RESUMO: Apesar da doutrina e do STF defenderem a constitucionalidade e efetividade do instituto sumular ainda há algumas divergências que não foram pacificadas. Neste artigo, pretende-se abordar a influência dos assentos lusitanos, bem como as principais críticas da Lei 11.417/2006 e da Emenda Constitucional de n°45.
Palavras- chave: efeito vinculante; direito brasileiro.
Emenda Constitucional de n° 45
A Reforma do Poder Judiciário instituiu o artigo 103-A na Constituição Federal, cuja redação garante ao STF a legitimidade e competência para aprovar súmula com efeito vinculante. O novo dispositivo constitucional é regulamentado pela lei 11.417/2006, que dispõe acerca do cancelamento e edição dos efeitos vinculantes.
Tavares (2009, p.26) preceitua: “As súmulas sempre foram compreendidas na sistemática brasileira, portanto, como a sedimentação de orientações adotadas topicamente pelos Tribunais em decisões diversas (jurisprudência compendida)”.
Assim, o quórum de 2/3 para aprovação da súmula vinculante foi instituído pelo artigo 8° da Emenda Constitucional em análise, cujo texto assegurava que as súmulas do STF produziriam efeitos vinculantes após a confirmação dos votos e com a devida publicação oficial.
Vale registrar que a súmula é uma aproximação com as técnicas do direito estrangeiro, conforme visto durante a pesquisa. Então, se o precedente se legitima na previsibilidade e segurança jurídica, não precisava do artigo 103-A onde o mesmo prevê que a súmula do STF, aprovada nos termos do referido artigo, indicasse expressamente o efeito vinculativo, pois a vinculação das decisões judiciais é uma consequência comum de todo Tribunal Constitucional (MARINONI, 2011).
Para Souza (2013, p.262): “A adoção da súmula universalmente vinculante é mais um passo para a interseção dos dois sistemas, o common law e o civil law [...]”.
Desse modo, os requisitos para aprovação da súmula vinculante, principalmente as reiteradas decisões judiciais configura a ideia de que o STF exerce uma função típica do Poder Legislativo, em que o judiciário resolve um litígio cuja competência seria do legislativo.
Ademais, o pensamento acerca da uniformidade jurisprudencial não é efetivado da forma que o Direito Brasileiro insere a posição jurisdicional do Supremo, vez que se o precedente, principalmente americano, alcança estabilidade e segurança jurídica com apenas uma decisão consolidada pela Suprema Corte Americana, conforme visto acerca da motivação da decisão judicial.
No pensamento de Moraes (2010, p.795): “A instituição da súmula vinculante, pela EC n° 45/04, corresponde à tentativa de adaptação do modelo da common law (stare decisis) para nosso sistema romano-germânico (civil law)”.
A súmula apresenta natureza normativa, isto porque a mesma trata de questões abstratas, cujo objeto principal é o impedimento de decisões repetidas no STF. Para Schäfer (2012, p.31): “Ao verificar que a súmula se dirige ao futuro, que tem caráter obrigatório, pode-se afirmar, como já se fazia, que ela tem natureza normativa- equivalente a uma lei, em função de sua generalidade e abstração”.
Uma questão não deve ser omitida, a súmula vinculante, incorporada pela emenda constitucional n° 45, corresponde a uma verdadeira ruptura com o Direito Romano Germânico (SOUZA, 2013).
O efeito vinculante visa o alcance e estabilidade constitucional fundado na previsibilidade de decisões, bem como acontece no Sistema de Precedentes judiciais. A única diferença é que a súmula vinculante, ao ser editada pelo Supremo, incide numa função atípica de uma corte constitucional. Ao contrário do common law, a Corte constitucional não edita norma, apenas se utiliza de previsibilidade das decisões proferidas com base no stare decisis.
Em sede de Agravo Regimental, decidiu o Supremo:
Súmulas vinculantes. Natureza constitucional específica (art.103-A, § 3º, da CF) que as distingue das demais súmulas da Corte (art. 8º da EC 45/2004). Súmulas 634 e 635 do STF. Natureza simplesmente processual, não constitucional. Ausência de vinculação ou subordinação por parte do STJ. (Rcl 3.979 AgR, Rel. Min. Gilmar Mendes, Plenário, julgamento em3-5-2006, Plenário, DJ de 2-6-2006.) No mesmo sentido:Rcl 10.707 MC, Rel. Min. Celso de Mello, decisão monocrática, julgamento em 20-10-2010 DJE de4-11-2010; Rcl 3.284 AgR, Rel. Min. Ayres Britto, julgamento em1-7-2009, Plenário, DJE de28-8-2009 (BRASIL, 2011, p.1414).
Como se vê, ao determinar a natureza constitucional específica das súmulas vinculantes, percebe-se que o Supremo afirmou de vez a sua função ativista no cenário atual da jurisprudência brasileira.
A função ativista, como já visto em capítulo oportuno, insere a atual posição do STF enquanto função proativa jurisdicional, ou seja, a ideia de que a Corte brasileira cria direitos constitucionais, bem como ocorre no sistema de precedentes (SILVA, 2013).
Está certo que a súmula é compatível com o princípio da duração razoável do processo, instituído pela Emenda Constitucional de n° 45, mas, por outro lado, o instituto da forma que é utilizado não é adequado a um Estado constitucional, pois não se deve aceitar a atuação do STF como um legislador positivo. Isto porque, ao editar um enunciado com efeito vinculante e erga omnes, não é mesmo daquele predominante nos precedentes judiciais, cuja atividade é exercida a partir do caso concreto, mediante certeza e previsibilidade das decisões judiciais.
Aspectos favoráveis ao sistema vinculante
Se a súmula vinculante é editada pelo STF, sua natureza não é a mesma dos atos normativos previstos no artigo 59 da Constituição Federal. Então, a doutrina entende que o enunciado vinculante se insere como diploma legislativo superior aos demais. Como preceitua Rocha (2009, p.60): “As súmulas vinculantes são metanormas em relação às normas legislativas (leis). Pois diz em que sentido as últimas devem ser entendidas, o que lhes confere uma hierarquia superior às leis [...]”.
A doutrina favorável às súmulas vinculantes defende que o artigo 103-A da Constituição Federal não é inconstitucional com fundamento nos seguintes argumentos: 1) não há ofensa ao princípio da separação de função do estado; 2) A liberdade e independência dos juízes não seriam violadas; 3) não ofenderia a ideia de reserva legal; 4) o efeito vinculante é um instrumento adequado para tutelar o princípio da isonomia e previsibilidade; 5) a súmula vinculante não transformará o sistema brasileiro num direito fechado ou engessado à novas interpretações (ROCHA, 2009).
Acerca do primeiro argumento, na abordagem teórica foi apresentado um breve estudo do princípio da separação de funções, cuja conclusão foi que apesar do Ordenamento Jurídico Brasileiro ter recepcionado a Teoria de Montesquieu de forma mitigada, cumpre anotar que toda Constituição rígida deve tipificar a separação dos poderes, vez que o texto constitucional nos artigos 2°, e 60§4° definem a recepção da Teoria.
A partir daí, a doutrina defende a não violação da separação poderes, uma vez que se os mesmos exercem funções atípicas, não fez sentido afirmar que a súmula editada pelo Supremo se insere nessa relativização dos poderes.
Para Mancuso (1999 apud ROCHA, 2009, p.125):
É de parecer que a súmula vinculante não ofende o princípio da separação de poderes. Justifica sua opinião com duas afirmações: a) a separação dos poderes não é mais rígida como outrora, ocorrendo evidente complementaridade na atuação deles, todos devendo se irmanar na persecução do bem comum; b) a súmula vinculante foi inserida por emenda constitucional e, portanto, não agride , senão se acomoda à Constituição, devendo ser aplicada a todos de modo impositivo, geral, impessoal e abstrato.
Com brilhantismo, Rocha (2009) preceitua que o STF, ao enunciar normas vinculantes (súmulas), insere-se em competência não atribuída pelo Poder Constituinte Originário, ou seja, o disposto no artigo 5° inciso II, assegura que a obrigação de fazer ou deixar de fazer é derivada da lei. Então, a EC de n° 45, ao instituir o artigo 103-A, violou a competência material prevista na Constituição, inclusive como cláusula pétrea tipificada no artigo 60 §4° e seus incisos.
Quanto ao segundo argumento, no decorrer da pesquisa, verificou-se que, no common law, o juiz não deve atribuir sua opinião quando a matéria estiver consolidada pelos precedentes, salvo quando a aplicação dele for desproporcional ao caso concreto.
Desse modo, quando ocorre a procedência de reclamação direta no Supremo, o juiz deve obedecer ao comando determinado pelo STF, cuja sentença deverá ser modificada de acordo com a súmula pertinente ao caso concreto. Como se vê, até mesmo no sistema de precedentes, cuja decisão do juízo superior vincula os juízes de primeira instância, há uma possibilidade do magistrado não segui-lo na hipótese de o precedente for inaplicável.
Para Rocha (2009, p.127):
a imposição da súmula vinculante ao juiz converte o sistema brasileiro no mais violento do mundo ocidental, pois mesmo no sistema do common law, próprio do precedente obrigatório, o juiz pode deixar de aplicá-lo, se julgar incabível ao caso, desde que fundamente a decisão.
O princípio da reserva legal estabelece a competência material para a elaboração de atos normativos. Desse modo, a doutrina assevera que o fato da súmula ter sido instituída por emenda constitucional, como já demonstrado no primeiro argumento, não incide inconstitucionalidade do artigo 103-A da Constituição Federal. Aqui, vale apenas reforçar que a instituição da súmula vinculante agride a separação de poderes, bem como a democracia (ROCHA, 2009).
O quarto argumento não deve prosperar. O Sistema Brasileiro desenfreado por uma alienação modernista do direito estrangeiro entende que o Poder Judiciário deve a todo custo decidir com previsibilidade e certeza jurídica. Não se deve esquecer que o civil law não é uma cultura fundada em decisões judiciais, bem como acontece no Direito americano. Não há problema em afirmar que se trata de dois objetivos essenciais de toda cultura constitucional, mas o direito não deve criar hierarquia entre direitos fundamentais, uma vez que o tratamento igualitário em casos análogos protege ambos os valores, mas infringe mediante omissão a democracia e liberdade de julgamento. Neste tocante, mais uma vez aduz Rocha (2009, p.128):
[...] súmula vinculante tutela a igualdade e a certeza ou segurança jurídica. Contudo, esses não são os únicos valores [...] havendo a democracia, a liberdade e independência do juiz [...] Então, temos uma concorrência ou competição ou conflito de valores. O que fazer?
O Moraes (2010) defende o posicionamento de que a súmula vinculante não gera o engessamento da interpretação do direito, bem como sua evolução. Desse modo, a fundamentação jurídica utilizada pelo constitucionalista se insere na previsão da Lei 11.417/2006, em que, para o autor, no caso de mutação social e desenvolvimento jurisprudencial da súmula vinculante, o legislador estabeleceu a prerrogativa dos mesmos legitimados que podem propor ADC e ADIN provocar o Supremo para modificar, cancelar ou revisar súmula vinculante. Vale relembrar que, no decorrer da pesquisa, foram realizadas algumas indicações acerca da lei supracitada.
Registra-se ainda que, apesar da respeitável opinião de Moraes (2010), não se deve esquecer de que a súmula foi uma tentativa de modernização da jurisprudência do STF, pela qual tentou recepcionar de forma mitigada o instituto do stare decisis.
Diante do exposto, a súmula representa um desenvolvimento do precedente em solo brasileiro, mas não se trata de conceitos idênticos. Visto que, apesar dela efetivar certeza e previsibilidade jurídica, a técnica sumular para Souza (2013) incide no respeito ao princípio da igualdade perante a jurisdição.
Também, para o autor, a súmula caracteriza a jurisprudência cristalizada do tribunal, isto porque corresponde a ideia de que o enunciado vinculante do Supremo incide em aspectos da lei, como forma de estabilizar a jurisdição constitucional.
Neste sentido, leciona o jurista (2013, p.254) “[...] a súmula contribui para a aplicação de uma mesma regra para os casos semelhantes, o que resulta em tratamento igual para todos que, nas mesmas condições, batam às portas do Judiciário”.
Até aqui, percebe-se que o efeito vinculante funciona como uma bússola jurisprudencial, pela qual conduz o STF a prestar a mesma jurisdição em casos idênticos e de reiteradas decisões. Como se vê, a súmula, para ser aprovada, deve corresponder às decisões interpretadas pelo Supremo no decorrer de sua função e, ao se fundamentar em uma lei que seja revogada deve ainda ser aplicada como se ela estivesse vigente. Este posicionamento não deve prevalecer, isto porque a fundamentação jurídica não deve ser congelada no tempo.
Alvim (1990, p.14 apud SOUZA, 2013, p.256) entende ao contrário:
A súmula, pois, em essência e em rigor, tem a estabilidade do princípio subjacente à lei, para a qual foi feita; assim é que, se tem a estabilidade do princípio embutido na lei, e mesmo que alterada a lei (o que tem ocorrido), desde que mantido rigorosamente o mesmo princípio, tal não implica a alteração da súmula, que continua a existir e haverá de ser aplicada.
Então, a súmula, fundamentada em uma lei que foi revogada, deve ser adequada à nova interpretação e ajustada ao novo diploma legislativo.
Argumentos contra à súmula vinculante
Os comentários deste tópico visam apresentar algumas críticas acerca do sistema sumular. Antes de investigar cada argumento, segue uma pergunta: a súmula vinculante é adequada ao princípio democrático? (ROCHA, 2009). Como registrado em linhas atrás, o efeito vinculante, quando não observado pelo juiz, caso seja procedente à reclamação direta no STF, incidirá sobre a aplicação do artigo 7° da Lei 11.417/2006, cuja redação impede o exercício da liberdade de decidir, isto porque, caso o magistrado entender, motivadamente, que a súmula não deverá ser aplicada, em um caso concreto, o STF suspenderá os efeitos da decisão judicial impugnada, determinando que outra seja proferida com ou sem aplicação da súmula.
Pode-se perceber que nem mesmo no common law, cujo sistema tem como regra a vinculação de precedentes, não há esta característica limitadora da livre convicção do magistrado.
É de se notar que, um dos princípios que rege o Direito Brasileiro é a motivação da sentença. Assim, se o juiz está vinculado às súmulas do STF, como sua decisão será fundamentada? É possível o magistrado decidir sem liberdade de motivar seu próprio pensamento? Como registrado no decorrer da pesquisa, o precedente não é considerado pela LINDB como fonte de direito, então, a súmula representa um instrumento cada vez mais americanizado. Desse modo, a mesma se insere como fonte da tradição brasileira? Vale ressaltar que o precedente é fonte de direito do common law, cuja técnica visa aplicar a mesma decisão em casos idênticos, não limitando a liberdade de decisão do juiz, pois como visto, o magistrado poderá deixar de aplicar o precedente caso seja incabível a sua aplicação.
No stare decisis, o magistrado cria o direito, trata-se de uma função típica do direito saxônico, em que é comum a utilização do ativismo judicial. Enquanto no Direito Brasileiro, a jurisprudência apenas declara o direito, também, como apontado em linhas atrás, no civil law, a prestação da tutela jurisdicional é fundada na legalidade, pois o próprio Ordenamento Jurídico, inclusive no Código Penal define que não há crime sem prévia definição legal.
Para Carvalho (2011, p. 1168), ao explicar o posicionamento crítico de Silva (1998): “Em estudo crítico [...] entende que a súmula de efeito vinculante agride o artigo 5°, incisos, II, XXXV, XXXVI e LIII, e artigo 60, §4°, inciso, IV, da Constituição [...]”.
Reale (2002) define que o Direito é um fato heterônomo, ou seja, os aspectos da teoria se interagem mediante a interpretação. Então, conforme preceitua a Constituição Federal, o princípio do devido processo legal se insere como núcleo fundante em que a jurisdição é prestada. A partir daí, a súmula vinculante, como forma reduzida de um texto, enfraquece a interpretação utilizada no caso concreto. Isto porque, o juiz deixa de avaliar as circunstâncias temporais e até mesmo doutrinárias no ato decisório.
Para o Supremo Tribunal Federal, a súmula vinculante tem natureza constitucional, e, quanto à classificação da súmula como norma constitucional, parece adequado o entendimento da Corte Brasileira, pois, se o enunciado vinculante é editado por uma corte suprema, sua natureza não será infraconstitucional.
Tavares (2009), como afirma, ao explicar o posicionamento de Neves (1994), entende que, para o jurista português, a súmula não tem natureza definida, isto porque se traduz como denominou o professor lusitano, em termos perplexos.
Princípio da livre convicção do magistrado
Em linhas atrás, vale ressaltar que a súmula representa uma forma de flexibilização da livre convicção do magistrado, isto porque, mesmo sendo vinculante o efeito, não impede o juiz de interpretá-la, pois, se o ato normativo é passível de interpretação, a súmula também deve ser questionada e submetida à nova interpretação. Neste sentido, aduz Tavares (2009, p.111): “também a própria súmula é passível de sofrer uma interpretação porque vertida em linguagem escrita, tal como as leis em geral”.
O efeito vinculante não é o caminho justo para a solução de problemas diversos no Ordenamento Jurídico Brasileiro. Não se pode esquecer que a súmula trata casos iguais da mesma forma, como se fosse uma aplicação do stare decisis em ato legislativo, isto porque, no precedente, o tribunal não legisla, enquanto o enunciado vinculante não deixa de ser uma função legislativa.
Está certo Souza (2013, p.279) ao afirmar que: “certamente, a súmula vinculante trará enormes benefícios, mas é bom não pensar que ela seja o remédio milagroso para todos os males da Justiça, porque definitivamente não o é”.
Vale registar o pensamento de Streck na doutrina de Tavares (2009), pois a redação prevista no artigo 7° da Lei 11.417/2006 insere o STF numa posição constrangedora, pois, o mesmo, no caso de descumprimento da súmula, deve iniciar o cumprimento de suas próprias decisões. Ainda, para Tavares (2009), o instrumento sumular impede o desenvolvimento de um Poder Judiciário fundado na liberdade.
Sendo assim, a jurisdição constitucional não deve abordar aspectos ativistas, sob pena de transformar a Corte brasileira em um tribunal cada vez legislativo. Isto acontece devido à atuação proativa, resolvendo assuntos de alçada do legislativo. Então, a livre convicção do magistrado não deve ultrapassar os limites impostos pela Constituição, mas não a ponto de limitá-los, como prescreve o artigo 103-A.
Mais uma vez, para o autor:
[...] tem sido este o perfil verificável com certa constância no STF e uma cultura jurídica que abandone os “modelitos” de protelação incessante dispensariam a necessidade do instituto da súmula vinculante (TAVARES, 2009, p.113).
Como salientado anteriormente, esta pesquisa defende o posicionamento de que a súmula vinculante, prevista na Constituição Federal, é inconstitucional, visto que agride a cláusula pétrea, bem como outras disposições já comentadas. Então, surge o seguinte questionamento: para o exercício jurisdicional não prescinde a observância do princípio do devido processo legal, considerado direito mínimo. A Constituição define que a súmula é aprovada a partir do preenchimento dos requisitos previstos no referido artigo e da Lei 11.417/2006.
Como se vê, o procedimento para validade e aprovação do enunciado sumular não exige uma discussão maior acerca da matéria que será regulamentada na súmula vinculante. É interessante destacar que, seria conveniente a participação administrativa do Conselho Federal da OAB e do Conselho Nacional na aprovação de sumula vinculante. Pois, não se pode esquecer de que a súmula não tem o mesmo aproveitamento do precedente judicial.
Assim, Tavares (2009, p.113):
Com exceção da súmula vinculante 14, editada a partir de provocação do Conselho Federal da OAB, todas as demais contaram, em maior ou menor grau, com uma despreocupação processual comprometedora de uma ampla e madura discussão sobre o teor da súmula que se propõe seja vinculante.
Não parece conveniente a dispensabilidade do trâmite processual, quando o próprio STF propor edição de súmula vinculante, isto porque seria atribuir uma característica dominante e desnecessária ao Supremo. Sem destacar ainda que tal atribuição infringiria o disposto no artigo 5°, inciso LIV da Constituição Federal.
Diante das críticas apresentadas, no decorrer deste capítulo, seguem as seguintes conclusões: parece certo, com toda precisão, que Rocha (2009), ao afirmar que a competência fixada pela EC n°45 deslegitimou a democracia. Isto se confirma porque o preâmbulo constitucional, ao destacar que a República Federativa do Brasil institui um Estado Democrático de Direito, para o Professor o artigo 103-A, transformou a democracia em um paradigma judicial.
A súmula, por sua vez, insere-se em uma norma de força específica e constitucional, ou seja, como aduz Rocha (2009, p.137): “a súmula vinculante é uma metanorma em relação às normas legislativas porque dita o sentido em que as últimas devem ser entendidas”. Por certo, a fundamentação refere-se ao fato do STF usurpar a competência do constituinte originário.
Conforme registrado com precisão, a súmula, com efeito vinculante, não tem o mesmo sentido da jurisprudência e do precedente, visto que este último assegura, ao juiz, a possibilidade de não segui-lo quando entender incabível a sua aplicação. Logo, percebe-se o quanto que a súmula vinculante é mais agressiva que o precedente, pois naquela, o magistrado deve obediência ao enunciado do STF, pois a mesma não autoriza em nenhuma hipótese legal a faculdade de não aplicá-la ao caso concreto.
Frise-se que o efeito vinculante infringe a separação de poderes, bem como a cláusula pétrea prevista no artigo 60§4° inciso III e IV da Constituição. Isto porque, conforme demonstrado no artigo 103-A, é inconstitucional por violar competência do Legislativo, inclusive, devido à ofensa aos fundamentos da República, pois, se o poder emana do povo, que o exerce mediante seus representantes, a competência fixada no artigo 103-A é contrária ao parágrafo único do artigo 1° da Constituição, uma vez que o Supremo não é um representante do povo.
Desse modo, a súmula é geral e abstrata, diferente do stare decisis, cujo instituto é aplicado a partir do caso concreto, e não elaborado como se fosse um ato normativo, como acontece com o enunciado vinculante do Supremo.
Para Rocha (2009, p.138):
O artigo 103-A e, por extensão, a súmula vinculante, são inconstitucionais por incompetência material do Congresso Nacional, para legislar sobre a matéria reservada à lei e afrontar o princípio da separação de poderes, ambos insusceptíveis de serem abolidos, e todos mecanismos de proteção das liberdades e do princípio democrático.
Por certo, o procedimento da ADIN é o mais adequado para aprovação da súmula vinculante. Vale ressaltar que a postura do STF, ao afirmar que a provocação de ofício prescinde de observância do procedimento da ação declaratória de inconstitucionalidade, visto que em face da proteção da democracia e dos direitos fundamentais, insere-se imprescindível numa PEC para aumentar o quórum de aprovação da súmula vinculante, bem como a elaboração de procedimento específico ou com alguns ajustes daquele utilizada na ADIN.
Como afirmado, o efeito vinculante é baseado em normas gerais e abstratas editadas por um Tribunal. Esta conclusão justifica a atuação ativista do Supremo, isto porque a ideia relativizada de um sistema mitigado do estrangeiro, ou seja, dos precedentes judiciais, insere o STF como um órgão legislador, cuja função incide na solução de questões que deveriam ser resolvidas pelos outros poderes, como exemplo clássico, o reconhecimento da união estável entre pessoas do mesmo sexo.
Neste sentido, aduz mais uma vez Rocha (2009, p.140):
A concentração dos poderes nos tribunais e, em especial, no Supremo Tribunal Federal, de criar as normas gerais que orientam a convivência social e, ao mesmo tempo, aplicar essas normas nos casos concretos, acarreta o perigo de os tribunais assumirem o controle da sociedade e seus problemas, o que é danoso para as liberdades.
Frente à tendência americanizada do Direito Constitucional e Processual, revestem-se por último, duas considerações: a súmula vinculante representa o início de um Ordenamento Jurídico mais próximo do common law, mas enfraquecido em suas raízes históricas.
Quanto à segunda consideração, o Direito não deve ser interpretado como mera sequência lógica de números matemáticos, como diuturnamente ocorre com a súmula vinculante, cujo instituto não abrange os valores, mas apenas os fatos e as normas. Por tudo, vale relembrar que o significado do Direito insere-se alternativamente, como fato, valor e norma, conforme preceituava Reale (2002), isto porque, em cada decisão judicial, os valores não são os mesmos, pois, os sujeitos são diferentes.
Vale ressaltar que, apesar da súmula vinculante proteger a isonomia perante a jurisdição e a estabilidade jurisprudencial, não deve prevalecer o entendimento de que a súmula é a solução para a morosidade do Poder Judiciário, inclusive, do fortalecimento da jurisdição constitucional, visto que, não típico de um Estado constitucional, a função legislativa da corte suprema, bem como do cerceamento da livre convicção do magistrado. Pois, o direito não pertence ao entendimento lógico, como insere os efeitos da reclamação ao tratar uma decisão da mesma forma e o limite imposto ao juiz na liberdade de decisão contrária ao posicionamento do Supremo Tribunal Federal.
Pelo exposto, nos precedentes, o juiz deve obediência às decisões do tribunal superior, inclusive, com a manutenção da liberdade de decidir. Por outro lado, na cultura brasileira, fundada no principio da legalidade, certamente, o juiz não deve ser vinculado ao tribunal superior, como acontece com os efeitos da súmula vinculante, sob pena de ofensa à cláusula pétrea, estampada no artigo 60§4°, incisos III da Constituição Federal.
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Pós-graduado latu sensu em Ciências Criminais pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, PUC Minas (2015). Graduação em Direito pela Faculdade Presidente Antônio Carlos, FUPAC/ UNIPAC (2013). Graduação interrompida em Filosofia pela Universidade Federal de Ouro Preto, UFOP (2015). Tem experiência acadêmica enquanto Professor de Filosofia e Sociologia. Dedica-se ao estudo nas áreas de Direito Penal e Processual, com foco na Psicanálise na Cena do Crime, inclusive, em pesquisas voltadas ao Direito Constitucional Comparado, Ambiental e Minerário. Autor de artigos científicos de revistas nacionais e internacionais, bem como autoria citada em Faculdades renomadas, como na Tese no âmbito do Doutoramento em Direito, Ciências Jurídico-Processuais orientada pelo Professor Doutor João Paulo Fernandes Remédio Marques e apresentada à Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MARQUES, Fernando Cristian. Problemas na adoção da súmula vinculante: apontamentos introdutórios Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 15 abr 2015, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/44026/problemas-na-adocao-da-sumula-vinculante-apontamentos-introdutorios. Acesso em: 22 nov 2024.
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