RESUMO: O presente estudo visa analisar a efetividade do mandado de injunção na concretização dos direitos fundamentais, diante da inércia do Poder Legislativo em regulamentar seu exercício, apresentando a evolução jurisprudencial ocorrida na Suprema Corte para assegurar o exercício de direitos constitucionalmente consagrados.
PALAVRAS-CHAVE: mandado de injunção, direitos fundamentais, omissões constitucionais, inércia legislativa
SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO. 2. O MANDADO DE INJUNÇÃO COMO INSTRUMENTO CONCRETIZADOR DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS. 2.1. A TUTELA JURISDICIONAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS. 2.2. O MANDADO DE INJUNÇÃO. 3. CONSIDERAÇÕES FINAIS. 4. REFERÊNCIAS.
A celeuma da omissão de regulamentação de direitos relacionados à nacionalidade, soberania e cidadania é um tema extremamente complexo que vem ensejando inúmeros debates acerca de suas implicações na jurisdição constitucional brasileira.
Nessa senda, pretende-se abordar a temática do Mandado de Injunção, no contexto do Estado Democrático de Direito, demonstrando a evolução na aplicabilidade do instituto para supressão de lacunas normativas em normas de eficácia limitada.
Visando sanar referida síndrome da inefetividade das normas constitucionais, a Lei n. 13.300/16 disciplinou o mandado de injunção individual e coletivo, nos termos do inciso LXXI do art. 5.º da Constituição Federal. Sedimentou-se, a partir de então, posições relevantes para o uso da ação constitucional como instrumento de viabilização dos direitos fundamentais previstos na Lei Maior.
A relevância do tema é inegável, especialmente por causa dos diários entraves postos à efetividade das normas programáticas relacionadas a direitos e garantias fundamentais.
2. O MANDADO DE INJUNÇÃO COMO INSTRUMENTO CONCRETIZADOR DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
2.1. A TUTELA JURISDICIONAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
À luz das transformações promovidas com o advento do Neoconstitucionalismo, implementou-se um modelo de reconhecimento da força normativa da Constituição Federal de 1988, sujeitando o no ordenamento jurídico pátrio a uma releitura constitucional para garantir a efetividade dos valores de cunho social e político emanados pela Lei Maior.
A conjuntura do Estado Democrático de Direito implementado com a Carta Magna representou, portanto, mudanças na efetivação dos direitos fundamentais, tendo o legislador originário estabelecido a aplicação direta e imediata, na extensão máxima de sua densidade normativa, das normas constitucionais.
Como o ordenamento jurídico passa a ser visto à luz da Constituição, e esta tem eficácia normativa através de seus princípios e regras, a jurisdição constitucional brasileira, que já era ampla em virtude do modelo híbrido de controle de constitucionalidade, fica ainda mais sobrecarregada, potencializando a judicialização das relações sociais e ensejando fortes conflitos institucionais. Tal fato ainda é fomentado pelo caráter analítico e dirigente da Carta Magna, pelas inúmeras técnicas de interpretação judicial, e pelos conceitos indeterminados, fazendo com que muitas questões polêmicas e moralmente complexas sejam levadas ao Judiciário. (DOUGLAS, ARAÚJO E CHAVES, 2016, p. 35-36)
Superou-se, nesse cenário, o clássico modelo liberal de Estado e de Estado Social de Direito, promovendo-se não apenas as liberdades e igualdades individuais mas também os direitos transindividuais relativos à coletividade.
Com efeito, os direitos fundamentais, subdivididos em dimensões por Karel Vasak e Paulo Bonavides, incorporaram-se aos preceitos constitucionais, promovendo uma universalização no sistema, com o resgate da dignidade como valor inerente à condição humana e centro orientativo de direitos.
Insta mencionar que os direitos indispensáveis à pessoa humana, reconhecidos e incorporados ao direito positivo, classificados como de primeira dimensão, são àqueles relacionados aos direitos civis e políticos conquistados pela humanidade, ligados à luta pela liberdade e segurança diante do Estado. Por essa razão, manifestam-se como direitos de defesa, com status negativo, que buscam proteger a liberdade do indivíduo frente à atuação arbitrária do Estado.
Por sua vez, os direitos de segunda dimensão representam os direitos sociais, econômicos e culturais, de cunho positivo, que exigem prestações positivas do Estado, demandando a intervenção estatal para a garantia de bens e direitos essenciais à sobrevivência digna, promovendo a justiça e o bem-estar social.
Ademais, os direitos de terceira dimensão destinam-se à proteção do homem em coletividade social, sendo de titularidade difusa ou coletiva, transcendendo o indivíduo isoladamente considerado.
Nesse caminhar, a ideia de um efeito expansivo das normas constitucionais, cujo conteúdo material e axiológico se irradia, com força normativa por todo sistema jurídico, exprime a imperatividade e obrigatoriedade imediata da efetivação do gozo desses direitos fundamentais, segundo preceitua o art. 5.º, § 1.º, da CF.
Verifica-se, portanto, que, a partir do disposto no art. 5.º, § 1.º, da CF, é possível sustentar a existência – ao lado de um dever de aplicação imediata – de um dever, por parte dos órgãos estatais (mas com ênfase nos órgãos jurisdicionais, a que incumbe inclusive a revisão dos atos dos demais entes estatais nos casos de violação da Constituição), de atribuição da máxima eficácia e efetividade possível às normas de direitos fundamentais. (SARLET; MARINONI e MITIDIERO, 2018, p. 388)
Dada a multifuncionalidade dos direitos fundamentais bem como os caracteres heterogêneos das normas a eles relacionadas, resta cediço o fato de que nem todos os dispositivos constitucionais possuem a mesma eficácia jurídica. Destarte, observou-se na realidade social subjacente a falta de efetividade das normas programáticas de eficácia limitada.
Sem prejuízo do tratamento dado à efetividade das normas constitucionais, certo é que o princípio da dignidade da pessoa humana tornou-se o vetor axiológico que rege o ordenamento jurídico pátrio, inadmitindo que a proteção e fruição dos direitos fundamentais fiquem condicionados à uma interposição legislativa, ainda que se cuide de direito associado a uma norma programática de eficácia limitada, dado o princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional.
A possibilidade de efetivação de direitos constitucionalmente previstos através do Poder Judiciário decorre, conforme visto, não só da força normativa da Constituição, mas também da inafastabilidade do controle jurisdicional (art. 5o , XXXV), posto que ele não age de ofício, mas sim provocado. Deve o juiz se valer da teoria geral do Direito (art. 4o da LINDB), não podendo se eximir de julgar, colmatando a lacuna no caso de omissão. Se considerarmos que a Constituição resguarda direitos fundamentais, e cabe ao Judiciário a sua guarda, cabe também a ele o dever de concretizá-los, sobretudo quando há inércia do Executivo e do Legislativo (DOUGLAS, ARAÚJO E CHAVES, 2016, p. 39)
Sob esse prisma, o processo constitucional, marcado pela construção do Estado Democrático de Direito, passou a ser compreendido, portanto, como uma metodologia normativa de garantia dos direitos fundamentais. A partir dessa visão, acentuou-se uma tendência de constitucionalização do ordenamento jurídico, acarretando uma aproximação entre o processo e a Constituição para efetividade das normas positivadas na Lei Maior, mormente quando vinculadas à preceitos de eficácia limitada.
A intenção da doutrina da efetividade é assegurar, na prática, que nas hipóteses em que a Constituição tenha assegurado direitos subjetivos, como por exemplo, direitos sociais, políticos, individuais ou difusos, eles podem ser exigidos diretamente do Poder Público ou de particular. Em outras palavras, a plena eficácia da Constituição passa a ser realizada, também, pelo Poder Judiciário (DOUGLAS, ARAÚJO E CHAVES, p. 37)
Assim, essa visão do processo no Estado Constitucional que almeja o comprometimento com o Estado Democrático, com a tutela jurisdicional e com um Poder Judiciário eficiente, permite que a Constituição que, até então, possuía a função tradicional de limitação do poder e organização da estrutura de governo, passasse a assumir um novo papel ao submeter todo o ordenamento jurídico a uma filtragem constitucional, consagrando os valores nela imanentes, com eficácia imediata e independente.
[...] o direito processual constitucional tem por desiderato evitar e proteger os ataques aos direitos consagrados no texto constitucional. Assim, os institutos de direito processual constitucional configuram-se no Estado de Direito como um importante instrumento para a preservação e garantia das liberdades públicas. O direito processual constitucional regula a jurisdição constitucional, que é a própria garantia da Constituição. A jurisdição constitucional é um meio de controle. É um instrumento de controle político, visto que sua existência contribui para o aprimoramento da democracia. O desenvolvimento da democracia alia-se à ideia de controle. (SIQUEIRA JÚNIOR, 2017, p. 30-31)
A coerência substancial, com base na supremacia da força normativa da Lei Maior, há de ser vista como objetivo fundamental, de modo que a expansão da jurisdição constitucional, por meio do controle de constitucionalidade difuso e concentrado, possibilite a efetiva cooperação das partes no procedimento e na formação da decisão a fim de que seja desenvolvida uma norma hermenêutica constitucional à luz da garantia dos direitos fundamentais.
Nesse ínterim, a constituição Federal de 1988, seguindo a tendência dos documentos constitucionais do segundo pós-guerra, regulamentou relevantes instrumentos republicanos que objetivam garantir o respeito a direitos fundamentais ou a regras de organização do poder do Estado, efetivando os preceitos emanados pelo constituinte originário.
Sob esse prisma, o processo tem que ser construído para bem tutelar os direitos fundamentais (relação entre processo e a acepção subjetiva dos direitos fundamentais) e tem de ser estruturado de acordo com as normas de direitos fundamentais (relação entre processo e a acepção objetiva dos direitos fundamentais). É nesse cenário, que se apresentam os instrumentos constitucionais que se destinam a assegurar as normas de garantia da cidadania, seja por meio de processos subjetivos ou objetivos.
Nesse azo, a dimensão objetiva do processo constitucional aduz que a pretensão é deduzida em juízo mediante um controle de constitucionalidade concentrado e abstrato, de modo a verificar a compatibilidade e adequação entre a indigitada lei e a Constituição. Por se tratar de um processo de índole objetiva, onde não existem partes formais, mas sim legitimados restritos, a finalidade principal é proteger a ordem constitucional objetiva, cujo Supremo Tribunal Federal é seu guardião, e, portanto, competente para julgá-lo. Cabe à Suprema Corte, por consequência, assegurar a supremacia constitucional, ficando o controle apenas na análise em tese da lei, sem aplicação dessa decisão ao caso concreto, mas com efeito vinculante e eficácia “erga omnes”.
Por sua vez, na dimensão subjetiva são levados à análise do judiciário direitos subjetivos, que atribuem posições jurídicas de vantagem a seus titulares. Trata-se de um controle difuso, incidental ou concreto de constitucionalidade, exercido por qualquer magistrado. A finalidade principal do controle concreto é assegurar direitos subjetivos, estando legitimado qualquer indivíduo que tiver seu direito violado. Assim, o processo constitucional materializa remédios como o habeas corpus, o habeas data, a ação popular, o mandado de segurança e o mandado de injunção. São instrumentos que visam a realização dos direitos, ameaçados ou violados, que têm cada um dos jurisdicionados, de modo a se harmonizar com as garantias constitucionais de um Estado Democrático de Direito.
Acerca dos writs constitucionais, elucida Siqueira Júnior:
Para assegurar os direitos e as garantias constitucionais está à disposição do cidadão o que a doutrina denomina remédio constitucional, que é o instrumento de natureza processual. Assim, não se pode confundir remédio constitucional, que são medidas ou processos especiais elencados na Constituição, com garantias, que buscam prevenir e não corrigir violações dos direitos fundamentais. As garantias são obstáculos erguidos para proteção dos direitos, consistindo assim nas prescrições que vedam determinadas ações que violariam o direito consagrado na Magna Carta. Os writs constitucionais são verdadeiros remédios constitucionais na medida em que têm a finalidade de impedir ou invalidar os efeitos de ato contrário à Constituição; é o verdadeiro remédio contra a irregularidade constitucional. (SIQUEIRA JÚNIOR, 2017, p. 647-648)
O instrumento constitucional subjetivo utilizado para combater a inércia legislativa, quando dessa conduta omissiva houver a inviabilização dos direitos e liberdades consagrados na Constituição, é o mandado de injunção. Com isso em mente, Pedro Lenza (2015, p. 1252) aduz que esse mecanismo visa sanar a síndrome da inefetividade das normas constitucionais, garantindo o pleno exercício dos direitos constitucionais.
Acerca da diferença entre o instituto do mandado de injunção e da ação direta de inconstitucionalidade por omissão colaciona-se o seguinte entendimento doutrinário:
A norma institui evidente relação de causalidade entre a falta ou insuficiência de lei (v. art. 2.º da Lei 13.300/2016) e o exercício de direito. Assim, o mandado de injunção objetiva dar tutela a um direito subjetivo, constituindo mecanismo que permite a fiscalização concreta da inconstitucionalidade por omissão. Enquanto isso – como será mais bem explicado no próximo capítulo –, a ação direta de inconstitucionalidade é instrumento de tutela do direito objetivo, em que há fiscalização abstrata da inconstitucionalidade por omissão. Basicamente, a diferença entre um e outro está em que no mandado de injunção há tutela do direito carente da atuação do legislador e, na ação direta, há tutela em abstrato da norma constitucional, atacando-se a inconstitucionalidade em tese. (SARLET; MARINONI e MITIDIERO, 2018, p. 1295).
Sob essa perspectiva, o Poder Judiciário adota uma postura ativista, visando sanar a inércia desarrazoada do legislador, de modo a efetivar os direitos fundamentais, sem que se configure violação ao princípio da separação dos poderes.
Considerando que a Constituição Federal de 1988 realizou uma inovação no ordenamento jurídico pátrio ao prever o mandado de injunção para a garantia da efetividade dos direitos fundamentais, passou-se a conferir-lhe o status de cláusula pétrea (art. 60, §4º, I, CF) no fortalecimento da jurisdição constitucional. Assim, estabeleceu o constituinte originário ser possível a concessão de “mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania” (art. 5.º, LXXI, da CF).
Com efeito, diante do silêncio legislativo na efetivação de normas constitucionais de eficácia limitada, o mandado de injunção é considerado um instrumento de combate do engessamento do legislador na publicação de normas que assegurem o caráter cogente e vinculante das disposições constitucionais.
Criado pelo legislador constituinte brasileiro e consagrado pela primeira vez na Constituição de 1988, o mandado de injunção consiste em uma garantia constitucional autoaplicável a ser utilizada quando a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania (CF, art. 5.°, LXXI). Trata-se de uma ação de controle incidental de constitucionalidade, na qual a pretensão é deduzida em juízo por meio de um processo constitucional subjetivo destinado a assegurar o exercício de direitos subjetivos. (NOVELINO e CUNHA JÚNIOR, 2018, p. 1927-1928)
Infere-se, dessa forma, tratar-se de uma ação constitucional de natureza civil e de procedimento especial que objetiva tutelar um direito subjetivo quando demonstrada uma relação de causalidade entre a ausência ou insuficiência da lei e o exercício de determinado direito.
Disciplinando a temática, a Lei n. 13.300/16 estabeleceu os preceitos necessários ao processo e julgamento do mandado de injunção individual e coletivo.
Dentre os pressupostos necessários para sua concessão, o primeiro refere-se à existência de uma norma constitucional de eficácia limitada, que assegure direitos, liberdades constitucionais e prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania, atendendo aos requisitos do art. 5º, LXXI, CF. Tendo isso em foco, inadmite-se que a previsão do direito conste apenas em lei ou em qualquer outro ato normativo.
Além disso, exige-se a falta de norma regulamentadora e que essa omissão inviabilize o exercício dos direitos, liberdades e prerrogativas previstas constitucionalmente, havendo um nexo causal entre o vácuo legislativo e a impossibilidade do direito tutelado.
O direito à legislação só pode ser invocado pelo interessado quando também existir – simultaneamente imposta pelo próprio texto constitucional – a previsão do dever estatal de emanar normas legais. Desse modo, e para que possa atuar a norma pertinente ao instituto do mandado de injunção, revela-se essencial que se estabeleça a necessária correlação entre a imposição constitucional de legislar, de um lado, e o consequente reconhecimento do direito público subjetivo à legislação, de outro, de tal forma que, ausente a obrigação jurídico-constitucional de emanar provimentos legislativos, não se tornará possível imputar comportamento moroso ao Estado, nem pretender acesso legítimo à via injuncional (MI 463, rel. Min. Celso de Mello)
No que concerne à ausência de norma regulamentadora, Silva (2014, p. 453) aduz que “há casos, contudo, em que a norma constitucional apenas supõe, por sua natureza, por sua indeterminação, a necessidade de uma providência do poder público para que possa ser aplicada”. Nesse aspecto, a aplicabilidade da norma estaria condicionada a elaboração legislativa, sob pena do direito previsto não restar concretizado.
Sob essa perspectiva, “é imprescindível que a omissão legislativa efetivamente acarrete o sacrifício dos direitos tutelados pelo mandado de injunção, porque, sendo esses direitos tutelados mesmo diante de tal omissão, será incabível essa ação constitucional” (NEVES, 2018, p. 299)
Desse modo, a pretensão resistida de uma norma constitucional autoaplicável não pode ser sanada com a utilização do mandado de injunção por eventual omissão legislativa para sua regulamentação. O objetivo desse remédio constitucional não é corrigir as imperfeições legislativas ou atacar ilegalidades ou a ocorrência de inconstitucionalidade de uma norma, mas sim promover a necessária regulamentação de normas de eficácia limitada para o exercício de um direito previsto na Carta Magna.
ara o cabimento do mandado de injunção, é imprescindível a existência de um direito previsto na Constituição que não esteja sendo exercido por ausência de norma regulamentadora. O mandado de injunção não é remédio destinado a fazer suprir lacuna ou ausência de regulamentação de direito previsto em norma infraconstitucional, e muito menos de legislação que se refere a eventuais prerrogativas a serem estabelecidas discricionariamente pela União. (MI 766-AgR, Rei. Min. Joaquim Barbosa, julg. em 21.10.2009, Plenário, DJEde 13.11.2009).
Sobre a temática, o Supremo Tribunal Federal consolidou o entendimento de que a omissão que legitima o mandado de injunção seria não apenas uma omissão absoluta, representada pela ausência de norma regulamentadora, como também uma omissão parcial, em que a atividade legislativa seria imperfeita ou insatisfatória. Nada obstante, aduz Neves (2018) ser indispensável um excessivo prazo para legislar, a ponto de configurar o retardamento como abuso do direito legal de não legislar.
Quando a norma constitucional define prazo para a regulamentação, a mora é mera decorrência da superação do prazo fixado, tornando-se desnecessário investigar se a demora é excessiva ou foge do razoável. A ideia de “superação de prazo razoável” como critério de caracterização da mora só é aplicável quando a norma constitucional, embora prevendo necessidade de regulamentação, deixa de estabelecer prazo para a edição das providências legislativas. Ou seja, só é preciso investigar se a demora é excessiva quando prazo inexiste. Nesse caso, por haver dever de legislar, mas não existir prazo para o exercício desse dever, indaga-se, diante das peculiaridades da situação concreta, se o tempo de demora do legislador foge do razoável (SARLET; MARINONI e MITIDIERO, 2018, P. 1314)
A respeito da legitimidade ativa para o mandado de injunção individual, podem propor a ação as pessoas naturais ou jurídicas que se afirmam titulares dos direitos, das liberdades ou das prerrogativas constitucionais não exercidas por ausência da norma regulamentadora (art. 3, Lei n. 13.300/16).
Por sua vez, quando os direitos, as liberdades e as prerrogativas pertencerem, indistintamente, a uma coletividade indeterminada de pessoas ou determinada por grupo, classe ou categoria, preceitua o art. 12 da Lei do Mandado de Injunção que a pertinência subjetiva para demanda pode ser promovida:
I - pelo Ministério Público, quando a tutela requerida for especialmente relevante para a defesa da ordem jurídica, do regime democrático ou dos interesses sociais ou individuais indisponíveis;
II - por partido político com representação no Congresso Nacional, para assegurar o exercício de direitos, liberdades e prerrogativas de seus integrantes ou relacionados com a finalidade partidária;
III - por organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos 1 (um) ano, para assegurar o exercício de direitos, liberdades e prerrogativas em favor da totalidade ou de parte de seus membros ou associados, na forma de seus estatutos e desde que pertinentes a suas finalidades, dispensada, para tanto, autorização especial;
IV - pela Defensoria Pública, quando a tutela requerida for especialmente relevante para a promoção dos direitos humanos e a defesa dos direitos individuais e coletivos dos necessitados, na forma do inciso LXXIV do art. 5º da Constituição Federal .
De outro norte, a teor do art. 3 da referida legislação, elucida Rodrigo Padilha (2018, p. 455) que “a ação dirige-se contra autoridade estatal do órgão competente para expedição de norma regulamentadora da vontade constitucional como o Poder, o órgão ou a autoridade com atribuição para editar a norma regulamentadora”. Descabe, segundo entendimento pretoriano, que pessoas jurídicas de direito privado beneficiadas pela falta de regulamentação possam ocupar o polo passivo da demanda, já que deles não emanam provimentos normativos.
No que tange à competência para processamento e julgamento do mandado de injunção, a Lei Maior definiu os casos em que os Tribunais Superiores, Tribunais Regionais Federais e Juízes Federais irão analisar a matéria (art. 102, 1, q; art. 105, 1, h; art. 121, §4°, V e art. 109, I, todos da CF/88).
Acerca do procedimento, o instrumento normativo prevê que a petição inicial deverá preencher os requisitos estabelecidos pela lei processual e indicar, além do órgão impetrado, a pessoa jurídica que ele integra ou aquela a que está vinculado (art. 4, Lei n. 13.300/16).
Ao receber a petição inicial, deverá o magistrado ordenar: I - a notificação do impetrado sobre o conteúdo da petição inicial, devendo-lhe ser enviada a segunda via apresentada com as cópias dos documentos, a fim de que, no prazo de 10 (dez) dias, preste informações; II - a ciência do ajuizamento da ação ao órgão de representação judicial da pessoa jurídica interessada, devendo-lhe ser enviada cópia da petição inicial, para que, querendo, ingresse no feito (art. 5, Lei n. 13.300/16).
Acerca da possibilidade de deferimento de medida liminar no bojo do mandado de injunção, a Suprema Corte inadmite o instituto, conforme colaciona doutrina especializada:
Não cabe medida liminar em sede de mandado de injunção, por ser inadequada ao remédio constitucional em questão. Esse é o entendimento absolutamente pacífico do STF na matéria. Na posição que veio a predominar no Tribunal, o mandado de injunção resulta, quando provido, no reconhecimento formal da inércia do Poder Público no cumprimento de seu dever constitucional de legislar, não admitindo a Corte declaração provisória desta omissão, em decisão liminar. O reconhecimento da mora legislativa, se for o caso, só pode ser proclamado na decisão final do mandado de injunção. (MOTTA FILHO, 2018, p. 389)
Por outro lado, depreende-se do arcabouço legislativo exposto alhures que, sendo manifestamente incabível ou manifestamente improcedente, a petição inicial será desde logo indeferida (art. 5, Lei n. 13.300/16), cabendo recurso agravo para o órgão colegiado competente para o julgamento da impetração (art. 6, §único, Lei n. 13.300/16).
Diante disso, findo o prazo para apresentação das informações, será ouvido o Ministério Público no prazo de dez dias, encaminhando-se os autos conclusos para decisão.
Esclarece José Afonso da Silva (2014, p. 454-455) que o conteúdo da decisão do mandado de injunção consiste na outorga direta do direito reclamado. Caso deferido, as posições que se formaram no Pretório Excelso acerca dos efeitos da decisão podem ser definidas em concretistas e não concretistas.
A posição concretista, segundo Rodrigo Padilha (2018, p. 457), possibilita a criação de uma decisão constitutiva pelo Poder Judiciário que “declare a existência da omissão administrativa ou legislativa e implemente o exercício do direito, liberdade ou prerrogativa constitucional até que sobrevenha regulamentação do poder competente”.
Essa vertente, subdivide-se em teoria concretista geral, individual e intermediária.
A tese concretista geral ou teoria da independência jurisdicional estabelece que, por meio de uma normatividade geral, o Supremo Tribunal Federal legislaria no caso em concreto de modo a produzir uma decisão om efeitos erga omnes enquanto o Poder Legislativo não editasse a norma integrativa. Elucida Bernardo Fernandes (2017, p. 634) que “o STF, em linha de princípio, não adotou essa tese, afirmando que tal entendimento fere o princípio da separação dos poderes, pois estende os efeitos para todos colocando o Pretório Excelso como um verdadeiro legislador positivo”.
De outra banda, a posição concretista individual implementa de forma imediata o direito pleiteado apenas para a parte requerente do mandado de injunção, independentemente de notificação ao Poder Legislativo para criação da norma faltante.
Quanto à posição concretista intermediária, Pedro Lenza (2015, p. 1054) aduz que, julgando procedente o mandado de injunção, o Poder Judiciário deve fixar um prazo ao Poder Legislativo para elaborar a norma regulamentadora. Após o lapso temporal, permanecendo a inércia do Legislativo, o autor passa a ter assegurado o seu direito.
Acerca da tese não concretista ou da subsidiariedade, na qual se decreta a mora legislativa diante de sua inércia, limitando-se a declarar a mora e cientificar o órgão omisso, ensina Bernardo Golçalves que:
Essa tese reconhece a mora, mas não implementa (não viabiliza) o exercício do direito para o autor da ação, apenas recomendando ao legislador que supra a mora. Portanto, para essa corrente concede-se a injunção ao autor afirmando-se que, realmente, existe um direito sem regulamentação (complementação) e que os Poderes Públicos encontram-se em mora, mas, após esse reconhecimento da mora do legislador, há somente a recomendação para que o mesmo a supra. Nesse caso, a natureza da decisão é meramente declaratória. (FERNANDES, p. 634).
Conquanto o Supremo Tribunal Federal tenha, por muito tempo, adotado a teoria não concretista, com substrato na cláusula da separação dos poderes a qual não autoriza o Judiciário atuar como legislador positivo, diante da ineficácia prática do reconhecimento da mora legislativa, passou-se a rechaçar essa aplicação.
Nessa toada, Rodrigo Mazzei assinala que:
[...] a presente teoria não absorve o espírito de garantia constitucional do writ, porquanto a declaração do estado de inércia – assim como mera cientificação desse estado – não é apta a satisfazer a pretensão do autor prejudicado pela omissão legislativa. É por isso que afirmamos: segundo a teoria da subsidiariedade, o mandado de injunção pouco tem de mandado – já que apenas cientifica – e menos ainda tem de injunção – pois, a declaração que deveria ser injuntiva (concedendo a integração normativa), se limita a certificar o estado de inércia do órgão responsável (in Didier Jr., 2011, p. 228).
A partir do ano de 2006, esse posicionamento sofreu significativas mudanças à medida em que a Corte Superior constatava que a inércia legislativa persistia. Tal fato, aliado à alteração do corpo de juristas do Pretório Excelso, acarretou na prolação de decisões mais substantivas para viabilizar o exercício de direitos fundamentais, uma vez que o remédio constitucional aparentava ser ineficaz para a consecução dos direitos fundamentais.
Desse modo, o Supremo Tribunal Federa flexibilizou a interpretação constitucional inicialmente fixada, conferindo uma compreensão mais abrangente à garantia fundamental do mandado de injunção. Entendeu-se ser possível ao Poder Judiciário, “somar, aos seus efeitos mandamentais típicos, o provimento necessário a acautelar o interessado contra a eventualidade de não se ultimar o processo legislativo, no prazo razoável que fixar, de modo a facultar-lhe, quanto possível, a satisfação provisória do seu direito” (SARLET; MARINONI e MITIDIERO, 2018, p. 1297).
Aceitou-se, nesse aspecto, soluções normativas para a decisão judicial, proferindo uma espécie de sentença aditiva ao implementar a garantia ainda não regulamentada pelo legislador após o esgotamento do prazo assinalado.
Aplicando a teoria concretista individual, o Supremo Tribunal Federal julgou parcialmente procedente o Mandado de Injunção n. 721 impetrado contra o Presidente da República para que fosse concedido à servidora do Ministério da Saúde o direito à obtenção da aposentadoria especial, em decorrência de atividade em trabalho insalubre prevista no art. 40, §4, da Lei Maior.
É tempo de se refletir sobre a timidez inicial do Supremo quanto ao alcance do mandado de injunção, ao excesso de zelo, tendo em vista a separação e a harmonia entre os Poderes. É tempo de se perceber a frustração gerada pela postura inicial, transformando o mandado de injunção em ação simplesmente declaratória do ato omissivo, resultando em algo que não interessa, em si, no tocante à prestação jurisdicional, tal como consta no inciso LXXI do art. 5º da Constituição Federal, ao cidadão. Impetra-se mandado de injunção não para lograr-se de certidão de omissão do Poder incumbido de regulamentar o direito a liberdades constitucionais, a prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania. Busca-se o Judiciário na crença de lograr a supremacia da Lei Fundamental, a prestação jurisdicional que afaste as nefastas consequências da inércia do legislador. (STF, MI 721, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 30/08/2007, DJe-152 DIVULG 29-11-2007 PUBLIC 30-11-2007 DJ 30-11-2007)
Posteriormente, no julgamento dos Mandados de Injunção 670, 708 e 712, em que se buscava assegurar o direito de greve a determinados servidores públicos, a Corte Constitucional, por unanimidade, declarou a omissão legislativa e, por maioria, determinou a aplicação da lei de greve vigente no setor privado, Lei n. 7.783/89, no que lhe fosse cabível. Nesse caso paradigmático, a Suprema Corte consagrou a teoria concretista geral, conferindo efeitos erga omnes a todo o funcionalismo público, não restringindo a aplicação da lei apenas aos impetrantes.
Foi no MI 712, porém, que o STF pronunciou de modo mais claro a função que, anteriormente, já se lhe tentava imprimir. Neste caso, a Corte não apenas retirou consequências práticas da não observância de uma decisão que impõe prazo para legislar, mas disse expressamente que possui, ao decidir o mandado de injunção, o poder de editar norma jurídica em substituição à devida pelo legislador, sem que isso possa representar violação à independência e harmonia entre os poderes (art. 2.º da CF) e à separação dos poderes (art. 60, § 4.º, III, da CF). (SARLET; MARINONI e MITIDIERO, 2018, p. 1301)
Essa evolução repercutiu na normatização do instituto do Mandado de Injunção, tendo a Lei n. 13.300/16 regulamentado a adoção da corrente concretista intermediária ao dispor que, reconhecido o estado de mora legislativa, será deferida a injunção para determinar prazo razoável para edição da norma regulamentadora e estabelecer as condições de exercício do direito ou as condições para promover ação própria visando a exercê-lo, caso a mora legislativa não seja suprida tempestivamente (art. 8°, inc. I e II, Lei n. 13.300/16).
Nos termos do aludido diploma legislativo, a decisão terá eficácia subjetiva limitada às partes e produzirá efeitos até o advento da norma regulamentadora. Nada obstante, é possível que se conceda eficácia ultra partes ou erga omnes à decisão quando isso for inerente ou indispensável ao exercício do direito, da liberdade ou da prerrogativa objeto da impetração (art. 9, caput e §1, Lei n. 13.300/16), aplicando-se, nesse caso, a teoria concretista geral.
Em relação ao aspecto temporal, a norma regulamentadora superveniente produzirá efeitos ex nunc em relação aos beneficiados por decisão transitada em julgado, salvo se a aplicação da norma editada lhes for mais favorável (art. 11, Lei n. 13.300/16). Se a norma for editada antes da decisão, estará prejudicada a impetração, devendo o processo ser extinto sem resolução do mérito (art. 11, §único, Lei n. 13.300/16).
Cumpre aduzir, por fim, que, sem prejuízo dos efeitos já produzidos, a decisão poderá ser revista, a pedido de qualquer interessado, quando sobrevierem relevantes modificações das circunstâncias de fato ou de direito (art. 10, Lei n. 13.300/16), suprindo lacunas dos direitos e garantias fundamentais.
A partir do movimento Neoconstitucional, a evidenciação de novos interesses sociais e de crescentes transformações do Estado permitiram que a Constituição Federal de 1988 se tornasse uma ferramenta para a implementação de direitos fundamentais.
Figurando como a norma de validade de todo o sistema, em decorrência do princípio da unidade do ordenamento e da supremacia da Lei Maior, a Carta Magna permitiu o fortalecimento da jurisdição constitucional ao elencar instrumentos de efetivação do princípio da dignidade da pessoa humana.
Dentre os remédios constitucionais destinados a viabilizar o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania, quando a falta de norma regulamentadora impedir sua fruição, ressai o Mandado de Injunção.
A fiscalização concreta da inconstitucionalidade por omissão, objetivando tutelar um direito subjetivo, passou então a ser disciplinada pela Lei n. 13.300/16, nos termos do art. 5, LXXI, CF.
A evolução legislativa promovida peloo advento da Lei do Mandado de Injunção permitiu expressamente que o Poder Judiciário pudesse assegurar o exercício de direitos constitucionalmente consagrados, após prazo para correção da omissão pelo Legislador, sem que essa decisão de caráter aditivo pudesse configurar burla ao princípio da separação dos poderes.
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Pós-Graduada em Direito Ambiental – Faculdade Cidade Verde. Pós-Graduada em Direito Constitucional – Faculdade Cidade Verde. Pós-Graduada em Direito Penal – Faculdade Cidade Verde. Pós-Graduada em Direito Sanitário – Faculdade Cidade Verde. Pós-Graduada em Direito da Criança e do Adolescente – Faculdade Cidade Verde. Pós-Graduado em Direito Difuso e Coletivo– Faculdade Cidade Verde. Pós-Graduada em Direito Público – Anhanguera Uniderp. Pós-Graduada em Direito Processual Penal – Escola do Ministério Público de Santa Catarina. Pós-Graduada em Direito Processual Civil – Damásio Educacional. Bacharel em Direito – Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SIMONI, Lanna Gabriela Bruning. A efetividade do mandado de injunção na concretização dos direitos fundamentais Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 29 jun 2020, 04:32. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/54806/a-efetividade-do-mandado-de-injuno-na-concretizao-dos-direitos-fundamentais. Acesso em: 27 nov 2024.
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