GUILHERME SABINO NASCIMENTO SIDRÔNIO DE SANTANA[1]
(coautor)
Resumo: O objetivo do artigo é analisar conceitos jurídicos fundamentais à luz do pensamento de Wesley Newcomb Hohfeld Utiliza-se fundamentação teórica com base em textos do autor e sobre o autor. Trata-se de uma pesquisa descritiva, cujo método empregado é o dedutivo. É dedutivo porque é um processo de análise da informação que utiliza livros e artigos científicos para obter uma conclusão a respeito do problema. O trabalho foi realizado por meio de pesquisas bibliográficas na área de Direito, mais precisamente na área de filosofia do direito.
Palavras-Chave: Conceitos Jurídicos Fundamentais. Hohfeld.
Abstract: The aim of the article is to analyze fundamental legal concepts in the light of Wesley Newcomb Hohfeld’s thought. Theoretical basis is used based on the author’s texts and on the author. It is a descriptive research, the deductive method used. It is deductive because it is an information analysis process that usees books and scientific articles to reach a conclusion about the problem. The work was carried out through bibliographic research in the area of Law, more precisely in the area of philosophy of law.
Keywords: Fundamental Legal Concepts. Hohfeld.
Sumário: 1. Introdução – 2. Conceitos Jurídicos Fundamentais – 3. Conclusão
1. INTRODUÇÃO
Wesley Newcomb Hohfeld foi um professor e jurista norte-americano, lecionando nas Universidades de Yale e da Califórnia. Dentre os seus trabalhos, tem-se o livro Concepções Jurídicas Fundamentais Aplicada na Racionalidade Judicial e Outros Ensaios Jurídicos, no qual estuda os conceitos jurídicos fundamentais aplicáveis a qualquer relação jurídica. No seu trabalho, ele objetivava gerar maior certeza na interpretação jurídica cotidiana dos profissionais do direito (FERREIRA, 2007). Este autor se destaca porque, em suas obras e artigos, estuda a jurisprudência dos Tribunais Norte-Americanos para desenvolver a teoria dos conceitos jurídicos fundamentais.
Hohfeld aponta confusões entre vocábulos jurídicos com vocábulos não jurídicos e afirma que, para que isso não ocorra, é necessário separar relações puramente jurídicas de outras relações oriundas de outros fatos. Isso porque a utilização de ideias provenientes de relações jurídicas e outras relações traz equívocos de interpretação (FERREIRA, 2007). Assim, o autor traz como solução aos problemas de interpretação, e a interpretação errônea dos vocábulos jurídicos, os conceitos fundamentais do direito, que quando aplicados, não deixam dúvidas quanto ao significado do objeto representado (FERREIRA, 2007).
Desse modo, o presente trabalho tem como objetivo analisar os conceitos jurídicos fundamentais à luz do pensamento de Hohfled, desenvolvendo cada um, e fazendo o cotejo analítico e crítico com o pensamento de outros doutrinadores.
2. CONCEITOS JURÍDICOS FUNDAMENTAIS
As situações jurídicas são múltiplas e complexas, e por isso demandam uma grande quantidade de qualificativos deônticos. A deontologia é a ciência que estuda a ética, que estuda o dever-ser. Os deveres e o dever-ser nunca se esgotam, pois são eles que fundamentam o sistema moral. Os qualificativos deônticos não se resumem a expressões como “ações ou omissões juridicamente proibidas, obrigatórias ou permitidas” (Carrió, 1968, p. 7).
Essas expressões qualificativas vão além disso, o direito vai além das normas, vai além de normas proibitivas ou permissivas (a visão da sanção como algo penal foi solidificada pelo positivismo jurídico) – mas existem outras formas de sanção, a sanção premial, por exemplo, que oferece um prêmio a quem cumpre a lei, discutido há muito tempo por Ulpiano (Betioli, 2011, p. 122). Noberto Bobbio (1997), em Dalla struttura alla funzione, observa que é cada vez mais comum no Estado moderno o uso de técnicas de encorajamento para quem cumpre as normas.
Existe um grupo de termos que se localizam, em um nível intermediário, entre as expressões deônticas mais gerais (permissividade e proibitividade jurídica) e as expressões usadas pelos juristas para se referir à Ciência Dogmática do Direito (cessação de pagamento, legítima defesa, hipoteca, ato administrativo, aviso prévio). Para facilitar o estudo, chamaremos as expressões intermediárias de expressões (“B”), os termos deônticos mais gerais de (“A”) e os termos utilizados pelos juristas de (“C”).
Entre as expressões que se encontram dentro das expressões intermediárias, estão “dever jurídico”, “direito objetivo e subjetivo” - não existe oposição nem antítese entre os dois, são termos inseparáveis e complementares, não existe um sem o outro (Betioli, 2011, p. 260), “sanção” etc. e expressões que extrapolam o campo das ciências dogmáticas (direito penal, civil, tributário, constitucional). A linha que separa as expressões intermediárias dos termos utilizados pelos juristas é tênue devido ao caráter universal daquelas.
Os juristas dogmáticos utilizam-se dessas expressões em seus trabalhos para fundamentar seus argumentos – também as usam para descrever e definir suas interrelações, nem sempre obtendo êxito nessa tarefa. Os estudiosos da Filosofia do Direito utilizam-se das expressões intermediárias para classificar as diversas relações existentes no direito e suas formas de aplicação (nem sempre explicando concepções comuns entre os juristas) e, às vezes, até criam novas ideias gerais e abstratas para mostrar os fenômenos jurídicos de formas mais compreensíveis – a norma fundamental (pensada) de Kelsen, por exemplo.
Wesley Newcomb Hohfeld, jurista americano, como já mencionado, foi um estudioso dos fenômenos analíticos jurídicos. O seu trabalho consiste no esclarecimento de conceitos, termos e expressões do direito, independentemente dos valores atribuídos a esses conceitos (Noleto, 2012). O interesse central de Hohfeld encontra-se em dois grupos de termos: “direito subjetivo” e “dever jurídico”. Para ele, cada direito subjetivo gera um dever jurídico em oposição. Sobre a questão, aduz Ferreira (2007):
Além dos problemas e equívocos oriundos da linguagem, outro obstáculo que surge para o entendimento claro, a correta utilização e a solução dos problemas jurídicos pelos operadores do Direito é o fato de a maioria destes reduzir as relações jurídicas a duas meras categorias, quais sejam, direitos contrapostos a deveres jurídicos (direitos versus deveres). Consideram que estas duas categorias seriam suficientes até mesmo para a análise das relações jurídicas mais complexas, entendimento claramente equivocado.
A dificuldade de se trabalhar com esse tema se dá por causa da quantidade de significados que a palavra “direito” pode produzir; por exemplo, quando se diz que “X tem direito a ou o direito de...” ou ainda que “X tem, em face de Y, direito a...”, gera-se ambiguidade, imprecisão e vagueza – direito é uma palavra multívoca, plurívoca. Para Betioli (2011, p. 146 – 148), por exemplo, Existe o Direito-ciência (“direito como um conjunto sistematizado de princípios”), o Direito-fato social (“o direito como um conjunto de fenômenos que ocorrem na vida social”), o Direito-norma (“direito como um conjunto de regras jurídicas”) e o Direito-faculdade (“o direito como o poder ou faculdade de uma pessoa de agir”). O termo dever, nesse exemplo, acaba se tornando circunscrito à acepção que adquire a palavra direito, perdendo sua generalidade.
Esses termos englobam, cada um, uma família de expressões ligadas entre si, não sabendo ao certo se são substituíveis, se são unívocas e se podem ser superpostas. Forma-se aí um caos terminológico-conceitual. Para Hohfeld, um fator de confusão é que os vocábulos jurídicos são, na maioria das vezes, ambíguos. Segundo leciona Ferreira (2007):
O termo direito é utilizado de forma indiscriminada e, portanto, muito abrangente. Ao invés de ser utilizado apenas para significar direito em sentido estrito, Hohfeld percebeu, através da análise de casos concretos da sua época, que o termo também era utilizado por advogados e juízes para significar poderes, imunidades e privilégios9. Apesar de este fato gerar os já abordados equívocos os juristas do final do século XIX e início do século XX mesmo reconhecendo o problema10 não faziam de nada para solucioná-lo.
Relacionadas à palavra “direito” estão: “faculdade jurídica”, “poder”, “interesse legítimo” (bETIOLI, 2011, P. 325), “liberdade”, “privilégio”, “pretensão legítima”, “atribuição”, “garantia”, “capacidade”, “competência”, “autorização”, “permissão”, “licença”, “impunidade”, “concessão”, “título”, “opção”, “limitação de responsabilidade”, “prioridade”, “preferência”, “jurisdição”, “independência” etc. À palavra dever, relacionam-se: “obrigação”, “responsabilidade”, “incapacidade”, “incompetência”, “proibição”, “limitação”, “condição”, “prestação”, “serviço”, “impedimento”, “incompatibilidade”, “ausência de direito”, “restrição” (Carrió, 1968, p. 10).
Para tentar organizar esse caos terminológico, há duas soluções (as mais empregadas) não tão adequadas, já que podem reduzir demasiadamente a significação desses termos.
Uma dessas soluções se fundamenta na redução das concepções ligadas a “direito subjetivo” e “dever jurídico”, fazendo com que essas concepções tenham acepções unívocas e independentes. As correntes doutrinárias modernas colocam o dever jurídico com um fenômeno estritamente normativo. Segundo Kelsen (2011), “o dever jurídico não é mais que a individualização, a particularização de uma norma jurídica aplicada a um sujeito”.
Dessa forma, restringem-se todas as demais expressões a um só significado – o significado do termo em questão –; e se isso não for possível, então se deve atribuir um conteúdo que exprima um sentido claro e relevante para um estudo apoiado em bases científicas. Essa solução, contudo, apresenta problemas: os significados a que se chegam como resultados afastam-se dos usados pelos juristas. Reduz-se e redefinem-se os termos para que eles se adaptem à pureza metódica, dialogando com a Teoria Pura do Direito de Hans Kelsen (em que se restringe o significado de um conceito para melhor defini-lo).
A outra solução consiste em manter-se próximo dos termos (e seus significados) que são usados com frequência, não reduzindo seus significados a um núcleo e não introduzindo proposições que expõem com exatidão os caracteres genéricos e diferenciais dos termos estudados. Essa solução, diferente da outra, parte da fraseologia particular que os juristas utilizam, e pontua a utilidade da percepção da diferença entre as expressões em questão – mesmo que o uso desses termos causem ambiguidades na linguagem e produzam a falsa impressão de que termos diferentes caracterizarão circunstâncias diferentes.
É provável que essa segunda solução seja a utilizada por Hohfeld, apesar de que sejam necessárias demarcações entre as fronteiras terminológicas das expressões mais utilizadas pelos juristas. Hohfeld também é obrigado a inserir um novo nome para cooperar com o trabalho de diferenciação realizado pelos juristas (mas não declarado legitimamente estabelecido por eles). Esse extenso trabalho realizado por Hohfeld objetiva o aperfeiçoamento do método usual de aplicação dos termos jurídicos nas experiências cotidianas do direito; não se identifica, contudo, com a primeira solução exposta, estando longe de métodos reducionistas.
Hohfeld, assim, define oito conceitos jurídicos essenciais, quatro relacionados a “direito subjetivo” e quatro relacionados a “dever jurídico”, aos quais se poderiam reduzir todas as situações jurídicas a eles (Hohfeld se baseia em análises sobre os usos que os juristas fazem em obras teóricas). A palavra direito pode assumir quatro significados principais: “poderes”, “pretensões ou direitos em sentido estrito”, “imunidades” e “privilégios”. Esses significados vão se correlacionar e se opor a outros quatro conceitos: incompetência, não-direito, dever e sujeição.
No grupo dos correlatos, quatro modalidades ativas se relacionam com quatro modalidades passivas. As modalidades ativas definirão os direitos de “X” em relação à “Y”, e as modalidades passivas definirão a sujeição de “Y” em relação à “X”. Os correlatos se organizam da seguinte forma: direito-dever, privilégio-não-direito,
poder-sujeição (poder-submissão), imunidade-incompetência; sendo os primeiros as modalidades ativas e os segundos as modalidades passivas.
Os conceitos opostos se opõem de forma incompatível, não se complementando, ao contrário, se excluem. Eles se objetam da seguinte maneira: direito-não-direito, privilégio-dever, poder-incompetência, imunidade-sujeição; em que as modalidades jurídicas ativas (os primeiros termos) excluem as passivas opostas (os segundos termos). As modalidades ativas não se excluem, da mesma forma que as modalidades passivas também não se excluem.
Exemplificando os correlatos, teríamos que se “X” tem o direito que “Y” faça “A”; então “Y” tem o dever, em consideração a “X”, de fazer “A”. Se “X” tem o privilégio, diante de “Y”, de realizar “A”; então, “Y” tem o não-direito de requerer que “X” se prive de fazer “A”. Se “X” tem o poder de realizar a ação “A”, provocando assim certos efeitos jurídicos sobre “Y”; então a situação jurídica de “Y” será modificada pela ação ”A”, estando em estado de sujeição/submissão em relação a “X”. Se “X” tem imunidade em relação aos atos de “Y” mediante a ação “A”, então “Y” é incompetente para modificar a situação jurídica de “X”, por intervenção da ação “A”. Ferreira (2007) assim exemplifica esta relação:
Nos termos postos por Hohfeld em seu esquema privilégio é o oposto de dever e o correlato de ausência de pretensão. Sendo assim, se X tem o direito ou a pretensão que Y, o outro indivíduo, não possa adentrar suas terras, ele tem, portanto, o privilégio de adentrar suas próprias terras. Em outras palavras, X não tem o dever de ficar fora de suas terras, ou seja, o privilégio de entrar é a negativa do dever de ficar fora. Nesse sentido, podemos traduzir privilégio como não-dever ou ausência de dever.
(…)
Passando agora para a questão dos conceitos correlatos, vale lembrar que um dever é invariavelmente o correlato de direito (pretensão) em uma relação jurídica. Em contrapartida, o correlato de privilégio é a ausência de pretensão (no-right). Por exemplo, o correlato do direito de X que Y não adentre suas terras é o dever que Y tem de não adentrar as mesmas. No entanto, o conceito correlato do privilégio de X de adentrar em suas terras é a ausência de pretensão de Y que X não adentre suas próprias terras. Ou seja, enquanto X possuí o privilégio de adentrar em suas próprias terras, não há nada que Y possa fazer, nenhuma ação perante o Estado que possa impedir que X adentre suas próprias terras, daí o correlato de privilégio no esquema de Hohfeld ser a ausência de pretensão.
Faz-se mister dizer que as relações jurídicas são intersubjetivas, ou seja, estabelecer-se-á a relação entre duas ou mais pessoas (estabelece-se uma bilateralidade em sentido social). Tomás de Aquino chamava essa bilateralidade do direito de “proportio ad alterum”, Dante de “hominis ad hominem proportio”, Stammler de “querer entrelaçante” e Carlos Cossio de “conduta em interferência intersubjetiva” (Betioli, 2011, p. 95). É interessante notar que sempre que algo for pretendido por um sujeito, será em contrapartida devido por outro; não existe direito subjetivo sem que o outro indivíduo tenha que respeitar, ou seja, sempre existirá “um dever jurídico na contrapartida de um direito subjetivo” (Betioli, 2011, p. 325).
A exemplificação dos opostos faz-se do seguinte modo: se “X” tem o direito de que “Y” faça “A”, então “X” tem o não-direito de que “Y” realize “A”. Se “X” tem o privilégio de fazer “A” frente à “Y”, então “X” não tem o dever de fazer “A” em relação a “Y”. Se “X” tem poder para modificar a situação de “Y” mediante a ação jurídica “A”, então “X” não é incompetente para alterar a situação jurídica de “Y” mediante a ação “A”. Se “X” tem imunidade aos atos jurídicos de “Y”, então “X” não está sujeito, não está em estado de submissão em relação a “Y” (referente aos efeitos jurídicos da ação “A”).
Dessa forma, se “X” é dono do objeto “B”, então “X” concentrará direitos em relação às outras pessoas pertencentes à sociedade. “X” terá privilégios, poderes, direitos, imunidades para usufruir (como bem queira) do objeto “B”, podendo outorgar a outro membro o direito, o privilégio, o poder para usá-lo, vendê-lo, ou usufruir dele. Da mesma forma que “X” tem o direito de que outro membro da comunidade não utilize, nem aliene o objeto “B”. Ferreira (2007) assim resume e conclui a relação entre privilégio e dever:
Portanto, pelos exemplos citados, podemos perceber que privilégio, no esquema hohfeldiano, nada mais é do que uma liberdade reconhecida e garantida pela lei. Ou seja, privilégio para Hohfeld, é a liberdade de um indivíduo dentro de uma relação jurídica. Além disso, torna-se claro também que o único conceito correlato dessa liberdade, ou seja, desse privilégio é a ausência de pretensão de terceiros bem como o único conceito fundamental oposto é o dever que os terceiros possuem de não-interferência.
Essa sutilidade analítica excessiva facilita a compreensão deontológica dos termos jurídicos e dos direitos fundamentais, pois foi utilizada por Robert Alexy – influente jurisfilósofo contemporâneo alemão – como ponto de partida para desenvolvimento teórico dos direitos fundamentais, o que ajudou a disciplina jurídica a desenvolver uma teoria constitucional continental.
Outro exemplo que pode ser dado para melhor esclarecer essas relações é o exemplo dos pugilistas – um exemplo não-jurídico – que tem analogia com o conjunto de correlativos “privilégio – não direito” e com o par de opostos “privilégio-dever”.
Utilizando-se do par “direito-dever” poderíamos fazer a seguinte análise: se “X” tem o direito de fazer “A”, então ele tem a permissão de comportar-se daquela maneira e “Y” tem o dever de não impedir que “X” cometa tal ato. Se “X” tem o dever de fazer “A”, então ele está vedado de não cumprir “A”, e “Y” tem o direito de impedir que “X” não faça “A”, “Y” tem o direito de exigir de “X” que este cumpra o ato “A”.
De maneira análoga, “X” e “Y” são os pugilistas, não havendo outras regras a não ser as do boxe. Os dois, dentro do ringue e em combate, possuem direitos e deveres: tem o dever de não dar golpes baixos nem cabeçadas em seu oponente, e possuem o direito de não receber esses golpes. Porém, dentro da lógica “direito-dever”, ocorre uma distorção entre a Lógica Formal/Conceitual e a Lógica dos Fatos/Lógica Real. As regras permitem/autorizam aos boxeadores que eles desfiram golpes impecáveis um no outro, eles são estimulados a fazê-lo e a tentá-lo, sendo premiados por isso de alguma maneira. Contudo, a Lógica Real é ferida ao se dizer que “X” tem o direito de golpear “Y”, pois isso implicaria dizer que “Y” tem o dever de se deixar golpear por “X” ou que “Y” tem o dever de não se defender dos golpes de “X”; o que é um absurdo, já que os dois têm o direito a se defender (e as regras autorizam essa defesa). Mas é claro que se os dois não tem o dever de se deixar golpear, não quer dizer que os dois tenham o direito que o outro não o golpeie. Isso é o que se chama de “proporção objetiva” do direito, ou seja, nenhuma das partes deve ficar a mercê da outra; não é necessário que exista aí o princípio da reciprocidade contratual, basta que a relação entre as partes exclua o “arbítrio” (Betioli, 2011, p. 95).
Ambos os pugilistas têm o privilégio de golpear o outro (mas não o dever), tendo o não-direito correlativo ao privilégio de seu adversário. Contudo, os dois pugilistas devem fazer de tudo para impedir que seu oponente usufrua do privilégio de que possui, não podendo exigir que o outro não se utilize de seu privilégio.
Ninguém tem o direito de agredir outro, ou o dever de se deixar agredir, contudo existem aí normas permissivas, que normatizam os esportes – que funcionam como exceções –, para que os dois se agridam (de acordo com a Lógica Real). Existe nesse caso a institucionalização (legitimação) da luta, que só será inteligível se entendermos os pares “direito-dever” e “privilégio-não-direito”.
Hohfeld não se dispõe a dizer a quais ordenamentos jurídicos são dados privilégios, poderes, direitos etc (pois quem deve fazer isso são os juristas dogmáticos); nem se dispõe a dizer quais são os fatores que levam esses direitos, privilégios, poderes etc a surgirem e nem as consequências de suas utilizações (esse trabalho deve ser realizado pelos sociólogos); muito menos se propõe a dizer se é justo que existam esses direitos, poderes, privilégios etc (esse trabalho deve ser feito pelos políticos, legisladores e filósofos do direito e da política). Hohfeld apenas esclarece o significado das noções fundamentais e suas relações recíprocas, o que ajuda a solucionar os problemas jurídico-analíticos.
3. CONCLUSÃO
Em suma, a mais importante contribuição de Hohfeld é que, através de uma observação empírica da prática do Direito, ele fugiu do reducionismo secular imposto às relações jurídicas: a construção dos conceitos de direitos subjetivos contrapostos a deveres. Hohfeld não criou ou cunhou novos termos ou expressões, ao contrário, ele utilizou os que já existiam para construir a sua teoria, reagrupando estes termos com base nos estudos empíricos de pesquisas jurisprudenciais. A forma como Hohfeld organiza os conceitos fundamentais pode ser utilizada para um melhor raciocínio jurídico e melhor interpretação jurídica.
Além disso, Hohfeld, através da sua pesquisa, é o precursor do movimento realista norte-americano, pois que utiliza a jurisprudência como objeto de estudo para extrair dela os fundamentos e elementos da sua teoria. Sua teoria nem de longe é a mais completa ou livre de falhas e críticas, mas é a pioneira em estudar e sistematizar os conceitos jurídicos fundamentais, base para todas as teorias filosóficas jurídicas modernas.
Referências Bibliográficas
ABBAGNANO, Nicola. DICIONÁRIO DE FILOSOFIA. 3ª Edição. São Paulo. Livraria Martins Fontes Editora LTDA. 1999.
ADEODATO, João Maurício. FILOSOFIA DO DIREITO - Uma crítica à verdade na ética e na ciência. São Paulo. Editora Saraiva. 1996.
AFTALIÓN, Enrique. Et al. INTRODUCCIÓN AL DERECHO. 11ª Edição. Buenos Aires. Cooperadora de Derecho y Ciencias Sociales. 1980.
ASCENÇÃO, José de Oliveira. O DIREITO: INTRODUÇÃO E TEORIA GERAL. 2ª Edição. Rio de Janeiro. Editora Renovar. 2001.
BATISTA, Rosangela de Fátima Jacó e COSTA, José Pereira da. INTRODUÇÃO À CIÊNCIA DO DIREITO. Juazeiro: Ed. e Gráfica Franciscana, 2006.
BETIOLI, Antonio Bento. INTRODUÇÃO AO DIREITO. 11ª Edição. São Paulo. Editora Saraiva. 2011.
BOBBIO, Noberto. DALLA STRUTTURA ALLA FUNZIONE. NUOVI STUDI DI TEORIA DEL DIRITTO. Comunità. Milano. 1977.
CARRIÓ, Genaro R. NOTA PRELIMINAR. In: HOHFELD, W. N. Conceptos jurídicos fundamentales. Buenos Aires: Centro Editor de América Latina, 1968.
DEL VECCHIO, Giorgio. LIÇÕES DE FILOSOFIA DO DIREITO. 5ª Edição. Coimbra. Colecção Studium. 1979.
DICIONÁRIO HOUAISS DA LÍNGUA PORTUGUESA. Organização: Antônio Houaiss, Mauro de Salles Villar e Francisco Manoel de Mello Franco. 1ª Edição. Rio de Janeiro. Editora Objetiva. 2009.
FERRAZ JR., Tércio Sampaio. INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO. 6ª Edição. São Paulo. Editora Atlas S.A. – 2011.
FERREIRA, Daniel Brantes. Wesley Newcomb Hohfeld e os conceitos fundamentais do Direito. In: Revista Direito, Estado e Sociedade, n.31, p. 33 a 57, jul/dez 2007.
FREITAS, Juarez. AS GRANDES LINHAS DA FILOSOFIA DO DIREITO. Caxias do Sul. Editora Educs. 1986.
GOMES, Orlando. INTRODUÇÃO AO DIREITO CIVIL. 3ª Edição. Rio de Janeiro. Forense. 1971.
GONZAGA, Alvaro de Azevedo e CARNIO, Henrique Garbellini. CURSO DE SOCIOLOGIA JURÍDICA. São Paulo. Editora Revista dos Tribunais. 2011.
GUIMARÃES, Deocleciano Torrieri. DICIONÁRIO TÉCNICO JURÍDICO. São Paulo. Rideel. 1995.
GUSMÃO, Paulo Dourado de. INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO. 10ª Edição. Rio de Janeiro. Editora Forense. 1984.
__________________________. FILOSOFIA DO DIREITO. 5 Edição. Rio de Janeiro. Editora Forense. 1999.
KELSEN, Hans. TEORIA PURA DO DIREITO. 8ªEdição. São Paulo. Editora WMF Martins Fontes. 2011.
NADER, Paulo. FILOSOFIA DO DIREITO. 8ª Edição. Rio de Janeiro. Editora Forense. 2000.
NARDI-GRECO, Carlo. SOCIOLOGIA GIURIDICA. Torino: Fratelli Boca. 1907.
NAÚFEL, José. NOVO DICIONÁRIO JURÍDICO BRASILEIRO. 7ª Edição. São Paulo. Editora Parma LTDA. Vol. 3. 1984.
NEUMANN, Ulfrid. TEORIA CIENTÍFICA DA CIÊNCIA DO DIREITO. in: KAUFMANN, A.; HASSEMER, W. Introdução à filosofia do direito e à teoria do direito contemporâneas; revisão cientifica e coordenação de António Manuel Hespanha; tradução de Manuel Seca de Oliveira. 2ª edição. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2002.
NOGUEIRA, Rubem. CURSO DE INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO. 2ª Edição Ampliada. São Paulo. Editora Revista dos tribunais. 1989.
NOLETO, Mauro Almeida. W. N. HOHFELD E OS CONCEITOS JURÍDICOS FUNDAMENTAIS. Disponível em: <http://constitucional1.wordpress.com/2009/06/03/w-n-hohfeld-e-os-conceitos juridicos-fundamentais/>. Acesso em: 6 abril 2012.
OLIVEIRA, Deivide Garcia da Silva. POPPER, SER OU NÃO SER? Revista Conhecimento Prático Filosofia. São Paulo. Escala Educacional. N. 17.
RADBRUCH, Gustav. FILOSOFIA DO DIREITO. 6ª Edição. Coimbra. Colecção Studium. 1979.
[1]Especialista em Direito Processual Civil pela Faculdade Damásio, Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, advogado.
MBA Executivo em Gestão Estratégica de Inovação Tecnológica e Propriedade Intelectual; Especialista em Direito Constitucional pela Universidade Cândido Mendes; Especialista em Direito Penal pela Damásio Educacional e Ibmec; Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Prominas; Especialista em Ciência Política pela UNIBF. Bacharela em Direito pela Universidade do Estado da Bahia (UNEB). Professora de Direito Constitucional da Autarquia Educacional do Vale do São Francisco – AEVSF (FACAPE - Faculdade de Petrolina), Advogada.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: RIBEIRO, Jéssica Cavalcanti Barros. Conceitos jurídicos fundamentas à luz do pensamento de Hohfeld Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 29 out 2021, 04:47. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/57339/conceitos-jurdicos-fundamentas-luz-do-pensamento-de-hohfeld. Acesso em: 21 nov 2024.
Por: Wilson Carlos Mucapola
Por: eduardo felipe furukawa
Por: Luiz Vidal da Fonseca Júnior
Por: Anthony Gregory Farias Rodriguez
Por: ARQUIMEDES TORRES DE MELO REVOREDO
Precisa estar logado para fazer comentários.