SUMÁRIO: INTRODUÇÃO; 1 ASPECTOS ESSENCIAIS DA AÇÃO COLETIVA1.1 BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE A ORIGEM DA AÇÃO COLETIVA .2 FUNÇÃO DA AÇÃO COLETIVA 1.3 INTERESSES E DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS1.4 PRINCIPAIS QUESTÕES PROCIDEMENTAIS EM RELAÇÃO ÀS DEMANDAS INDIVIDUAIS: SUSPENSÃO DA AÇÃO INDIVIDUAL E LIQUIDAÇÃO PROVISÓRIA2-PROJETO POUPANÇA: SUSPENSÃO IMEDIATA DA AÇÃO INDIVIDUAL E LIQUIDAÇÃO PROVISÓRIA DE OFÍCIO. 2.1 CRIAÇÃO DO PROJETO POUPANÇA 2.2 APLICAÇÃO DOS PROCEDIMENTOS DO PROJETO POUPANÇA. 2.3. DA SUSPENSÃO DA DEMANDA INDIVIDUAL DE OFÍCIO E IMEDIATA INSTAURAÇÃO DA LIQUIDAÇÃO PROVISÓRIA PELO JUIZ “A QUO”2.4. A IMPORTÂNCIA DO PROJETO POUPANÇA: ORIGEM PARA SISTEMA ÚNICO DE AÇÕES COLETIVAS BRASILEIRAS. CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS.
O presente artigo versa sobre ações coletivas, particulares e o Projeto Poupança, bem como os artigos 81, parágrafo único, 97 e 104, todos do Código de Defesa do Consumidor.
O item versa sobre a história da ação coletiva, uma breve passagem sobre sua origem e surgimento no Brasil. Este item trata, ainda, sobre a função da ação coletiva, com o papel de trazer o acesso à justiça e celeridade processual ao Judiciário. Trata, também, sobre os interesses ou direitos individuais homogêneos que tutelam a esfera da ordem coletiva, bem como sobre o artigo 104 do Código de Defesa do Consumidor que disponibiliza a suspensão das demandas individuais, a pedido da parte, em face da propositura da ação coletiva e o artigo 97 do mesmo diploma legal, que dispõe sobre liquidação provisória da sentença proferida na ação coletiva, igualmente a requerimento da parte.
Concluí-se o item versando sobre a sentença prolatada na ação coletiva, bem como o efeito gerado por esta.
No segundo item, apresentará o Projeto Poupança, instituído pelo Poder Judiciário do Rio Grande Sul, em Regime de Exceção, para tratar das demandas individuais. Demonstrará, ainda, nesse item, como os artigos 97 e 104 foram utilizados pelos Magistrados gaúchos de maneira diversa ao previsto em lei, fundamentando-se no princípio da celeridade processual e no acesso à justiça, cujo primeiro item reforça. Pois é de conhecimento de todos os operadores do direito a grande demanda de processos, versando sobre a mesma matéria, que abarrotam o Poder Judiciário e dificultam o acesso à justiça, que é direito de todos.
Finalmente, o segundo item demonstrará que o Projeto Poupança vem atingindo seus objetivos no que se propôs, ou seja, desafogar os Cartórios Cíveis, bem como demostra o Projeto de Lei.
Antes de aprofundar a análise do procedimento que rege a ação coletiva, especialmente no que tange aos dispositivos do Código de Defesa do Consumidor que mereceram nova leitura a partir do Projeto Poupança, objeto do presente estudo, impõe-se tratar, ainda que brevemente, da origem desta classe de demandas, passando inclusive pelos primórdios de sua utilização no Direito brasileiro.
1.1 BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE A ORIGEM DA AÇÃO COLETIVA
As ações coletivas estão sempre presentes na história jurídica, pois já se observava seu aparecimento em Roma em defesa das “rei sacrae”, “rei publicae”, ou seja, o cidadão tinha o poder de defender a coisa pública, face o sentimento e vínculo que este tinha para com o poder público da época, conforme analisam em sua obra, Freddie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr.:
Ao cidadão era atribuído o poder de agir em defesa da coisa pública em razão do sentimento, do forte vínculo natural que o ligava aos bens públicos “lato sensu”, não só em razão da relação cidadão/bem público, mas também pela profunda noção de que a Republica pertencia ao cidadão romano, era seu dever defendê-la. [1]
No século XVII, a ação coletiva tem antecedentes históricos na Inglaterra. Sob o sistema da “common law”, os tribunais de eqüidade (Courts of Chancery) admitiam, no modelo inglês, o “bill of peace”, modelo este diferenciado do comum, pois neste modelo, todos os interessados poderiam participar da mesma demanda, e, portanto, teriam um representante para atuar em seus nomes.[2] Este modelo deu origem a ação de classe (class action). As class actions foram aperfeiçoadas pelo sistema norte americano.
As class actions, são utilizadas nos países da “commom low”, que têm sua origem do direito inglês, cujo cerne é a tutela de interesses transdividuais de origem norte-americana[3].
Nos Estados Unidos, a utilização da “class actions” foi alvo de críticas e houve uma época de desuso, conforme demonstra o autor Marcus Vinícius Rios Gonçalves:
Não há uniformidade de opiniões quanto à utilidade das “class actions” no direito norte-americano, e existem os que as criticam. Durante alguns períodos da história, como na década de 80, elas decaíram em desuso, mas aparecerem renovadas posteriormente. Apesar das críticas elas têm prestado serviço ao sistema jurídico norte-americano. [4]
Observa-se do acima exposto, que as ações coletivas transitam na historia jurídica desde os primórdios do Direito Romano.
No Direito brasileiro, os interesses coletivos existem anteriormente à criação da Ação Popular, Ação Civil Pública e do Código de Defesa do Consumidor:
Mesmo quando não havia alusão específica em nossa legislação aos interesses coletivos, existiam diplomas legislativos que os tutelavam.[5]
Um exemplo disso é a Lei nº 1.134, de 14 de junho de 1950, que em seu art.1º estabelecia:
Às associações de classes existentes na data da publicação desta lei, sem nenhum caráter político, fundadas nos termos do Código Civil e enquadradas nos dispositivos constitucionais, que congreguem funcionários ou empregados de empresas industriais da União, administradas ou não por ela, dos Estados, dos Municípios e de entidades autárquicas, de modo geral, é facultada a representação coletiva ou individual de seus associados, perante as autoridades administrativas e justiça ordinária.[6]
Em 29 de junho de 1965, um passo muito importante foi dado para afirmação dos interesses coletivos, que foi a criação da Ação Popular, isto é, a entrada em vigor da Lei 4.717/65, que trata da legitimidade de qualquer cidadão para propor ação em defesa de patrimônio público, caso este fosse lesado.
Na década de 70, a Lei 6513, de 1977, acrescentou ao artigo 1º da Lei da Ação Popular os itens “histórico ou turístico”, que os considerou como patrimônio de valores econômicos. Isto viabilizou a possibilidade de tutela de referidos bens e direitos, de natureza difusa, conforme afirma Teori Albino Zavascki. [7]
No sentido de sua evolução histórica, pode-se dizer que foi para proteção dos interesses coletivos que o legislador trouxe a codificação da referida Ação Coletiva, conforme lição de Ricardo de Barros Leonel:
A preocupação do legislador com a proteção em juízo dos interesses coletivos não se encerrou no texto constitucional. Na ordem infraconstitucional, vieram a lume: a Lei 7.853/89, que tratou da defesa das pessoas portadoras de deficiência; a Lei 7.913/89, que tratou da defesa dos investidores do mercado de valores mobiliários; posteriormente, a Lei 8.069/90, ou “ Estatuto da Criança e do Adolescente”, também tratando da tutela jurisdicional de interesse coletivo; a Lei 8.078/90, o “Código de Defesa do Consumidor”; a Lei 8.492/92, denominada “Lei da Improbidade Administrativa”; que são os principais diplomas que vieram a tratar do tema em análise, aqui anotados em caráter exemplificativo.[8]
Na década de 80, mais um passo foi dado para o tratamento da coletividade: a Lei da Ação Civil Pública (Lei 7.347, de 25-07-1985), que trouxe a regra geral de competência para as ações que versem sobre interesses difusos e coletivos.[9] No ano de 1990, pela Lei 8.078, de 11 de setembro, foi acrescentado o inciso IV ao artigo 1º da Lei de Ação Civil Pública, que ratificou a competência referente aos interesses difusos e coletivos:
Art.1º. Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados: I –ao meio ambiente; II- ao consumidor; III – a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico; IV – a qualquer outro interesse difuso ou coletivo;...[10]
Por fim, no ano de 1990, tem-se a codificação que regula a ação coletiva, com a criação da Lei 8.078 de 11 de setembro, isto é, o Código de Defesa do Consumidor, que em seu artigo 81, parágrafo único, incisos I, II e III, dispõem no que tange aos interesses coletivos:
Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de: I – interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste Código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstância de fato; II – interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste Código, os transindividuais de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base; III – interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum.[11]
Observa-se que o tratamento jurídico referente aos direitos coletivos transitam pela história brasileira desde 1950, o qual foi aprimorando-se até culminar nas regras do Código de Defesa do Consumidor.
A Ação Coletiva tem como função zelar pelos interesses de grupos, buscando, assim, a proteção dos direitos coletivos, garantindo o acesso à justiça e a celeridade processual.
Sobre o acesso à justiça, no âmbito da ação coletiva, pode-se dizer que busca evitar o crescimento de demandas que versam sobre matéria idêntica, conforme afirma em sua obra o autor Ricardo Castilhos:
Pode-se também falar nas ações coletivas como forma de evitar um pluralidade de processos, o que ocorreria caso individualmente todos interessados ajuizassem ações autônomas. Aí a ação coletiva como meio de propiciar economia processual, tão cara ao atarefado judiciário de hoje.[12]
Demonstra, ainda, o autor acima citado, que a ação coletiva é um viés à economia processual.
Assim, uma das funções da ação coletiva é prover o acesso à justiça. Pode-se verificar tal função no que diz respeito aos interesses difusos, em especial ao direito ambiental e do consumidor, conforme demonstra o autor Mauro Cappelletti:
Podemos afirmar que a primeira solução para o acesso – a primeira “onda” desse movimento novo – foi a assistência judiciária; a segunda dizia respeito às reformas tendentes a proporcionar representação jurídica para os interesses “difusos”, especialmente nas áreas da proteção ambiental e do consumidor;[...][13]
Observa-se que a contribuição do autor demonstra que as demandas referentes ao mesmo objeto poderão ser tratadas de maneira coletiva, trazendo assim, melhor acesso à justiça. No que tange ao direito do consumidor, pode-se dizer que as ações coletivas são maneiras benéficas e eficazes para o acesso a justiça, pois uma única decisão procedente na ação coletiva beneficia, numa sociedade de consumo massificada, milhares de cidadãos.
Já o princípio da celeridade processual é um dos adventos necessários para proporcionar rapidez ao deslinde dos litígios, mas o Judiciário tem dificuldades em cumprir esse princípio, em face do grande número de demandas, conforme explana o autor Handel Martins Dias:
Apesar disso tudo, a morosidade da justiça consiste hoje no principal problema da pluralidade dos países do globo. O substancial aumento do número de processos nas últimas décadas, cujas causas têm as origens mais variadas – mormente, na experiência do Ocidente, a revolução constitucional pós-guerras, a desmedida injusta social, a facilitação do acesso a justiça e o irracionalismo dos sistemas processuais -, levou à fragilidade das máquinas judiciárias e ao acréscimo da demora da tutela jurisdicional.[14]
Como afirma o autor, o aumento de demandas prejudica o tempo hábil do processo, impedindo a celeridade processual. Pois é de conhecimento de todos os operadores do direito o caos que se instala no judiciário em face do grande número de demandas aguardando por anos uma decisão, como por exemplo, as ações que tramitam contra a Brasil Telecom, que tem como objetivo assegurar os direitos dos acionistas da antiga CRT.
Dispõe o CDC, em seu artigo 81, os interesses e direitos do consumidor, e, no que tange à defesa coletiva, explicita em seu parágrafo único os direitos e interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos, conforme a seguir será abordado.
Interesses e Direitos Difusos:
Os interesses difusos, conforme prevê o artigo 81, parágrafo único do CDC, sãointeresses de natureza indivisível, onde os titulares são pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato.[15]
Observa-se que o interesse difuso tem titulares de direitos indeterminados ligados por circunstância de fato e não jurídica, ou seja, estão ligadas por um evento e não por um contrato, ou relação jurídica, conforme leciona o autor Marcus Vinícius Rios Gonçalves:
O vinculo entre os titulares do direito difuso decorre de uma relação fática, e não jurídica. Há aqui uma sutileza que deve ser considerada: proibição da publicidade enganosa decorrente de lei, havendo dispositivo expresso a respeito no Código do Consumidor. O interesse difuso dos consumidores de que a propaganda seja retirada do ar tem fundamento jurídico. Mas não há uma relação jurídica comum que os una ao responsável pela propaganda enganosa, e sim apenas o fato de estarem potencialmente expostos à publicidade, visto que não há nenhum vínculo jurídico entre eles e o fornecedor responsável pela propaganda em análise.[16]
Pode-se afirmar, assim, que os interesses difusos são indivisíveis e contemplam toda sociedade já constituída, bem como que esta por se constituir. Um exemplo clássico é a tutela do meio ambiente, cuja titularidade pertence também às futuras gerações (CF, art.225, caput)”.[17]
Interesses e Direitos Coletivos:
Sobre os interesses coletivos, previstos no inciso II, do parágrafo único, do artigo 81, do CDC, pode-se dizer que são semelhantes aos interesses difusos, distinguindo-se, entretanto, porque há titulares determinados ou determináveis, que estarão ligados por um fato jurídico, conforme diz o autor Marcus Vinícius Rios Gonçalves:
O art. 81, parágrafo único, II, do Código do Consumidor conceitua interesses coletivos como os “transindividuais de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por relação jurídica base”. O que os caracteriza é que são indivisíveis e envolvem pessoas determinadas ou determináveis, ligadas entre si ou com a parte contrária por meio de relação jurídica base.[18]
Pode-se verificar que os interesses coletivos operaram sobre uma categoria ou classe de pessoas, cuja natureza é indivisível, mas em que os titulares são determinados ou determináveis, ligados por uma relação jurídica, conforme exemplifica o autor Hamilton Alonso Jr:
Atua-se pelo interesse pessoal do grupo, não por este ou aquele integrante. Assim, uma associação de pais que reivindique melhoria na qualidade de ensino para seus filhos age em nome da associação e não de alguém especificadamente. Estes grupos devem estar vinculados por uma relação jurídica base, não existindo aqui apenas um liame fático. Assim, a família, uma associação, um sindicato, uma cooperativa, dentre outros, possuem esta característica relacional. [19]
Conclui-se, portanto, que o interesse coletivo fundamenta-se numa mesmabaseia-se em circunstância de fato. circunstância jurídica, o que o diferencia do interesse difuso, que por sua vez,
Interesses e Direitos Individuais Homogêneos:
O art.81, parágrafo único, inciso III, do CDC, trata de interesses individuais homogêneos, que decorrem de uma origem comum, com titulares identificáveis com interesse individual, cujo objeto é divisível, conforme ratifica o autor Marcus Vinícius Rios Gonçalves:
São conceituados no art. 81, parágrafo único, III, do Código do Consumidor como aqueles que decorrem de uma origem comum. Caracterizam-se por serem divisíveis, terem por titular pessoas determinadas ou determináveis e uma origem comum, de natureza fática.[20]
Pode-se destacar que tal interesse pode ser demandado em ação judicial individual, o que não ocorrer nos interesses coletivos e difusos.
Para melhor esclarecimento sobre o interesse individual homogêneo, cabe demonstrar sua diferença em relação aos outros interesses (coletivo e difuso). Para tanto, busca-se a lição do autor Hamilton Alonso Jr: “Diferem dos difusos e dos coletivos: quanto aos difusos, em face da divisibilidade do objeto e identificação dos sujeitos; no tocante aos coletivos, em razão de inexistir nos individuais e homogêneos relação jurídica base e indivisibilidade do objeto.” [21]
Segundo os ensinamentos de Rizzatto de Nunes, o direito individual homogêneo é um instituto para a ação coletiva, que determina mais de um sujeito, buscando o mesmo direito. Nesse sentido, o autor afirma:
Aqui os sujeitos são sempre mais de um e determinados. Mais de um porque se for um só o direito é individual simples, e determinado porque neste caso, como o próprio nome diz, apesar de homogêneo,o direito é Individual. Mas, note-se: não se trata de Litisconsórcio e sim de direito coletivo. Não é o caso de ajuntamento de várias pessoas, com direitos próprios e individuais no pólo ativo da demanda, o que se dá no litisconsórcio ativo;quando se trata de direito individual homogêneo, a hipótese é de direito coletivo – o que permitirá, inclusive, o ingresso de ação judicial por parte dos legitimados no art.82 da lei consumerista.[22]
Dessa forma, justifica o autor que os direitos individuais homogêneos propiciam a ação coletiva, haja vista tratar de mais de um sujeito buscando pelo mesmo direito ofendido, plenamente divisível.
Face esta lógica refere Rodolfo de Camargo Mancuso:
Interesse coletivo como “síntese” de interesses individuais – Aqui, quadro se altera nitidamente. Não se trata de defesa do interesse pessoal do grupo; não se trata, tampouco, de mera soma ou justificativa de interesse dos integrantes do grupo; trata-se de interesses que passa esses dois limites, ficando afetados a um ente coletivo, nascido a partir do momento em que certos valores individuais, atraídos por semelhanças e harmonizados pelo fim comum, se amalgamam no grupo. É síntese, antes que mera soma.[23]
Contempla esta lógica a apelação cível nº195186911, proferida pelo Relator Carlos Alberto Etcheverry, da Décima Terceira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul:
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS. DEVOLUÇÃO DE PARCELAS A CONSORCIADO DESISTENTE. INÉPCIA DA INICIAL AFASTADA. NA PETIÇÃO INICIAL DE AÇÃO COLETIVA PARA DEFESA DE INTERESSES INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS NÃO É NECESSÁRIA A INDIVUALIZAÇÃO DE CADA UM DELES. SENTENÇA DESCOSTITUÍDA. É DE RESPONSABILIDADE DA ADMINISTRADORA A RESTITUIÇÃO DAS PARCELAS PAGAS POR DESISTENTE DE GRUPO DE CONSÓRCIO, AS QUAIS DEVEM SER CORRIGIDAS PELO IGP-M. DESCONTO DA TAXA DE ADMINISTRAÇÃO. (Apelação Cível Nº 195186911, Décima Terceira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Carlos Alberto Etcheverry, Julgado em 20/10/2005).
Pois bem, o presente trabalho trata exatamente sobre as implicações da ação coletiva que versa sobre direitos individuais homogêneos em relação às demandas individuais, tomando como viés o Projeto Poupança, emanado do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul.
Este item trata das principais questões procedimentais nas demandas individuais, referentes à liquidação provisória da sentença coletiva e à suspensão das ações individuais, quando concomitantes à demanda coletiva.
Para melhor esclarecimento sobre a liquidação da sentença e a suspensão nas demandas individuais, é necessário primeiramente abordar sobre sentença da ação coletiva.
A sentença da ação coletiva é genérica, pois não é auto-executável, necessitando de precedente liquidação para sua execução, conforme demonstra o autor Teori Albino Zavascki:
Sentença genérica é a que faz juízo apenas parcial dos elementos da relação jurídica posta na demanda, e não sobre todos eles, razão pela qual, em princípio, é sentença sem força executiva própria. Depende, para esse efeito, do advento de outro provimento jurisdicional, que complemente a atividade cognitiva, examinando os pontos faltantes. É o caso da sentença ilíquida, proferida no processo civil, que é considerada genérica porque deixa de apreciar alguns dos elementos da relação obrigacional, nomeadamente o que diz respeito ao valor da prestação devida (CPC, art.475-A).[24]
Este procedimento decorre da coisa julgada da sentença nas ações coletivas que, quando tratarem de interesses individuais homogêneos, fazem coisa julgada erga omnes em caso de procedência, conforme estabelece o Código de Defesa do Consumidor em seu art.103. Neste sentido novamente o autor Teori Albino Zavascki: “As regras de litispendência e coisa julgada estão no art.103 do CDC. Ali se estabelece, como regra geral, que a coisa julgada será erga omnes, mas somente em caso de procedência do pedido (inciso III).”[25]
Em relação à coisa julgada da sentença na ação coletiva, cujo interesse é individual homogêneo, o efeito erga omnes se dará apenas aqueles que comprovaram a lesão, conforma invocam os autores Fredie Didier Jr e Hermes Zaneti Jr: “Se individuais e homogêneos, a extensão será erga omnes, atingindo a todos aqueles que comprovarem a lesão (origem comum) do direito debatido em juízo.”[26]
Observa-se que há diferença da extensão do efeito erga omnes em relação aos outros interesses, conforme demonstram os autores acima já identificados:
Se difuso, a extensão será erga omnes para atingir a massa indeterminada de sujeitos daquele direito. Se coletivo stricto sensu, a extensão será ultra partes, atingindo a todos os membros da categoria, classe ou grupo, “perfeitamente identificáveis” (mas, não necessariamente identificados), em razão da ocorrência de relação jurídica-base entre si ou com a contraparte anterior à lesão.[27]
Observa-se que as sentenças têm efeito erga omnes, com extensão diferente para cada tipo de interesse.
Havendo improcedência na ação coletiva, cujo interesse é individual homogêneo,leciona Teori Albino Zavascki, que a improcedência atinge apenas aqueles que demandaram junto ao processo coletivo: “A contrario sensu, portanto, tem-se que o juízo de improcedência atinge, com sua força vinculante, os que tiverem aderido ao processo coletivo, em atendimento ao edital previsto no art. 94 do aludido diploma legal.”[28]
Conclui-se que a coisa julgada “erga omnes” atinge os titulares de direito, apenas com a procedência da ação coletiva, e sendo improcedente, atinge apenas aqueles que demandaram na referida ação.
Havendo julgamento na ação coletiva, poderá proceder na liquidação provisória da sentença, conforme reza o artigo 97 do CDC. Esta será requerida pela parte e se dará na demanda individual. A liquidação poderá ocorrer mesmo sem o trânsito em julgado da sentença da ação coletiva.
A liquidação da sentença se dará na forma do artigo 475-A do CPC, bem como se executará conforme disposto no artigo 475-J, dentro das ações individuais, face o advento da Lei 11.232/2005.
A liquidação se dará na forma de artigos, não sendo mais um processo autônomo, mas sim, um incidente processual. Nesta senda, corrobora o autor Gustavo Filipe Barbosa Garcia: “Com isso, a liquidação de sentença, seja qual for a sua modalidade, deixa de dar origem a processo autônomo, passando a ser mero incidente processual, quer dizer, fase posterior à decisão condenatória e antecedente ao seu cumprimento.”[29]
Ao interpretar o art. 97, do CDC, constata-se igualmente o óbice para agilização processual, quando determina que a liquidação provisória da sentença, seja requerida pela parte ao invés de poder ser instaurada “de ofício” pelo juiz. Tal modalidade em muito facilitaria o trâmite em bloco das ações individuais, o que sem dúvida tornaria as liquidações de sentença mais céleres.
“Por intermédio dos processos de liquidação, ocorrerá uma verdadeira habilitação das vítimas e seus sucessores, capaz de transformar a condenação pelos prejuízos globalmente causados do art.95 em indenizações pelos danos individualmente sofridos.”[30]
Havendo ação coletiva cuja sentença de procedência esteja pendente de julgamento, poderão as partes que tenham processos individuais tramitando com objeto material idêntico ao daquela, poderá requerer a suspensão da demanda individual, e assim proceder na liquidação provisória da sentença prolatada na ação coletiva.
Cabe salientar que o art.104 do Código de Defesa do Consumidor determina a suspensão das demandas individuais em face da propositura da ação coletiva. Para tanto, é necessário requerimento da parte, no prazo de 30 dias, para que esta venha fruir da coisa julgada.
Tratando do artigo 104 do Código de Defesa do Consumidor, cabe abordar sobre o instituto litispendência, se há ou não há litispendência entre ação coletiva e particular. Observando-se a lição dos autores Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr., concluí-se que não ocorre litispendência: “Concluindo, deve ser dito que não ocorre litispendência entre a ação coletiva e a ação individual, e vice versa.”[31]
Nas ações coletivas que versem sobre interesses individuais homogêneos não poderá ter litispendência, pois se assim fosse, seria negado ao autor da demanda individual o acesso à justiça, conforme lecionam os mesmos doutrinadores:
É que também quanto aos direitos individuais homogêneos, não poderá ocorrer litispendência no caso de ajuizamento de ação individual. Não se pode negar acesso à justiça aos titulares de direito individual por seus próprios meios e, ao mesmo tempo, não são eles legítimos a ajuizar individualmente a demanda coletiva porque “os direitos individuais homogêneos são indisponíveis para o grupo de vítimas.
Rodolfo de Camargo Mancuso ratifica tal posicionamento, asseverando que: “o sistema procura harmonizar os planos processuais coletivos e individuais, reconhecendo inexistir litispendência (Lei 8.078/90, art.104) – o que, aliás, é uma disposição de finalidade... didática, porque claramente não coincidem os três elementos das ações confrontadas.”[32]
Isto é, para que se configure a litispendência, impõe-se a identidade de partes, causa de pedir e pedido. Não é o que ocorre entre a ação coletiva que verse sobre interesses individuais homogêneos e a ação individual, posto que as partes não são as mesmas. Na ação individual, o titular do direito individual postula em nome próprio direito próprio. Já na ação coletiva, a parte autora no processo é o substituto processual, que postula em nome próprio direito alheio.
Outrossim, a própria lei, ao estabelecer que a coisa julgada erga omnes só se opera diante a procedência da ação coletiva, denota que ao titular do direito é possível postular, por seus meios, em ação própria, o mesmo objeto sobre o qual já versara a demanda coletiva.
Ainda no que tange à suspensão das ações individuais, conforme prevê o art.104 do Código de Defesa do Consumidor, será esta obtida a requerimento da parte:
b) se o autor preferir, poderá requerer a suspensão do processo individual, no prazo de 30 dias a contar da ciência, nos autos, do ajuizamento da ação coletiva. Nesse caso, será ele beneficiado pela coisa julgada favorável que se forma na ação coletiva. Sendo improcedente a ação coletiva, o processo individual retomará seu curso, podendo ainda o autor ver acolhida sua demanda individual. Tudo coerentemente com os critérios da extensão subjetiva do julgado secundum eventun litis adotados pelo Código.[33]
Constata-se, assim, que o dispositivo prejudica a celeridade processual, quando necessita de impulso da parte. Se possibilitasse ao juiz determinar a suspensão de ofício, traria ao Judiciário maior agilidade, bem como a manutenção dos processos individuais que aguardariam, em conjunto, a decisão da ação coletiva. Isto evitaria as inúmeras petições solicitando a suspensão dos mesmos, bem como o trâmite destas demandas individuais para atingir ao mesmo resultado da demanda coletiva, em caso de procedência.
Assim, o problema nos artigos 97 e 104, ambos do CDC, é a necessidade de requerimento da parte tanto para suspensão da ação individual quanto para a liquidação provisória da sentença coletiva de procedência.
É neste contexto e para solucionar este impasse que, no Rio Grande do Sul, foi implantado o Projeto Poupança que visou, fundamentalmente, a elidir esses entraves para solução das lides, como será abordado no capítulo II.
2 -PROJETO POUPANÇA: SUSPENSÃO IMEDIATA DA AÇÃO INDIVIDUAL E LIQUIDAÇÃO PROVISÓRIA DE OFÍCIO
Antes de adentrar nos aspectos procedimentais do Projeto Poupança que interessam ao presente estudo, importante destacar a sua origem, consoante segue.
Em setembro de 2008 o Poder Judiciário do Rio Grande do Sul criou o Projeto Poupança, instalado no Foro Central de Porto Alegre.
Inaugurou-se o Projeto Poupança em uma das salas do Foro Central de Porto Alegre, e para tanto, apenas dois Juizados foram necessário para responder pela demanda de processos abarcados por ele. Os dois Juizados julgam processos referentes aos Planos Bresser, Collor I e Collor II, processos estes, que foram distribuídos às 19ª Varas Cíveis.O Projeto Poupança tem como objetivo processar o grande número de demandas propostas no Poder Judiciário, que buscam regular remuneração do Plano Bresser e que teve seu prazo prescricional fluído do mês de maio/2008 (prescrição de vinte anos). Milhares de processos foram distribuídos no Estado do Rio Grande do Sul com esta mesma pretensão, gerando uma expectativa, pelo menos do Foro da Capital, de acréscimo superior a duas mil ações para cada juiz cível.[34]
Cabe salientar que em maio/2008, foram distribuídas só no Foro Central de Porto Alegre, mais ou menos 80.000 ações[35], e que, a partir do referido Projeto, apenas dois julgadores foram suficientes para tratarem destas, desafogando, assim, os magistrados das demais Varas Cíveis.
Havendo dez ações coletivas propostas contra os bancos, com a mesma causa de pedir, os juízes das ações particulares suspenderam as mesmas, aguardando as sentenças daquelas, isto para que não se instalasse mais um emaranhado de ações com a mesma causa de pedir, conforme salientado no Projeto Poupança:
Atentos a essa situação e outras semelhantes que estão levando a Justiça a uma situação de caos, vários juízes das varas cíveis da capital suspenderam a tramitação das ações individuais, vinculando-as a 10 ações coletivas ajuizadas contra as instituições financeiras com a mesma causa de pedir,...[36]
Percebe-se que os juízes das ações particulares procederam de maneira diversa ao determinado em lei, conforme relatado no capítulo anterior, isto é, diverso ao que determina o Código de Defesa do Consumidor:
“b) se o autor preferir, poderá requerer a suspensão do processo individual, no prazo de 30 dias a contar da ciência, nos autos, do ajuizamento da ação coletiva. Nesse caso, será ele beneficiado pela coisa julgada favorável que se forma na ação coletiva. Sendo improcedente a ação coletiva, o processo individual retomará seu curso, podendo ainda o autor ver acolhida sua demanda individual. Tudo coerentemente com os critérios da extensão subjetiva do julgado secundum eventun litis adotados pelo Código.”[37]
Os juízes procederam desta forma para impedir o abarrotamento de processos que geram morosidade processual, sendo uma constante em nossa realidade judiciária.
Nesta barca, pode-se analisar que estes juízes agiram conforme a necessidade do Judiciário e da sociedade. Pode-se dizer, ainda, que as normas jurídicas não acompanham por muitas vezes a necessidade imediata da sociedade, ficando, assim, a mercê dos juízes prover o melhor para esta, conforme salienta e ratifica esta assertiva do autor Sérgio Augustim:
Somente quando trabalhamos a prática do direito em vista das mutações sociais, da evolução dos sentidos e dos fins que geram a criação de um ordenamento jurídico, bem como a historicidade dos seus conceitos, é que podemos construir uma teoria crítica acerca do direito, uma vez que a razão de ser de uma norma jurídica é estar subordinada a uma concreção de acordo com a realidade social.[38]
Neste caso, pode-se observar que o artigo 104 do CDC, não contribui para a realidade do Judiciário e da sociedade, necessitando este, uma modificação. Tal modificação é o que propõe o Projeto Poupança.
Nesta senda, o Projeto Poupança, demonstra que o direito deve se moldar de acordo com os fatores atuais, conforme demonstra, mais uma vez, o autor Sérgio Augustin:
O direito é um fenômeno histórico-cultural, enraizado numa determinada sociedade e num dado momento, devido a uma séria de fatores, idéias, valores, estratégias de poder, ordem econômica etc. Da mesma forma, a atividade de aplicação do direto não pode ficar estranha ao mundo social cujas normas de direito se incumbiram de regular os conflitos nele existente. Isso significa numa mudança na maneira de raciocinar o direito, sempre e vista do momento sócio-político-econômico pro que passa a sociedade que irá sentir os efeitos sociais da aplicação da norma jurídica.[39]
Conforme explanado, o Projeto Poupança raciocinou o direito de acordo com o momento sócio-político-econômico, acompanhando as necessidade da sociedade e do Judiciário.
Assim, os juízes das ações individuais vincularam as mesmas às dez ações coletivas tombadas sob números: 10701025941, ajuizada contra ABN AMRO Real; 10701025666, ajuizada contra Banco do Brasil; 10701026328, ajuizada contra Banco Itaú; 10701025798, ajuizada contra Banrisul; 10701025828, ajuizada contra Bradesco; 10701025755, ajuizada contra HSBC; 10701041629, ajuizada contra HSBC como sucessor de Bamerindus; 10701043796, ajuizada contra Santander Banespa e Safra; 10701026379, ajuizada contra Santander Meridional; 10701026255, ajuizada contra Unibanco. Cabe salientar que todas foram julgadas procedentes.
O procedimento adotado no Projeto será a seguir abordado.
Neste item, serão analisados os procedimentos adotados pelo Projeto Poupança, na sua forma processual e material.
A aplicabilidade do efeito da ação coletiva nas ações particulares se deu da seguinte forma: havendo dez ações coletivas tramitando sobre a mesma causa de pedir, como referido no item anterior, os juízes das ações particulares suspenderam tais demandas que se encontravam sob sua jurisdição, aguardando a sentenças daquelas [40]. Fundamentaram tal atitude no artigo 104 do Código de Direito do Consumidor, pois não haveria nenhum prejuízo aos demandantes e sim uma determinação benéfica, o que foi enfatizado no Projeto Poupança que deu ensejo, inclusive, ao Projeto de Lei que “Disciplina o Sistema Único de Ações Coletivas Brasileiras”.
O Projeto Poupança determina, ainda, que proferida a sentença de procedência nas ações coletivas, os processos suspensos sejam transformados de ofício pelo juiz em liquidação provisória por artigos. Para tanto, a Corregedoria Geral da Justiça passou a expedir certidão das sentenças, para que as mesmas fossem anexadas aos processos individuais. Este procedimento foi realizado pelo servidor dos Cartórios, sem qualquer prejuízo à parte.
Primeiramente, para melhor esclarecimento, houve um mapeamento de todas ações, cujo objeto era a discussão referente aos Plano Bresser, Collor I e Collor II. Feito este levantamento, os cartórios separam essas ações para que as mesmas tramitassem de forma conjunta, pelo Projeto Poupança, conforme refere-se à fl.16 do Projeto.
Circulação e processamento no Projeto: a) As rotinas observam a produção em linha e a circulação reduzida, com simplificação e concentração de atos; b) o mapeamento é projetado, tendo duração e circulação monitorada; c) como se trata de liquidação por artigo, os contraditórios e a ampla defesa são rigorosamente observados – apenas não cabível a reiteração da questão de direito enfrentada na sentença da ação coletiva.[41]
A perceptiva estratégica do Projeto , qual seja, a de tomar efetivo o princípio constitucional da razoável duração do processo, assume a dimensão de valor, ou seja, o cumprimento da missão do Judiciário, de distribuir justiça a todos e a cada um, com presteza, efetividade e baixo custo a sociedade.[42]
Assim, as ações particulares tiveram tratamento diverso do determinado no CDC, e para proceder desta forma, a Corregedoria Geral da Justiça disponibilizou aos cartórios cíveis, certidões “on line”[43], via sistema de correio eletrônico setorial. As certidões têm em seu corpo a ementa das sentenças prolatada nas ações coletivas. Dessa forma, permitem que seja procedida a liquidação de sentença, de maneira automática.
O Projeto Poupança determinou, ainda, que cada cartório cível disponibilizasse um servidor para proceder nos trâmites das ações particulares, servidor que foi nomeado como o facilitador. Assim a Vara Judicial necessitou de apenas um funcionário para trabalhar nas milhares de ações particulares, deixando os demais se ocuparem das demais demandas já existentes na Serventia.
O cumprimento das ações particulares foi organizado por cronograma, ou seja, cada cumprimento do trâmite processual tem dia específico e este cumprimento passou a ser efetuado apenas pelo facilitador.
Portanto, o Projeto Poupança trabalhou de forma diversa os artigos 97 e 104 do CDC, para garantia do tempo razoável do processo estabelecida na Constituição Federal.
Os juízes das ações particulares, a partir da instauração do Projeto Poupança, suspenderam de ofício tais demandas, fundamentando que haviam ações coletivas tramitando com a mesma causa de pedir, já com sentenças de procedência apenas pendentes de julgamento. Este procedimento é diverso do que tange o artigo 104 do Código de Direito do Consumidor:
As ações coletivas, previstas nos incisos I e II do parágrafo único do art.81, não induzem litispendência para as ações individuais, mas o efeito da coisa julgada erga onmes ou ultra partes a que aludem os incisos II e III do artigo anterior não beneficiarão os autores da ações individuais, se não for requerida sua suspensão no prazo de 30 dias, a contar da ciência nos autos do ajuizamento da ação coletiva.
Observa-se o descompasso, pois a suspensão deveria ser a pedido da parte e não de ofício, conforme foi efetivado. Mas, para melhor e mais ágil andamento das demandas, os juízes o fizeram de ofício, contrariando a Lei.
Esse procedimento foi adotado no intuito de tornar mais célere que o disposto no referido artigo de lei, pois se fosse da forma convencionada pelo CDC, ocorreria o seguinte:
ajuizadas 80.000 ações em um mesmo período, estas aguardariam, por trinta dias, o requerimento de suspensão pela parte;
cada pedido de suspensão geraria uma petição, o que totalizariam 80.000 pedidos individuais;
as petições seriam protocoladas dentro do prazo de trinta dias, gerando protocolos em dias diversos, dentro do prazo estabelecido por Lei. Isto acarretaria 80.000 juntadas, 80.000 andamentos processuais e 80.000 análises.
Assim, ao banir os trâmites referidos nos itens “a”, “b” e “c”, acima citados, o Projeto Poupança demonstrou atender também o princípio da economia processual, beneficiando não só os consumidores envolvidos na demanda, mas também a sociedade como um todo.
Pode-se dizer, então, que quando se aplica um princípio constitucional para melhorar a prestação jurisdicional, como é o caso do tempo razoável do processo, beneficiando a coletividade, pode o julgador deixar interpretar a norma infraconstitucional. O juiz não estaria legislando e sim, melhor aplicando um princípio consolidado em nossa Carta Maior, conforme ratifica a contribuição do autor Juliano da Costa Stumpf: “Da mesma forma, trabalhos publicados com sugestões de enfrentamento da morosidade dão conta de que é a legislação processual o fator apontado como a sua grande causa.”[44]
Corrobora, ainda, o autor supra citado: “O legislador constituinte também foi sensível a essa realidade. Tanto que introduziu no rol de direitos fundamentais do cidadão brasileiro a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.”[45]
Observa-se que conforme apontado pelo autor Juliano da Costa Stumpf, a legislação processual é uma das causas da morosidade processual, e que o princípio da celeridade processual deve ser prestigiado, como de fato vem ocorrendo com a aplicação do Projeto Poupança.
Neste contexto, o Projeto Poupança, ao se deparar com a enxurrada de demandas devido à prescrição do Plano Bresser, buscou orientação nos princípios constitucionais para impedir caos que poderia ocorrer, em face do abarrotamento do aparelho judiciário e, por tal motivo, decidiu de ofício pela suspensão, conforme demonstra em sua fl.03 .
“O exemplo das diferenças de poupança é emblemático. Da noite para o dia, alertados por matérias jornalísticas e de publicidade, mais de 80.000 (oitenta mil) pessoas bateram às portas do Judiciário Gaúcho, quase todos com assistência judiciária gratuita, buscando direitos já consolidados nos tribunais superiores e adormecidos a quase vinte anos, boa parte com o direito principal almejado inferior ao próprio custo do processo. Qual estrutura ou planejamento pode suportar algo semelhante?”[46]
Conforme o supra mencionada Projeto:
“Atentos a essa situação e outras semelhantes que estão levando a Justiça a uma situação de caos, vários juizes das varas cíveis da capital suspenderem a tramitação das ações individuais, vinculando-as a 10 ações coletivas ajuizadas contra as instituições financeiras com a mesma causa de pedir, apenas que não com o alcance particularizado daqueles que acorreram ao Judiciário, mas sim a toda coletividade de consumidores lesados.”[47]
Os dois enunciados acima demonstram e fundamentam a suspensão de ofício, bem como a correção dessa determinação. Pois, se estes julgadores procedessem na forma do art. 104 do Código de Defesa do Consumidor, trariam danos maiores ao Judiciário, às partes envolvidas e a todos os jurisdicionados.
Igualmente, os juízes do Projeto Poupança, ao terem o conhecimento do julgamento procedente das ações coletivas e a partir da expedição da certidão “on line” pela Corregedoria Geral da Justiça, de ofício, determinaram que as ações individuais fossem transformadas em liquidação provisória.
Neste momento, as ações individuais passam a ser da judicância do Projeto Poupança.
Pois bem, o artigo 97 do Código de Direito do Consumidor, diz que a liquidação, bem como a execução tem que ser requerida: “A liquidação e a execução de sentença poderão ser providas pela vítima e seus sucessores, assim como pelos legitimados de que trata o art.82.”
A literalidade do artigo 97 do CDC, não contribui ao que o Projeto Poupança se propôs.
Observa-se que os juizes do Projeto Poupança não observaram o texto da norma infraconstitucional, em face do grande problema que estaria por vir com o ajuizamento das 80.000 ações.
Vale lembra a lição de Handel Martins Dias:
Esse panorama acentuou-se com o retorno do Brasil para o regime democrático e a edição da Constituição Federal de 1988, que, num quadro de desordem e injustiça, ampliou e estendeu os direitos sociais, individuais e coletivos, sem proporcionar, em contrapartida, uma mudança estrutural do Poder Judiciário que o tornasse capaz de suportar a nova carga que lhe destinou, deixando-o ainda mais defasado e fragilizado.[48]
Conforme explicitado pelo autor, a busca pelo tempo razoável do processo, tornou-se infrutífera em face do grande número de demandas, que batem a porta de um Judiciário defasado, que o Projeto Poupança buscou amenizar.
O artigo 97 do CDC demonstra que não é benéfico ao tratar de demandas individuais, pois quando diz “[...] poderão ser providas pelas vítimas e seus sucessores, assim como pelos legitimados [....]” , esta questão acarreta morosidade, pois geraria inúmeras petições, e inúmeros procedimentos cartorários.
Como se pode relatar:
geraria uma petição para cada pedido de liquidação;
essas petições iriam juntar-se às demais, que são protocoladas todos os dias no Foro Central, cuja quantidade é exorbitante;
juntada a petição, os autos iriam conclusos ao juiz;
o juiz da vara cível teria que analisar o pedido, entre os demais inúmeros processos que encontram conclusos;
os autos retornariam ao cartório, para que o mesmo fosse encaminhado para distribuição do Foro Central;
o funcionário do cartório, responsável pelas remessas, faria a remessa do mesmo, entre os demais processos;
procedida a remessa dos autos, iriam para a Distribuição, que atende todas as varas cíveis, criminais, fazenda e família;
feita a troca de rito, o distribuidor encaminharia novamente o processo para a vara de origem;
recebendo o processo, este iria para as pilhas para cumprir a diligência do magistrado;
o funcionário responsável pelos cumprimentos de citação, expediria o mandado ou a carta ar;
se expedida carta, as mesmas iram para o funcionário responsável para encaminhá-la ao correio, isto caso a parte tenha pago as custas inicias deste serviço, ou ainda que tenha o abrigo da Assistência Judiciária Gratuita. Não havendo nem um destes itens, o processo iria para nota de expediente, onde o funcionário responsável pelas notas, a cumpriria conforme o andamento do cartório;
sendo requerido mandado, seria expedido o mesmo entre os demais que se encontram na vara. Cada mandado iria para o oficial de justiça responsável pela zona de endereço fornecido na exordial, sem falar que os oficiais de justiça têm inúmeras diligências a cumprir;
os autos ficariam na prateleira do cartório, aguardado o retorno do mandado ou da carta de citação, o que poderia perdurar por dias ou até mesmo meses.
Conforme o acima exposto, pode-se dizer que tal procedimento acarretaria verdadeiro caos ao judiciário, se atendido o art. 97 do Código de Defesa do Consumidos.
Verifica-se, ainda, que os juízes do Projeto Poupança agiram com a melhor observância aos princípios constitucionais (celeridade processual e o tempo razoável do processo), bem como com a maior presteza à sociedade conforme destaca a fl.08, do referido Projeto:
2.3.2 Conversão em Liquidação Provisória: 3.1. é expedida uma certidão relativo ao recebimento da apelação e respectivos efeitos, disponibilizada na rede; 3.2. a ação individual de conhecimento é cadastrada como liquidação provisória de sentença por artigo (classe criada no Themis para estas ações); 3.3. a liquidação provisória, segundo o entendimento da Câmara Especiais, não ofende o princípio do devido processo legal, sendo disponível nova manifestação de vontade do autor, pois tanto a liquidação quanto o cumprimento são extensão do processo de conhecimento.[49]
Conforme o acima exposto, verificamos que o artigo 97 do CDC não contribui para a tramitação dos processos individuais, necessitando sim ter mudança em sua literalidade, talcomo o artigo 104 do mesmo diploma.
Vem corroborar esta tese do Projeto o discutido em “Mesa-redonda: uma alternativa para as ações em massa”, publicada em 01/04/09, no endereço eletrônico: <http:magrs.net/?tag=projeto-caderneta-de-poupança>”:
Para compreender como surgiu e se desenvolveu o Projeto Cadernetas de Poupança e saber como influenciou as discussões em curso sobre a alteração legislativa em relação às ações coletivas, Judiciário e sociedade promoveu, em 24 de novembro de 2008, uma mesa-redonda entre os participantes do projeto.[50]
Demonstra-se benefício ao tratamento de demandas de massas, com a modificação dos artigos:
Importante destacar alguns dos benefícios e vantagens que se obteve com este tipo de atuação: 1) UNIFORMIDADE DE POSICIONAMENTOS , EVITANDO-SE A INSEGURANÇA JURIDICA ADVINDAS DE TRATAMENTOS DIVERSOS A PESSOAS COM O MESMO DIREITO; 2) RACIONALIAÇÃO E OTIMIZAÇÃO DE RECURSOS MATERIAIS E DE PESSOAL;; 3) APRIMORANDO-SE A LEGISLAÇÃO VIGENTE, ESTABELECENDO-SE A OBRIGATORIEDADE DO TRATAMENTO COLETIVO A DIREITOS INDIVIDUAIS HOMEGÊNEOS, O JUDICIÁRIO EVITARÁ O CAOS QUE SE AVIZINHA COM O INCREMENTO DA JURISDIÇÃO DE MASSA, TANTO NO PRIMEIRO GRAU COMO NOS TRIBUNAIS RECURSAIS; 4) OBTÉM-SE O JUSTO, POIS SE ALCANÇA O DIREITO A TODOS E NÃO APENAS ÀQUELES QUE INGRESSAM EM JUÍZO, CONTRIBUINDO DECISIVAMENTE PARA UMA NOVA REALIDADE DE ATENÇÃO E OBSERVÂNCIA AOS DIREITOS DO CONSUMIDOR.[51]
Verifica-se, assim, a necessidade de mudança no Código de Defesa do Consumidor, pois o Projeto Poupança demonstra melhor atender aos ditames que a sociedade contemporânea impõe, atendendo os anseios dos cidadãos na busca da tutela estatal efetiva e justa.
Conclui-se, assim, que os artigos 97 e 104, ambos do Código de Defesa do Consumidor, são normas que precisam de revisão legislativa, adaptando-as a nossa realidade jurídica, como demonstrou o Projeto Poupança. Corrobora com este entendimento o autor Juliano da Costa Stumpf em sua dissertação de Mestrado:
Assim, não é possível deixarmos de considerar certa a inclusão da legislação processual e sua complexidade com as das causas a contribuir para a morosidade da prestação jurisdicional, ainda que com a ressalva quando ao peso que a maioria atribuiu a ela como causa efetiva desta lentidão. A ressalva se justifica porque compreendemos, como bem acentuam alguns autores, que o sistema processual posto permite desde logo renovações e simplificações úteis à celeridade. Esta circunstância retira a relevância da complexidade ou precariedade da legislação processual como causa mais destacada da morosidade. [52]
Tal assertiva demonstra que a legislação processual tem sistemas para a celeridade processual, e isto abre precedentes para a leitura dos artigos de forma mais sensata, como fez o Projeto Poupança.
Cumpre destacar sobre modificação dos artigos 97 e 104 do CDC, que o Projeto Poupança deu ensejo ao Projeto de Lei (anexo 2), que “Disciplina o Sistema Único de Ações Coletivas Brasileiras”. Entretanto, a proposta peca pela falta de audácia nas modificações que propõe.
Este Projeto de Lei pretende revogar todas as disposições da Lei 7.347 – Lei da Ação Civil Pública; - artigos 3º, 4º, 5º, 6º e 7º da Lei nº.7.853, de 24 de outubro de 1989 – Lei de Proteção das Pessoas portadoras de Deficiência; - o artigo 3º da Lei n. 7.913, de 7 de dezembro de 1989 – Lei de Mercado de Capitais; - os arts. 81, 82, 83, 84, 87, 90, 91, 92, 93, 94, 95, 97, 98, 99, 100, 103 e 104 da Lei n. 8.078/90 - Código de Defesa do Consumidor; os arts. 209, 210, 211, 212, 213, 215, 216, 217, 218, 219, 220, 221, 222, 223, da Lei nº. 8.069/90 - Estatuto da Criança e do Adolescente; - art. 2-A, da Lei nº 9.494/97; - arts. 74, inciso I, 80, 81, 82, 83, 84, 85, 86, 87, 88, 89, 92, da Lei 10.471, de 1º de outubro de 2003 - Estatuto do Idoso;[53]
Como já anteriormente exposto, o artigo 97 do Código de Defesa do Consumidor estabelece em sua redação atual: “A liquidação e a execução de sentença poderão ser promovidas pelas vítimas e seus sucessores, assim como pelos legitimados de que se trata o art.82.”
O Projeto de Lei busca a seguinte redação para o art.97: “Art. 37. Nas ações coletivas que tenham por objeto interesses ou direitos difusos ou coletivos, as vítimas e seus sucessores poderão proceder à liquidação e ao cumprimento da sentença, quando procedente o pedido.”[54]
Isto é, em nada contribuir para obter a celeridade e efetividade desejada, pois onde refere que “[....] as vítimas e seus sucessores poderão proceder à liquidação [...]” , continua condicionando tal procedimento ao requerimento da parte. Conforme já salientado no item anterior, dar possibilidade a parte, não traz benefícios a celeridade processual.
O legislador do Projeto de Lei deveria analisar este artigo com mais cautela, já que o Projeto Poupança deu ensejo à modificação, ou seja, deveria dar possibilidade ao juiz determinar a liquidação, conforme já explicitado no item anterior.
Já no que tange ao art.104 do CDC, o Projeto de Lei foi contundente.
A redação atual do art.104, do CDC:
As ações coletivas, previstas nos incisos I e II do parágrafo único do art. 81, não induzem litispendência para as ações individuais, mas os efeitos da coisa julgada erga omnes ou ultra partes a que aludem os incisos II e III do artigo anterior não beneficiarão os autores das ações individuais, se não for requerida a sua suspensão no prazo de trinta dias, a contar da ciência nos autos do ajuizamento a ação coletiva.
O Projeto de Lei pretende a seguinte modificação para o artigo 104, CDC:
Art. 38. O ajuizamento de ações coletivas não induz litispendência para as ações individuais que tenham objeto correspondente, mas haverá a suspensão destas, até o julgamento da demanda coletiva em primeiro grau de jurisdição.
§ 1º. Durante o período de suspensão, poderá o juiz perante o qual foi ajuizada a demanda individual, conceder medidas de urgência.
§ 2º. Cabe ao réu, na ação individual, informar o juízo sobre a existência de demanda coletiva que verse sobre idêntico bem jurídico, sob pena de, não o fazendo, o autor individual beneficiar-se da coisa julgada coletiva mesmo no caso de o pedido da ação individual ser improcedente.
§ 3º. A ação individual somente poderá ter prosseguimento, a pedido do autor, se demonstrada mediante fundamentos idôneos a existência de graves prejuízos decorrentes da suspensão, caso em que não se beneficiará do resultado da demanda coletiva.
§ 4º. A suspensão do processo individual perdurará até a prolação da sentença da ação coletiva, facultado ao autor, no caso de procedência desta e decorrido o prazo concedido ao réu para cumprimento da sentença, requerer a conversão da ação individual em liquidação provisória ou em cumprimento provisório da sentença coletiva, para apuração ou recebimento do valor ou pretensão a que faz jus.
§ 5°. No prazo de 90 (noventa) dias contados do trânsito em julgado da sentença coletiva, a ação individual suspensa será extinta, salvo se postulada a sua conversão em liquidação ou cumprimento de sentença coletiva.
§ 6º. Em caso de julgamento de improcedência do pedido em ação coletiva de tutela de direitos ou interesses individuais homogêneos, por insuficiência de provas, a ação individual será extinta, salvo se for requerido o prosseguimento no prazo de 90 (noventa) dias contados da intimação do trânsito em julgado da sentença coletiva. [55]
Observa-se, assim, que o Projeto Poupança, contribuiu para a nova redação proposta pelo Projeto de Lei, pois, para além de facultar ao magistrado a suspensão da ação individual, estabelece norma cogente que determina a respectiva suspensão. Agora, condicionado a requerimento da parte está tão-somente o prosseguimento da demanda, conforme estabelece o § 3º do mencionado dispositivo.
Isto é, a suspensão é automática. O prosseguimento é que deverá respeitar o requerimento da parte e, ainda assim, condicionado à demonstração, “mediante fundamentos idôneos”, da “existência de graves prejuízos decorrentes da suspensão, caso em que não se beneficiará do resultado da demanda coletiva”.
O Projeto de Lei acima suscitado demonstra a importância da modificação feita pelo Projeto Poupança e a coragem dos juízes gaúchos ao darem diferente interpretação à lei, em prol da necessidade do judiciário em prover o deslinde dos litígios de forma mais célere.
Assim, não há como negar que o Projeto Poupança demonstra sobremaneira como o Poder Judiciário pode, sim, ratificar o Princípio da Celeridade Processual, que nos oferece a Emenda 45/2002, com o inciso LXXVIII, do Artigo 5º, na busca de agilizar o andamento dos processos para efetiva prestação jurisdicional, dando ensejo, inclusive, à modificação legislativa com Projetos de Lei a tanto destinados.
Conforme o ensinamento do autor Paulo Roberto de Gouvêa Medina:
Com o intuito de atribuir, desde logo, conseqüências práticas a essa norma, o constituinte derivado cuidou de dispor, mo art.7º da citada Emenda, sobre a elaboração, em 180 dias, por comissão especial mista, no âmbito do Congresso Nacional, de, entre outros, projetos de lei destinados a “prover alterações na legislação federal objetivando tornar mais amplo o acesso à Justiça e mais célere a prestação jurisdicional. [56]
Como bem leciona o referido doutrinador, tarefa inglória consiste a dos juízes em prover esse princípio na atual estrutura, pois o grande número de processos, comparado ao contingente de magistrados, é realidade brasileira: “Consciente, por outro lado, de que um dos fatores que conspiram contra a celeridade processual é do reduzido número de juízes ( o que se faz com que se avolumem os processos em determinadas Varas, dificultando o andamento dos feitos).”[57]
Conforme explana José Luiz Leal Vieira: “É inegável, por outro lado, que a dificuldade de uma prestação jurisdicional mais célere esbarra em uma demanda que cresce em ritmo desproporcional à estruturação pessoal e material do Poder Judiciário.” [58]
Saliente-se, ainda, que é dever dos juízes observar e aplicar o princípio, conforme ratifica Paulo Hoffman:
Sem dúvida, há muito se busca um processo mais célere e mais efetivo, porém, a partir da Emenda Constitucional nº 45, necessariamente as medidas a serem tomadas deixam de ter um caráter único de boa vontade e passam a ser mero cumprimento de um dever.[59]
É, pois, neste contexto, que se insere o Projeto Poupança, com o qual a magistratura do Rio Grande do Sul mostrou-se atenta aos anseios da sociedade e, com inspiração na Constituição Federal, procurou solução efetiva para a melhora da prestação jurisdicional.
Neste aspecto, ainda que se discuta nas Cortes Superiores a sua legalidade, não há que se olvidar que o referido Projeto revelou-se de fundamental importância, já que deu ensejo ao Projeto de Lei para modificação das ações coletivas, antes mencionado, ainda que este não tenha adotado integralmente a proposta.
Conclui-se, portanto, que em alguma medida, contribuiu para melhorar a anacrônica tutela jurisdicional brasileira.
A ação coletiva, tanto no âmbito internacional como nacional, tem função de zelar pelo interesse de grupos, buscando assim, o acesso à justiça que provê uma única decisão em prol de muitos cidadãos
Refere-se a interesses e direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos, estesúltimos interessando à presente monografia. Tais interesses tratam de titulares determinados, de direito divisível com uma origem comum.
O presente artigo se debruça sobre as implicações da ação coletiva sobre direitos individuais homogêneos em relação às demandas individuais, bem como às questões procedimentais destas demandas individuais, no que tange à sua suspensão e liquidação da sentença.
Na forma do artigo 104 do CDC, a suspensão das ações individuais, frente à propositura de demanda coletiva versando sobre a mesma matéria, depende de pedido da parte, no prazo de 30 dias, a contar do conhecimento do ajuizamento desta última.
Igualmente, o art. 97 do CDC condiciona a liquidação provisória da ação individual, ante à sentença já proferida na ação coletiva, à requerimento da parte.
Observa-se que estes dois artigos não prestigiam os anseios da sociedade atual, representados pelo tempo razoável do processo, garantia hoje estabelecida na Constituição Federal.
Neste contexto, surge o Projeto Poupança, emanado do Poder Judiciário do Rio Grande do Sul. Este Projeto, criado em setembro do ano de 2008, teve por objetivo processar o grande número de demandas em relação ao plano Bresser, que em face da sua prescrição vintenária, gerou mais ou menos 80.000 ações, só no Foro Central de Porto Alegre/RS. Com medo do caos iminente, elaboraram uma forma de tratar as demandas individuais de maneira diversa ao estabelecido em lei.
O Projeto Poupança interpreta diversamente os artigos 97 e 104, ambos do CDC, em face do Princípio da Celeridade Processual, estabelecendo que o juiz de primeira instância, pode, de ofício, determinar a suspensão da ação individual e a liquidação provisória da sentença.
Assim, é possível concluir que a magistratura do Rio Grande do Sul mostrou-se atenta aos anseios da sociedade e, com inspiração na Constituição Federal, procurou solução efetiva para a melhora da prestação jurisdicional.
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[1] DIDIER JR., Fredier; ZANETI JR. Hermes. Curso de Direito Processual Civil, Processo Coletivo. p. 25.
[2] ZAVASCKI, Teori Albino. Processo Coletivo. p.28.
[3] GONÇALVES Marcus Vinícius Rios. Tutela de Interesses Difusos e Coletivos. p.17.
[4] GONÇALVES, Marcus Vinícius Rios. Tutela de Interesses Difusos e Coletivos. p.17.
[5] GONÇALVES, Marcus Vinícius Rios. Tutela de Interesses Difusos e Coletivos. p.19-20.
[6] GONÇALVES, Marcus Vinícius Rios. Tutela de Interesses Difusos e Coletivos. p.19-20.
[7] ZAVASCKI, Teori Albino. Processo Coletivo, Revista dos Tribunais, 2007. pg. 37.
[8] Manual do Processo Coletivo. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2002. p. 55.
[9] Gonçalves, Marcus Vinicius Rios, São Paulo: Saraiva. p. 51.
[10] Vade mecum. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 1363.
[11] Vade mecum. São Paulo: Saraiva, 207, p. 820.
[12] Castilhos, Ricardo. Acesso à Justiça. São Paulo: Atlas, 2006. p. 11.
[13] Acesso à Justiça. Porto Alegre, 2002. p.31.
[14] O Tempo e o Processo. Porto Alegre: Revista da AJURIS. n.108, 2007. p. 234.
[15] Gonçalves, Marcus Vinícius Rios. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 07.
[16] Gonçalves, Marcus Vinícius Rios. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 07.
[17] ALONSO JR., Hamilton. Direito Fundamental ao Meio ambiente e Ações Coletivas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 201.
[18] GONÇALVES, Marcus Vinícius Rios. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 08.
[19] ALOISIO JR., Hamilton. Direito Fundamental ao Meio Ambiente e Ações Coletivas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 204.
[20] Gonçalves, Marcus Vinícius Rios. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 10.
[21] Jr., Hamilton Alonso, Direito Fundamental ao Meio Ambiente e Ações Coletivas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 205.
[22] Comentários ao Código de Defesa ao Consumidor. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 728.
[23] Interesses Difusos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 50.
[24] Processo coletivo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 192.
[25] Processo coletivo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 193.
[26] ALONSO JR., Hamilton. Direito Fundamental ao Meio ambiente e Ações Coletivas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 374.
[27] Jr., Hamilton Alonso .,- direito fundamental ao meio ambiente e ações coletivas, revista dos tribunais, São Paulo, 2006, pg.374.
[28] Zavascki, teori albino. Processo Coletivo. São Paulo: Revista dos tribunais, 2007. p. 193.
[29] Garcia, Gustavo Filipe Barbosa. Cumprimento da Sentença. São Paulo: Método, 2008. p. 62.
[30] Código Brasileiro de Defesa do Consumidor. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007. p. 906.
[31] Curso de Direito Processual Civil. Processo Coletivo. Bahia: Jus Podivm, 2008. p. 185.
[32] Mancuso, Rodolfo de Camargo. – Jurisdição Coletiva e Coisa Julgada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 337.
[33] Código Brasileiro de Defesa do Consumidor. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007. p. 964.
[34] Projeto Poupança
[35] Projeto Poupança
[36] Projeto Poupança
[37] Código Brasileiro de Defesa do Consumidor. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007. p. 964.
[38] AUGUSTIN Sérgio. Teoria e Prática dos Saberes do Cotidiano: aplicação das normas jurídicas como atividade crítica e construtiva. AJURIS, 2005. p. 228.
[39] AUGUSTIN Sérgio. Teoria e Prática dos Saberes do Cotidiano: aplicação das normas jurídicas como atividade crítica e construtiva. AJURIS, 2005. p. 228.
[40] Projeto Poupança
[41] Projeto Poupança
[42] Projeto Poupança
[43] Projeto Poupança
[44] STUMPF, Juliano da costa. Poder Judiciário: morosidade e inovação. Coleção Administrativa Judiciária. v. II. 2009. p. 67.
[45] STUMPF, Juliano da costa. Poder Judiciário: morosidade e inovação. Coleção Administrativa Judiciária. v. II. 2009. p. 67.
[46] Projeto Poupança.
[47] Projeto Poupança.
[48]O Tempo e o Processo. Porto Alegre: Revista da AJURIS. n.108, 2007. p. 236.
[49] Projeto Poupança.
[50] Disponível em: < http:magrs.net/?tag=projeto-caderneta-de-poupança>. Acesso em 02. nov. 2009.
[51] Projeto Poupança.
[52] STUMPF, Juliano da Costa. Poder Judiciário: morosidade e inovação. Coleção Administrativa Judiciária. v. II. 2009. p. 70-71.
[53] Projeto de Lei Disciplina o Sistema Único de Ações Coletivas Brasileiras. Artigo 71.
[54] Projeto de Lei Disciplina o Sistema Único de Ações Coletivas Brasileiras. Artigo 37.
[55] Projeto de Lei. Disciplina o Sistema Único de Ações Coletivas Brasileiras.
[56] MEDINA, Paulo Roberto de Gouvêa. Direito Processual Constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 49.
[57] MEDINA, Paulo Roberto de Gouvêa. Direito Processual Constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 49.
[58] VIEIRA, José Luiz Leal. Um Novo Desafio para o Judiciário: o juiz líder. Coleção Administrativa Judiciária Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, departamento de Artes Gráficas, 2009. p. 37.
[59] HOFFMAN, Paulo. Princípio da Razoabilidade do Processo. São Paulo: Atlas, 2009. p. 324-325.
Acadêmica de Direito da Faculdade de Direito de Porto Alegre - FADIPA
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PEREIRA, Keila Lisandra. Ações coletivas versus ações individuais: leitura dos artigos 104 e 97 do Código de Defesa do Consumidor a partir do Projeto Poupança Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 16 dez 2009, 08:58. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/18997/acoes-coletivas-versus-acoes-individuais-leitura-dos-artigos-104-e-97-do-codigo-de-defesa-do-consumidor-a-partir-do-projeto-poupanca. Acesso em: 29 nov 2024.
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