Introdução
O presente artigo surgiu em decorrência da análise de caso prático, no qual uma empresa recorreu ao Poder Judiciário após o recolhimento de valor superior ao devido de custas judiciais em outro processo, pleiteando pela sua restituição.
A empresa, com base no artigo supracitado, combinado com o artigo 5º, XXXV, da Constituição Federal, ajuizou ação em face da Fazenda Pública pleiteando pela restituição do tributo pago a maior, pelo qual procedeu equivocadamente ao pagamento quando do ajuizamento de outra ação.
Constatou-se, na sentença, que nem sequer houve o exercício do direito de petição ao Poder Público para que pudesse ser dada ciência do fato ocorrido, de modo a iniciar-se um procedimento administrativo visando a restituição do tributo. Dito isso, o Estado arcaria com a sucumbência judicial sem ter dado causa ao litígio.
Em contrapartida, argumentou a empresa que o direito contido no artigo 5º, XXXIV da Carta Maior era facultativo, de modo que não poderia o Poder Judiciário obstar o pleito uma vez que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Público lesão ou ameaça a direito” ( art.5º, XXXV ,C.F.)
Ainda que equivocadamente interpretado, o argumento acima costuma ser acatado pelos juízes em sua maioria, motivo pelo qual a sentença de 1º grau, favorável a Fazenda, acrescentou um novo parecer à questão. De fato, o juízo “A quo” reconheceu a desnecessidade do pleito:
“ Por outro lado, embora a ação seja direito de toda pessoa, não se pode utilizar o caminho do litígio quando este é criação unilateral de uma das partes.”[1]
Sabiamente colocado pelo magistrado, o litígio surgiu da própria parte que se equivocou ao pagar o tributo a maior. Não satisfeita, a parte ingressa no Judiciário sem ao menos tentar seguir um procedimento administrativo, exigindo da Fazenda o resultado de seu erro mais o valor da sucumbência. Vejamos o que entendeu o julgador, em sua decisão pela extinção do processo sem julgamento do mérito:
“Em especial, deve-se observar que, sendo a ação procedente, há verba de sucumbência. A ré não há de suportar esse ônus, que não gerou.”[2]
De fato, faltou interesse de agir da empresa, uma vez que não exerceu seu direito de forma regular. Todavia, como já era esperado, o Tribunal de Justiça reformou a decisão e o processo agora se encontra no aguardo do despacho que irá ou não admitir os recursos superiores da Fazenda do Estado.
Da análise do artigo
Diz o artigo 165 e seu inciso primeiro do Código Tributário Nacional:
“Art. 165. O sujeito passivo tem direito, independentemente de prévio protesto, à restituição total ou parcial do tributo, seja qual for a modalidade do seu pagamento, ressalvado o disposto no § 4º do artigo 162, nos seguintes casos:
I - cobrança ou pagamento espontâneo de tributo indevido ou maior que o devido em face da legislação tributária aplicável, ou da natureza ou circunstâncias materiais do fato gerador efetivamente ocorrido;”
O artigo em questão tem paralelo no Código Civil, mais precisamente no artigo 876, que também trata de pagamento indevido. Ambos têm por base a proibição do enriquecimento sem causa, constante do artigo 884, também do Código Civil.
A questão do “prévio protesto”, geralmente mal interpretada como a petição administrativa ao Poder Público, endereçada anteriormente para a resolução do problema, na verdade nada tem a ver com um prévio procedimento administrativo. Tal ressalva feita pelo Código apenas reafirma o caráter compulsório que tem o tributo, independentemente de seu pagamento voluntário, como no caso da taxa judiciária.
Da mesma forma, a restituição também é uma obrigação legal do Estado. Por este motivo, nas palavras de Hugo de Brito Machado “Esse direito independe de prévio protesto, não sendo, portanto, necessário que ao pagar o sujeito passivo tenha declarado que o fazia “sob protesto”.” [3]
Aliás, o procedimento administrativo se faz necessário, pois é através de atos administrativos que o Poder Público age, sendo os tais inerentes ao seu funcionamento. E assim a Constituição Federal garante ao cidadão ou administrado que com ele se comunique, para exercer seus direitos e também garanti-los. É a essência do inciso XXXIV do artigo 5º da Lei Maior.
O inciso seguinte vem bem a calhar, e dá outra entonação à proteção dos direitos. Repare que, enquanto o inciso XXXIV fala em direito de petição em defesa de direito, o inciso seguinte, que é a consagração do Princípio da Inafastabilidade da Tutela Jurisdicional, refere-se a lesão ou ameaça a direito. Ora, são coisas diferentes. O primeiro engloba o exercício de um direito e sua proteção, o segundo, o direito de ação, especificamente aquele que surge na decorrência de lesão ou ameaça a um direito.
O antigo Código Civil de 1916 dizia, em seu artigo 75, que “a todo direito cabe uma ação, que o assegura”. Esta idéia, ainda em vigor, demonstra uma situação muito especial onde se encontra um óbice ao exercício de um direito, tendo por bem o cidadão o exercício de outro direito, jurisdicional, para garantir que determinado direito seja protegido em face de uma ameaça ou uma lesão ao mesmo.
O exercício regular do direito de restituição de pagamento de tributo a maior é justamente procedido pelas vias administrativas, no qual se apurará os valores devidos e se procederá a restituição. Isto não significa, obviamente, que seja necessário esgotar as vias administrativas, apenas usá-la como modo convencional de assegurar o direito de receber a quantia excedente que foi paga. É a opinião partilhada pelo jurista Paulo de Barros Carvalho, vejamos:
“Não sendo suficiente o procedimento administrativo que para esse fim se instale, terá o interessado acesso ao Poder Judiciário, onde poderá deduzir com os recursos inerentes ao processo judicial, todos os argumentos e provas que dêem substância aos seus direitos.” [4]
O que fica claramente demonstrado, é que, havendo um procedimento administrativo para tanto, é preciso ao menos iniciá-lo. Do contrário, faltam elementos que permitiriam o ingresso no Judiciário. O eminente jurista Alexandre de Moraes, comentando o inciso XXXV, artigo 5º da C.F., afirma que:
“ O fato de a Constituição Federal reconhecer a todas as pessoas o direito de obter a tutela judicial efetiva por parte dos juízes ou Tribunais no exercício de seus direitos e interesses legítimos não a desobriga ao cumprimento às condições da ação e dos pressupostos processuais legalmente estabelecidos.” [5]
Para entender a carência da ação no caso em tela, é preciso entender os conceitos de Lide e de Interesse de Agir. O primeiro refere-se a um conflito de interesses pelo que se costuma chamar de “pretensão resistida”, ou seja, exige uma parte que a outra se subordine aos seus interesses; a outra, opõe uma resistência a esta pretensão, podendo deflagrar um processo, que é a composição da lide, que por sua vez é a resolução do conflito conforme a ordem jurídica.
Posto isso, é necessário esclarecer uma das condições da ação : o interesse de agir. Primeiro, as “condições da ação, pois, são requisitos que esta deve preencher para que se profira uma decisão de mérito”.[6] É o que se depreende do inciso VI do artigo 267 do Código de Processo Civil. Pois bem, o interesse de agir é um interesse secundário, considerando-se o bem jurídico tutelado como o interesse primário. Em outras palavras: temos como o interesse primário o bem jurídico tutelado pelo artigo 165 do C.T.N: o direito a restituição de valor de tributo pago em montante excedente. Por outro lado, temos como interesse secundário a necessidade de conseguir um provimento jurisdicional com relação ao interesse primário. É este o interesse de agir, “instrumental, subsidiário, de natureza processual...”[7]. Arrematando a questão, afirma o mestre Moacyr Amaral Santos:
“Basta considerar que o exercício do direito de ação, para ser legítimo, pressupõe um conflito de interesses, uma lide, cuja composição se solicita do Estado. Sem que ocorra a lide, o que importa numa pretensão resistida, não há lugar à invocação da atividade jurisdicional. O que move a ação é o interesse na composição da lide (interesse de agir), não o interesse em lide ( interesse substancial).” [8]
Concluindo, não pode o interessado na restituição do tributo invocar um provimento jurisdicional apenas baseado na posse de um direito, pois seu exercício regular não se condiciona a uma atividade do Poder Judiciário e sim da Administração Pública. Portanto, é necessário que haja uma resistência por parte da mesma, e aí sim, o leque de alegações se abre de modo que o administrado tem, além do direito substancial, outros direitos secundários que visam garanti-lo, que poderão legitimá-lo em seu interesse de agir, como o direito a duração razoável do processo administrativo (art. 5º, LXXVIII, C.F.).
BIBLIOGRAFIA
Moraes, Alexandre de. Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional. 7ª ed. 2007. Editora Atlas.
Passos de Freitas, Vladmir et al. Código Tributário Nacional Comentado, 2005, 3ª ed., Editora Revista dos Tribunais.
Santos, Moacyr Amaral. Primeiras Linhas de Direito Processual Civil, vol.1. 25ª edição. 2007. Editora Saraiva.
[1] Processo n. 053.03.033.232-2 – 9ª Vara da Fazenda Pública da Capital – SP, fls. 41-43.
[2] Idem.
[3] Freitas, Vladmir Passos de, et al. Código Tributário Nacional Comentado, 2005, 3ª ed., Editora Revista dos Tribunais. P. 677. Hugo de Britto apud Manoel Álvares
[4] Paulo de Barros Carvalho apud Manoel Álvares. Idem. p. 678.
[5] Moraes, Alexandre de. Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional. 7ª ed. 2007. Editora Atlas.
[6] Santos, Moacyr Amaral. Primeiras Linhas de Direito Processual Civil vol.1.25ª edição. 2007. Editora Saraiva.p.177.
[7] Idem. P.178.
[8] Idem.
Advogado. Formado pela Universidade Presbiteriana Mackenzie - SP.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BARBOSA, Alexandre Wolff. Da Restituição de Taxa Judiciária paga a maior - Comentários ao Artigo 165, I, do Código Tributário Nacional Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 24 fev 2010, 07:40. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/19290/da-restituicao-de-taxa-judiciaria-paga-a-maior-comentarios-ao-artigo-165-i-do-codigo-tributario-nacional. Acesso em: 30 nov 2024.
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