A julgar pelo último exame nacional unificado da OAB (realizado entre maio e agosto de 2009), o Estado de São Paulo, que dele participou pela primeira vez, na área do ensino jurídico está sim sendo destronado. É o penúltimo Estado em número de aprovados (15,6% do total que fizeram a prova). Só ganha de Mato Grosso (15,2%). Os cinco primeiros colocados são do Norte ou Nordeste (Ceará, 38,2%; Paraíba, 37,5%; Sergipe, 36,9%; Pará, 34%; Bahia, 33,2%). O velho preconceito de que fora de São Paulo e de outras poucas capitais do sul ninguém aprenderia nada de útil (em nenhuma área) deve ser (prontamente) revisado.
A Faculdade de Direito do Largo São Francisco (USP), a mais tradicional do país (foi criada em 1827, juntamente com o Curso de Direito de Olinda), passou a ocupar a 11ª posição (no ranking nacional). Antes dela estão: Universidade de Brasília, Federal da Bahia, de Santa Catarina, de Sergipe, do Paraná, de Pernambuco, da Paraíba, Fluminense e as Estaduais do Rio de Janeiro e de Feira de Santana (BA). 97,2% dos alunos da Universidade de Brasília (que prestaram a prova) foram aprovados. A Faculdade de Direito do Largo de São Francisco aprovou 79,7%.
O Estado de São Paulo conta com 250 faculdades de direito. Apenas três delas são públicas (USP, Unesp e Universidade Municipal de São Caetano do Sul). Elas formam 40 mil bacharéis todos os anos. Desses, poucos são os que conseguem aprovação no exame da OAB. Faculdades outras de São Paulo, também tradicionais, tampouco alcançaram (no ranking) posições elevadas: destacam-se Unesp (28º lugar), Mackenzie (37º) e PUC (41º). Das vinte faculdades que menos aprovaram no exame da OAB, dez são do Estado de São Paulo. As três últimas colocadas também são daqui. Algumas não tiveram nenhum aluno aprovado.
Alguns elitizados e iluminados professores de tradicionais faculdades disseram: dentro de pouco todos os alunos vão necessitar de “cursinhos” para passar! (O Estado de S. Paulo de 03.09.09, p. A15). Os tais “cursinhos”, na verdade, embora vistos com desprezo pelo mundo acadêmico formal, estão se transformando em “cursões” fantásticos e absolutamente necessários. Por quê?
Vejamos (e só não enxerga quem não quer): as leis no Brasil mudam diariamente. A jurisprudência é modificada em cada hora. A prova Cespe o que mais pede é legislação atualizada e jurisprudência dos tribunais superiores. O que um aluno aprende no começo do ano, já no meio do mesmo ano mudou tudo. O aluno, quando chega na metade do último ano, viu um mundo de conceitos, leis e códigos. Mas grande parte do que estudou foi modificado (alterado).
Há, portanto, um erro metodológico nas grades das faculdades de direito: o último semestre deveria ser reservado para atualização legislativa e jurisprudencial. Se elas não cumprem esse papel de revisão geral, cabe a quem fazer isso? Aos depreciativamente chamados “cursinhos” (que vêm desempenhando bem o seu papel, diga-se de passagem, a ponto de serem considerados indispensáveis pelos alunos).
Outro detalhe importante: a metodologia necessária para responder as questões Cespe não é ensinada nas faculdades (nem é obrigação delas fazer isso). A quem compete mostrar essa metodologia, dar as “dicas” sobre a resolução da prova, sobre como controlar o tempo das respostas, sobre como alcançar melhor aproveitamento etc.? Aos “cursinhos”.
O aluno, durante a faculdade, em regra, é muito desconectado. Vê conceitos importantes, mas não se esforça para memorizá-los. Quem cumpre esse papel de revisar os conceitos importantes que foram transmitidos durante o curso e que não estão na ponta da língua do aluno? Os “cursinhos”.
Durante o curso de direito, seja por eventual deficiência da faculdade, seja pela desconexão do aluno, pouco sabe ele sobre a elaboração de uma peça prática. Quem faz isso? Os “cursinhos”.
Quem se deu ao trabalho de ver os resultados analíticos de cada faculdade, viu o desastre dos seus alunos em algumas disciplinas relevantes, sobretudo em Direito internacional e constitucional. Quem deve suprir eventuais deficiências cognitivas do aluno? Os “cursinhos” (que sabem muito bem o quanto essas disciplinas são relevantes para o sucesso do aluno).
Os “cursinhos”, como se vê, sobretudo no momento em que até grandes e tradicionais faculdades estão despencando no ranking nacional de aprovação da OAB, estão se transformando em verdadeiros “cursões nota dez”.
O que muitos professores e acadêmicos ilustrados ainda não entenderam é que, no mundo globalizado e competitivo, cada um se especializa em determinadas competências e habilidades. A faculdade forma o aluno. Os “cursinhos” cuidam especialmente da sua capacitação para a empregabilidade (profissionalização). Uma coisa é a nobre missão de formar o aluno, outra bem distinta é contribuir para que ele conquiste sucesso numa prova (que é muito específica e peculiar). Cada um cumpre seu papel. A soma dessas energias é que forma uma sinergia incrível.
Minha experiência de 25 anos como professor em cursos preparatórios para a OAB e para concursos me ensinou muita coisa nessa área. É hora de mudarmos nossa visão depreciativa e, às vezes, até preconceituosa contra os tais “cursinhos”. Hoje, pela refinada especialização deles, não se pode mais negar que cumprem um papel sumamente relevante no sucesso do aluno.
Uma última observação: a prova Cespe cobra muita coisa que faz parte das novas ondas do Direito (constitucionalismo, internacionalismo e universalismo). Se a faculdade fez opção curricular só pela primeira onda (legalismo), ensinando a seus alunos tão-somente leis e códigos, tal como era feito no século XIX, claro que será muito difícil alcançar sucesso. Quem supre eventual déficit curricular do aluno? Os “cursinhos”.
A questão, então, já não reside na imperiosa necessidade da existência “desses cursinhos”, que cumprem papel complementar relevante em relação às faculdades, sim, em saber qual é nível de aproveitamento que cada um deles apresenta e quando deve começar a parceria (entre eles e a faculdade). Os “cursinhos” hoje são verdadeiros “cursões nota dez”. Se você duvida disso, forme-se em Direito e tente fazer a prova Cespe sem as dicas que eles te passam: sua chance de sucesso fica bastante reduzida. Não que seja impossível passar na OAB sem eles. A questão é que as faculdades não têm obrigação legal de ficar preparando o aluno só para um exame.
As parcerias nessa área são cada vez mais freqüentes e necessárias. A humildade socrática está nos conduzindo a essas parcerias vitoriosas. Esse é o caminho que permite que todos ganhem. Você vai ficar fora dele?
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