RUBENS ALVES DA SILVA[1]
(orientador)
RESUMO: O Brasil, enquanto um Estado Democrático de Direito, conforme rege sua Carta Política de 1988, tem o dever de assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça, de seus cidadãos. Dessa forma, o poder estatal deve primar pela construção de uma sociedade livre, justa e solidária, capaz de promover o bem comum, reduzindo as desigualdades sociais e a pobreza, tendo em vista o princípio da dignidade humana. Nesse sentido, a tributação exerce um papel fundamental para que o efetivo cumprimento aos princípios e garantias constitucionais da chamada Constituição Cidadã, uma vez que, também, é através dela que se estruturam realidades políticas, sociais e econômicas do país. Para tanto, porém, é necessário que haja um sistema distributivo com garantias ao mínimo existencial, representado pelo conjunto de valores e princípios éticos que norteiam as ações da administração tributária e dos contribuintes. Surge assim, aplicação do princípio da moralidade no âmbito do Direito Tributário, dentre os quatro princípios fundamentais previstos no art, 37, a serem observados no manejo da coisa pública, responsável pela atuação dos agentes do Erário em suas relações com o contribuinte. Diante desse contexto, o presente estudo teve por objetivo analisar a relação entre o Direito Tributário e a Moral, juntamente com a apresentação dos problemas mais frequentes relacionados às imoralidades praticadas pelo Estado e seus reflexos na relação entre Estado e sociedade.
Palavras-chave: Direito Tributário. Princípio da Moralidade.
ABSTRACT: Brazil, as a Democratic State of Law, according to its 1988 Political Charter, has the duty to guarantee the exercise of social and individual rights, freedom, security, well-being, development, security and justice, its citizens. Thus, state power must excel in building a free, just and solidary society, capable of promoting or the common good, reproducing as social inequalities and poverty, bearing in mind the principle of human dignity. In this sense, taxation plays a fundamental role for the effective fulfillment of the constitutional requirements and guarantees of the so-called Citizen Constitution, since it is also effected through it, if the country's structured, social and economic policies. For that, however, it is necessary that there is a distributed system with guarantees at least existential, represented by the set of values and ethical principles that guide as actions of the tax administration and of the taxpayers. Thus, the application of the principle of morality within the scope of Tax Law emerges, of the four essential principles considered in art, 37, is observed in the management of public affairs, responsible for the performance of agents of the treasury in their relations with the contribution. Given this context, the present study aimed to analyze the relationship between Tax Law and Moral Law, including a presentation of the problems most frequently related to the immoralities practiced by the State and its reflexes in the relationship between State and society.
Keywords: Tax Law. Principle of Morality.
Sumário: Introdução. 1. A Tributação e a Moralidade Tributária. 1.1 A Tributação: Considerações Iniciais. 1.2 O Princípio da Moralidade na Constituição Federal de 1988. 1.3. O Princípio da Moralidade na Administração Pública. 2. A Atividade de Fiscalização Tributária. 2.1 A Fiscalização Tributária: definições e procedimentos. 2.2 Improbidade administrativa. Considerações Finais. Referências.
INTRODUÇÃO
Após a Segunda Guerra Mundial, em resposta às atrocidades cometidas durante o esse período, conhecido mundialmente por holocausto, autoridades de diversos países se reuniram, no intuito de evitar que episódio similar acontecesse, novamente, na humanidade moderna.
Assim, em 24 de outubro de 1945, foi criada a Organização das Nações Unidas, uma instituição, a nível global, com a finalidade de promover a paz e prevenir futuras guerras, através da adoção de instrumentos internacionais de direitos humanos, cujo principal produto foi a elaboração da Carta dos Direitos Humanos, assinada por mais de 50 países, reafirmando os direitos fundamentais do homem, a dignidade e o valor da pessoa humana.
A partir de então, vários foram os documentos elaborados nesse sentido, incluindo-se a Declaração Internacional dos Direitos Humanos, que delineia os direitos humanos básicos, foi adotada pela Organização das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948.
Embora não seja um documento com obrigatoriedade legal, a referida declaração serviu como base para os dois tratados sobre direitos humanos da ONU de força legal: o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, adotados pelos países signatários.
Além disso, dada a sua relevância, no que se refere aos direitos humanos, a DUDH, mesmo não obrigando governos legalmente, foi adotada ou influenciou muitas constituições nacionais desde 1948, atuando como para um crescente número de tratados internacionais e leis nacionais, bem como para organizações internacionais, regionais, nacionais e locais na promoção e proteção dos direitos humanos.
O Brasil, nesse sentido, foi um dos Estados amplamente influenciados pela DUDH, elaborando sua Constituição Federal de 1988, essencialmente, baseada na incorporação de uma série de princípios contidos na aludida Declaração, inovando o ordenamento jurídico brasileiro, ao positivar garantias individuais e coletivas com vistas à preservação da dignidade humana.
Assim, no intuito de preservar os interesses sociais e os direitos fundamentais do cidadão, a Magna Carta de 1988, ao incorporar o princípio da moralidade pública expressamente em seu texto, trouxe limitações ao poder de tributar, regulamentando os princípios tributários, que, por sua vez, na medida em que limitam a tributação do Estado, observam os direitos do contribuinte, de modo que os princípios oferecidos pela CF/88 garantem aos contribuintes vários benefícios, em virtude dos valores que a Constituição Brasileira tutela.
No entanto, vale destacar que, para uma parte majoritária da doutrina, o emprego de pretextos para a cobrança da dívida tributária, leva a concluir, ao menos, previamente, que o Estado, de forma espaçosa, se sujeita a observância do princípio da moralidade e, não raramente, o afronta, de modo que quão maior a afronta ao princípio da moralidade, menor a legitimidade do Estado em determinar condutas do contribuinte, ou ainda questioná-la.
Diante desse contexto, emerge a necessidade de se analisar os princípios que norteiam a atuação estatal, principalmente, no que se refere à observância do princípio da moralidade na esfera do Direito Tributário, considerando que o poder de tributar se constitui como um dos maiores poderes concedidos pela sociedade ao Estado.
1 a TRIBUTAÇÃO e a moralidade tributária
1.1 A tributação: considerações iniciais
A tributação nasce para prover o bem-comum pela necessidade do homem de associar-se e criar vida política, decorrendo da disposição do homem de viver em um Estado, porquanto instituição natural e a mais ampla das associações humanas.
Na concepção da autora Andréa Lemgruber Viol, o poder de tributar consiste na possibilidade de restrição da renda e da propriedade pessoais, reduzindo o consumo e a acumulação de riqueza individuais:
A tributação, portanto, somente pode ser compreendida a partir da necessidade dos indivíduos em estabelecer convívio social organizado e gerir a coisa pública mediante a concessão de poder a um Soberano. Em decorrência, a condição necessária (mas não suficiente) para que o poder de tributar seja legítimo é que ele emane do Estado, pois qualquer imposição tributária privada seria comparável a usurpação ou roubo. É justamente por referir-se à construção do bem-comum que se dá à tributação o poder de restringir a capacidade econômica individual para criar capacidade econômica social. (VIOL, 2015, p. 01)
A tributação, portanto, justifica-se dentro do conceito de que o bem da coletividade tem preferência a interesses individuais, especialmente porque, na falta do Estado, não haveria garantia nem mesmo à propriedade privada e à preservação da vida.
O poder de tributar é uma das prerrogativas mais importantes que são concedidas pelos indivíduos ao Estado e não é insensato dizer que ela, por si só, garante o exercício de todas as outras funções estatais.
Na concepção de Cristiano Carvalho, a tributação se apresenta como sendo o preço necessário à garantia da segurança jurídica nas relações comerciais, mediante a seguinte afirmação:
[...] é a renúncia parcial da liberdade que possibilita a manutenção dessa mesma liberdade, pelo monopólio estatal do uso da violência, por exemplo, a segurança contra violência interna (polícia), contra violência externa (forças armadas) e árbitros para dirimir conflitos de interesses entre os indivíduos (juízes). (CARVALHO, 2013, p. 137)
A tributação se adéqua à dignidade da pessoa humana na medida em que transpassa a mera defesa da propriedade e atua com o foco a concretizar uma sociedade igualitária sob dois pontos de vista: o do contribuinte e o do Estado, conforme às palavras de Klaus Tipke e Joaquim Lang:
Para o contribuinte, fala-se no dever de contribuir (afastando, por conseguinte, a moralidade de evasão fiscal) devidamente limitado a um valor tal que a contribuição não venha a causar-lhe problemas de subsistência. Para o Estado, o dever ético-moral tributário reside no dever de arrecadar em consonância com o limite posto pelo mínimo existencial, na forma prescrita pela lei, com pouquíssima margem de discricionariedade. Há, portanto, uma concomitância entre o dever de pagar tributos e o direito de arrecadá-los, a fim de que concretizem princípios éticos presentes nos direitos fundamentais (TIPKE, 2002, p. 91- 92)
Assim, a política tributária deve ser calcada em aspectos de igualdade material para distribuição da carga tributária e na (re)distributividade do sistema, através da entrega de serviços mínimos à população (água, energia elétrica, moradia e cultura em quantidade mínima para garantir a existência digna), devendo se adequar aos princípios éticos traduzidos nos direitos fundamentais previstos na Constituição, como corolários que são do princípio da dignidade da pessoa humana
O artigo 3º do Código Tributário Nacional define tributo como:
Art. 3º Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.
(BRASIL, 1966)
De acordo com o art. 5º, do CTN, os tributos são impostos, taxas e contribuições de melhoria. Na Constituição Federal são previstas duas outras figuras tributárias: os empréstimos compulsórios (art. 148) e as contribuições especiais ou parafiscais (art. 149).
A Constituição Federal, por sua vez, prevê os impostos de competência de cada ente político da Federação, de modo que nenhum outro imposto poderá ser criado além daqueles expressamente previstos no texto constitucional, com exceção, apenas da competência residual da União para instituir outros impostos, “desde que sejam não cumulativos e que não tenham fato gerador ou base de cálculo próprios, discriminados na Constituição.” (CF, art. 154, I), ou impostos extraordinários, “na iminência ou no caso de guerra externa (...)” (CF, art. 154, II).
1.2 O princípio da Moralidade na Constituição Federal de 1988
No Brasil, o ordenamento jurídico é um sistema positivado e hierarquizado, tendo como Lei Suprema, a Constituição Federal de 1988, conforme nos leciona Roque Antônio Carrazza:
O ordenamento jurídico é formado por um conjunto de normas, dispostas hierarquicamente. Das normas inferiores, criadas por particulares (os contratos), às constitucionais, forma-se aquilo que se convencionou chamar de pirâmide jurídica. Nela, as normas inferiores buscam validade nas normas que lhe são superiores e, assim, sucessivamente, até as normas constitucionais. (CARRAZZA, 2017, p. 27)
Dessa forma, a Constituição Federal, que está no topo do ordenamento jurídico brasileiro, é o fundamento principal a ser observado por todas as demais normas legais, sob pena de nulidade, em caso de desobediência ao conteúdo nela exposto.
A Carta Política de 1988, fortemente influenciada pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, consagrou uma série de direitos e garantias fundamentais, em seu texto, em inúmeros dispositivos, explícita ou implicitamente, consubstanciando, assim, todo o sistema jurídico pátrio, correspondendo, a dignidade da pessoa humana, à aspiração maior da sua existência.
As previsões constitucionais vigentes têm seu teor definido logo no preâmbulo da Carta Magna, fixando um Estado Democrático, cuja destinação é o assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social.
Ao elevar à categoria constitucional, os princípios norteadores da atuação estatal, a Carta Política de 88, introduziu o princípio da moralidade pública expressamente em seu texto, no artigo 37, dispondo acerca dos quatro princípios fundamentais da Administração (impessoalidade, publicidade, legalidade e moralidade) e, consequentemente, proporcionando à moralidade conceito especial, onde o governo não pode ser parceiro, coautor ou beneficiário do delito.
Segundo Kiyoshi Harada, essas limitações “constituem o escudo de proteção dos contribuintes, atuando como freios que limitam o poder de tributação do Estado”. (HARADA, 2011, p. 366)
Nesse sentido, o princípio da moralidade é considerado o mais relevante princípio da Administração Pública, dentre os quatro previstos no artigo 37, vetando, ao agente público, a participação na execução de qualquer delito contrário às previsões legais vigentes nem se beneficiar do produto da delinquência, tendo em vista o atendimento dos interesses da população.
O princípio da moralidade pode ser encontrado nos parágrafos 5º e 6º, do artigo 37, da CF/88, assim redigidos:
§ 5º A lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízos ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento.
§ 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa. (BRASIL, 1988, p. 05)
Dessa forma, infere-se que o Estado deve ressarcir o cidadão e deve procurar junto ao agente que causou o prejuízo, seu ressarcimento, em ação de regresso. Como a ação de regresso é sempre posterior ao pagamento da indenização pelo dano causado, houve por bem, o constituinte, tomar imprescritível tal ação, visto que, se houvesse prescrição, haveria, na prática, impossibilidade efetiva de o Estado buscar, junto ao agente, reembolso do que foi obrigado a pagar aos cidadãos.
Isso significa que, sempre que o Estado cobrar tributo indevido terá que restituí-lo, podendo o contribuinte, quantificar o prejuízo que teve ao ser brigado a pagar o indevido, pedindo a indenização necessária, em observância, ainda, ao artigo 512, inciso I da Constituição Federal (BRASIL, 1988), cujo qual elenca como seu alicerce, a obediência à lei, que, nos regimes democráticos, aprovada pelos representantes do povo, garante a ordem, oferta segurança e protege os cidadãos.
1.3 O princípio da moralidade na Administração Pública
O lustre doutrinador Celso Bandeira de Mello (2018, p. 101), descreve que “o princípio da moralidade tem como conteúdo uma exigência de conduta ética por parte da Administração Pública, nas suas mais diversas formas de expressão”.
Na mesma linha de raciocínio, Ferraz e Dallari (2012) destacam que:
“[...] não faz sentido atentar-se contra as instituições e valores fundamentais, em holocausto a concepções pessoais de moral, mas é perfeitamente possível zelar pela moralidade administrativa, por meio da correta utilização dos instrumentos para isso existentes na ordem jurídica, entre os quais merece posição de destaque exatamente o processo administrativo, pela extrema amplitude de investigação que nele se permite, chegando mesmo ao mérito do ato ou da decisão, ao questionamento de sua oportunidade e conveniência” (FERRAZ; DALLARI, 2012, p. 70).
Ao transportar a moralidade administrativa para tributária é possível tecer algumas considerações acerca da moralidade tributária, o que se fará sob a ótica de Klaus Tipke (2012). No aspecto, eminentemente, tributário, Klaus Tipke (2012) dedicou-se ao assunto em obra que se tornou referência obrigatória aos estudiosos do tema: “Moral Tributária do Estado e dos Contribuintes”. O autor destaca que não só a cobrança do tributo deve atender a preceitos morais, como também deve ser observada pelo legislador, pelo juiz e ainda pelo próprio contribuinte.
Para o autor, a postura meramente arrecadatória do Estado, por exemplo, revela ofensa à Moralidade Pública no âmbito tributário, na medida em que não atende aos objetivos de igualdade entre contribuintes e os aspectos sociais do tributo.
Outro exemplo é a alta complexidade da sistemática de determinados tributos vigentes (ICMS, COFINS), dificultando e desvirtuando quase que completamente a sua origem e matriz constitucional, tornando-o irreconhecível. Percebe-se, assim, que essa atuação do Estado encontra-se à margem da moralidade, já que induz o contribuinte ao erro. O mesmo ocorre com a sequência quase que anual de anistias tributárias, prestigiando o contribuinte mal-intencionado e especialmente aquelas que são a prova das condutas mal-intencionadas justamente em tempos de eleições.
O artigo 37 da Constituição Federal, nesse aspecto, tem por objetivo analisar, brevemente, a atuação de cada princípio constitucional da Administração Pública, enquanto a base norteadora que auxilia na construção de leis e jurisprudências, sem os quais, na atuação da Administração Pública, o ato se torna nulo.
O nobre autor Humberto Ávila identifica nos princípios jurídicos da Constituição Federal, verdadeiras limitações substanciais indiretas à competência de tributar, “na medida em que o Estado passa a ter de concretizar todos os fins (in)diretamente determinados pelos princípios constitucionais” (ÁVILA, 2014, p. 78-79).
Nesse contexto, o Princípio da Moralidade Administrativa, do artigo 37 da Constituição Federal, estabelece o dever de buscar um ideal de estabilidade, confiabilidade, previsibilidade e mensurabilidade do Poder Público, no intuito de evitar a má-gestão do dinheiro público e seus impactos sociais:
Desse modo, os contribuintes, se, por um lado, têm o dever de pagar tributos, colaborando para a mantença da coisa pública, têm, por outro, ao alcance da mão, uma série de direitos e garantias, oponíveis ex ante ao próprio Estado, que os protegem da arbitragem tributária, em suas mais diversas manifestações (inclusive por ocasião do lançamento e da cobrança do tributo). (Carrazza, 2017, p. 497)
Nesta senda, o ilustre jurista Humberto Ávila, dimensiona, normativamente, o Princípio da Moralidade e seus subprincípios de proteção da confiança e da boa-fé, da seguinte forma:
(...)qualificam-se como limitações positivas, porquanto impõem a adoção, pelo Poder Público, das condutas necessárias para a garantia ou manutenção dos ideais de estabilidade, confiabilidade, previsibilidade e mensurabilidade normativa; quanto à forma, a moralidade constitui uma limitação expressa (art. 37), e a proteção da confiança e a boa-fé como limitações implícitas, decorrentes dos princípios do Estado de Direito e da segurança jurídica, sendo, todas elas limitações materiais, na medida em que impõem ao Poder Público a adoção de comportamentos necessários à preservação ou busca dos ideais de estabilidade e previsibilidade normativa. (ÁVILA, 2014, p. 411)
Corroborando com este entendimento, Ernani Contipelli, ensina:
No que concerne ao direito de exigir ou dever de redistribuição adequada das riquezas arrecadadas pela tributação, o Estado torna-se responsável pela utilização desses recursos financeiros no cumprimento das metas previstas no texto constitucional, que expressam o sentido de seus valores estruturantes, para guardar correspondência lógica com as causas que motivaram a imposição do dever de colaboração de pagar o tributo e evitar possíveis arbitrariedades que possam ser cometidas pelos agentes investidos de poder institucional no gerenciamento dessas receitas públicas. (CONTIPELLI, 2010, p. 201)
Os princípios previstos no texto constitucional, portanto, devem ser observados tanto pelo administrador público em sua atuação administrativa, como os demais agentes públicos, quanto pelas pessoas que circundam o setor privado, pois não é aceitável a prática de atos atentatórios à moralidade administrativa, com a finalidade de prejuízo aos cofres públicos.
Apresenta-se, assim, a essencialidade do princípio da moralidade tributária na melhoria das relações entre Estado e contribuinte, pois a este último, resta a exigência do cumprimento do dispositivo legal, para que as condutas do administrador público sejam, efetivamente, visando a concretização do interesse público, cumprindo-se, dessa forma, os ditames do Estado Democrático de Direito.
A moral tributária, portanto, constitui um sistema complexo que se harmoniza, na esfera tributária, no que concerne à justiça, à liberdade e demais direitos fundamentais, bem como se arquiteta a partir da administração, como um todo, até o contribuinte, baseada em laços de confiança entre Estado e cidadãos.
2 A ATIVIDADE DE FISCALIZAÇÃO TRIBUTÁRIA
2.1 A Fiscalização Tributária: definições e procedimentos
No que se refere ao processo de fiscalização, o art. 194 do CTN traz a seguinte redação, in verbis:
Art. 194. A legislação tributária, observado o disposto nesta Lei, regulará, em caráter geral, ou especificamente em função da natureza do tributo de que se tratar, a competência e os poderes das autoridades administrativas em matéria de fiscalização da sua aplicação.
Parágrafo único. A legislação a que se refere este artigo aplica-se às pessoas naturais ou jurídicas, contribuintes ou não, inclusive às que gozem de imunidade tributária ou de isenção de caráter pessoal. (BRASIL, 1966)
Em outras palavras, o procedimento de fiscalização por parte da administração tributária consiste na verificação das informações de natureza tributária, buscando comprovar se o contribuinte praticou atos definidos como fatos geradores, gerando uma obrigação tributária do contribuinte perante o Estado, ou mesmo se esse praticou algum dos crimes contra a ordem tributária, a exemplo da sonegação fiscal.
Em seguida, art. 195 do mesmo diploma legal permite que sejam examinadas “mercadorias, livros, arquivos, documentos, papéis e efeitos comerciais ou fiscais, dos comerciantes industriais ou produtores” e impõe que a Administração Pública não pode se afastar do seu dever, sendo vedada a aplicação de leis (que excluam ou limitem esse direito) relacionadas a outros campos do Direito. Sendo assim, a lei tributária é a responsável por regulamentar o direito do Fisco de examinar bens e documentos.
O CTN, em seu art. 196 e parágrafo único, limita a atividade administrativa tributária, expondo que a fiscalização não pode ocorrer por tempo indeterminado, devendo a autoridade administrativa lavrar termo de fiscalização e determinar tempo máximo para as atividades fiscalizatórias.
O respectivo termo, em compensação, deve ser lavrado em um dos livros fiscais exibidos, e, caso seja feito em separado, o administrador deve entregar uma cópia autenticada por si para a pessoa fiscalizada.
A Administração pode enviar intimação escrita para entidades ou pessoas em busca de informações sobre bens, negócios ou atividades de terceiros. Essas entidades ou pessoas, que terão a obrigação de fornecer as informações solicitadas (com exceção dos casos em que sejam obrigados em virtude de lei a conferir sigilo em razão de cargo, ofício, função, ministério, atividade ou profissão, conforme o parágrafo único), são estabelecidas no art. 197, sendo as seguintes:
I - os tabeliães, escrivães e demais serventuários de ofício;
II - os bancos, casas bancárias, Caixas Econômicas e demais instituições financeiras;
III - as empresas de administração de bens;
IV - os corretores, leiloeiros e despachantes oficiais;
V - os inventariantes;
VI - os síndicos, comissários e liquidatários;
VII - quaisquer outras entidades ou pessoas que a lei designe, em razão de seu cargo, ofício, função, ministério, atividade ou profissão.
(BRASIL, 1966)
De acordo com o art. 200, do mesmo dispositivo, no caso das autoridades administrativas serem vítimas de embaraço ou desacato no exercício de suas funções, ou eventualmente necessitarem de auxílio para concretizar alguma medida prevista na legislação tributária, essas podem solicitar ajuda da força pública federal, estadual ou municipal.
2.2 Improbidade administrativa
Considerando que, para que o Estado adquira recursos necessários para a preservação e manutenção dos direitos fundamentais de seus cidadãos, uma arrecadação eficiente é indispensável, cabendo à Administração Tributária fiscalizar e arrecadar esses recursos, acompanhando as atividades previstas no Código Tributário Nacional, em conformidade com o previsto em seu Título IV (artigos 194 a 208), aborda as atividades tributárias da Administração Pública.
A composição da administração tributária se dá por diversos órgãos com funções de fiscalização e arrecadação dos tributos, cujo objetivo consiste em aplicar as leis tributárias em função do interesse público, respeitando todos os princípios anteriormente citados, de modo que sejam resguardados os direitos dos contribuintes e que seja realizada uma arrecadação satisfatória.
Nas palavras de Kiyoshi Harada, administração tributária nada mais é do que:
(...) um procedimento que objetiva verificar o cumprimento das obrigações tributárias, praticando, quando for o caso, os atos tendentes a deflagrar a cobrança coativa e expedir as certidões comprobatórias da situação fiscal do sujeito passivo” (HARADA, 2011, p. 552)
É importante lembrar que todos os atos administrativos devem ser praticados em observância da lei e dos princípios da Administração Pública, principalmente, os expressos no art. 37, caput, da CF/88, conforme nos lecionam José Maurício Contippeli e André Castro Carvalho:
O controle interno da Administração Pública tem sua origem no processo de arrecadação de tributos, ainda no momento pós Revolução Francesa, quando foi criado mecanismo de controle sobre a arrecadação tributária, por meio do qual se controlava a lisura da conduta dos agentes responsáveis pela coleta dos tributos. Criou-se, assim, um mecanismo interna corporis ao Estado para certificar a lisura e o cumprimento das obrigações dos agentes estatais. (CONTIPPELI, CARVALHO; 2011, p. 202)
Concorda Paulo de Barros Carvalho, ao afirmar que “Nenhum ato pode ser praticado sem autorização expressa da lei e o funcionário não dispõe de liberdade de ação para inovar o quadro das providências legalmente possíveis” (CARVALHO, 2013, p. 657)
Inicialmente, a improbidade administrativa tem como base o artigo 37, § 4º da Constituição Federal, que dispõe:
§ 4º – Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível. (BRASIL, 1988)
Assim, o referido dispositivo constitucional enumera algumas das sanções impostas ao servidor que incorra em ato de improbidade, prevendo, ainda, a possibilidade de aplicação do artigo 11 caput da Lei nº 8.429/92, instituindo como ato de improbidade administrativa qualquer ato atentatório contra os princípios da Administração Pública, segundo o disposto abaixo:
Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, (…). (BRASIL, 1988)
Em síntese, o servidor público tem o dever de agir com dedicação e zelo às atribuições do cargo que lhe foi confiado, observando as previsões legais, para que não ocorra o ato de improbidade, considerada um dos maiores males que afligem a Administração Pública, impactando negativamente na segurança jurídica e na credibilidade do Estado.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Estado Contemporâneo tem função eminentemente social, é o Estado das prestações, incumbe a ele garantir e preservar os direitos de seus cidadãos, bem como agir em favor de toda a Sociedade na busca do bem comum, que é representado pela soma dos direitos fundamentais.
Assim, é dever do Estado, tributar em razão da necessidade de gerar recursos para prover as atividades que são de interesse público, em conformidade com as características de um Estado Democrático de Direito, destinado do exercício de diversos direitos, dentre eles direitos fundamentais individuais, sociais, coletivos e difusos.
É, portanto, por meio da imposição de tributos que o Estado obtém recursos para atingir seus fins. Todavia, o poder estatal de tributar sofre limitações, sobretudo, por meio de princípios estabelecidos para assegurar garantias aos contribuintes.
As atividades de fiscalização e arrecadação da Administração Tributária encontram-se previstas, além da Carta Magna, no Código Tributário Nacional, que tem como objetivo aplicar as leis tributárias em função do interesse público, devendo fiscalizar se os tributos estão sendo pagos corretamente e arrecadá-los de forma responsável.
Não obstante, estar calcada nas bases dos Estados contemporâneos, a possibilidade de controle da Administração Pública é tema em constante evolução e, portanto, em constante alteração. Com o advento do Estado Democrático de Direito, as bases do controle a que se submete a Administração Pública, obrigatoriamente, hão de ampliar-se, na medida em que os valores democráticos hão de ser incorporados aos critérios de legitimação do controle da ação estatal.
REFERÊNCIAS
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_______. Lei No5.172, de 25 de outubro de 1966.Dispõe sobre o Sistema Tributário Nacional e institui normas gerais de direito tributário aplicáveis à União, Estados e Municípios. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L5172Compilado.htm. Acesso em 29 de maio de 2020.
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio, Curso de Direito Administrativo. 31ª ed., São Paulo: Malheiros, 2018.
CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 31ª ed. São Paulo: Malheiros, 2017.
CARVALHO, Cristiano. Teoria da decisão tributária. São Paulo: Saraiva, 2013
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário – 23. Ed. – São Paulo: Saraiva, 2019.
CONTIPPELI José Maurício; CARVALHO, André Castro. O Controle Interno na Administração Pública Brasileira: qualidade de gasto público e responsabilidade fiscal, Direito Público, nº. 37, Porto Alegre, 2011.
FERRAZ, Sergio; DALLARI, Adilson Abreu. Processo administrativo. 3ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2012.
HARADA, Kiyoshi. Direito financeiro e tributário – 20. Ed. – São Paulo: Atlas, 2011.
TIPKE, Klaus; LANG, Joaquim. Direito tributário. Tradução: Luiz Doria Furquim. Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris, 2008.
VIOL, Andréa Lemgruber. A Finalidade da Tributação e sua Difusão na Sociedade. 2015. Disponível em http://www.receita.fazenda.gov.br/publico/estudotributarios/eventos/seminarioii/texto02afinalidadedatributacao.pdf. Acesso em 29 de maio de 2020.
[1] Autor de livros e advogado. Mestre em Direito pelo o Instituto Nacional de Ensino Superior e Pós-Graduação da Faculdade de Direito do Sul de Minas – FDSM/MG, Pós-Graduação em Processo Judiciário pela FIC/SERGIPE, Pós-Graduação em Docência e Gestão em Ensino Superior pela Universidade Estácio do Amazonas, Professor do Curso de Direito do Centro Universitário Luterano de Manaus -CEULM/ULBRA
Graduando do Curso Superior de Direito do Centro Universitário Luterano de Manaus – CEULM/ULBRA.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MEDEIROS, Herbert de Vasconcelos. O princípio da moralidade no âmbito do Direito Tributário Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 08 out 2020, 04:23. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/55309/o-princpio-da-moralidade-no-mbito-do-direito-tributrio. Acesso em: 24 nov 2024.
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