ALESSANDRO RODRIGUES FARIA[1]
(Coautor)
RESUMO: O estupro de vulnerável, especialmente a relatividade da presunção de vulnerabilidade em razão da idade, merece uma análise aprofundada porque há um descompasso na legislação criminal brasileira, a qual pretende que a presunção de vulnerabilidade seja absoluta. As diferentes categorias de pessoas, em razão da idade, com reflexos no Direito Criminal e, não obstante a Lei n. 13.718, de 24.9.2018, ter inserido o § 5º no art. 217-A do Código Penal, torna plausível entender que a vulnerabilidade é relativa.
PALAVRAS-CHAVES: ESTUPRO. VULNERÁVEL. IDADE. RELATIVIDADE.
ABSTRACT: Vulnerable rape, especially the relativity of the presumption of vulnerability due to age, deserves an in-depth analysis because there is a mismatch in Brazilian criminal law, which pretends that the presumption of vulnerability is absolute. The different categories of people, due to age, with repercussions in Criminal Law and, despite Law number. 13.718, dated 2018.924, inserted paragraph 5 in art. 217-A of the Penal Code, makes it plausible to understand that vulnerability is relative.
KEYWORDS: STUPID. VULNERABLE. AGE. RELATIVITY.
SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. O código penal de 1940 e os crimes contra a dignidade sexual; 3. O histórico julgamento do “Habeas corpus” n. 73.662/MG; 3. Da relatividade da vulnerabilidade da menor de 14 anos; 4. Do tratamento jurídico diverso às pessoas em razão da idade; 5. Da relatividade da vulnerabilidade da pessoa menor de 14 anos; 6. Do PLS n. 618/2015 à Lei n. 13.718/2018; 7. À guisa de conclusão; Referências.
1. INTRODUÇÃO
O presente artigo será elaborado para discutir o estupro de vulnerável, visando a perquirir se a Lei n. 13.718, de 24.9.2018, transformou a vulnerabilidade em razão da idade em absoluta. O tema é atual e a sua relevância jurídica é evidente em face do aumento da criminalidade brasileira e a tentativa de combater a criminalidade por intermédio do recrudescimento jurídico-criminal.
Passaremos inicialmente pelo Código Penal, tratando das redações anteriores, até chegarmos à Lei n. 12.015, de 7.8.2009, a Súmula n. 593 do Superior Tribunal de Justiça e, por fim, Lei n. 13.718/2018. Desta lei, teremos a preocupação especial com a inovação trazida ao art. 217-A. Com isso, buscaremos situar o leitor sobre o cerne da discussão, visto que será imperioso demonstrar os motivos para as alterações havidas no Código Penal, especialmente acerca dos crimes de estupro e de atentado violento ao pudor, até chegarmos à última alteração, trazida pela Lei n. 13.718/2018.
Discorreremos rapidamente sobre o processo legislativo que resultou na Lei n. 13.718/2018, e evidenciaremos que as penas brasileiras são elevadas, ao contrário do que se diz sobre a legislação brasileira ser exageradamente branda.
Em nossa conclusão verificaremos se será passível de comprovação a nossa hipótese, construída no sentido de que, mesmo ante o novel § 5º do art. 217-A, a presunção de vulnerabilidade do adolescente deverá ser considerada relativa.
2. O CÓDIGO PENAL DE 1940 E OS CRIMES CONTRA A DIGNIDADE SEXUAL
O Código Penal (Decreto-lei n. 2.848, de 7.12.1940) foi instituído sob a égide de uma Constituição outorgada, em um momento de instabilidade mundial, eis que havia em curso a Segunda Grande Guerra.
Em 1930, era Ministro da Justiça na Itália, Alfredo Rocco, o qual editou o Código Penal Italiano, sendo que o Projeto de Alcântara Machado trazia a marca fascista do Código Rocco e o nosso Código Penal foi significativamente melhorado pela comissão revisora, integrada por grandes juristas, dentre eles Nélson Hungria, que foi buscar ideais humanitários no Código Penal Suíço, minimizando a austeridade do projeto fascista originário.
O Código Penal tem uma Parte Geral com 120 artigos e uma Especial que se estende do art. 121 até o seu último artigo, o 361. A Parte Geral foi toda ela modificada pela Lei n. 7.209, de 11.7.1984, já a Parte Especial tem diversas modificações pontuais.
Inicialmente, tínhamos os crimes contra os costumes no Título VI da Parte Especial do Código Penal, interessando o estupro e o atentado violento ao pudor, que eram assim definidos no Capítulo I (crimes contra a liberdade sexual):
Estupro
Art. 213 - Constranger mulher à conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça:
Pena - reclusão, de três a oito anos.
Art. 214 - Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a praticar ou permitir que com ele se pratique ato libidinoso diverso da conjunção carnal:
Pena - reclusão de dois a sete anos.
Naquela primeira redação do Código Penal, tínhamos o estupro como um crime progressivo, o qual, para ser alcançado, o agente teria, necessariamente, que passar pelo atentado violento ao pudor. E eram previstas, no Capítulo IV (disposições gerais), as formas qualificadas e a presunção de violência, da seguinte maneira:
Formas qualificadas
Art. 223 - Se da violência resulta lesão corporal de natureza grave.
Pena - reclusão, de oito a doze anos
Parágrafo único - Se do fato resulta a morte:
Pena - reclusão, de doze a vinte e cinco anos.
Presunção de violência
Art. 224 - Presume-se a violência, se a vítima:
a) não é maior de catorze anos;
b) é alienada ou débil mental, e o agente conhecia esta circunstância;
c) não pode, por qualquer outra causa, oferecer resistência.
Vê-se que esses dois últimos artigos incidiam sobre os arts. 213 e 214 do Código Penal. Para o presente estudo, o que chama a atenção é o art. 224, alínea “a”, que adotou péssima técnica legislativa ao estabelecer “se a vítima não é maior” de 14 anos. Seria melhor ter estabelecido “a) é menor de catorze anos”.
O Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069 de 13,7.1990), inseriu parágrafos únicos aos arts. 213 e 214 transcritos para dispor:
4) Art. 213 ..................................................................
Parágrafo único. Se a ofendida é menor de catorze anos:
Pena - reclusão de quatro a dez anos.
5) Art. 214.............................................................
Parágrafo único. Se o ofendido é menor de catorze anos:
Pena - reclusão de três a nove anos.
Segundo Alberto Silva Franco, dois erros foram cometidos aí, visto que as penas foram tornadas únicas, desprezando o aspecto da progressividade do crime de estupro e, portanto, a desistência voluntária. Pior, estuprar menor de 14 anos teria pena menor do que a do estupro de mulher maior de 14 anos, eis que a Lei n. 8.072, de 25.7.1990, passou a prever pena única (reclusão, de 6 a 10 anos) para os crimes de estupro e atentado violento ao pudor.
A incoerência da pena menor para quem praticasse estupro contra menor de 14 anos só foi resolvida com a Lei n. 9.281, de 4.6.1996, a qual só se destinou a revogar os mencionados parágrafos únicos inseridos pela Lei n. 8.069/1990 aos arts. 213 e 214 do Código Penal.
Hoje, a redação do art. 213 do Código Penal é a seguinte:
Art. 213. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso:
Pena - reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos.
§ 1o Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave ou se a vítima é menor de 18 (dezoito) ou maior de 14 (catorze) anos:
Pena - reclusão, de 8 (oito) a 12 (doze) anos.
§ 2o Se da conduta resulta morte:
Pena - reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos.
Vê-se que os arts. 214 e 223 perderam a razão de existirem, uma vez que os arts. 213 e 217-A, inseriram as condutas do art. 214 neles, bem como as formas qualificadas do art. 223. Daí a revogação expressa dos referidos artigos, embora se possa criticar o fato de se ter unificado o estupro e o atentado violento ao pudor.
Substituindo o art. 224 do CP, emergiu novo artigo no Código Penal, dispondo:
Estupro de vulnerável
Art. 217-A. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos:
Pena - reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos.
§ 1o Incorre na mesma pena quem pratica as ações descritas no caput com alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência.
§ 2o (VETADO)
§ 3o Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave:
Pena - reclusão, de 10 (dez) a 20 (vinte) anos.
§ 4o Se da conduta resulta morte:
Pena - reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que adolescente prostituta na teria vulnerabilidade a ser tutelada, mas isso gerou clamor público.[2] Daí a Súmula n. 593 do STJ e depois a Lei n. 13.718, de 24.9.2018.
3. O HISTÓRICO JULGAMENTO DO HABEAS CORPUS N. 73.662/MG
No ano de 1996 a imprensa alardeou equivocadamente que o STF entendeu que o Supremo Tribunal Federal não mais via estupro no sexo perpetrado por pessoa maior de 12 anos de idade. Para tanto, colheram o seguinte trecho do voto do relator: “Nos nossos dias não há crianças, mas moças de doze anos”.[3]
A repercussão equivocada do voto do relator, Min. Marco Aurélio, se estende ao longo dos anos, sendo que se verifica em textos acadêmicos sérias críticas ao seu voto, como se ele fosse um fomento ao abuso sexual de crianças e adolescentes, podendo-se citar, como exemplo:
As palavras do magistrado deixam claro, para desespero daqueles que se preocupam com a sorte (ou falta de sorte) das crianças brasileiras, que elas são, de fato, objetos para uso dos adultos, assim, o pornô-turismo, a exploração sexual, o tráfico de crianças, seu uso como mão-de-obra escrava e outras mazelas são signos de inserção do Brasil na modernidade marcada pela globalização.[4]
Muitos equívocos foram mencionados à época e continuaram sendo repetidos ao longo dos anos, talvez por falta de conhecimento jurídico. Mas, a simples leitura da ementa permite concluir que o fundamento da decisão foi outro, a saber:
EMENTA: COMPETÊNCIA - HABEAS-CORPUS - ATO DE TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Na dicção da ilustrada maioria (seis votos a favor e cinco contra), em relação à qual guardo reservas, compete ao Supremo Tribunal Federal julgar todo e qualquer habeas-corpus impetrado contra ato de tribunal, tenha esse, ou não, qualificação de superior. ESTUPRO - PROVA - DEPOIMENTO DA VÍTIMA. Nos crimes contra os costumes, o depoimento da vítima reveste-se de valia maior, considerado o fato de serem praticados sem a presença de terceiros. ESTUPRO - CONFIGURAÇÃO - VIOLÊNCIA PRESUMIDA - IDADE DA VÍTIMA - NATUREZA. O estupro pressupõe o constrangimento de mulher à conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça - artigo 213 do Código Penal. A presunção desta última, por ser a vítima menor de 14 anos, é relativa. Confessada ou demonstrada a aquiescência da mulher e exsurgindo da prova dos autos a aparência, física e mental, de tratar-se de pessoa com idade superior aos 14 anos, impõe-se a conclusão sobre a ausência de configuração do tipo penal. Alcance dos artigos 213 e 224, alínea "a", do Código Penal.[5]
Velha controvérsia que havia residia no fato de que a alínea “b” do art. 224 do Código Penal, tratando da doença mental, fazia ao conhecimento do agente dessa condição da vítima e, com relação à idade, o código nada mencionava. Assim, entendiam alguns que a presunção de violência seria absoluta, incidindo ainda que o agente não pudesse conhecer essa circunstância. No julgamento em questão, o que se agasalhou foi a possibilidade de erro de tipo.
A decisão acolheu o entendimento de que os hábitos da adolescente corroborados pela aparência física da jovem, que aparentava mais velha, o agente errou quanto à elementar do tipo “não é maior de 14 anos”.
Posteriormente, sabendo ser a vítima criança, o Supremo Tribunal Federal enfrentou um caso em que uma menina, desde os 9 anos de idade mantinha relação sexual com o seu tutor legal, com quem teve um filho e passou a viver em aparente união estável. No entanto, o tribunal não acolheu o pedido de extinção da punibilidade pela união estável do agente com a vítima, especialmente porque a violência sexual iniciou quando ela era ainda criança e se engravidou com 11 ou 12 anos de idade.[6]
Vê-se que o STF não decidiu, no HC 73.662/MG, que menor de 14 anos não tem liberdade sexual a tutelar. Ao contrário, ele manteve a ideia de que a presunção de violência, no caso de criança, a presunção é absoluta, pouco interessando a concordância da vítima para a realização do ato sexual.
4. DO TRATAMENTO JURÍDICO DIVERSO ÀS PESSOAS EM RAZÃO DA IDADE
Não poderá o interprete ou a legislação infraconstitucional tratar igualmente aquilo que a Constituição Federal distinguiu. Assim, não podem ser equiparados criança e adolescente, uma vez que a Constituição Federal claramente os distingue (art. 203, inc. II; art. 227, caput, § 1º, § 2º, incs. VI e VII, § 4º e § 7º).
Até mesmo entre as crianças, a Constituição Federal trata diversamente, para fins educacionais, as menores de 6 anos de idade. Também, dentre os adultos, a Constituição destacou os idosos (art. 203, inc. V; e art. 230, § 1º). Ela só admite o trabalho noturno, perigoso ou insalubre aos maiores de 18 anos e os demais trabalhos aos maiores de 16 anos. Maior de 14 anos, só podem trabalhar na condição de aprendiz (art. 7º, inc. XXXIII).
A Constituição Federal cria distinções entre as pessoas, em razão da idade, só podendo se alistarem eleitoralmente os maiores de 16 anos, facultativamente. Também, o alistamento será facultativo para os maiores de 70 anos. De outro modo, o alistamento será obrigatório para os maiores de 18 anos de idade (art. 14, § 1º). Dentre outros aspectos, cria idades mínimas para elegibilidade a determinados cargos (art. 14, inc. VI).
Para o Código Civil, os menores de 16 são considerados impúberes. Já Os maiores de 16 anos e menores de 18 anos são relativamente independentes para exercerem os atos da vida civil (art. 3º e art. 4º, inc. I). Interessante notar que a incapacidade civil relativa, no CC/1916 se estendia até os 21 anos de idade (art. 6º, inc. I), talvez por isso, os Juízes quando se referem à atenuante do art. 61, inc. I, do CP, expressam “menoridade relativa”. Ora, como o maior de 18 anos é absolutamente capaz, é completamente equivocado falar em “menoridade relativa” do maior de 18 anos e menor de 21 anos na data do crime.
A Lei n. 8.069, de 13.7.1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), respeita a Constituição Federal ao estabelecer que a criança é a pessoa menor de 12 anos de idade e o adolescente é o maior de 12 e menor de 18 anos de idade (art. 2º caput). Mais ainda, trata diferentemente, o adulto menor de 21 anos de idade (art. 2º, parágrafo único) e a criança menor de 5 anos de idade (art. 54, inc. IV).
A mesma lei proíbe o trabalho para o menor de 14 anos de idade (art. 60), assegurando bolsa aprendizagem ao adolescente até 14 anos de idade (art. 64). E, ainda, prevê que a criança, em razão de ato infracional, só estará sujeita somente às medidas protetivas (art. 105). Já o adolescente estará sujeito, também, às medidas sócio-educativas, dentre elas, prestação de serviço à comunidade, liberdade assistida e internação (art. 112).
Observe-se que o adolescente, a partir dos 12 anos de idade, pode ser internado, em faze da responsabilidade especial do menor. No entanto, o que se vê é que, contrariamente, pretende-se que sobre aspectos sexuais ele seja equiparado à criança.
O Código Penal também distingue as pessoas em razão da idade. Crianças e adolescentes são inimputáveis (art. 27). O menor de 21 anos terá uma atenuante genérica na dosimetria da pena (art. 65, inc. I). Por outro lado, toda vez que o idoso for vítima de crime, haverá agravante genérica (art. 61, inc. II, alínea “h”). Mas, a atenuante genérica ao idoso só se dará quando ele alcançar 70 anos de idade (art. 65, inc. I).
O exposto evidencia que não se pode pretender equiparar o adolescente menor de 14 anos à criança. Mais ainda, no Código Penal, dentre os crimes contra a dignidade sexual, ser o adolescente maior de 14 anos e menor de 18 anos, qualificará o crime (art. 213, caput). E o favorecimento à prostituição de menor de 18 anos será mais grave (art. 218-B), o que será crime hediondo (Lei n. 8.072, de 25.7.1990, art. 1º, inc. VIII).
5. DA RELATIVIDADE DA VULNERABILIDADE DA PESSOA MENOR DE 14 ANOS
A literalidade das Súmula n. 593 do Superior Tribunal de Justiça e a literalidade do § 5º do art. 217-A do Código Penal são compatíveis com o entendimento de que a vulnerabilidade da pessoa menor de 14 anos de idade seja relativa. Vejamos o que dispõe a referida súmula:
O crime de estupro de vulnerável se configura com a conjunção carnal ou prática de ato libidinoso com menor de 14 anos, sendo irrelevante eventual consentimento da vítima para a prática do ato, sua experiência sexual anterior ou existência de relacionamento amoroso com o agente.
A Lei n. 13.718/2018 acresceu o § 5º ao artigo 217-A do Código Penal, estabelecendo:
§ 5º As penas previstas no caput e nos §§ 1º, 3º e 4º deste artigo aplicam-se independentemente do consentimento da vítima ou do fato de ela ter mantido relações sexuais anteriormente ao crime.
Uma suposta vítima, useira e vezeira do sexo, mediante a Síndrome de Münchhausen por transferência, eleger um o rapaz que a família dela deseja como marido para ser quem a desvirginou é algo complicado. Uma coisa é dizer que a experiência sexual da pessoa menor de 14 anos não excluirá o crime de estupro de vulnerável, outra será dizer que a vulnerabilidade da pessoa adolescente será relativa. Essa é uma vetusta discussão que está presente desde Nelson Hungria que expôs:
Segundo justamente opina Magalhães Noronha, a presunção estabelecida na letra “a” do art. 224 não é absoluta, mas relativa. É decisivo em tal sentido o elemento histórico. A supressão (propositada, como posso dar testemunho, na qualidade de membro da Comissão Revisora) da clausula “não admitindo prova em contrário”, do art. 293 (posteriormente 275) do Projeto Alcântara (que se inspirava no art. 539 do Código Italiano), visou justamente a abolir a inexorabilidade da presunção.[7]
Conforme afirmou Magalhães Noronha, o fundamento da presunção de violência em razão da idade, como se lê na exposição de motivos, é innocentia consilii do ofendido. Mas, ele continua para afirmar que a presunção de violência, do revogado art. 224, alínea “a”, do Código Penal, era relativa expondo:
Deve, entretanto, essa presunção ser absoluta, não admitir qualquer exceção? Será sempre exato que o menor de quatorze anos não atingiu satisfatório desenvolvimento físico e não idoneidade psico-ética para apreciar as regras atinentes à vida sexual?
Temos sérias dúvidas em opinar pela invariabilidade dessa norma, máxime nos dias que vivemos.[8]
Mencionar a jurisprudência em tais casos é algo complicado porque, conforme determina o art. 234-B do Código Penal, os processos relativos aos crimes contra a dignidade sexual correrão em segredo de justiça. Mas, há um caso notório em que o STJ decidiu que a vulnerabilidade da pessoa menor de 14 anos é relativa, o fundamento foi o de que prostituta Infantil não tem liberdade sexual a tutelar.[9] De modo diverso, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal esclarece: “Presunção de violência, do art. 224, "a", do código penal, somente afastável por exame da prova”.[10]
Uma pequena distância de idade entre a vítima e o suposto estuprador será relevante. Aliás a presunção de vulnerabilidade será até inconstitucional, até porque sobre o assunto, o saudoso Min. Cernicchiaro expôs:
RESP – PENAL – ESTUPRO – PRESUNÇÃO DE VIOLÊNCIA – O Direito Penal moderno é o Direito Penal da culpa. Não se prescinde do elemento subjetivo. Intoleráveis a responsabilidade objetiva e a responsabilidade pelo fato ao delinquente, deve ajustar-se à conduta delituosa. Conduta é fenômeno ocorrente no plano da experiência. É fato. Fato não se presume. Existe ou não existe. O Direito Penal da Culpa é inconciliável com presunções de fato. Que se recrudesça a sanção quando a vítima é menor ou deficiente mental, tudo bem. Corolário do imperativo da justiça. Não se pode, entretanto, punir alguém por crime não cometido...[11]
Paulo Queiroz defende a relativização da presunção de vulnerabilidade, entendendo incompatível com o Direito tornar a presunção em absoluta, até porque fatos pouco significativos praticados entre adolescentes poderia levar à imposição indevidas de medidas socioeducativas. Concluindo:
E mais, os autores que sustentam o caráter absoluto da vulnerabilidade da vítima menor de 14 anos não raro admitem o caráter relativo dos demais casos, contraditoriamente, uma vez têm o mesmo tratamento legal, razão pela qual devem ser orientados segundo os mesmos princípios e terem uma mesma interpretação sistemática.
Além do mais, a proteção penal não pode ter lugar quando for perfeitamente possível uma autoproteção por parte do próprio indivíduo, sob pena de violação ao princípio de lesividade.
Finalmente, a iniciação sexual na adolescência não é necessariamente nociva, motivo pelo qual a presumida nocividade constitui, em verdade, um preconceito moral.
Assim, ao menos em relação a adolescentes (maiores de doze anos), é razoável admitir-se prova em sentido contrário à previsão legal de vulnerabilidade, de modo a afastar a imputação de crime sempre que se provar que, em razão de maturidade (precoce), o indivíduo de fato não sofreu absolutamente constrangimento ilegal algum, inclusive porque lhe era perfeitamente possível resistir, sem mais, ao ato.[12]
Imagine-se que alguém seja acusado, sem ter praticado conjunção carnal com a suposta vítima. Ela o acusou como tentativa de casar com o mesmo, até porque idealizado pelos pais como a pessoa ideal para ser seu marido.
Até recentemente, nos termos da literalidade do Código Civil, a pessoa menor de 14 anos de idade poderia casar, in verbis:
Art. 1.520. Excepcionalmente, será permitido o casamento de quem ainda não alcançou a idade núbil (art. 1517), para evitar imposição ou cumprimento de pena criminal ou em caso de gravidez.
Poder-se-ia até dizer que o preceito está revogado, mas não plenamente, conforme se vê:
Informei que não se pode mais casar com menor de 14 anos, a fim de elidir a punibilidade criminal, uma vez que foram revogados os incisos VII e VIII do art. 107 do CP. No entanto, o art. 1.520 do CC prevê outra hipótese em que a mulher pode casar com menos de 14 anos, que é a de gravidez. Imagine-se que, após o pai fazer representação criminal e o MP oferecer denúncia, ela se case com o agente e ele a acompanhe por toda gravidez. Ao final, venha a ser condenado. Ela e o filho terão que visitá-lo no presídio. Esse absurdo só pode ser evitado, se reconhecida a subsidiariedade da iniciativa pública.[13]
Uma suposta vítima que não teve relação sexual com um acusado e, quando seria desmascarada sobre defloramento anterior, indicar o nome de pessoa inocente, até em decorrência da Síndrome de Münchhausen por transferência (os pais terem o acusado como a pessoa ideal para casar com ela). Então, tentarem forçar o acusado a “corrigir o problema”, não mais poderia se concretizar “para evitar imposição ou cumprimento de pena criminal”, eis que a Lei n. 11.106, de 28.3.2005, revogou os dispositivos que levavam à extinção da punibilidade pelo casamento da vítima.
A Lei n. 13.811, de 12.3.2019, em defesa da tradicional família brasileira, fez mais do que simplesmente revogar o transcrito art. 1520 do Código Civil, cuidou de proibir o casamento da pessoa menor de 16 anos de idade. Isso é um contrassenso porque uma adolescente maior de 14 anos de idade poderá licitamente ter conjunção carnal com o namorado, mas se engravidar não poderá casar. Veja-se que há uma contradictio in terminis no novel dispositivo, uma vez que ao contrário de valorizar a tradicional família brasileira leva ao oposto, ou seja, leva à adolescente “mãe solteira”.
Em tempos em que a Psicologia vem indicando que a adolescência se estende até os 30 anos de idade,[14] a família de adolescente de 12 anos de idade, mediante evidente ameaça, exigir que o agente se case para não ser processado criminalmente será um absurdo, isso porque os crimes sexuais contra vulneráveis são de ação de iniciativa pública incondicionada e a idade núbil para o casamento será a de 16 anos de idade. Isso será o que se concretizará muitas vezes, especialmente nas regiões Norte e Nordeste do território nacional, o que é insustentável, seja do ponto de vista jurídico ou prático.
O Código Penal da Nação Argentina previa, até o advento da Lei n. 25.087, de 2.5.1999, que a vulnerabilidade se dava em razão da idade inferior a 12 anos. Hoje, a lei dispõe:
Artigo 119. -Será reprimido com reclusão ou prisão de seis (6) meses a quatro (4) anos quem abusar sexualmente de uma pessoa quando essa for inferior a treze (13) anos ou quando por meio de violência, ameaça, abuso coativo ou intimidatório de uma relação de dependência, de autoridade, ou de poder, ou aproveitando-se que a vítima por qualquer causa não seria capaz de concordar livremente com a ação.[15]
Essa nova redação do Código Penal argentino é duramente criticada pela doutrina, sendo oportuna a lição de Arias e Gauna:
Enquanto a idade, chegava antes aos doze anos, e alcança agora as pessoas que não completaram os treze anos, para estabelecer abaixo de quanto o consentimento não será válido. Se se tem em conta que os “doze anos” foram os da versão de 1921, 1968, 1976 e 1984, ademais de que, fundamentalmente, a modificação não parece adequar-se à realidade senão contradizê-la (em 1921, uma pessoa de doze anos tinha o conhecimento e a experiência das questões sexuais que hoje pode ter uma pessoa de nove), não se pode aprovar a modificação.[16]
Nélson Hungria, comentando a redação de 1940, já percebia a relatividade da vulnerabilidade da pessoa menor de 14 anos. Guilherme de Souza Nucci, comentando o julgamento do Habeas Corpus n. 73.662-MG (mencionado anteriormente), demonstrou que aquele tribunal se apresentou dividido, com votos favoráveis à relatividade da presunção de violência dos Min. Marco Aurélio, Francisco Rezek e Maurício Correa; contrários Carlos Velloso e Néri da Silveira. E o autor toma partido expondo:
Partimos do seguinte ponto básico: o legislador, na área penal, continua retrógrado e incapaz de acompanhar as mudanças de comportamento reais na sociedade brasileira, inclusive no campo da definição de criança ou adolescente. Perdemos a oportunidade ímpar para equiparar os conceitos com o Estatuto da Criança e do Adolescente, ou seja, criança é a pessoa menor de 12 anos; adolescente quem é maior de 12 anos. Logo, a idade 14 anos deveria ter sido eliminada desse cenário.[17]
Uma suposta vítima que ingere bebida alcoólica, acostumada ao sexo, não poderá ser considerada vulnerável, especialmente quando apresentar como seu algoz pessoa eleita como ideal para casar pelos pais e pela adolescente para suportar seu desvirginamento precoce.
Alberto Silva Franco, transcrevendo parte do voto que ensejou o aresto do REsp n. 46.424-2/RO, anteriormente transcrito, sustenta que a presunção de violência de então, hoje presunção de vulnerabilidade, é inconstitucional, uma vez que crime é fato e fato se prova.[18] No mesmo sentido, Cezar Roberto Bitencourt, citando aresto do TJDFT, em que foi relator o Desembargador de Justiça Otávio Augusto, sustenta que a presunção é relativa e que a Constituição Federal não recepcionou a presunção juris et de jure.[19]
Evidenciando o quanto estamos distantes da lógica jurídico-criminal hodierna, transcrevemos a tipificação do estupro de vulnerável na legislação espanhola:
Artigo 181.
1. O que, sem violência ou intimidação e sem consentimento médio, realizar atos que atentem contra a liberdade sexual de outra pessoa, será punido como culpado de abuso sexual com a pena de multa de doze a vinte e quatro meses.
2. Em qualquer caso, consideram-se abusos sexuais não consentidos os que são executados:
1º Sobre menores de 12 anos de idade.
2º Sobre as pessoas que se achem privadas de sentido ou abusando de seu transtorno mental.
Nestes casos, será imposta uma sentença de prisão de seis meses a dois anos.
3. quando o consentimento for obtido pelo culpado de uma situação de superioridade que declara que a liberdade da vítima é punida, será imposta uma multa de seis a doze meses.
Veja-se o recrudescimento do rigor advindo com a Lei n. 12.015, de 7.8.2009, evidenciando o quanto estamos na contramão da história jurídico-criminal e, em um país em que um Ministro da Justiça reconhece serem as prisões medievais, em que o cárcere retira a dignidade da pessoa apenada, condenar alguém por crime que não cometeu será uma grande injustiça e, ainda que se caracterize a relação sexual com menor de 14 anos, essencial será verificar se a pessoa é concretamente vulnerável, o que a lei relativamente presume.
Condenar uma pessoa por crime hediondo (Lei n. 8.072, art. 1º, inc. VI), com os rigores do art. 2º da referida lei, será inviabilizar a vida lícita de alguém, especialmente, se for o agente menor de 21 anos de idade. Com efeito, será macular desnecessariamente o nome de alguém, quando a pessoa adolescente tiver praticado atos libidinosos quando, por exemplo, for prostituta infantil.
6. DO PLS N. 618/2015 À LEI N. 13.718/2018
O Projeto de Lei do Senado (PLS) n. 618, protocolado em 16.9.2015, pela Senadora Vanessa Grazziotin, para acrescentar o artigo 225-A ao Código Penal, para prever o aumento de pena em crimes de estupro cometidos por duas ou mais pessoas, que ganhou força pelos tantos casos e notícias sobre estupros coletivos ocorridos no Brasil e que até então não tinha um enquadramento na Lei, conforme expôs a exposição de motivos:
São cada vez mais corriqueiros no Brasil os casos de estupros cometidos por mais de um agente, os chamados “estupros coletivos”. Esse tipo de crime causa extrema repugnância, uma vez que, além da violência física praticada, a própria dignidade da mulher é atingida, causando, na maior parte das vezes, traumas irreversíveis.[20]
O Código Penal brasileiro se rege pelo princípio da legalidade, “não há crime sem lei anterior que o defina, nem há pena sem prévia cominação legal”, seguido pelos juristas criminais. Sem a cominação de pena específica para punir esse tipo de prática, os juízes criminais ficam impedidos de aplicarem uma sanção mais justa e adequada aos agressores. Essa é base do garantismo, que se orienta pelo princípio da legalidade estrita.[21] Por isso, os novos rigores são irretroativos.
Em 1.6.2018, por intermédio do Of. n. 704, o Presidente do Senado Federal, encaminhou o projeto, já ampliado, à Câmara dos Deputados. Subemenda Substitutiva de Plenário (SSP) n. 1, foi apresentada em 7.12.2017, pela Deputada Federal Laura Carneiro, o qual trouxe a redação que foi transformada na Lei n. 13.718/2018,[22] interessando-nos o § 5º do art. 217-A, in literis:
§ 5º As penas previstas no caput e nos §§ 1º, 3º e 4º deste artigo aplicam-se independentemente do consentimento da vítima ou do fato de ela ter mantido relações sexuais anteriormente ao crime.
Sancionada, em 24.9.2018, pelo Excelentíssimo Presidente da República (em exercício) José Antônio Dias Toffoli, e publicada no dia seguinte, com vigência imediata. A lei marca uma desconfiança do legislador nos tribunais. Diante de inúmeros precedentes dos tribunais de justiça que sustentam que a vulnerabilidade é relativa, a lei buscou reforçar a Súmula n. 593 do STJ para evitar a “liberalidade excessiva” dos julgadores.
Já evidenciamos a posição de Cezar Roberto Bitencourt. Ele deixou claro que a Lei n. 12.015/2009 já buscou reduzir a liberalidade dos juízes e, reforçando o que já se expôs, transcrevemos o que o referido autor sustentou em artigo específico sobre o tema:
Dessa forma, impõe-se a conclusão de que a presunção de vulnerabilidade consagrada no novo texto legal, a despeito da dissimulação do legislador, é relativa, recomendando avaliação casuística. No entanto, para realizarmos uma melhor interpretação dessa peculiaridade, recomenda-se ter presente que presunção absoluta ou relativa não se confunde com vulnerabilidade absoluta ou relativa, como demonstraremos adiante.[23]
Na hipótese de adolescente em estado de vulnerabilidade social, o autor propõe que haja desclassificação do crime do art. 217-A para o crime do art. 213 quando o agente se aproveitar do seu estado de vulnerabilidade, arrematando:
Concluindo, estamos sustentando, enfim, a possibilidade de desclassificar o crime de estupro de vulnerável para o crime de estupro tradicional (art. 213), pelo constrangimento à prática sexual, mediante violência (ainda que implícita), quando se tratar de menor corrompida, prostituída, abandonada ou carente (vulnerabilidade social), pois, na nossa concepção, praticar sexo com menor, nessas circunstâncias, importa, inegavelmente, constrangê-la, aproveitando-se dessa circunstância — vulnerabilidade social — que a impede de resistir. Logicamente, é indispensável que o sujeito ativo tenha consciência dessa situação devulnerabilidade social da pretensa vítima.[24]
A favor da relatividade da vulnerabilidade da pessoa menor de 14 anos, Leonardo Gominho expõe:
A tutela protetiva se tornou ultrapassada e insuficiente para garantir a plena dignidade sexual das crianças e adolescentes. A dissonância entre o dispositivo trazido pela Lei Federal n. 12.015/2009, o Estatuto da Criança e do Adolescente e as realidades sociais do mundo globalizado só corroboram o entendimento de que é necessária uma evolução legislativa e jurisprudencial, no sentido de acolher a relativização da presunção de vulnerabilidade como norte para uma melhor interpretação jurídica e compreensão dos fatos sociais.[25]
Vê-se que o tratamento diferenciado de criança e adolescente é um marco comum. É necessário interpretar o caput do art. 217-A do Código Penal em harmonia com o seu § 1º, a fim de estabelecer que só é vulnerável o menor de 14 anos que não tem discernimento ou não pode resistir, não tendo vontade livre.
Não se pode olvidar a repulsa jurídica à responsabilidade objetiva em matéria criminal. Nesse sentido:
Dessa forma, considerar como absoluta a vulnerabilidade do menor de catorze anos significa responsabilizar criminalmente todo sujeito que com ele mantiver contato sexual, independentemente da existência de dolo ou culpa, infringindo, assim, o princípio da nullum crimen sine culpa (não há crime sem culpa).
Portanto, restaria configurada uma situação de responsabilidade penal objetiva, a qual é refutada pelo ordenamento jurídico brasileiro, ante a adoção do princípio da culpabilidade.[26]
Esse fundamento já foi mencionado quando se mencionou o julgamento do Superior de Justiça, no qual o Min. Cernicchiaro declarou que toda presunção absoluta produz responsabilidade objetiva em matéria criminal, o que é inconstitucional.
7. À GUISA DE CONCLUSÃO
Fizemos a pesquisa com uma única hipótese, construída no sentido de evidenciar ser a vulnerabilidade da pessoa adolescente relativa. E, tentando demonstrar a nossa hipótese passamos pela evolução legislativa do estupro no Código Penal, até chegarmos à Súmula n. 593 do Superior Tribunal de Justiça, reforçada pelo art. 5º do art. 217-A do Código Penal.
Procuramos dizer que, embora pareça estabelecer presunção absoluta de vulnerabilidade, o Código Penal não poderia formular proposta nesse sentido, senão seriam inconstitucionais, conforme decidiu o saudoso Ministro Luiz Vicente Cernichiaro.
Os movimentos de lei e ordem que inspiram a construção de leis criminais mais severas não encontram sólidas bases jurídicas, os quais têm sido utilizados para eleger candidatos que reforçam suas campanhas eleitorais com o discurso do medo, em que o povo, sentindo-se inseguro, busca amparo naqueles que propõem o recrudescimento jurídico-criminal como se isso, por se só, fosse suficiente para resolver os complexos da criminalidade. Daí dizermos, que caminhamos na contramão da história e estabelecemos norma no Código Civil (art. 1.520) que contraria a pretensão de valorizar a tradicional família brasileira.
É evidente a tentativa legislativa de evitar a evolução da jurisprudência e da doutrina, construída no sentido de que a presunção de violência da redação anterior era relativa. No entanto, tal recrudescimento jurídico-criminal não poderá prevalecer porque a tentativa gera inconstitucionalidade.
Após evidenciarmos a evolução da proposta que resultou na Lei n. 13.718/2018, entendemos que leis menos rigorosas como são as da Argentina e da Espanha, não fomentam o estupro de vulnerável e que a criança deverá ser tratada diversamente da pessoa adolescente, a fim de verificar que a presunção da adolescente é relativa (juris tantum).
REFERÊNCIAS:
ARIAS, Omar Breglia; GAUNA, Omar R. Código penal y leyes complementarias: comentado, anotado e concordado. Buenos Aires: Astrea, 2007. v. 1.
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte especial. São Paulo: Saraiva, 2004. v. 4.
______. Crime de estupro: o conceito de vulnerabilidade e a violência implícita. Consultor Jurídico. 19.6.2012. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2012-jun-19/cezar-bitencourt-conceito-vulnerabilidade-violencia-implicita>. Acesso em: 15.11.2018, às 17h26.
BRASIL. Câmara dos Deputados. CARNEIRO, Laura. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1630261&filename=Tramitacao-SSP+1+%3D%3E+PL+5452/2016>. Acesso em: 15.11.2018, às 16h22.
BRASIL. Senado Federal. GRAZZIOTIN, Vanessa. Projeto de Lei do Senado n. 618, de 2015. Disponível em: <https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=4777125&ts=1539781702041&disposition=inline>. Acesso em 15.11.2018, às 15h45.
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[1] Professor Me. do UDF – Centro Universitario do Distrito Federal
[2] O processo, por força de lei, é sigiloso. Daí, não o citar. Mas, o assunto teve relevância institucional, com manifestação de Ministra de Estado. Veja-se: EM.COM.BR: <https://www.em.com.br/app/noticia/politica/2012/03/28/interna_politica,286019/para-ministra-decisao-do-stj-sobre-estupro-de-vulneraveis-significa-caminho-de-impunidade.shtml>. Acesso em: 21.2.2019, às 23h40.
[3] BRASIL. STF. 2ª Turma. Min. Marco Aurélio. Julgamento, 11.6.1996. Voto, p. 6. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=74663>. Acesso em: 29.3.2019, às 1h03.
[4] RODRIGUES, Joelma; MENDONÇA, Patrícia M. A menina, o encanador e o Ministro Marco Aurélio. Cultura do Estupro, 8.4.2013. Disponível em: <http://culturadoestupro.blogspot.com/2013/04/a-menina-o-encanador-e-o-ministro-marco.html>. Acesso em: 29.3.2019, às 1h19.
[5] BRASIL. STF. 2ª Turma. Min. Marco Aurélio. Julgamento, 11.6.1996. Disponível em: <http://stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28HC%24%2ESCLA%2E+E+73662%2ENUME%2E%29+OU+%28HC%2EACMS%2E+ADJ2+73662%2EACMS%2E%29&base=baseAcordaos&url=http://tinyurl.com/bmvqar8>. Acesso em: 29.3.2019, às 1h33.
[6] [6] BRASIL. STF. Tribunal Pleno. Rel. p/ acórdão Min. Joaquim Barbosa, 9.2.2006. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=412578>. Acesso em: 29.3.2019, às 2h.
[7] HUNGRIA, Nélson; LACERDA, Romão Côrtes. Comentários ao código penal. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1959. v. VIII, p. 239-240.
[8] NORONHA, Edgard de. Direito penal. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 1973-1974. v. 3, p. 219.
[9] BRASIL. STJ. 3ª Seção. Min. Maria Tereza de -Assis Moura. Disponível em: <https://www.direitonet.com.br/noticias/exibir/13814/Presuncao-de-violencia-contra-menor-de-14-anos-em-estupro-e-relativa>. Acesso em: 13.11.2018, aos 43 min.
[10] BRASIL. STF. 2ª Turma. Min. Décio Miranda. 28.12.1978. Disponível em: <http://stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28HC%24%2ESCLA%2E+E+56684%2ENUME%2E%29+OU+%28HC%2EACMS%2E+ADJ2+56684%2EACMS%2E%29&base=baseAcordaos&url=http://tinyurl.com/yafv9zlj>. Acesso em: 13.11.2018, às 2h17.
[11] BRASIL. STJ. 6ª Turma. REsp n. 46.424-2/RO. Min. Luiz Vicente Cernicchiaro. ?Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/processo/pesquisa/?termo=RESP+46424&aplicacao=processos.ea&tipoPesquisa=tipoPesquisaGenerica&chkordem=DESC&chkMorto=MORTO>. Acesso em: 13.11.2018, às 2h47 (grifo nosso).
[12] QUEIROZ, Paulo. O art. 217-A, caput, do Código Penal define como estupro de vulnerável “ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze)anos”. Disponível em: <http://www.pauloqueiroz.net/estupro-de-vulneravel/>. Acesso em: 13.11.2018, às 2h08.
[13] MESQUITA JÚNIOR, Sidio Rosa de. Prescrição penal. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 39-40.
[14] RELVAS, Marta. Para a neurobiologia, somos adolescentes até chegar aos 30 anos. Disponível em: <https://www.vyaestelar.com.br/post/9804/para-a-neurobiologia-somos-adolescentes-ate-chegar-aos-30-anos>. Acesso em: 15.11.2018, às 15h33.
[15] No original:
ARTICULO 119. - Será reprimido con reclusión o prisión de seis (6) meses a cuatro (4) años el que abusare sexualmente de una persona cuando ésta fuera menor de trece (13) años o cuando mediare violencia, amenaza, abuso coactivo o intimidatorio de una relación de dependencia, de autoridad, o de poder, o aprovechándose de que la víctima por cualquier causa no haya podido consentir libremente la acción.
[16] ARIAS, Omar Breglia; GAUNA, Omar R. Código penal y leyes complementarias: comentado, anotado e concordado. Buenos Aires: Astrea, 2007. v. 1, p. 1041 (tradução livre).
[17] NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal comentado. 13. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 990 (grifo nosso).
[18] FRANCO, Alberto Silva et al. Código penal e sua interpretação jurisprudencial. 6. ed. São Paulo: Revista dos tribunais, 1997. v. 1, t. 2, p. 3022-3023.
[19] BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte especial. São Paulo: Saraiva, 2004. v. 4, p. 69.
[20] BRASIL. Senado Federal. GRAZZIOTIN, Vanessa. Projeto de Lei do Senado n. 618, de 2015. Disponível em: <https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=4777125&ts=1539781702041&disposition=inline>. Acesso em 15.11.2018, às 15h45.
[21] Acerca do garantismo, Sidio Júnior afirma:
Inicialmente, a palavra garantismo, no contexto da obra em comento, seria um "modelo normativo de direito". Tal modelo normativo se estrutura a partir do princípio da legalidade, que é a base do Estado de Direito. Tal forma normativa de direito é verificada em três aspectos distintos, mas relacionados. Sob o prisma epistemológico, pressupõe um sistema de poder que possa, reduzir o grau de violência e soerguer a ideia de liberdade – não apenas no âmbito penal, mas em todo o direito. (MESQUITA JÚNIOR, Sidio Rosa de. Garantismo uma sólida construção doutrinária. Teresina: Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, ano 14, n. 2345, 2.12.2009. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/13947>. Acesso em 15.11.2018, às 16h04).
[22] BRASIL. Câmara dos Deputados. CARNEIRO, Laura. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1630261&filename=Tramitacao-SSP+1+%3D%3E+PL+5452/2016>. Acesso em: 15.11.2018, às 16h22.
[23] BITENCOURT, Cezar Roberto. Crime de estupro: o conceito de vulnerabilidade e a violência implícita. Consultor Jurídico. 19.6.2012. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2012-jun-19/cezar-bitencourt-conceito-vulnerabilidade-violencia-implicita>. Acesso em: 15.11.2018, às 17h26.
[24] Ibidem.
[25] GOMINHO, Leonardo. A relatividade da presunção de vulnerabilidade dos adolescentes como forma de adequação social. Jusbrasil. 25.8.2016. Disponível em: <https://ferrazbar.jusbrasil.com.br/artigos/377212021/a-relativizacao-da-presuncao-de-vulnerabilidade-dos-adolescentes-como-forma-de-adequacao-social>. Acesso em: 15.11.2018, às 17h43.
[26] GOULART, Jordana Pereira Lopes. A relativização da vulnerabilidade no crime de estupro de menor de catorze anos. Brasília: Conteúdo Jurídico, 20.12.2017. Disponível em: <https://conteudojuridico.com.br/artigo,a-relativizacao-da-vulnerabilidade-no-crime-de-estupro-do-menor-de-catorze-anos,590157.html>. Acesso em: 15.11.2018, às 17h59.
Procurador Federal; Concluiu o Curso de Formação de Oficiais (APMG) e Graduou-se em Direito (UniCEUB); Especialista em Direito Penal e Criminologia (UniCEUB); e em Metodologia do Ensino Superior (UniCEUB); Mestre (UFPE) e Doutor em Direito (UNZL); Professor, Procurador Federal e Advogado; Autor dos livros "Prescrição Penal", "Execução Criminal: Teoria e Prática" e "Comentários à Lei Antidrogas: Lei n. 11.343, de 23.8.2006" (Editora Atlas); e de vários artigos jurídicos.
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