saia livre, saia abençoada por Deus, saia com seu filho, traga seu filho à luz, que cada choro de uma criança que nasce é a esperança de um mundo novo, mais fraterno, mais puro, algum dia cristão.”
Os espíritas compadeceram-se de Edna e entenderam porque o juiz a libertou, ainda que, naquele momento histórico (1976), fosse a droga considerada, mesmo o simples consumo, um crime gravíssimo. Através de flagrantes de droga foram colhidos pela rede das prisões muitos opositores do regime politico vigente.
Recebi, nesta semana, a notícia de que faleceu, na França, o Padre Roger Lacroix. A triste comunicação me foi feita pelo Professor José Maria Luiz Ventura, um brasileiro que vive atualmente em Rouen (Normandia). José Maria é de Barretos, cidade paulista nacionalmente famosa por causa dos rodeios e, principalmente, em razão da Festa do Peão Boiadeiro.
Père Roger tinha essa visão de Cristianismo como vida, ação, presença, abertura para o próximo, jamais comodismo, egoísmo, fechamento nas próprias verdades.
Em razão destas ideias o trabalho pastoral de Père Roger Lacroix consistiu principalmente na acolhida ao estrangeiro, no apoio que deu a imigrantes legais e ilegais. Na verdade não existe nem mesmo a figura do imigrante ilegal se entendemos que a Terra é uma dádiva de Deus concedida a toda a Humanidade.
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