RESUMO: O presente artigo tem por objetivo tecer breves comentários sobre os direitos humanos e sua construção na dentro da comunidade jurídica internacional. A análise do histórico de direitos humanos é também de suma importância para o entendimento dessa gama de direitos coletivos. Além disso, buscando encontrar uma solução, ou ao menos um caminho, que leve à efetivação desses direitos no âmbito doméstico, traça-se um prognóstico filosófico da utilização das ações afirmativas pelo Estado e como isso pode ou não ser benéfico para a efetivação das garantias individuais e coletivas.
Palavras-chave: direitos humanos, ações afirmativas, efetividade, legalidade, garantias
SUMARIO : 1 INTRODUÇÃO 2 DESENVOLVIMENTO 4 CONCLUSÃO BIBLIOGRAFIA
1 INTRODUÇÃO
A expressão direitos humanos até os dias de hoje é tema de muitas reflexões por parte da comunidade acadêmica. Assim, em se tratando do tema principal deste artigo, necessário trazer alguns posicionamentos a respeito de tal conceituação. Baracho, traz a seguinte reflexão (1992, p. 191):
A análise conceitual da linguística dos direitos humanos parte do entendimento da existência da multiplicidade de significados da expressão, no plano semântico, bem como em suas origens ideológicas e sociais. A pluralidade de tendências (cristianismo, jusnaturalismo racionalista) compromete uma definição adequada dos direitos humanos. Vistos como um conjunto de faculdades e instituições que, em cada momento histórico, procuram concretizar as exigências da dignidade, da liberdade e da igualdade humanas, que devem ser reconhecidas positivamente pelos ordenamentos jurídicos, em nível nacional e internacional.
Já Dallari, trabalha com o seguinte conceito de direitos humanos, (1998, p. 7):
Uma forma abreviada de mencionar os direitos fundamentais da pessoa humana. Esses direitos são considerados fundamentais porque sem eles a pessoa humana não consegue existir ou não é capaz de se desenvolver e de participar plenamente da vida.
Conforme sintetiza Ramos (2001, p. 35):
Hoje são considerados “direitos humanos” todos os direitos fundamentais, assim denominados por convenções internacionais ou por normas não-convencionais, quer o conteúdo dos mesmos seja de primeira, segunda ou terceira geração.
Muito embora termos que normalmente surgem juntos na bibliografia, direitos humanos e direitos fundamentais, como se vê possuem significados distintos, o que no desenrolar do estudo do tema se mostra essencial.
O histórico desta categoria de direitos se mostra também de extrema importância para este estudo, tendo em vista que a sua compreensão está intimamente ligada á sua origem e estruturação histórica.
Trazendo a origem sobre os direitos humanos à baila, Bobbio (1992, 18):
Direitos que foram declarados absolutos no final do século XVIII, como a propriedade “sacre et inviolable”, foram submetidos a radicais limitações nas declarações contemporâneas; direitos que as declarações do século XVIII nem sequer mencionavam, como os direitos sociais, são agora proclamados com grande ostentação nas recentes declarações. Não é difícil prever que, no futuro poderão emergir novas pretensões que no momento nem sequer podemos imaginar... o que prova que não existem direitos fundamentais por natureza.
Imaginar a construção dos direitos do homem é como contar a própria história da humanidade. Há outros marcos significativos que devem ser relacionados, com o fito de traçar o prognóstico evolutivo dos direitos humanos.
Fabio Konder Comparato, no prefácio do livro de Ramos (2005) volta na história da humanidade:
O reconhecimento de que existem direitos universais, comuns ao gênero humano,despontou pela primeira vez no ocidente com o esplendor da filosofia grega. Aristóteles, na Retórica (1368 b, 8 -10), distinguiu as leis particulares das comuns, observando que as primeiras são aquelas que casa pólis adota para si, ao passo que as segundas, embora não escritas, são admitidas em todas as partes do orbe terrestre.
Baracho (1992, p. 171) aborda também o histórico:
A tese do poder absoluto do soberano não era aceita por todos os juristas, principalmente por aqueles que ensaiaram no século XVI a noção de soberania. As limitações resultantes da lei divina, colocadas pela religião, encontraram também amparo na noção do direito natural. Os soberanos não podiam violar, por suas decisões ou por suas leis, o direito natural. Tinham a obrigação de respeitar os contratos dos particulares e a propriedade privada, conforme ressaltou Bodin (les six livres de la republique). Na França os jurisconsultos destacaram que o poder soberano dos reis era ainda limitado pelas “leis fundamentais do reino – lois fondamentales du royaume”.
Dentre eles, importante destacar o texto da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, produto resultado da Revolução Francesa. Neste texto observamos já o interesse do povo em proteger direitos, hoje denominados fundamentais, em seus primeiros parágrafos, tais como a liberdade e a propriedade. Dessa forma, seria como se o povo francês dissesse que antes mesmo da existência do Contrato Social, há direitos prévios que sempre devem ser tutelados.
Em seu artigo 3º (França, 1789) tem-se o seguinte texto:
A soberania reside essencialmente na nação. Nenhum indivíduo ou corporação poderão realizar o exercício da autoridade que não emane expressamente dela.
Esta declaração já trazia a ideia de que os direitos que devem ser garantidos ao homem encontram-se seus limites na igualdade, ou seja, todos os membros daquela sociedade terão os mesmos direitos e isso é que delimita a atuação do indivíduo, criando a noção de coletividade.
À luz de uma perspectiva histórica, observa-se que até então intensa dicotomia ente o direito à liberdade e o direito à igualdade. No final do século XVIII, as Declarações de Direitos, seja a Declaração Francesa de 1789, seja a Declaração Americana de 1776, consagravam a ótica contratualista liberal, pela qual os direitos humanos se reduziam aos direitos de liberdade, segurança e propriedade, complementados pelas resistência á opressão. O discurso liberal da cidadania nascia no seio do movimento pelo constitucionalismo e da emergência do modelo de Estado Liberal, sob a influência das ideias de Locke, Montesquieu e Rousseau. (Piovesan, 2000, p. 143 – 144)
Piovesan (2000, p. 42) traz um ponto relevante para a construção do referencial histórico dos direitos humanos:
Note-se que a constitucionalização dos direitos humanos, no século XIX, inaugura uma segunda fase no desenvolvimento do sistema de proteção destes direitos. Nessa fase, os direitos constantes das Declarações de Direitos passam a ser inseridos nas Constituições dos Estados. A partir do século XIX, os Estados passam a colher as declarações em suas Constituições e, deste modo, as Declarações de Direitos se incorporam à história do constitucionalismo (...) o pós-guerra impulsiona a emergência do movimento de internacionalização dos direitos humanos, mediante um sistema de monitoramento e fiscalização internacional dos direitos humanos...
Seguindo-se a linha histórica sobre os direitos humanos, Ramos (2001, p. 40) narra:
No século XX, com o Tratado de Versailles (1919) um outro enfoque foi dado pelo Direito Internacional à proteção do indivíduo. A parte XIII do Tratado instituiu a Organização Internacional do Trabalho, que isa estabelecer um rol de direitos de todos os trabalhadores, independente da nacionalidade. Com isso, o direitos internacional enfoca o indivíduo e sua condição como eixo da normatividade internacional. No mesmo Tratado de Versailles, o indivíduo é protegido pelo direito internacional reconhecendo-se os direitos das minorias.
Outra instituição de grande importância para os direitos humanos, a Organização Internacional do Trabalho, também tem sua criação relacionada às Guerras, como narrado acima e conta Piovesan:
A Organização Internacional do Trabalho (International Labour Office, agora denominada International Labour Organization) também contribuiu para o processo de internacionalização dos direitos humanos. Criada após a Primeira Guerra Mundial, a Organização Internacional do Trabalho tinha por finalidade promover padrões internacionais de condições de trabalho e bem estar. (2000, p. 125)
A mesma autora continua a narrativa do histórico mundial dos direitos humanos, citando a ligação das Nações, embrião das Nações Unidas:
Criada após a Primeira Guerra mundial, a Liga das Nações tinha como finalidade promover a cooperação, paz e segurança internacional, condenando agressões externas contra a integridade territorial e independência política de seus membros. A Convenção da Liga das Nações, de 1920, continha previsões genéricas relativas aos direitos humanos, destacando-se as voltadas ao mandate system of the league, ao sistema das minorias e aos parâmetros internacionais do direito ao trabalho – pelo qual os Estados comprometiam-se a assegurar condições justas e dignas de trabalho para homens, mulheres e crianças. (Piovesan, 2000, p.124)
Outro Organismo internacional que teve sua criação vinculada ao fim da Guerra, mas desta vez da 2ª Guerra Mundial, foi o Tribunal de Nuremberg, que funcionou como um tribunal especial e serviu como palco para a defesa de inúmeros direitos fundamentais dos indivíduos.
O tribunal de Nuremberg, em 1945-1946, significou um poderoso impulso ao movimento de internacionalização dos direitos humanos. Ao final da Segunda Guerra e após intensos debates sobre o modo pelo qual poder-se-ía responsabilizar ao alemães pela guerra e pelos bárbaros abusos do período, os aliados chegaram a um consenso, com o acordo de Londres de 1945, pelo qual ficava convocado um Tribunal Militar Internacional para julgar os criminosos de guerra. (Piovesan, 2000, p.132)
Somente após o fim da 2ª Guerra Mundial, em razão das consideráveis perdas humanas que dela decorreram e da proporção dos danos causados e que ainda poderiam ocorrer, buscando a segurança internacional, acima de tudo, a Organização das Nações Unidas foi criada.
A criação das Nações Unidas, com suas agências especializadas, demarca o surgimento de uma nova ordem internacional que instaura um novo modelo de conduta nas relações internacionais, com preocupações que incluem a manutenção da paz e segurança internacional, o desenvolvimento de relações amistosas entre os Estados, o alcance da cooperação internacional, o desenvolvimento de relações amistosas entre os Estados, o alcance da cooperação internacional no plano econômico, social e cultural, o alcance de um padrão internacional de saúde, a proteção ao meio ambiente, a criação de uma nova ordem econômica internacional e a proteção internacional dos direitos humanos. (Piovesan, 2000, p.137)
(...)
A carta das Nações Unidas consolida, assim, o movimento de internacionalização dos direitos humanos, a partir do consenso de Estados que elevam a promoção desses direitos a propósito e finalidade das Nações Unidas. Definitivamente, a relação de um Estado com seus nacionais passa a ser uma problemática internacional, objeto das instituições internacionais e do direito internacional. (2000, p.139)
Como esclarece o doutrinador Ramos (2001, p. 36), a internacionalização dos direitos humanos é reflexo dos momentos de guerra sofridos pela humanidade no século XX, sendo que após a 2ª Guerra Mundial, esta temática saiu da esfera doméstica e tornou-se global.
Importante analisarmos, por isso, o preâmbulo da denominada Carta das Nações Unidas:
NÓS, OS POVOS DAS NAÇÕES UNIDAS, RESOLVIDOS, a preservar as gerações vindouras do flagelo da guerra, que por duas vezes, no espaço da nossa vida, trouxe sofrimentos indizíveis à humanidade, [...] e a estabelecer condições sob as quais a justiça e o respeito às obrigações decorrentes de tratados e de outras fontes do direito internacional possam ser mantidos (SÃO FRANCISCO, 1945)
Ressalte-se que muito embora não possa ser considerada um tratado, a força jurídica da Carta é alta, vez que hoje podemos considerar o seu conteúdo como norma de cogente. A autora Piovesan, bem esclarece este ponto:
A Declaração Universal não é um tratado. Foi adotada pela Assembléia Geral das Nações Unidas sob a forma de resolução que, por sua vez, não representa força de lei. O propósito da Declaração, como proclama seu preâmbulo, é promover o reconhecimento universal dos direitos humanos e das liberdades fundamentais a que faz menção a carta da ONU, particularmente nos arts. 1º (33) e 55.
(...)
Há contudo aqueles que defender que a Declaração integra o direito costumeiro internacional e/ou os princípios gerais do direito, apresentando assim, força jurídica vinculante. (2000, p.149)
Uma das ferramentas utilizadas pela comunidade internacional para a efetivação dos direitos humanos e a aplicabilidade do conteúdo da Carta, foi a criação dos Pactos Internacionais, dando aos mesmos o caráter vinculante. Como se vê abaixo:
Esse processo de “juridicização” da Declaração, começou em 1949 e foi concluído apenas em 1966, com a elaboração de dois tratados internacionais distintos – o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais – que passavam a incorporar os direitos constantes da Declaração Universal. Ao transformar os dispositivos da Declaração em previsões juridicamente vinculantes e obrigatórias, esses dois Pactos Internacionais constituem referência necessária para o exame do regime normativo de proteção internacional dos direitos humanos. (Piovesan, 2000, p. 160)
Cançado Trindade (1992, p.28) analisa o caminho que está sendo percorrido nas cortes jurisdicionais:
A evolução jurisprudencial da proteção internacional dos direitos humanos tem abrangido tanto o conteúdo e alcance dos direitos consagrados quanto a operação dos próprios mecanismos de implementação.
Com relação ao Brasil, a construção dos direitos humanos na esfera doméstica, está intimamente ligada ao fim do período da ditadura e reestabelecimento da democracia.
O artigo 5º da Constituição brasileira dá o tom da proteção aos direitos humanos neste Estado. Há também em todo o texto constitucional outros tantos direitos fundamentais garantidos.
De acordo com Piovesan (2000, p. 47) “a carta de 1988 demarca, no âmbito jurídico, o processo de democratização do Estado brasileiro, ao consolidar a ruptura com o regime autoritário militas, instalado em 1964”.
Continuando o raciocínio da autora (2000, p. 50);
No caso brasileiro, as relevantes transformações internas tiveram acentuada repercussão no plano internacional. Vale dizer, o equacionamento dos direitos humanos no âmbito da ordem jurídica interna serviu como medida de reforço para que a questão dos direitos humanos se impusesse como tema fundamental na agenda internacional do país.
O Brasil tornou-se signatário de todos os Tratados internacionais de direitos humanos com o término da ditadura e, ao longo dos anos, tem ratificado outros tantos.
Todavia, a simples ratificação e internalização legislativa dos tratados internacionais não confere aos cidadãos e indivíduos vinculados ao Estado brasileiro as garantias necessárias para o seu cumprimento.
Várias são as decisões nas cortes Internacionais de direitos humanos em que o Brasil é considerado responsável pela não proteção dos direitos humanos.
Notório é o caso da Sra. Maria da Penha, que recorreu à Comissão Interamericana de Direitos humanos, através de uma organização não governamental. Este caso levou a Comissão a emitir parecer e, por conseguinte, à criação da lei interna contra a violência doméstica, Lei nº 11.340/06 (Brasil, 2006).
O grande conflito que o Brasil enfrenta na atualidade diz respeito às garantias ofertadas aos indivíduos e a forma de promover a igualdade entre eles.
Ainda que exista todo o aparato jurídico legislativo, de acordo com relatório da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito da violência contra a mulher no Brasil (2013, p. 25), 42,5% (quarenta e dois e meio por cento) das agressões sofridas por mulheres são enquadradas no tipo violência doméstica.
O mesmo relatório traz a informação que a Comissão Interamericana de Direitos Humanos encontrou os seguintes números nas Américas:
Destaca que na Argentina, entre 1999 e 2003, os crimes de violência contra mulheres representaram 78 a 83% de todos os delitos ocorridos no país. Na Costa Rica, 58% das mulheres sofreu um acidente de violência física o sexual depois de completarem 16 anos ou mais. Nos Estados Unidos, em 2003, cerca de meio milhão de mulheres sofreu violência doméstica e aproximadamente 200 mil violações e agressões sexuais, segundo a pesquisa de vitimização daquele país. (2013, p.26)
Ressalte-se que ao se utilizar a terminologia minorias, não se faz referência ao aspecto quantitativo da população e sim à capacidade de representatividade e de cidadania a ela conferida dentro da sociedade.
Uma pergunta capciosa é extraída do texto de Cattoni de Oliveira (2005), nos remete a pensar em “como o Estado democrático, no qual seu representante foi eleito por uma maioria, poderia garantir direitos às minorias?”.
Percebe-se que a resposta encontrada pelo doutrinador acima é das soluções mais simples e efetivas. Para o mesmo, a solução está na Constituição de cada Estado. Como o texto constitucional nas democracias foi estabelecido por toda a Nação, este estaria acima de minorias ou maiorias.
A carta Contratual de uma Nação é a Constituição. Cumpre asseverar que como relembra o autor “uma nação se impõe pela própria soberania”. Assim o Estado, seria nada mais, do que a reapresentação política dessa Nação.
A pensar dessa forma, corre-se o risco de interpretar, erroneamente, que a democracia não guarda espaços para as minorias, já que também o texto constitucional foi elaborado pelos representantes eleitos majoritariamente. Esclarecendo esse ponto, o autor adota a tese habermasiana de que não é possível a existência de Estado de direito sem democracia.
Como explica ainda o mesmo autor:
Sob as condições do pluralismo social e cultural, é tão somente o processo democrático que confere força legitimadora ao processo legislativo de criação do Direito. Normas que podem pretender legitimidade são justamente as que podem contar com a concordância de todos os possíveis afetados (...) A autonomia pública e privada pressupõem-se mutuamente, sem que haja primazia de uma sobre a outra. (CATTONI, 2005)
Baracho, adentrando no assunto (1992, p. 190):
Interpretar é explicitar, de maneira correta, o sentido de uma expressão. A interpretação evolutiva, sistemática e finalista da Constituição tem importância para a compreensão dos direitos fundamentais. Ao lado dos diferentes níveis e instrumentos de positivação, algumas constituições consagram sistemas para expressar o conteúdo dos direitos fundamentais.
- cláusulas gerais em forma de valores e princípios
- características casuísticas que surgem em normas específicas e analíticas.
Apesar do caráter normativo constitucional de todas elas e de sua eficácia “erga omnes”, suas distinções encontram-se nos diferentes graus de concretização do que se haverá de aplicar e a consequência jurídica resultante de sua atuação.
Na concepção de Habermas (2002, p. 291) o processo democrático é que estabelece a força legitima ao devido processo legislativo. Através da construção do discurso é que o processo democrático se desenvolve com a participação de todos os afetados pela norma.
Ainda de acordo com o mesmo autor (2002, p. 293) através dos direitos fundamentais é que se encontra assegurada a autonomia do sujeito de direitos, dando a ele a necessária força para atuar na construção da norma.
Continuando na construção deste raciocínio, Habermas (2002. P. 295) adverte:
A almejada equiparação de situações de vida e posições de poder não pode levar a um tipo de intervenções normalizadoras ou padronizadoras que acabem por limitar o espaço de atuação de seus prováveis beneficiários, no que se refere à concepção autônoma dos projetos de vida de cada um deles.
Utilizando como exemplo a prática feminista, o autor acima (2002, p. 296) elucida:
A classificação de papéis sexuais e das diferenças vinculadas aos sexos concerne a camadas elementares de autocompreensão cultural de uma sociedade. Só hoje o feminismo radical toma consciência do caráter falível, merecedor de revisões e fundamentalmente controverso dessa autocompreensão.
Nesse sentido, portanto, as denominadas ações afirmativas, tornam-se necessárias, pois dão condições a um grupo de força minoritária, revestindo-o de autonomia e dando ao mesmo, condições de igualdade para a construção do discurso. Assim, proporcionar condições de igualdade no discurso procedimental leva, por consequência, a igualdade de direitos.
Observando-se de outra óptica, trazida por Leal (2006, p. 3) sintetiza o argumento, defendendo que a violação de texto constitucional por si só ensejaria a procedimentos judiciais, que não as ações afirmativas, já que a própria Carta Constitucional garante direitos fundamentais a todos.
O mesmo autor elucida:
A isonomia como princípio jurídico-processual de primeira geração não pode ser descuidada na construção e exercício da constitucionalidade democrática, porque é ela que torna possível a igualdade (simétrica paridade) entre os economicamente desiguais, entre os física e psiquicamente diferentes e entre maioria e minoria política, ideológica ou social.
Baracho (1992, p. 192) sintetiza da seguinte forma:
Todos os direitos necessitam de garantias processuais para a sua efetiva concretização, sendo que algumas delas são sumárias. As garantias necessitam de proteção prática, concreta ou efetiva, para que não fiquem apenas como afirmações teóricas ou abstratas. As garantias constitucionais e processuais são criadas para amparo e proteção de direitos constitucionais afetados por leis, atos do executivo ou decisões judiciais.
Cançado Trindade em uma elucidação (2008, p. 55/56) sobre a função do Estado, esclarece que o mesmo “foi concebido para a realização do bem comum. Nenhum Estado deve considerar-se acima da lei, e as normas têm, como ultimo beneficiário, o ser humano; em suma, o Estado existe para o ser humano e não o contrário”.
Baracho (1992, p. 190) complementando:
Os valores, princípios e normas que compõem as categorias dos direitos fundamentais são examinados de conformidade com as correntes que surgem no pensamento jurídico contemporâneo. A tarefa interpretadora dos direitos fundamentais constitui atividade que visa a máxima efetividade do seu texto.
A filosofia do direito é de grande importância para a compreensão das mudanças que estão ocorrendo na nova caracterização que se pretende dar ao Estado social e democrático de Direito, quando ressalta o significado da união entre o pensamento e a práxis, isto e, a intersecção entre a teoria e a prática.
Assim, o que se percebe é que não existe a opção do Estado Democrático de Direito em não tutelar os direitos de todos os seus cidadãos, vez que isto é conditio sine qua non de sua existência e motivo pelo qual ele existe.
Se a sua proteção no âmbito doméstico se dará ou não através da criação de leis específicas que busquem dar condições de igualdade no discurso entre maiorias e minorias mostrou-se irrelevante, desde que a Carta Constitucional abarque os princípios basilares de proteção aos indivíduos.
Ressalte-se que, no caso brasileiro, não poderá haver a justificativa de falta de amparo legal vez que o referido Estado assinou e Ratificou a totalidade de tratados multilaterais de direitos humanos existentes.
De fato, o que é necessário, é a efetiva proteção aos direitos humanos pelo Estado e pela comunidade jurídica internacional, sem que haja qualquer empecilho com relação à forma que o direito toma no âmbito doméstico.
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Doutoranda em direito internacioan, mestre em direitos humanos e direito humanitario pela Université de Paris II - Panthéon Assas, especialista em direito internacional pelo CEDIN. Advogada.<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PINHO, Lídia Mara Corrêa Santos Cornélio do. As ações afirmativas e os direitos humanos - aspectos jurídicos filosóficos Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 03 out 2017, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/50728/as-acoes-afirmativas-e-os-direitos-humanos-aspectos-juridicos-filosoficos. Acesso em: 27 nov 2024.
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