RESUMO: O artigo tem como objetivo estudar a influência da Constituição espanhola de Cádis no constitucionalismo latino-americano, bem como os seus impactos e influências no surgimento das liberdades e dos direitos civis. Ademais, pretende demonstrar a sua forte contribuição na elaboração da primeira Constituição brasileira, a Constituição de 1824.
PALAVRAS-CHAVES: Constituição de Cádis. Impactos. Constituição de 1824.
SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO. 2. OS IMPACTOS DA CONSTITUIÇÃO DE CÁDIS NA PRIMEIRA CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA. 3. CONCLUSÃO. 4. REFERÊNCIAS.
1. INTRODUÇÃO
O artigo em voga não pretende realizar uma extensa e exaustiva análise sobre a Constituição de Cádis e sua influência no continente americano, mas apenas uma reflexão de sua importância.
Tal Carta Magna pode ser considerada o símbolo da liberdade, haja vista que nenhuma outra constituição latino-americana teve tamanha repercussão. Não foi, contudo, um ato revolucionário, tendo em vista que não foi resultado de revoltas ou mesmo conflitos armados, mas sim, resultado de discussões e debates.
Também conhecida como La Pepa, a então Constituição espanhola foi a primeira carta constitucional aprovada na península ibérica. Vigorou de 1812 a 1814, sendo retomada mais duas vezes nos anos que se seguiram. Apesar da curta duração, exerceu forte influência na formação, crescimento e consolidação do constitucionalismo espanhol, português e de países latino-americanos e ainda se perpetua nas sucessivas constituições.
2. OS IMPACTOS DA CONSTITUIÇÃO DE CÁDIS NA PRIMEIRA CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA
A Constituição de Cádis surgiu em um momento de profundas mudanças sociais, como o movimento iluminista e as guerras e invasões napoleônicas.
Finda a invasão francesa, a Espanha poderia seguir dois caminhos para sua reestruturação: o primeiro seria adotar a antiga monarquia absoluta, e o segundo seria um caminho mais liberal, com a promulgação de uma Constituição. Preferiu-se, então, a segunda opção, convocando-se as Cortes Gerais e Extraordinárias para elaboração de uma nova Carta de influência liberal, iluminista e racional. De acordo com José Filomeno de Moraes Filhos:
Tais Cortes Generales y Extraordinariais, de logo, trouxeram à luz as linhas gerais em que se desenvolveriam os trabalhos constituintes, a saber, a soberania nacional, a legitimidade dinástica do rei Fernando VII, a separação de poderes, a inviolabilidade parlamentar, entre outras.
A partir das linhas gerais traçadas por tais Cortes, percebe-se seu caráter evolucionista, uma vez que trazia ideias muito avançadas para uma época em que a monarquia absolutista com todas as suas características retrógradas predominava no continente europeu.
Quanto a questão da afirmação da soberania da nação afirmada em seu texto, fez com que fosse considerada por alguns estudiosos do assunto como a matriz forjadora das nacionalidades, influenciando, desta forma, o mundo ibérico.
A então Constituição espanhola põe fim às bases em que se sustentavam o absolutismo. Aboliu-se a Inquisição, as instituições senhoriais, estabeleceram-se limites aos poderes do rei, incorporaram-se as colônias à Espanha, isto é, elas passaram a constituir o território espanhol, possuindo representação nas Cortes, eliminaram-se os tributos pagos pelas comunidades indígenas e o trabalho forçado. Tudo isto permitiu a criação de um Estado unitário, em que todos deveriam ser tratados com igualdade. Como bem ilustra o trecho retirado do preâmbulo da supramencionada Constituição:
Las Cortes generales y extraordinarias de la Nácion española, bien convencidas, después del más detenido examen y madura deliberación, de que las antiguas leyes fundamentales de esta Monarquía, acompañadas de las oportunas providencias y precauciones, que aseguren de un modo estable y permanente su entero cumplimiento, podrán llenar debidamente el grande objeto de promover la gloria, la prosperidad y el bien de toda la Nación, decretan la seguiente Constitución política para el buen gobierno y recta administración del Estado.
Devido à participação de deputados da colônia nas discussões para a sua elaboração e ainda por considerar membro da nação espanhola os habitantes da colônia e da metrópole, a Constituição de Cádis tomou contornos ainda mais liberais para os habitantes da América espanhola. Permitiu, ademais, a descentralização através da criação dos chamados “ayuntamientos” para regiões em que contivessem um número de habitantes superior a mil.
Tal Constituição também influenciou diretamente em conjunto com a Declaração francesa dos Direitos do Homem do Cidadão do processo de criação e desenvolvimento do constitucionalismo português e brasileiro.
Devido à complexidade dos assuntos debatidos na elaboração da primeira Constituição Portuguesa e a urgência para criação da mesma, criaram-se as Bases da Constituição com o objetivo de estabelecer algum documento a que o rei pudesse jurar e se submeter. Tais Bases foram quase uma cópia da Carta espanhola.
O problema é que a Constituição de Cádis, para o desagrado da burguesia portuguesa que via no Brasil uma fonte de lucro, era bastante liberal para época, na medida em que permita a participação de representantes da colônia, além de permitir uma maior autonomia política e administrativa aos habitantes do “Novo Mundo”. Daí surge as tensões que contribuíram de maneira direta e decisiva na declaração de independência do povo brasileiro.
Declarada a independência do Brasil, fortemente influenciados pela Revolução Liberal do Porto, logo se convocou a Assembleia Constituinte, e novamente começam as discussões a respeito do caráter que a nova Constituição iria assumir. Pedro I, como imperador brasileiro, fez questão de expressar seu repúdio a Constituição espanhola de 1812, declarando-a inexequível, por medo dos impactos que ela poderia provocar.
A Constituição de Cádis também pode ser vista como uma Constituição republicana, pois não apresenta compatibilidade com as ideias monárquicas, além de poder ser considerada como uma verdadeira Constituição democrática em diversos aspectos. (BERBEL, 2008). Sendo este um motivo bastante claro para aversão do imperador brasileiro.
Apesar de considerada a carta inaugural do liberalismo espanhol, este documento transcendental consiste em uma complexa elaboração filosófica, devendo ser lida cuidadosamente. Cádis desde suas preliminares, influenciada pelo período conturbado em que estava inserida, apresenta uma forte tensão e contradição em seu conteúdo. (RESTREPO, 2011).
A supracitada constituição foi responsável, não por uma distribuição do poder e da riqueza espanhola e dos países a que influenciou ao por fim as bases em que se sustentavam a monarquia absolutista, mas pela manutenção da nova protagonista, a insurgente e poderosa burguesia. Infelizmente, tal situação ainda pode ser verificada até os dias atuais em todos os países latino-americanos.
Lamentavelmente, a Constituição de Cádis e os seus respectivos impactos não são muito estudados pelos nossos doutrinadores, pesquisadores e alunos, sendo grandes as lacunas a cerca do assunto.
3. CONCLUSÃO
Não resta dúvida os impactos positivos da Constituição de Cádis na América Latina. Contribuiu de maneira direta e decisiva no processo de independência e consolidação do constitucionalismo nestes países, com seu texto de caráter liberal e evolucionista. Foi uma das grandes responsáveis pela transformação nos países do Novo Mundo, criando um laboratório de experimentalismo de modelos constitucionais.
Seu impacto, contudo, foi bastante paradoxal. Ao mesmo tempo em que foi importante para libertação das explorações das metrópoles, isto é, Espanha e Portugal, nas suas colônias e do nascimento do constitucionalismo latino-americano, contribuindo para uma ruptura histórica, política e econômica, permitiu a continuidade de um modelo estratégico de exclusão jurídica, ou seja, a estrutura social em que se encontravam os diversos países pouco se modificou.
4. REFERÊNCIAS
BERBEL, Márcia Regina. A Constituição Espanhola no mundo Luso-americano. Revista de Indias, v. 73, n. 242, p.225-254, 2008. Anual.
BONAVIDES, Paulo. A evolução constitucional do Brasil. Estudos Avançados, São Paulo, vol.14, n.40, set- dez. 2000.
GARCÍA, Antonio Fernández. Presentación del Dossier <<La Constitución de Cádiz>>. Revista Cuadernos de Historia Contemporánea, Madrid, p.19-21, 2002. Anual.
MÄDER, Maria Elisa Noronha de Sá. Revoluções de Independência na América Hispânica: uma reflexão historiográfica. Revista de História, São Paulo, n. 159, dez. 2008. Semestral.
MORAES, Filomeno. A Constituição de Cádis e as primeiras manifestações do Poder Constituinte no Brasil: notas para uma pesquisa. Revista Latino-americana de Estudos Constitucionais, n. 13. Anual.
RAMOS, Luís A. de Oliveira. A Espanha e o advento do Liberalismo em Portugal: Antes e depois de Cádiz. Península: Revista de Estudos Ibéricos, Porto, no0, p. 413-419. 2003.
RESTREPO, Ricardo Sanín. A Constituição de Cadiz ou a antimatéria da democracia latino-americana. Revista NEJ Eletrônica, vol.16, n.3, p.305-315, set-dez. 2011.
Advogada, Bacharel em Direito pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BEZERRA, Joana Nogueira. Impactos transcendentais da Constituição de Cádis na América Latina Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 26 fev 2020, 04:12. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/54263/impactos-transcendentais-da-constituio-de-ca-dis-na-ame-rica-latina. Acesso em: 22 nov 2024.
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