I – INTRODUÇÃO
Fixar um termo inicial para o que hoje se denomina execução fiscal no direito brasileiro é uma tarefa árdua vez que, sendo a arrecadação de tributos uma das atividades essenciais do Estado para que possibilite o acúmulo de receitas, viabilizando o custeio de suas atividades, seguramente e, de certo com uma feição autoritária[1], esta modalidade de procedimento, lato sensu, iniciou-se mesmo antes da independência do Brasil, na era Colonial, com a cobrança do quinto (relativo ao ouro), dos Direitos Régios (sobre a importação) e o Dízimo Real (sobre os produtos agrícolas e trabalho do agricultor), prosseguindo durante o período Imperial e a República.
No período republicano, são três os diplomas que tratam da execução fiscal: o Decreto-Lei n. 960/38, o Código de Processo Civil de 1973 e a Lei n. 6.830/80, também conhecida como Lei de Execuções Fiscais. Destaca-se que o primeiro destes já se encontra revogado tacitamente pelas legislações posteriores, a exemplo da própria Lei n. 6.830/80. Com relação ao Código de Processo Civil atual, de relevo mencionar que sua aplicação é subsidiária à Lei de Execução Fiscal, por força do artigo 1º deste. Analisa-se, na seqüencia, os traços marcantes destes diplomas.
II.1 Decreto Lei n. 960/38
A legislação antiga que mais se assemelha com o procedimento executivo previsto na Lei n. 6.830/80 (Lei de Execuções Fiscais) é o, já revogado, Decreto Lei 960/38, firmado pelo, então presidente, Getúlio Vargas, no qual se dispunha acerca da cobrança judicial da dívida ativa da Fazenda Pública, sendo aplicado em todo o território nacional.
Ao longo dos seus 77 (setenta e sete) artigos, este diploma legal prevê de qual forma se dará o procedimento executivo, sendo marcante não só o espectro reduzido de garantias que o contribuinte possuía, como o poder de instruir ex officio o processo que detinha o juiz.
Como se depreende do artigo 6º, a citação inicial somente era instruída com a certidão de dívida ativa quando necessário, sendo realizada por mandado, que, ao ser cumprido, obrigava ao réu pagar incontinenti a importância pleiteada, sob pena de imediata constrição de seus bens, por meio da penhora. Não sendo o mesmo encontrado, adotar-se-ia o seqüestro, sem a exigência de justificação prévia, sendo este, após findo o prazo de citação por edital, convertido em penhora.[2]
A forma de defesa, ante a execução fiscal, estava prevista nos artigos 16 e 17[3] da legislação. Previam tais artigos que o réu poderia se valer dos embargos no prazo de 10 dias da ocorrência da penhora ou, nos casos de citação mediante carta precatória, do retorno desta ao juízo deprecante, tendo o acusado o dever, conforme preceitua a teoria da concentração da defesa[4], de alegar em sua peça toda a matéria que lhe será útil, juntando documentos, indicando e requerendo os meios de provas cabíveis, sendo as exceções argüidas em preliminar de embargos, não se admitindo a reconvenção e a compensação. Intimada da oposição dos embargos, a Fazenda Pública possuía o prazo, também de 10 dias, para impugná-lo, conforme descrito pelo artigo 18[5], podendo instruir a execução com as provas que lhe conviessem.
Como aventado, o juiz tinha a liberdade de, visando a assegurar celeridade ao rito executivo, ampliar ou reduzir as diligências probatórias, bem como requerê-las sem a provocação das partes. Preceituava o artigo 21 que o juiz, teria ampla liberdade na direção da prova, podendo ordenar, de ofício, a sua produção, concedê-la ou denegá-la, ampliá-la ou restringí-la, assegurando, assim, que a causa tivesse uma decisão célere e conforme à justiça.
Nos termos do artigo 23[6], em audiência de instrução e julgamento, após oportunizado ao réu e ao representante da Fazenda o prazo de 15 minutos, cada um, para sustentação oral de suas razões, o juiz proferia a sentença, elaborando o escrivão resumo, tanto da audiência, quanto da sentença proferida, que, após, autenticação pelo juiz, era juntada aos autos.
Proferida a sentença julgando procedente a execução fiscal, proceder-se-ia a avaliação dos bens penhorados, nos termos dos artigos 25[7] e ss., e, concluída esta, a designação para dentro de 48 horas ocorrer, segundo previsão dos artigos 32[8] e ss., a arrematação.
Em breve síntese, e a fim de embasar o presente estudo, esta era a sistemática adotada pelo Decreto-Lei 960/38 que, nos termos do artigo 77, entrou em vigor em 1º de janeiro de 1949, sendo revogada pelo Código de Processo Civil de 1973 que unificou as disposições processuais esparsas outrora existentes com o antigo Código de Processo Civil de 1939, abrangendo as disposições no Decreto-Lei previstas. (PIRES; LIMA, 2008, p. 71).
II.2 Código de Processo Civil de 1973
Passa-se, agora, a análise do Código de Processo Civil de 1973, no que tange a execução por quantia certa contra devedor solvente, tendo o cuidado de estudar não a legislação nos moldes atuais, depois de diversas reformas, necessárias a atribuir ao procedimento executivo de celeridade, mas aquela vigente à época da entrada em vigor da Lei de Execução Fiscal, diploma que, posteriormente, veio a tratar das ações que visam à satisfação do crédito da Fazenda Pública.
Com o intuito de dotar o presente estudo de fidedignidade e clareza de entendimento, importante o exame da doutrina àquela época, sendo apreciados os “Comentários ao Código de Processo Civil”, vol. VIII, de Almicar de Castro, datado de 1983 e as “Primeiras linhas de Direito Processual Civil”, vol. III, de Moacyr Amaral Santos, de 1984.
Ensina Moacyr Amaral Santos que ocorreria a execução por quantia certa quando o título executivo sujeitasse o devedor ao pagamento de quantia certa em dinheiro, tendo como objeto o título executivo que poderá ser tanto judicial (decorrente de um pronunciamento do Poder Judiciário), como extrajudicial (títulos que a lei atribui força executiva direita). (SANTOS, 1984, p. 271-272)
A redação do artigo 585 do Código de Processo Civil, então, elencava os títulos executivos extrajudiciais.
Art. 585. São títulos executivos extrajudiciais:
I - A letra de câmbio, a nota promissória, a duplicata e o cheque;
II - O documento público, ou o particular assinado pelo devedor e subscrito por duas testemunhas, do qual conste a obrigação de pagar quantia determinada, ou de entregar coisa fungível;
III - os contratos de hipoteca, de penhor, de anticrese e de caução, bem como de seguro de vida e de acidentes pessoais de que resulte morte ou incapacidade;
IV - o crédito decorrente de foro, laudêmio, aluguel ou renda de imóvel, bem como encargo de condomínio desde que comprovado por contrato escrito;
V - o crédito de serventuário de justiça, de perito, de intérprete, ou de tradutor, quando as custas, emolumentos ou honorários forem aprovados por decisão judicial;
Vl - a certidão de dívida ativa da Fazenda Pública da União, Estado, Distrito Federal, Território e Município, correspondente aos créditos inscritos na forma da lei;
Vll - todos os demais títulos, a que, por disposição expressa, a lei atribuir força executiva
Desta forma, a Fazenda Pública teria de ser valer do Código de Processo Civil para executar os seus créditos perante os contribuintes, utilizando as normas elencadas nos artigos 646 e ss., ora analisadas.
Despachada a petição inicial, de acordo com o artigo 652, o devedor era citado por Oficial de Justiça para, no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, pagar ou nomear bens à penhora e, não sendo encontrado, poderia aquele arrestar-lhe tantos bens quando bastassem para garantir a execução.
Oferecidos bens em garantia, o devedor oferecia embargos no prazo de 10 (dez) dias, contatos da intimação da penhora, do termo de depósito, conforme o antigo artigo 738, sendo estes autuados em apartado. Destaca-se, assim, que os embargos à execução somente eram admitidos quando houvesse a prévia garantia do juízo, sendo omisso o código, em sua redação original, a respeito do efeito em que eram estes recebidos.
Recebidos estes, o exeqüente era intimado para impugná-los no prazo de também de 10 (dez) dias, sendo designada data para a audiência de instrução e julgamento.
A ação de execução, nestes casos, conforme leciona Moacyr Amaral Santos, nada mais era do que a realização da sanção, formulada na sentença ou contida, por força de lei, no título executivo extrajudicial. Desta forma, continua o autor, haveria de serem observados os princípios e às disciplinas processuais, sendo possível, conforme visto, ao executado se insurgir por meio dos embargos, alegando toda a matéria que retire a certeza e a liquidez dos títulos extrajudiciais, vez que a presunção era iuris tantum. (SANTOS, 1984, p. 398)
Tratando da amplitude do objeto dos embargos, informa ainda o autor que (1984, p. 399):
[...] no caso de execução fundada em título extrajudicial, como este não se ampara numa sentença que haja declarado a certeza do direito do credor, poderá esta ser impugnada pelo devedor. Por isso, nessa espécie de execução, ao devedor será permitido impugná-la não só por fundamentos que poderia alegar na execução baseada em título judicial com ainda por fundamentos que poderia aduzir, como defesa, no processo de conhecimento.
Isto porque, não havendo contraditório no processo de execução, já que somente existem atos executivos, seria ilógico destituir o devedor de um instrumento hábil a combater uma pretensão infundada, motivo pelo qual os embargos à execução, apesar de ação autônoma, possuem caráter eminentemente de defesa.
A regulação do procedimento executivo fiscal pelo Código de Processo Civil, todavia, não durou por muito tempo, haja vista a edição da Lei n. 6.830/80, cuja especialidade justamente visou dotar de maior celeridade o processo de execução da Dívida Ativa da Fazenda Pública, o que prejudica uma análise mais acurada deste elenco de normas, no que pertine às execuções fiscais.
Todavia, verifica-se que os embargos à execução por título extrajudicial, via de regra, eram dotados de efeito suspensivo, conforme menciona Moacyr Amaral Santos (1984, p. 410), alinhando-se à doutrina de Pontes de Miranda, Barbosa Moreira e Celso Neves, sendo enfático no que pertine a aqueles opostos contra as execuções fundadas em título extrajudicial.
E a razão desta regra é óbvia. Não tendo havido, em processo de conhecimento, apreciação e julgamento quanto à relação jurídica entre credor e devedor decorrente desse título e, assim, ficando em aberto as questões porventura existentes, que, tivesse havido aquele processo, teriam sido objeto de sentença, que as dirimiria, na execução baseada em título extrajudicial confere-se ao devedor oportunidade de suscitá-las por meio de ação de embargos visando à tutela do seu direito pela sentença que nela se proferir. Bem por isso o campo dos embargos, nessa espécie de execução, foi ampliado ao máximo, nele sendo cabíveis quaisquer matérias, que de processo, quer de mérito, impeditivas, modificativas ou extintivas do direito do credor exequente. [...] A sentença, nos embargos, tem a função de suprir a que constitui o título em que se baseia a execução fundada em título judicial. É a sentença nos embargos que delimita o campo da execução, que só se justifica com o âmbito em que foi proposta, se os rejeitar.
Este, inclusive, é o mesmo entendimento de Almicar de Castro (1983, p. 391), ao comentar as peculiaridades dos embargos à execução:
Nosso processo executivo é do tipo denominado pelos autores italianos de contraditório eventual, uma vez que, em razão do título em que se funda, pode perfeitamente funcionar sem litígio; e quando o litígio aparece com os embargos é por iniciativa do executado, como autor. Os embargos do executado suspendem a execução, dando lugar a novo processo, onde a posição das partes se inverte; e se o executado-embargante, a respeito de seus embargos recebidos, faz as vezes de autor, está claro que se for extinto o processo dos embargos, o executado-embargante fatalmente será esmagado no processo da execução, por força do título líquido e certo em que se baseia a pretensão do exequente-embargado.
Assim, verifica-se que os embargos à execução, por sua natureza de ação- contestação, no âmbito da legislação processual civil, em vigor pouco antes da edição da Lei de Execuções Fiscal, eram dotados, em regra, de efeito suspensivo, devendo o legislador, nos casos em que entendesse necessário, retirar expressamente o aludido efeito. (SANTOS, 1984, p. 474)
Concluída a análise da execução fiscal à luz do Código de Processo Civil, impende realizar o estudo do seu tratamento na Lei n. 6.830/80, que regula atualmente este procedimento, o que é feito nas próximas linhas.
II.3 Lei n. 6.830/80 (Lei de Execuções Fiscais)
Objetivando um trâmite mais célere das execuções por quantia certa em que figurasse como credor a Fazenda Pública, criou-se a Lei n. 6.830/80, legislação especifica, também conhecida como Lei de Execuções Fiscais – LEF, que regula a cobrança judicial dos débitos inscritos na Dívida Ativa dos entes da federação e suas autarquias, conforme previsto em seu artigo 1º.
Assim, a cobrança judicial dos aludidos créditos, que outrora era regulado pelo Código de Processo Civil, passou a ser tratada em lei específica, sendo aplicado, conforme o artigo 1º, apenas subsidiariamente o antigo regulamento.
O artigo 2º da Lei de Execuções Fiscais descreve que a Dívida Ativa da Fazenda Pública é composta tanto por débitos de natureza tributária como por aqueles de caráter não tributário, previstos na Lei n. 4.320/64[9], que determina as normas gerais de direito financeiro para elaboração e controle dos orçamentos e balanços da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal, incluídos nestes a atualização monetária, juros, multa de mora e os demais encargos previstos em lei ou contratos, complementando o tratamento dado pelo artigo 201 do Código Tributário Nacional, recorda Cleide Previtalli Cais. (2004, p. 562)
Acerca da amplitude do alcance da Dívida Ativa da Fazenda Pública, Humberto Theodoro Júnior, citado por Cleide Previtalli Cais (2004, p. 565), leciona que:
A Lei 6.830 dá abrangência ampla ao conceito de Dívida Ativa e admite a execução fiscal como procedimento judicial aplicável tanto à cobrança dos créditos tributários como dos não-tributários. Até mesmo as obrigações contratuais, desde que submetidas ao controle da inscrição, podem ser exigidas por via da execução fiscal. Segundo tal inovação, nem sequer exige que haja previsão contratual a respeito da possibilidade de executar-se o crédito fazendário. Basta apurar-se a sua liquidez e realizar-se a devida inscrição em Dívida Ativa, para que a Fazenda Pública esteja autorizada a promover a execução fiscal.
Portanto, uma vez inscrito o débito na Dívida Ativa, podem os entes da federação se valer do procedimento especial criado pela Lei de Execuções Fiscais, destacando o artigo 3º e seu parágrafo único que este título executivo goza de presunção de certeza e liquidez relativa, podendo ser ilidida mediante prova inequívoca, a cargo do executado ou de terceiro, a quem aproveite.
Verifica-se, assim, (CAIS, 2004, p. 566), que a lei de execuções fiscais reproduziu disposição constante do artigo 204 do Código Tributário Nacional, ressaltando que a norma codificada atribui o efeito de prova pré-constituída a este título executivo.
Este, inclusive, é o entendimento de José da Silva Pacheco (2008, p. 74), sendo de suma importância a análise por ele feita com relação ao artigo 3º da Lei de Execução Fiscal.
Como é sabido, pode a presunção ser juris et de jure, isto é, plena, absoluta, incontrastável, ou juris tantum, ou seja, relativa, passível de prova em contrário. A Lei n. 6.830/80 concebe a dívida ativa, inscrita de conformidade com o estabelecido no art. 2º, como dotada de presunção juris tantum de certeza e liquidez. O documento que a certificar faz presumir que a dívida ativa, a que se refere, existe, pelos valores constantes do respectivo termo de inscrição.
A certeza diz respeito à sua existência regular, com origem, desenvolvimento e perfazimento conhecidos, com natureza determinada e fundamento legal ou contratual induvidoso.
A liquidez concerne ao valor original do principal, juros multa, demais encargos legais e correção monetária, devidamente fundamentados em lei.
O órgão encarregado da inscrição faz a prévia verificação administrativa de sua legalidade quanto à existência e aos valores. A inscrição faz nascer a dívida ativa, que, por ter sido, antes, apurada e examinada quanto à legalidade existencial e quantitativa, tem presunção de certeza e liquidez.
Proferido o despacho citatório, interrompendo o prazo prescricional de cobrança do crédito tributário, o executado, na forma prevista no artigo 8º, será citado via correios, por Oficial de Justiça ou edital para, “no prazo de 5 (cinco) dias, pagar a dívida com os juros e multa de mora e encargos indicados na Certidão de Dívida Ativa, ou garantir a execução”[10].
Importante ressaltar que o despacho citatório interrompe a prescrição, mas não por força do §2º do artigo 8º, constante na LEF. Isto porque a Lei n. 6.830/80 tem natureza de lei ordinária, não podendo tratar deste tema, em razão previsão constitucional inscrita no artigo 146, inciso III, aliena “b”, que determina ser matéria exclusiva de lei complementar tratar de normas gerais em matéria de legislação tributária, dentre elas a prescrição e decadência. O despacho citatório somente obteve forças para interromper a prescrição a partir da Lei Complementar 118, que modificou a redação do artigo 174, inciso I, do Código Tributário Nacional que, apesar de ser lei ordinária, foi recepcionada pela Constituição Federal de 1988 como lei complementar fosse.
A garantia da execução fiscal, conforme disposição do artigo 9ª da Lei de Execução Fiscal, abarcará o valor da dívida, juros e multa de mora e encargos legais indicados na Certidão de Dívida Ativa, mediante: i) depósito em dinheiro, à ordem do Juízo em estabelecimento oficial de crédito, que assegure atualização monetária; ii) fiança bancária; iii) bens a serem penhorados, observando a ordem inscrita no artigo 11 da própria lei; iv) bens de terceiros a serem penhorados.
Caso o executado não pague a dívida, nem garanta a execução, abre-se a oportunidade ao exequente determinar os bens do devedor que serão penhorados, excetuando, logicamente, os que a lei determine como impenhoráveis, atualmente os elencados no artigo 649 do Código de Processo Civil[11] e em outras legislações esparsas.
Finalizada esta fase, obrigatória para a admissibilidade dos embargos à execução, inicia-se o prazo de 30 (trinta) dias para oposição destes, que será o primeiro dia seguinte ao depósito, à juntada da carta de fiança bancária e da intimação da penhora.
Os embargos à execução, à semelhança da matéria já prevista do Decreto-Lei 960/38, deverão conter toda a matéria de defesa, requerendo a produção de provas, a juntada de documentos, não sendo admitida a reconvenção, nem a compensação, sendo as exceções, salvo as de suspeição, incompetência e impedimentos, argüidas como matéria preliminar e processadas e julgadas com os embargos.
Recebidos estes, o juiz mandará intimar a Fazenda para, em 30 (trinta) dias, impugná-los, designando, conforme determina o artigo 17 da lei, dia para audiência de instrução e julgamento.
Caso a execução fiscal seja garantida, porém, não embargada, a Fazenda Pública será intimada para manifestar-se sobre a garantia da execução (art. 18) e, não sendo estes opostos ou caso sejam os embargos rejeitados, no caso de garantia prestada por terceiro, este será intimado, sob pena de contra ele prosseguir a execução nos próprios autos, para, no prazo de 15 (quinze) dias remir o bem, se a garantia for real ou pagar a dívida, nos termos determinados na Certidão de Dívida Ativa, conforme previsão inscrita no artigo 19 da lei.
Destaca-se, à luz da doutrina de Mauro Luís Rocha Lopes (2007, p. 124), que “a remissão de que trata o dispositivo em questão é o ato processual de remir ou resgatar, e não se confunde com a remissão, ato de remitir ou perdoar, que vem a ser instituto de direito material”, fazendo alusão ao artigo 156, inciso IV, do Código Tributário Nacional, que descreve uma das formas de extinção do crédito tributário.
Determinam os artigos 22 a 24, em síntese, que a arrematação será precedida de edital, afixado no local de costume, ocorrendo a alienação de quaisquer bens penhorados somente mediante leilão público e que a Fazenda Pública poderá adjudicar os bens penhorados em duas hipóteses: i) antes do leilão, pelo preço da avaliação, se a execução não for embargada ou se rejeitados os embargos e; ii) findo o leilão se não houver licitante, caso em que o preço será o da avaliação do bem, ou havendo licitantes, com preferência, em igualdade de condições com a melhor oferta, no prazo de 30 (trinta) dias, sendo deferida pelo juiz a adjudicação, quando a avaliação ou valor da melhor oferta for superior ao crédito determinado da Certidão de Dívida Ativa, se a diferença for depositada, pela exequente, à ordem do juízo, no prazo de 30 (trinta) dias.
Da análise da Lei de Execuções Fiscais, verifica-se que, além de dotar de celeridade o procedimento executivo do título extrajudicial correspondente aos débitos da Dívida Ativa, esta estabelece inúmeros prerrogativas para a Fazenda Pública.
Nas palavras de Humberto Theodoro Júnior, “exagerados e injustificáveis”, posicionamento que se coaduna Cleide Previtalli Cais (2004, p. 594-595), a seguir transcrita, que, todavia, diverge do eminente autor com relação às suas críticas, no que tange a descodificação deste processo executivo que, conforme já demonstrado, estava inserido no Código de Processo Civil.
Não partilhamos, com a devida vênia, da primeira crítica, porque ao Estado, como provedor do bem comum, há de assistir meio célere para fazer ingressar em seu patrimônio o que lhe é devido e infundadamente não lhe é pago, obedecendo aos princípios constitucionais e processuais que devem nortear o curso de qualquer processo em juízo. Lei específica voltada a tal objetivo, se instituindo passos céleres não contrariar princípios fundamentais, há de merecer acolhida, não podendo ser repelida ao entendimento de que já estaria codificado um procedimento de execução instituído pelo Código de Processo Civil.
Porém, ao mesmo autor assiste razão quando menciona os privilégios ‘exagerados e injustificáveis’, introduzidos em alguns dispositivos da Lei 6.830/80 em favor da Fazenda Pública e de suas autarquias, porque no sistema democrático o princípio da isonomia constitui verdadeiro pilar na ordem constitucional.
Aponta, ainda, CAIS (2007, p. 595) que as disposições contidas na Lei de Execuções Fiscais apresentam contornos discriminatórios, elencando uma série de artigos que apresentam desarrazoada vantagem à Fazenda Pública, como, por exemplo, o artigo 25, ao estabelecer que a intimação do representante da Fazenda Pública dar-se-á pessoalmente, enquanto o executado é intimado por meio da imprensa oficial, informando que, mesmo sendo esta a regra geral adotada no sistema processual brasileiro, isto não se justificaria nas execuções fiscais, nas quais sempre a Fazenda Pública está em situação de superioridade.
Outro exemplo digno de nota é o artigo 26, que determina a possibilidade de a qualquer tempo, a execução fiscal ser extinta, por cancelamento da inscrição da dívida ativa, não sendo o executado ressarcido dos eventuais gastos com a contratação de causídico. (CAIS, 2004, p. 596)
V - CONCLUSÃO
Verifica-se, então, que o tratamento dado às execuções fiscais no direito processual brasileiro, desde o Decreto-Lei n. 960/38, passando pela aplicação do Código de Processo Civil de 1973, até o atual regramento previsto na Lei nº 6.830/80, apesar de atenuado com o decorrer do tempo, em razão da evolução dos princípios constitucionais tributários, sempre beneficiou, com razão – apesar das críticas – a Fazenda Pública, primeiro por ela ser credora de um título executivo extrajudicial com presunção juris tantum e segundo, em razão da supremacia do interesse público.
BRASIL. Lei n. 4.320, de 17 de março de 1964. Estatui Normas Gerais de Direito Financeiro para elaboração e contrôle dos orçamentos e balanços da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal. In: Presidência da República Federativa do Brasil. Legislação da República Brasileira. Brasília. 1964. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L4320.htm>
BRASIL. Lei n. 6.830, de 22 de setembro de 1980. Dispõe sobre a cobrança judicial da Dívida Ativa da Fazenda Pública, e dá outras providências. In: Presidência da República Federativa do Brasil. Legislação da República Brasileira. Brasília. 1980. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L6830.htm.>
CAIS, Cleide Previtalli. O processo tributário. 4 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.
CAIS, Cleide Previtalli. Execução Fiscal. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (Coord.). Execução Fiscal: conferência inaugural José Carlos Moreira Alves. São Paulo: Revista dos Tribunais: Centro de Extensão Universitária (Pesquisas tributárias. Nova série; 14). 2008, p. 185-198
CASTRO, Amílcar de. Comentários ao Código de Processo Civil Vol. VIII – Arts. 566 a 747. In: BERMUDES, Sergio (Coord.). Comentários ao Código de Processo Civil 3 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1983.
DIDIER JÚNIOR, Fredie – Direito processual civil: Tutela jurisdicional individual e coletiva; 5ª ed., Salvador: JusPODIVM, 2005
PACHECO, José da Silva. Comentários à Lei de Execução Fiscal: Lei n. 6.830, de 22-9-1980. 10ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2007.
SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras linhas de direito processual civil: adaptados ao novo código de processo civil. 7ª.ed. 3º vol. São Paulo: Saraiva, 1984.
VICENTINO, Cláudio; DORIGO, Gianpaolo. História do Brasil: São Paulo: Editora Scipione, 1997
[1] Como exemplo de exigência afrontosa aos direitos dos contribuintes pode-se citar a derrama, cobrança de impostos efetuada por soldados portugueses, chamados de dragões, que estavam autorizados a invadir as casas e a tomar tudo o que tivesse valor, a fim de completar as 100 arrobas devidas à metrópole. (VICENTINO, Cláudio; DORIGO, Gianpaolo. História do Brasil: São Paulo: Editora Scipione, 1997. p. 136)
[2] Art. 6º. A citação inicial, que será requerida em petição instruída com a certidão da dívida, quando necessário, far-se-á por mandado para que o réu pague incontinenti a importância da mesma; se não o fizer, pelo mesmo mandado se procederá à penhora. No caso do art. 2º, § 2º, a petição inicial será instruída com a conta do alcance, definitivamente julgado, ou com o contrato e a conta feita de acordo com ele e visada pela autoridade competente. § 1º Não encontrado, ou se ocultando o devedor, pelo mesmo mandado se procederá ao seqüestro, independentemente de justificação. Se dentro em dez dias não for ainda encontrado para ser intimado, o que o oficial certificará, a citação far-se-á por edital; findo o prazo deste último, converter-se-á o seqüestro em penhora. § 2º. Do mandado e do auto da diligência dar-se-á contra-fé, ao réu.
[3] Art. 16. O réu deduzirá a sua defesa por meio de embargos, dentro em dez dias contados da data da penhora, ou no caso do artigo 10, parágrafo único, da entrada da precatória no cartório do Juizo deprecante. Nesse prazo deverá alegar, de uma só vez articuladamente, toda a matéria útil à defesa, indicar ou requerer as provas em que se funda, juntar aos autos que constarem de documentos e, quando houver, o rol de testemunhas, até cinco. Parágrafo único. Quaisquer exceções, dilatórias ou peremptórias, serão arguidas como preliminares dos embargos, e juntamente com estes processadas e julgadas.; Art. 17. Nos processos desta natureza não se admite reconvenção ou compensação.
[4] “A regra da eventualidade (Eventualmaxime) ou da concentração especificada da defesa na contestação significa que cabe ao réu formular toda a sua defesa na contestação. Toda defesa deve ser formulada de uma só vez como medida de previsão ad eventum, sob pena de preclusão. O réu tem o ônus de alegar tudo o quanto pude, pois, caso contrário, perderá a oportunidade de fazê-lo”. (DIDIER JÚNIOR, 2005. p. 435/436).
[5] Art. 18. O escrivão dará vista dos autos ao representante da Fazenda, pelo prazo de dez dias, para impugnar a defesa, e indicar ou requerer as provas que julgar necessárias; juntar aos autos as que constarem de documentos e, se houver, o rol das testemunhas, até cinco.
[6] Art. 23. Na audiência de instrução e julgamento o representante da Fazenda e o do réu farão, oralmente e dentro do prazo de quinze minutos para cada um, a sustentação de suas razões e a apreciação da prova produzida. Antes do debate o juiz, si entender conveniente, ouvirá os depoimentos do réu, das testemunhas e dos peritos. Afinal, proferirá, a sentença. § 1º Do que ocorrer na audiência, e especialmente da sentença, o escrivão fará, por escrito, um resumo, que juntará aos autos depois de autenticado pelo juiz.
[7] Art. 25. Julgada subsistente a penhora, proceder-se-á à avaliação dos bens penhorados.
[8] Art. 32. Concluída a avaliação, com a juntada do laudo serão os autos conclusos ao juiz para a designação, dentro em 48 horas, de dia, hora e local para a arrematação, em hasta pública, dos bens penhorados.
[9] LEI Nº 4.320, DE 17 DE MARÇO DE 1964. Art. 30, § 2º - Dívida Ativa Tributária é o crédito da Fazenda Pública dessa natureza, proveniente de obrigação legal relativa a tributos e respectivos adicionais e multas, e Dívida Ativa não Tributária são os demais créditos da Fazenda Pública, tais como os provenientes de empréstimos compulsórios, contribuições estabelecidas em lei, multa de qualquer origem ou natureza, exceto as tributárias, foros, laudêmios, alugueis ou taxas de ocupação, custas processuais, preços de serviços prestados por estabelecimentos públicos, indenizações, reposições, restituições, alcances dos responsáveis definitivamente julgados, bem assim os créditos decorrentes de obrigações em moeda estrangeira, de subrogação de hipoteca, fiança, aval ou outra garantia, de contratos em geral ou de outras obrigações legais. (Parágrafo incluído pelo Decreto Lei nº 1.735, de 20.12.1979)
[10] Lei n. 6.830/80 – Artigo 8º.
[11] Código de Processo Civil. Art. 649 - São absolutamente impenhoráveis: I - os bens inalienáveis e os declarados, por ato voluntário, não sujeitos à execução; II - os móveis, pertences e utilidades domésticas que guarnecem a residência do executado, salvo os de elevado valor ou que ultrapassem as necessidades comuns correspondentes a um médio padrão de vida; III - os vestuários, bem como os pertences de uso pessoal do executado, salvo se de elevado valor; IV - os vencimentos, subsídios, soldos, salários, remunerações, proventos de aposentadoria, pensões, pecúlios e montepios; as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, observado o disposto no § 3º deste artigo; V - os livros, as máquinas, as ferramentas, os utensílios, os instrumentos ou outros bens móveis necessários ou úteis ao exercício de qualquer profissão; VI - o seguro de vida; VII - os materiais necessários para obras em andamento, salvo se essas forem penhoradas; VIII - a pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela família; IX - os recursos públicos recebidos por instituições privadas para aplicação compulsória em educação, saúde ou assistência social; X - até o limite de 40 (quarenta) salários mínimos, a quantia depositada em caderneta de poupança; XI - os recursos públicos do fundo partidário recebidos, nos termos da lei, por partido político.
Procurador do Estado de São Paulo, Especialista em Direito Tributário pelo IBET, graduado pela Universidade Federal da Bahia.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ANDRADE, Gustavo Bezerra Muniz de. Evolução histórica da execução fiscal no ordenamento jurídico brasileiro Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 07 dez 2015, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/45635/evolucao-historica-da-execucao-fiscal-no-ordenamento-juridico-brasileiro. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Roberto Rodrigues de Morais
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