Resumo: O presente artigo busca analisar a interseção das normas de direito privado e de direito administrativo nos contratos administrativos. Explico brevemente a intervenção do Estado na ordem econômica, sintetizo os elementos essenciais do contrato administrativo, e então analiso os pincípios do regime privado e regime público aplicáveis aos contratos administrativos, inclusive as situações em que tais princípios colidem e aponto alguns casos relevantes extraídos da jurisprudência do STF.
Palavras-chave: Contrato administrativo. Princípios do contrato administrativo.
Tarefa verdadeiramente difícil é escrever sobre o tema desse artigo, não só por sua complexidade, mas, principalmente, pelo fato de que juristas magistrais já se encarregaram dessa tarefa.
Há vasto e excelente material para pesquisa a respeito dos contratos administra- tivos (principalmente pelos ilustres juristas que tornaram a PUC-SP referência no direito administrativo brasileiro). Ainda assim, a discussão acadêmica segue sua marcha e, nessa toada, propomos-nos apresentar mais um olhar nesse tópico, ainda mais agora que os contratos de direito administrativo voltaram às manchetes com aquisições para combater a pandemia ou com os riscos de desabastecimento energético.
O primeiro obstáculo a ser superado é a aparente oposição entre o direito público e o direito privado, como se o primeiro fosse de um direito puramente social e solidário enquanto que o segundo representasse a especulação financeira e o oportunismo egoístico dos indivíduos. Essa é uma premissa falsa, que ignora a integridade do atual sistema jurídico.
Assim como o direito privado sofreu profundas alterações para acomodar normas de ordem pública aplicáveis aos contratos entre particulares, o direito administrativo também se desapegou de concepções tradicionais e muito arraigadas no liberalismo econômico para abraçar uma nova realidade em que as atividades econômicas privadas e os serviços públicos dividem regulações comuns e competem em termos de eficiência e qualidade perante a sociedade-cliente. Ou, como no caso mais comum das manchetes atuais, como o direito administrativo pode “contratar” melhor e mas rápido tendo em vista a Pandemia de Covid-19.
Precisamos refletir sobre o impacto que esse avanço gerou na interpretação dos contratos administrativos. Revisitar suas características e investigar os princípios comuns que guiam os contratos regidos pelo direito privado e pelo direito público. Da mesma forma, devemos buscar sopesar princípios colidentes decorrentes de ambos os regimes jurídicos e verificar de que forma eles constroem o contrato administrativo.
Esse é o eixo temático do presente artigo. Certamente que as ponderações aqui apresentadas estão longe de arrematar a questão. O que podemos afirmar é que a Administração Pública não pode afastar-se dos deveres sociais trazidos pela boa-fé, função social e outros princípios integradores do direito contratual brasileiro, mas ao mesmo tempo deve buscar formas – lícitas, legítimas, no interesse público – de contratação mais rápidas e diferenciadas, em especial diante da situação diferenciada da Pandemia. E, ao contrário do que se poderia supor, o Estado não sairá mais fraco desse novo processo de integração, mas mais forte e mais alinhado aos anseios da sociedade e ao interesse público que o guia.
Para tanto, o artigo foi dividido em quatro seções. A primeira seção traz uma breve análise da intervenção do Estado na ordem econômica.
A segunda seção analisa a interseção das regras do direito administrativo e do direito privado nos contratos administrativos, primeiro traçando a diferença entre os tipos de contratos celebrados pela Administração, para depois delinear as principais características dos contratos administrativos e, então, analisar os princípios comuns e os princípios colidentes de cada um dos regimes jurídicos aplicáveis. A interseção para a necessária evolução interpretativa dos contratos de direitos administrativos mostrar-se-á com todas as suas matizes aqui.
Na terceira seção foram trazidos alguns casos relevantes colhidos da jurispru- dência do Supremo Tribunal Federal para demonstrar como os princípios da teoria geral dos contratos de direito privado e do direito administrativo têm sido aplicados nos casos concretos.
Por fim, a última seção arremata as ponderações e a pesquisa realizada na expec- tativa de que o tema seja ainda mais debatido e que as questões aqui expostas sejam úteis para a resolução dos problemas que não puderam ser tratados nesta oportuni- dade.
O envolvimento do Estado na economia é um fato irreversível. Os diferentes contextos históricos e regimes econômicos mostram os erros e acertos da intervenção estatal na atividade econômica e ajudaram a moldar o arcabouço jurídico para essa relação entre o Estado e os particulares.
Hoje é impossível imaginar a sobrevivência do regime capitalista sem qualquer interferência estatal. A Pandemia de Covid é exemplo fático incontestável: compra de vacina sem licitação, governo mudando rotas de suprimento de produtos da área médica e “alugando” leitos de hospitais privados, enfim, tudo a evidenciar que o Estado – além de financiar as atividades de compras de título de instituições públicas, programas sociais de sobrevivência – que já era persente far-se-á ainda mais presente. Afinal, as imperfeições do sistema econômico reclamam novas funções a serem exercidas pelo Estado, que ultrapassam o mero poder emissor de moedas e o poder de polícia para alcançar um novo papel de agente regulador da própria economia do país.
A busca pelo desenvolvimento é um objetivo elevado a condição de ideal social, como ensina Eros Roberto Grau e, sendo assim, essa busca depende de uma aliança entre o setor privado e o setor público[1].
Assim, o Estado atua de forma ampla, para além da esfera do público e adentra a esfera do privado, em legítima intervenção, como ensina Eros Grau, uma vez que se trata de atuação em área de outrem - a atuação do Estado além da esfera do público para alcançar o domínio econômico (área do setor privado) é intervenção estatal[2].
À medida que o Estado intervém na atividade econômica, a resposta social varia conforme o contexto político, econômico e histórico. A tendência neoliberal dos últimos anos reclama do Estado uma interferência menor - exceto, claro, diante de crises econômicas severas ou setores que dependem da atuação estatal para garantir determinadas necessidades coletivas, de interesse geral. Tendência essa que virou de ponta cabeça desde Março de 2020, com os programas de liquidez e compras de títulos de todos os governo do mundo Ocidental.
A esse respeito, observa Subrá:
“En tal contexto, dejamos asentado que es deseable que exista asimismo una cierta atenuación de la preeminencia del Estado, lo cual trae aparejado cambios en el derecho administrativo. Pero también parece, y esto es igualmente generador de una renovación del derecho administrativo, que el Estado sólo seguirá siendo un actor privilegiado e indispensable a condición de que sepa transformar sus modalidades de intervención.” (SUBRÁ, 1993, p. 64)
Nossa Constituição, notadamente dirigente, traçou metas, programas de ação e objetivos para a atuação do Estado no domínio econômico. O art. 174 da Carta Magna estabelece que o Estado, como agente normativo e regulador da atividade econômica, exercerá as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e apenas indicativo para o setor privado. Essas funções, acompanhadas da função empresarial prevista no art. 173, estabelecem a forma de intervenção estatal na ordem econômica.
Celso Antonio Bandeira de Mello explica a intervenção do Estado na ordem econômica da seguinte forma:
“Considerando-se panoramicamente a interferência do Estado na ordem econômica, percebe-se que esta pode ocorrer de três modos; a saber: (a) ora dar-se-á através de seu “poder de polícia”, isto é, mediante leis e atos admi- nistrativos expedidos para executá-las, como “agente normativo e regulador da atividade econômica” — caso no qual exercerá funções de “fiscalização” e em que o “planejamento” que conceber será meramente “indicativo para o setor privado” e “determinante para o setor público”, tudo conforme prevê
o art. 174; (b) ora ele próprio, em casos excepcionais, como foi dito, atuará empresarialmente, mediante pessoas que cria com tal objetivo; e (c) ora o fará mediante incentivos à iniciativa privada (também supostos no art. 174), estimulando-a com favores fiscais ou financiamentos, até mesmo a fundo perdido“.(MELLO, 2010, p. 795)
Eros Grau resume da seguinte maneira:
“As atividades econômicas em sentido estrito, embora de titularidade do setor privado, podem, não obstante, ser exploradas pelo Estado. Isso poderá ocorrer tanto nas hipóteses enunciadas pelo art. 173 da Constituição – isto é, se a exploração direta, pelo Estado, for necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo – quanto nos casos nos quais tal tenha sido determinado pela própria Constituição.”(GRAU, 2010, p. 126)
Os limites dessa interferência na atividade econômica foram bem observados por Cassagne:
“En síntesis, si el bien común que constituye el fin o causa final del Estado posee naturaleza subsidiaria y se encuentra subordinado al mantenimiento y al desarollo de la dignidad de las personas que forman parte de la sociedad civil, el Estado no puede absorver y acaparar todas las iniciativas individuales y colectivas que se generan en el seno de aquélla. En otros términos, que la subsidiariedad es una obligada consecuencia de la propria naturaleza de la finalidad que el Estado persigue y el presupuesto indispensable para el ejercicio de las libertades del hombre.” (CASSAGNE, 1992, p. 129)
E, levado por um espírito moderador, Subrá alerta:
“Es legítimo admitir que el Estado deba permanecer como responsable de las regulaciones esenciales de la vida social y que, desde esta perspectiva, los princípios de igualdad y de interés general continuarán siendo las justificaciones esenciales de sus intervenciones.” (SUBRÁ, 1993, p. 88
Para materializar a atuação estatal no setor privado, o Estado pode atuar como verdadeiro empresário, utilizando a figura da empresa para realizar parcela de suas ati- vidades, mediante a constituição de empresas públicas ou aplicando recursos públicos em empresas privadas, com diferentes formas de parceria (associação, aquisição de participação acionária, crédito privado, dentre outras).
Outro modo de atuação decorre da interação do Estado com os particulares mediante a celebração de contratos - que é o que interessa para o presente artigo. Tais contratos podem seguir o regime do direito público ou do direito privado, conforme será melhor explicado a seguir.
Voltando ao exemplo da Pandemia: alguém justificaria que deveria o Estado não ter feito o auxílio emergencial? Ou que para a compra de vacina deveria ter feito licitação entre as fabricantes, perdendo ainda mais vidas? A excepcionalidade da situação e o sopesamento entre vidas e segurança, seguramente, com o perdão do quase pleonasmo, favorece o primeiro princípio.
3.1 Contratos administrativos e contratos celebrados pela Administração Pública
Contrato é um acordo de vontades firmado livremente entre as partes para criar obrigações e direitos recíprocos. Como pacto social, é realizado entre pessoas que se obrigam a prestações mútuas e equivalentes em encargos e vantagens.
Na lição de Clovis Bevilacqua:
“Entre os atos jurídicos, estão os contratos, por meio dos quais os homens combinam os seus interesses, constituindo, modificando ou solvendo algum vínculo jurídico.” (BEVILAQUA, 1954, p. 132)
O contrato é uma figura típica do direito privado. A Administração Pública vale-se desse instituto para celebrar contratos com os particulares que são regidos por normas do direito privado (contratos privados celebrados pela Administração Pública) ou com ajustes necessários para a celebração de negócios públicos (contratos administrativos).
De acordo com Bielsa (1964, p. 173), conforme citado por Cassagne (1975, p. 415), tanto os contratos regidos pelo direito público como os contratos de direito privado compartilham uma identidade teórica:
“Para BIELSA, hay identidad conceptual desde el punto de vista jurídico entre ambas clases de contrato y las diferencias que la doctrina pretende encontrar no son exclusivas de los contratos de Derecho público (Ej., desigualdad de las partes), sino que también se encuentran en los contratos de Derecho privado.” (CASSAGNE, 1975, p. 415)
Dessa forma, os contratos celebrados pela Administração Pública abrangem aqueles regidos por normas de direito público ou privado. Em ambos os casos, as formalidades e condições para estipulação e aprovação são disciplinadas pelo Direito Administrativo. A diferença está no regime jurídico que rege a relação entre as partes[3], conforme lição de Celso Antonio Bandeira de Mello:
“Ditos contratos diferem entre si quanto à disciplina do vínculo. Isto é: enquanto os contratos de Direito Privado travados pela Administração regulam- se em seu conteúdo pelas normas desta província do Direito — ressalvados os aspectos supra-referidos —, os “contratos administrativos” assujeitam-se às regras e princípios hauridos no Direito Público, admitida, tão-só, a aplicação supletiva de normas privadas compatíveis com a índole pública do instituto.“ (MELLO, 2010, p. 615)
Nos contratos privados celebrados pela Administração Pública, o particular e a Administração Pública compartilham o mesmo nível na relação jurídica - essa relação é caracterizada pela horizontalidade. Já nos contratos administrativos, a Administração atua como poder público, de modo que a relação entre particular e Administração é caracterizada por sua verticalidade.[4]
Maria Sylvia Zanella Di Pietro observa que a maioria dos administrativistas brasileiros entendem que o contrato administrativo é uma espécie do gênero contrato, com características próprias, sujeito ao regime jurídico de direito público, que derroga e extrapola o direito comum.[5]
Já Celso Antonio Bandeira de Mello afirma que as prerrogativas legais da Administração ao celebrar contratos com os particulares a colocam em posição privilegiada e subvertem profundamente a noção de contrato trazida pela teoria geral do Direito, levando a questionar se o contrato administrativo realmente poderia ter essa titulação.[6]
Referido jurista e professor adota uma posição minoritária diante dos demais administrativistas brasileiros. É inegável que o acordo de vontades em igualdade de condições característico dos contratos privados sucumbe às normas de direito público, que confere à Administração Pública supremacia diante do particular, inclusive para estipular as cláusulas contratuais de modo unilateral. No entanto, o contrato depende da anuência do particular, que voluntariamente se apresenta para participar do processo de licitação ou outro procedimento aplicável para a celebração do contrato. Após a celebração do contrato, nascem direitos e obrigações para as partes, conformados por princípios consagrados tanto no direito público como no direito privado. Aliás, a tendência de publicização do direito privado tem se manifestado há muito tempo na jurisprudência pátria. Assim, o formalismo para classificar o contrato administrativo sucumbe às intereseções hodiernas entre direito público e direito privado, tornando quase que obsoleta essa discussão.
Odete Medauar traz uma visão mais abrangente a respeito do contrato administrativo:
“Na verdade, tanto os contratos administrativos clássicos, como os novos tipos contratuais, incluem-se numa figura contratual, num módulo contratual. Tal afirmação pode ser feita se for deixada de lado a concepção restrita de contrato, vigente no século XIX, centrada na autonomia da vontade, na igualdade absoluta entre as partes e na imutabilidade da vontade inicial das mesmas. Se for retomada a idéia básica do contrato, predominante na Grécia clássica e no Direito Romano mais antigo, centrada no ”intercâmbio de bens e prestaçòes“, regido pelo direito, pode-se cogitar de um módulo contratual, formado por vários tipos de contrato, com regimes jurídicos diversos.” (MEDAUAR, 1996, p. 234)
Hely Lopes Meirelles entende que a Administração Pública utiliza a instituição do contrato em sua “pureza originária” (contratos privados celebrados pela Administração) ou com as adaptações necessárias para celebrar negócios públicos (contratos administrativos propriamente ditos), mas a teoria geral dos contratos é a mesma para os contratos privados e contratos públicos - sendo que estes são regidos por normas de direito público, aplicando o direito privado apenas supletivamente (sem jamais afastar as regras privativas da Administração).[7]
Após essas observações, o ilustre jurista define o contrato administrativo da seguinte maneira:
“Contrato administrativo é o ajuste que a Administração Pública, agindo nessa qualidade, firma com particular ou outra entidade administrativa para a con- secução de objetivos de interesse público, nas condições estabelecidas pela própria Administração.” (MEIRELLES, 2016, p. 239)
Na linha do que ensinou Hely Lopes Meirelles, acolhemos o contrato administrativo com todas as suas peculiaridades, mas sem abandonar os traços da teoria geral do contrato que lhe são aplicáveis. De fato, a harmonia dos interesses entre as partes almejada nos contratos privados transfigura-se na busca pelo interesse público, como ensina Caio Tácito:
“De logo se destaca, no contrato administrativo, o fim de interesse público, de tal modo que a tônica do contrato se desloca da simples harmonia de interesses privados para a satisfação de uma finalidade coletiva, no pressuposto da utilidade pública do objeto do contrato.”
O enquadramento do contrato administrativo como uma espécie de contrato permite listar características básicas compartilhadas com os demais contratos, conforme lição de Meirelles Teixeira[8]:
“a) um acordo voluntário de vontades, indissoluvelmente ligadas uma à outra, reciprocamente condicionante e condicionada, coexistentes no tempo, formando uma vontade contratual unitária;
b) os interesses e finalidades visados pelas partes apresentam-se contraditórios e opostos, condicionando-se reciprocamente, uns como causa dos outros;
c) produção de efeitos jurídicos para ambas as partes, ou seja, criação de direitos e obrigações recíprocos para os contratantes; daí a afirmação de que faz lei entre as partes.“
Dessa forma, o contrato administrativo guarda traços da autonomia da vontade, cria lei entre as partes (lex inter partes), apresenta concurso bilateral de vontades, recepciona interesses contrapostos que são reciprocamente condicionados.
3.2 Elementos essenciais do contrato administrativo
O contrato administrativo compreende diversas figuras jurídicas. Adotaremos a classificação feita por Hely Lopes Meirelles:
“O contrato administrativo é sempre consensual e, em regra, formal, oneroso, comutativo e realizado intuitu personae. É consensual porque consubstancia um acordo de vontades, e não um ato unilateral e impositivo da Administração; é formal porque se expressa por escrito e com requisitos especiais; é oneroso porque remunerado na forma convencionada; é comutativo porque estabelece compensações recíprocas e equivalentes para as partes; é intuitu personae porque deve ser executado pelo próprio contratado, vedadas, em princípio, a sua substituição por outrem ou a transferência do ajuste.“ MEIRELLES, 2016, p. 240)
Marçal Justen Filho desenha uma classificação mais global dos contratos celebrados pela Administração Pública, definindo que o contrato administrativo (em sentido amplo) é um gênero composto por 3 espécies de contratos:(i) acordos de vontade da Administração; (ii) contrato administrativo em sentido restrito (contratos de colaboração ou de delegação de competência); e (iii) contratos de direito privado.[9]
Os acordos de vontade são instrumentos regulatórios que ordenam as condutas necessárias para produção de efeitos relevantes para a sociedade. Já o contrato administrativo em sentido restrito representa um acordo de vontades para satisfazer de modo direto as necessidades da Administração Pública (bens, serviços ou obras) ou para delegar a um particular a prestação de serviço público. Por fim, os contratos de direito privado que se sujeitam ao regime administrativo apenas acessoriamente.
Além dessas características, o contrato administrativo depende de prévia licitação (exceto nos casos legalmente dispensados) e a Administração Pública goza de supremacia de poder, verificada na faculdade de impor as chamadas cláusulas exorbitantes.
As cláusulas exorbitantes são aquelas que excedem o regime do direito privado para garantir uma vantagem ou uma restrição à Administração Pública ou ao contratado. Conforme lição de Hely Lopes Meirelles, a cláusula exorbitante não seria lícita em um contrato privado devido à desigualdade que provocaria na relação entre as partes para a execução do contrato. No entanto, tais cláusulas são válidas no contrato administrativo (desde que decorrentes de dispositivo legal ou princípios do direito público) porque decorrem da supremacia do interesse público sobre o interesse privado.
As principais cláusulas exorbitantes são aquelas que permitem a alteração e rescisão unilateral do contrato; a garantia do equilíbrio econômico e financeiro; a revisão de preços e tarifas; a inoponibilidade da exceção de contrato não cumprido; o controle do contrato, a ocupação provisória e a aplicação de penalidades contratuais pela Administração.
Sobre o prazo de vigência, a regra geral é que o contrato administrativo não pode ser pactuado por prazo indeterminado – exceto nos seguintes casos: a Administração como usuária de serviço público oferecido em regime de monopólio (art. 109 da Lei 14.133/2021).
Todas essas regras gerais e padrões estão em mutação com a Pandemia de Covid. Não vamos emitir opinião sobre se havia vacinas ou não para serem compradas, mas todos sabemos que havia no Contrato – conforme revelado por todos os jornais – de uma fabricante americana, diversos itens não comuns para o padrão brasileiro: sem licitação, submetendo-se a corte estrangeira como País, volume mínimo com pagamento adiantado, enfiam, muitas regras que inverteram e subverteram o padrão das regras. Com erro? Só o tempo confirmará a resposta, mas aparentemente não, pois ainda que a fabricante americana possa ter aplicado a melhor ciência, ela o fez em tempo incomum, sem aguardar todos os tempos de testes e, mais importante, fê-lo ainda de vírus novo a ser combatido com tecnologia nova, ao passo que o Governo, para alguns tarde para outros não, firmou as aquisições fugindo do padrão de contratos administrativos, provavelmente pela funcionalidade esperada de suas decisões: salvar vidas, ainda que sem a observância das regras dos contratos administrativos.[10]
3.3 Princípios comuns dos contratos administrativos e contratos privados
Observadas as características comuns entre contratos administrativos e contratos privados, podemos afirmar que alguns princípios que norteiam os contratos privados também são aplicáveis aos contratos administrativos. Principalmente diante da atual legislação e tendência jurisprudencial que cada vez mais mitigam as liberdades contratuais para observar interesses públicos.
Segundo Orlando Gomes[11], verifica-se que desde a elaboração da figura do negócio jurídico pelos jusnaturalistas alemães no fim do século XVIII (sucedidos pelos pandectistas), a função e o significado do contrato refletia os pressupostos culturais da época (o que diria nosso renomado civilista com o pressupostos de saúdes desses dois anos). O contrato representava a liberdade de atuação do indivíduo no âmbito jurídico e um meio para exercer o poder de autodeterminação individual, ou seja, representava um instrumento para a manifestação da autonomia privada. Mas esse quadro conceitual foi profundamente alterado com a evolução do fenômeno da contratação. Essa evolução levou à reconstrução do sistema contratual para admitir outras fontes que integram o seu conteúdo além da vontade das partes.
Por outro lado, temos a evolução do Direito Administrativo e das formas de atuação da Administração Pública. Além da contestação do princípio da supremacia do interesse público sobre o privado feito por juristas da atualidade, o direito administrativo brasileiro vem sofrendo profundas modificações desde 1990 com dois movimentos que continuam avançando na atualidade: privatizações e reforma da gestão pública.[12]
Ademais, a atuação da Administração Pública não mais se restringe pelo espartilho da unilateralidade e imposição via ato administrativo, mas evoluiu para dar lugar ao consenso como forma de pautar as relações jurídico-administrativas, ganhando ainda maior expressividade o contrato administrativo e a expansão do modo de atuação contratual da Administração Pública.[13]
Diante dessa porosidade entre direito público e direito privado, vale destacar que o Código Civil de 2002 incorporou princípios constitucionais do regime público aplicável aos contratos administrativos. Trata-se de princípios que humanizaram as relações contratuais e as colocam em consonância com interesses supraindividuais. Assim, temos princípios comuns aplicáveis aos contratos administrativos e aos contratos regidos pelo direito privado.
3.3.1 Princípio da função social do contrato
A função social do contrato guarda conteúdo de direito público, sendo norma de ordem pública aplicável a todos os contratos. Trata-se de princípio que transcende a esfera dos interesses individuais para englobar interesses que só ganham sentido no plano individual enquanto integrantes de um centro de interesse coletivo (como é o caso da proteção ao meio ambiente) - características típicas do interesse institucional, conforme lição de Calixto Salomão Filho. O respeitado jurista também afirma que o sentido da justificação do contrato conforme a sua função social guarda estreita relação com o reconhecimento de que o contrato, mesmo que entre particulares, representa um instrumento de organização social e econômica e, dessa forma, deve considerar os interesses institucionais que o cercam. Desse modo, o princípio da função social exige a individualização de cada uma das obrigações do contrato e verificada a compatibilidade com a função social, como requisito de eficácia da obrigação principal, perante terceiros e entre as partes.[14]
Além disso, os contratos administrativos são essencialmente revestidos de interesse social - a finalidade pública está presente em todos os contratos celebrados pela Administração Pública, sob pena de desvio de poder.[15] Nesse sentido, o artigo 89 da Lei 14.133/21 remeteu de forma supletiva os princípios da teoria geral dos contratos e as disposições de direito privado ao contrato administrativo. E o artigo 421 do Código Civil determina que “a liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato”.
O princípio da função social do contrato reflete o caráter protetivo dos interesses da sociedade atingidos pelo contrato entre as partes. João Negrini Neto, citando Silvio Luis Ferreira da Rocha, esclarece que o citado princípio retrata o contrato como instrumento social e constitui um instrumento relevante de controle judicial do conteúdo, dos fins e dos efeitos do contrato.[16]
E ainda que o Estado goze de prerrogativas contratuais exclusivas ao celebrar contratos com os particulares, é inegável o atrito legítimo que a função social exerce sobre o instrumento contratual - sendo quase que imediata a correspondência entre função social e interesse público.
A função protetiva da função social do contrato busca garantir a equidade contratual - especialmente para a parte hipossuficiente. Ao aplicarmos esse princípio ao contrato administrativo, não retiramos suas características mas reforçamos o equilíbrio contratual estabelecido no momento da celebração do contrato para impor à Administração o dever de atender o interesse público para que possa exercer suas prerrogativas contratuais. Ou seja, o particular passa a ter uma expectativa legítima de que haja um real interesse público para que a Administração exerça suas prerrogativas e que a verticalidade nessa relação contratual não seja utilizada de modo injustificado pela Administração.
O princípio da função social também consagra o pacta sunt servanda ao impor o cumprimento das obrigações assumidas no momento da celebração do contrato. Assim como o vencedor da licitação espera que sejam observadas as regras estabelecidas no certame licitatório, a Administração também espera que o particular cumpra suas obrigações conforme estabelecidas no contrato, afinal, o contrato administrativo deve nascer de um atendimento ao interesse público.
3.3.2 Princípio da boa-fé objetiva
O principio da boa-fé previsto no art. 422 do Código Civil/2002 impõe aos contratantes o dever de atuar de acordo com um padrão genérico e objetivo de comportamento. Na lição de Judith Martins-Costa, a boa-fé objetiva pode ser caracterizada da seguinte forma:
“Conquanto impossível – tecnicamente – definir a boa-fé objetiva, pode-se, contudo, indicar, relacionalmente, as condutas que lhe são conformes (valendo então a expressão como forma metonímica de variados modelos de comportamento exigíveis na relação obrigacional), bem como discernir funcionalmente a sua atuação e eficácia como (i) fonte geradora de deveres jurídicos de cooperação, informação, proteção e consideração às legítimas expectativas do alter, copartícipe da relação obrigacional; (ii) baliza do modo de exercício de posições jurídicas, servindo como via de correção do conteúdo contratual, em certos casos, e como correção ao próprio exercício contratual; e (iii) como cânone hermenêutico dos negócios jurídicos obrigacionais. Ao assim atuar funcionalmente, a boa-fé serve como pauta de interpretação, fonte de integração e critério para a correção de condutas contratuais (e, em certos casos demarcados em lei, inclusive para a correção do conteúdo contratual).“(MARTINS-COSTA, 2018, p. 44)
Em relação ao Direito Público, a boa-fé é um pilar que assegura a preservação de situações que já foram consolidadas e que geraram expectativas legítimas para os administrados e aos contribuintes, como que um subprincípio da moralidade administrativa.[17]
Volto à questão das vacinas. Assuma-se, para fins de argumentação, que depois de firmado o contrato com a fabricante, o governo viesse a descobrir – novamente, para fins de argumentação - que a fabricante objetivou jurisdição internacional porque sabia – nunca é demais dizer, para argumentação – que a vacina teria problemas sérios na saúde das pessoas e não informou tal fato nem à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), nem ao Governo Federal: poderia ser enquadrada como violadora da boa-fé objetiva e, mais importante poderia o governo anular o contrato em corte brasileira por violação desta cláusula (e também erro de elemento essencial)? Na minha opinião, sim, primeiro porque quem tem o cômodo – poder ter requerido o contrato que quis, mas omitindo fato relevantíssimo – para fins de argumentação) tem o incômodo, como regra básica de direito, quer privado, quer administrativo, evidenciando como a interseção dos ramos faz-se não só necessária, como apropriada.
A boa-fé já se encontra impregnada em outros princípios que regem a atuação da Administração Pública, como os princípios da moralidade administrativa, legalidade, e confiança legítima. Ademais, a boa-fé baliza o exercício de qualquer direito e serve como parâmetro para os limites do cumprimento dos deveres.[18]
É possível afirmar que a boa-fé compensa a desigualdade do administrado frente ao Estado, como meio efetivo para proteger o particular de arbitrariedades.
A boa-fé objetiva exige das partes um comportamento coerente – sem adoção de atitudes que, por sua contrariedade, indiquem desvio de comportamento que importe em deslealdade.
Gordillo, citado por Celso Antonio, ensinou:
“Se dice así que los contractos administrativos son esencialmente de Buena fe, lo que lleva a que la Administración no deba actuar como si se tratara de un negocio lucrativo, ni a tratar de obtener ganancias ilegítimas a costa dél contratista, ni a aprovecharse de situaciones legales o fácticas que la favorezcan en perjuicio dei contratista”.(MELLO, 2010, p. 649)
O contrato administrativo reclama de ambas as partes um comportamento ajustado a certas pautas: (i) o Poder Público busca a satisfação do interesse público que ditou a formação do ajuste, (ii) o particular contratante procura a satisfação de uma pretensão econômica, cabendo-lhe, para fazer jus a ela, cumprir com rigor e inteira lealdade as obrigações assumidas.[19]
A boa-fé como norma de conduta leal impõe às partes um dever de coerência, um dever de não contradição. A esse respeito, nos valemos novamente das lições de Judith Martins-Costa:
“De fato, embora o dever de não agir de modo deslealmente contraditório se manifeste em todos os campos em que delineadas relações jurídicas obri- gacionais, no Direito Administrativo e no Direito Tributário há matizamentos decorrentes da inter-dependência entre o dever de agir segundo a boa-fé, o princípio da supremacia da Administração Pública e a presunção de legiti- midade acostada aos atos da Administração Pública (e, especialmente, do Fisco): a quem tem maior poder cabe, em paralelo, uma responsabilidade ampliada em não atuar contraditoriamente, evitando despertar no adminis- trado/contribuinte expectativas enganosas.” (MARTINS-COSTA, 2018, p. 337)
Outra faceta da proteção à boa-fé do particular que contrata com a Administração Publica está na teoria da aparência. Essa teoria valida as condutas que criam direitos ao administrado. Mesmo diante de um ato nulo da Administração Pública, tal ato opera efeitos válidos e aqueles que contratam com o Poder Público podem confiar legitimamente que seus agentes agem sob o amparo da lei.[20]
Além disso, vale ressaltar que os fins de interesse coletivo e público não corro- boram condutas eticamente reprováveis cometidas pelo Estado. E muito menos dos entes privados contratando com o Estado. As prerrogativas da Administração Pública (especialmente as cláusulas exorbitantes), não a autoriza a infringir a moralidade e a boa-fé, e vice-versa para o particular contratando com a administração.
3.3.3 Lex inter partes e Pacta sunt servanda
Os princípios da força obrigatória dos contratos (lex inter partes) e da imutabi- lidade dos contratos (pacta sunt servanda) são perfeitamente aplicáveis ao contrato administrativo.
Pelo princípio da força obrigatória, o contrato é lei entre as partes. Respeitadas as condições de validade, os contratantes devem executar as cláusulas contratuais como se fossem normas jurídicas e reflete o princípio da autonomia da vontade que rege os contratos em geral.
O contrato administrativo traz nuances diferentes ao princípio da força obrigatória
- principalmente em face da prerrogativa da Administração Pública de alterar unilateral- mente o disposto no contrato - desde que respeitado o equilíbrio econômico-financeiro do contrato. Ainda assim, o primeiro dever que nasce para a Administração assim que celebra o contrato é o cumprimento das obrigações que foram assumidas.
A esse respeito, vale colacionar a lição de Hector Jorge Escola:
“El cocontratante particular tiene el derecho de reclamar que la administración pública cumpla con sus oblígaciones tal como resulten deI contrato, siempre dentro de un plano de buena fe que es inexcusable en las relaciones con quien actúa como un colaborador en la obtención de finalidades que son de interés Público. Tiene también el derecho a percibir el precio fajado en el contrato cualquiera sea su forma y la denominación que se haya atribuido, con arreglo a las modalidades y condiciones que hayan sido estipuladas, debendo la administración respetar su intangibilidad, sin afectarla por medio de actitudes o decisiones que, directa o indirectamente, concurran a variarIo en perjuicio del cocontratante particular.” (ESCOLA, 1989, p. 177)
Esse princípio não tem mais o sentido absoluto que antes possuía - tanto no âmbito privado quanto no público. Em relação ao contrato administrativo, verificam- se as seguintes restrições (I) prerrogativas da Administração Pública para alterar e rescindir de forma unilateral, (ii) restrições ao particular para o exercício da exceção do contrato não cumprido; e (iii) a quase inexistência de instrumentos efetivos para que o contratado imponha à Administração o cumprimento de sua prestação contratual.
Em relação ao princípio do pacta sunt servanda, a imutabilidade dos contratos também encontra respaldo no regime publicista, apesar das mitigações que as prerro- gativas exclusivas da Administração Pública (cláusulas exorbitantes) representam para esse princípio.
O regime de Direito Público impõe à Administração um processo rígido e formal que deve ser seguido para que os contratos com os particulares possam ser celebrados. O inteiro teor do contrato é determinado no instrumento convocatório (ou outro ato em que o contrato se encontra fundido) e na proposta vencedora. A própria Administração não possui ampla liberdade para contratar: sua autonomia é mitigada pelo interesse público que deve nortear a contratação. A motivação do ato administrativo encontra alicerce no interesse público e limita a liberdade de contratar. O contrato deve possuir elementos essenciais para que sejam válidos e eficazes e a Administração deve seguir um procedimento administrativo que também restringe a amplitude de sua autonomia administrativa.
Ademais, a prerrogativa da Administração de alterar as cláusulas contratuais por ato unilateral mitiga esse princípio. Mas, assim como o princípio da lex inter partes, o princípio do pacta sunt servanda também não é mais aplicado de forma absoluta - deve ser sopesado com princípios modernos que regem os contratos, como aqueles que regem a teoria da imprevisão.
3.4 Princípios colidentes dos contratos administrativos e contratos privados
As diferenças e especificidades do contrato administrativo em relação aos contra- tos regidos pelo direito privado serão melhor identificadas na análise dos princípios colidentes. Essa colisão mostrará os limties da interseção entre o direito público e privado nos contratos administrativos.
3.4.1 Princípio da legalidade e autonomia da vontade
Segundo dispõe o princípio da legalidade, a vontade da Administração Pública decorre da lei e só pode fazer o que a lei permite. O princípio da legalidade não permite aplicar de forma absoluta o princípio da autonomia da vontade típico do direito privado, que permite que os particulares façam tudo o que a lei não proíbe.
É indubitável que o regime publicista limita o pleno exercício da autonomia da vontade. Esta apenas se compatibiliza com a função administrativa se obedecer à competência exercida nos limites da legalidade. Também não há possibilidade de discussão livre entre o particular e a Administração Pública para a elaboração do contrato e nem mesmo liberdade de forma - ainda assim, cabe lembrar que o contrato administrativo apenas se aperfeiçoa com a aceitação do particular, que assumirá direitos e deveres perante a Administração Pública.
Por outro lado, o direito sofreu uma alteração radical para firmar a dignidade e a intangibilidade da pessoa. As concepções extremistas do liberalismo deram lugar a uma relativização dos direitos absolutos do indivíduo, da sociedade e do Estado.[21] O conteúdo social do Código Civil de 2002, por exemplo, trouxe normas de ordem pública que não podem ser afastadas por vontade das partes.
A esse respeito, as valiosas observações de Marçal Justen Filho:
“Assim, o direito (público e privado) se desenvolve como instrumento de realização dos fins eleitos pela Nação e consagrados na Constituição. Nenhum direito e nenhum poder é atribuído a um sujeito como forma de satisfação de seus exclusivos interesses. Ou seja, respeitar a dignidade e a integridade da pessoa humana significa assegurar tais valores relativamente a todos os integrantes da comunidade.
Reconhece-se, enfim, a vinculação dos direitos e deveres individuais e co- letivos à consecução de certos fins, que transcendem a situação transitória dos titulares. Faculdades e deveres são limitados por um vínculo inerente, intrínseco e insuprimível com a satisfação daqueles fins. Todo o poder jurí- dico, disciplinado pelo direito público ou pelo direito privado, tem natureza instrumental. É instrumento não de locupletamento individual do titular, mas da realização dos direitos fundamentais.“ (JUSTEN FILHO, 2012)
3.4.2 Igualdade absoluta entre as partes e a supremacia do interesse público
Outro princípio da teoria geral dos contratos afetado pelo regime publicista é o da igualdade absoluta entre as partes. Como anteriormente exposto, a relação jurídica entre particular e Administração Pública guardam contornos de verticalidade. A Administração Pública participa da relação jurídica com supremacia de poder. As cláusulas exorbitantes que constam nos contratos administrativos excedem o equilíbrio contratual previsto para os instrumentos regidos pelo direito privado para consignar vantagens ou restrições para a Administração ou para o particular contratado.
Hely Lopes Meirelles afirma:
“A cláusula exorbitante não seria lícita num contrato privado, porque desigua- laria as partes na execução do avençado, mas é absolutamente válida no contrato administrativo, desde que decorrente da lei ou dos princípios que regem a atividade administrativa, porque visa a estabelecer uma prerrogativa em favor de uma das partes para o perfeito atendimento o interesse público, que se sobrepõe sempre aos interesses particulares.“ (MEIRELLES, 2016, p. 241)
Mesmo que não estejam expressamente previstas nos contratos administrativos, as cláusulas exorbitantes existem implicitamente uma vez que são indispensáveis para assegurar o interesse público sobre o particular.[22]
3.4.3 Preponderância do interesse público e imutabilidade da vontade inicial das partes.
Ainda sobre as cláusulas exorbitantes, vale olhá-las sob o prisma da preponde- rância do interesse público e como ele se coaduna com o princípio da imutabilidade da vontade inicial das partes. Como anteriormente explanado, esse princípio confere segurança jurídica aos contratantes. Ainda que a Administração Pública disponha de prerrogativas que lhe asseguram supremacia diante do particular, inclusive pela possibi- lidade de alteração das cláusulas por ato unilateral, o princípio da imutabilidade confere segurança e estabilidade ao instrumento contratual, além de garantir ao particular a permanência das circunstâncias que o levaram a assumir a condição de contratado, por sua conta e risco, respeitado o interesse público.
Por esse motivo, a conduta da Administração também deve ser pautada pela boa-fé - especialmente no exercício de suas prerrogativas contratuais contidas nas cláusulas exorbitantes e, uma vez configurada situação em que o interesse público exija a alteração unilateral do contrato administrativo, a vontade inicial é preservada (ainda que de forma mitigada) na medida em que o particular tem o direito constitucional de exigir a estabilidade econômico-financeira do contrato administrativo.
Com ainda mais razão, a conduta do contribuinte, em especial em momento de excepcionalidade como a Pandemia, deve ser pautada pela boa-fé. Boa-fé quer dizer envidar o melhor conhecimento científico e informar todos os fatos que tenha conhecimento, tanto para a autoridade de vigilância sanitária quanto para o Ministério da Saúde.
3.4.3 Cláusula rebus sic stantibus, imutabilidade dos contratos e a continuidade do serviço público
A respeito da cláusula rebus sic stantibus e sua aplicação no contrato administrativo - principalmente diante da obrigatoriedade da continuidade do serviço público, cumpre fazer algumas considerações iniciais.
Conforme ensinamento de Orlando Gomes, a cláusula rebus sic stantibus é uma antiga proposição do direito canônico revigorada pelos juristas para justificar as exceções que a equidade impunha ao princípio da intangibilidade do conteúdo dos contratos - em seguida, foi construída a teoria da imprevisão. Referida cláusula era considerada inserta nos contratos de duração e de execução diferida para lhes conferir força obrigatória.[23]
Alvaro Villaça Azevedo resume o conceito da seguinte maneira:
“Essa cláusula rebus sic stantibus protege uma das partes do contrato, quando há impossibilidade de cumprimento da obrigação assumida, por brusca al- teração da situação inicial, em que o contrato nasceu“.(AZEVEDO, 2009, p. 337)
Segundo Silvio Venosa, diante de um elemento inusitado e surpreendente, uma circunstância nova, que ocorra durante a execução do contrato e que coloque em situação de extrema dificuldade uma das partes (implicando uma excessiva onerosidade em sua prestação), poderá haver intervenção judicial no contrato para rever suas condições e, assim, resolvê-lo ou conduzi-lo a níveis suportáveis de adimplemento para o devedor.[24]
Se, por um lado, nenhum particular tem direito à imutabilidade do contrato administrativo, por outro, a Administração não poderá violar o direito do particular de ver mantido o equilíbrio econômico-financeiro originariamente estabelecido.
Conforme disposto no artigo 124, II, “d” da Lei 14.133/21, os contratos poderão ser alterados por acordo entre as partes para “para restabelecer o equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato em caso de força maior, caso fortuito ou fato do príncipe ou em decorrência de fatos imprevisíveis ou previsíveis de consequências incalculáveis, que inviabilizem a execução do contrato tal como pactuado, respeitada, em qualquer caso, a repartição objetiva de risco estabelecida no contrato”.
Trata-se da aplicação da “teoria da imprevisão” no contrato administrativo, que hoje retoma o princípio da cláusula rebus sic stantibus no direito brasileiro. O cerne da questão está nas circunstâncias que envolviam as partes no momento da manifestação de vontade, como ensina Bittencourt:
“A teoria da imprevisão ou a doutrina que faculte a revisão do contrato, no caso de se tornar demasiadamente oneroso o seu cumprimento, terá, neces- sariamente, em qualquer ramo do direito, o mesmo fundamento jurídico. Não é possível querer descobrir-lhe um fundamento diverso em cada um dos vários ramos em que, apenas uma questão de conveniência e para facilidade de estudo, se costuma dividir o direito. O fundamento jurídico está, segundo pensamos, assim no direito público, como no direito privado, na existência implícita da cláusula rebus sic stantibus, porque a manifestação da vontade dos contratantes só pode ser considerada válida em relação aos fatos existentes no momento da constituição do vínculo contratual e àqueles que poderiam ser razoavelmente previstos.“ (BITTENCOURT, 1945, 821-822)
Hely Lopes Meirelles ensina que, diante de eventos “extraordinários, imprevistos e imprevisíveis, onerosos, retardadores ou impeditivos” para a execução do contrato, a parte atingida ficará liberada dos encargos originários e o contrato deverá ser revisto ou rescindido, em consonância com a teoria da imprevisão, provinda da cláusula rebus sic stantibus, conforme seus desdobramentos de força maior, caso fortuito, fato do príncipe, fato da Administração, estado de perigo, lesão e interferências imprevistas.[25] No entanto, alerta o renomado jurista que somente a álea econômica extraordinária e extracontratual, que desequilibra a equação econômico-financeira originalmente ajustada entre as partes, autoriza a aplicação da cláusula rebus sic stantibus.[26]
Nesse aspecto, verificamos que o princípio da imutabilidade dos contratos ganha outros contornos no contrato administrativo. Enquanto que no direito privado prepondera a irretratabilidade do que foi originalmente ajustado, no direito administrativo a mutabilidade é um fator presente na dinâmica contratual (faculdade assistida à Administração por meio das cláusulas exorbitantes) - respeitadas as bases do negócio para evitar o desequilíbrio econômico-financeiro. No caso da vacinas, para manter o exemplo, ousamos dizer que a mutabilidade por conveniência (por exemplo vacina mais barata) da administração não poderia ser invocada, também da boa-fé, que só permitiria a rebus sic stantibus SE e ENQUANTO a contratação fosse por conveniência, que não foi o caso.
Essa mutabilidade pode favorecer o particular na operacionalização do contrato pois a Administração será sempre obrigada a respeitar a intangibilidade do equilíbrio econômico-financeiro originalmente ajustado - dessa forma, o particular acaba evi- tando as grandes discussões que um contrato regido pelo direito privado ensejaria diante da aplicação da teoria da imprevisão.
Claro que, na hipótese de contrato de concessão, o concessionário está obrigado a suportar o prejuízo para garantir que não haja suspensão do serviço público (aplicação do princípio da continuidade), restando-lhe exigir da Administração a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro do contrato para restabelecer as margens de ganho originalmente previstas.
Mais um exemplo concreto, que infelizmente nos aflige, está no uso de termoelétricas com o aumento de custos pela escassez dos reservatórios de água. O preço é aprovado pela ANEEL após analisar as planilhas de custos dos produtores de energia – produtores esse que, para o período que o governo previu de escassez hídricas, vão usar gás de compromissos de longo prazo. Hora, e oxalá que sim, voltando as chuvas, poderia o governo federal cancelar ou reverter os contratos aditivos assinados com os produtores de energia elétrica? Em nossa opinião não, primeiro porque haveria desequilíbrio econômico-financeiro contra os produtores que se comprometeram com os aditivos contratuais de longo prazo, segundo porque seria uma imoralidade administrativa, em evidente violação ao clausulado geral de boa-fé.
3.4.4. Princípio da exceção do contrato não cumprido e continuidade do serviço público
Outro princípio que merece atenção pela forma como é aplicado no contrato administrativo é a exceção do contrato não cumprido. Nos contratos regidos pelo direito privado, a parte que descumprir sua obrigação não poderá exigir da outra parte que execute a sua (art. 476 do Código Civil). Por outro lado, no regime publicista, o particular não pode se recusar a cumprir suas obrigações diante da possibilidade de que a Administração não cumpra as suas.
A antiga lei de licitações (Lei 8.666/93) estabelecia que, na hipótese de ação ou omissão da Administração Pública que incidisse diretamente sobre o contrato, impedindo ou retardando sua execução (denominado por Hely Lopes Meirelles como “fato da Administração”), o particular poderia requerer a rescisão do contrato (de forma amigável ou judicialmente), por culpa do Poder Público. Contudo, o particular não poderia paralisar de forma sumária os trabalhos com base na exceptio non adimplenti contractus, que era inaplicável aos ajustes administrativos, a não ser que houvesse atraso superior a noventa dias dos pagamentos devidos pela Administração (artigo 78, XV da Lei 8.666).[27]
Outra hipótese que assistia ao particular estava no inciso XIV do artigo 78 da antiga Lei 8.666, que autorizava expressamente o particular a suspender o cumprimento de suas obrigações no caso de suspensão da execução do contrato, por ordem escrita da Administração, por prazo superior a 120 dias ou por repetidas suspensões que totalizem o mesmo tempo (ressalvadas as situações excepcionais ali referidas).
A atual lei de Licitações e Contratos Administrativos (Lei 14.133/2021) trouxe inovações a respeito desse tema.
Ou seja, a lei assegurou ao particular algumas hipóteses da exceção do contrato não cumprido, superando também a discussão a respeito de sua aplicação ao contrato administrativo. Cabe observar que o formalismo que rege a relação entre Administração e particular exige do particular certos cuidados para formalizar a justificativa e o preceito legal que suporta a suspensão do cumprimento de suas obrigações contratuais.
3.4.5 Princípio do venire contra factum proprium e o princípio da legalidade
O princípio do venire contra factum proprium também merece especial atenção no contrato administrativo, que proíbe o comportamento contraditório. O jurista An- derson Schreiber, em sua obra dedicada ao tema, constrói quatro requisitos para a incidência do venire contra factum proprium:
“À luz destas considerações, pode-se indicar quatro pressupostos para a aplicação do princípio de proibição ao comportamento contraditório: (i) um factum proprium, isto é, uma conduta inicial, (ii) a legítima confiança de outrem na conservação do sentido objetivo desta conduta, (iii) um comportamento contraditório com este sentido objetivo (e, por isto mesmo, violador da confi- ança) e, finalmente, (iv) um dano ou, no mínimo, um potencial de dano a partir da contradição“. (SCHREIBER, 2016, p. 127)
O conflito pode surgir quando a Administração, mesmo se curvando ao princípio da legalidade, causa danos ao particular em determinada relação jurídica coberta pelo contrato administrativo. Ainda assim, incide sobre a Administração o dever de rever seus próprios atos quando eivados de vícios que os tornam ilegais (Súmula 473 do STF). Essa revisão não significa, necessariamente, uma afronta ao princípio da segurança jurídica ou da boa-fé objetiva. No entanto, a Administração deve tomar as cautelas necessárias para atenuar os danos ao particular que, de boa-fé, confiou no comportamento inicial da Administração - inclusive por conta do princípio da legalidade que rege a atuação administrativa.
Na visão de Anderson Schreiber, a incidência do princípio da vedação ao com- portamento contraditório nas relações regidas pelo direito público reflete institutos pu- blicísticos (como a moralidade administrativa e a igualdade dos administrados perante a Administração Pública) ou pode ser considerado um resultado direto da aplicação do valor constitucional da solidariedade social.[28] Seguramente, no exemplo de aditivos para produção de energia elétrica mais cara, haveria a incidência desta regra caso o governo fizesse uma mudança “climática” de rumo.
Aliás, o STF tem aplicado o referido princípio à Administração Pública, como atestado pelo Min. Celso de Mello, em acórdão de sua relatoria:
“CLÁUSULA GERAL QUE CONSAGRA A PROIBIÇÃO DO COMPORTA- MENTO CONTRADITÓRIO – INCIDÊNCIA DESSA CLÁUSULA (“NEMO PO- TEST VENIRE CONTRA FACTUM PROPRIUM”) NAS RELAÇÕES JURÍDI- CAS, INCLUSIVE NAS DE DIREITO PÚBLICO QUE SE ESTABELECEM ENTRE OS ADMINISTRADOS E O PODER PÚBLICO“. (STF, 2a Turma, MS 31.695 AgR/DF, Rel. Min. Celso de Mello, j. 3.2.2015)
Resta então ponderar os valores constitucionais da legalidade versus segurança jurídica e proteção à confiança legítima. Os atos administrativos guardam presunção e aparência de legalidade. Situações de fato podem exigir do aplicador do direito um olhar mais abrangente a respeito da segurança jurídica, na esteira do que foi ensinado por Almiro do Couto e Silva:
“A segurança jurídica é entendida como sendo um conceito ou um princípio jurídico que se ramifica em duas partes, uma de natureza objetiva e outra de natureza subjetiva. A primeira, de natureza objetiva, é aquela que envolve a questão dos limites à retroatividade dos atos do Estado até mesmo quando estes se qualifiquem como atos legislativos. Diz respeito, portanto, à proteção ao direito adquirido, ao ato jurídico perfeito e à coisa julgada. (. . . ) A outra, de natureza subjetiva, concerne à proteção à confiança das pessoas no pertinente aos atos, procedimentos e condutas do Estado, nos mais diferentes aspectos de sua atuação.
(. . . )
Parece importante destacar, nesse contexto, que os atos do Poder Público gozam da aparência e da presunção de legitimidade, fatores que, no arco da história, em diferentes situações, têm justificado sua conservação no mundo jurídico, mesmo quando aqueles atos se apresentem eivados de graves ví- cios.“(SILVA, 2005, p. 3)
Ainda que o particular não possa alegar a ocorrência de violação à segurança jurídica uma prerrogativa (ou mesmo um dever) da Administração de rever os próprios atos diante de vícios que os tornam ilegais, a proteção à confiança legítima e mesmo a segurança jurídica são princípios que devem ser sopesados em relação à legalidade estrita na análise do caso concreto.
O próprio STF construiu jurisprudência nesse sentido face às diversas situações em que a Administração Pública prolongou situações factuais.[29] Segundo o Min. Cezar Peluso, em acórdão de sua relatoria, a Suprema Corte tem decidido que, em determinados casos, o princípio da possibilidade ou necessidade de anulamento deve ser substituído pelo da impossibilidade, tendo em conta a segurança jurídica, a boa-fé e a confiança legítima.[30]
A aplicação dos princípios que regem os contratos administrativos - sejam eles de caráter público ou privado - há muito chegaram aos Tribunais Superiores. A importância do tema reclama constante jurisdição. Alguns casos foram selecionados para demonstrar como o STF tem aplicado sopesado os princípios em casos envolvendo contratos administrativos.
O primeiro caso emblemático que merece nossa atenção é a disputa entre a Varig e a União por conta do congelamento tarifário determinado pela União entre Outubro/85 e Janeiro/92 (RE 571969/DF, rel. Min. Cármen Lúcia, 8.5.2013). O principal tema discutido foi o equilíbrio econômico-financeiro assegurado pelo contrato e pleiteado pela Varig.
A conclusão do Tribunal foi condensada na seguinte ementa jurisprudencial:
“A União, na qualidade de contratante, deve observar a manutenção do equi- líbrio econômico-financeiro do contrato e indenizar os prejuízos suportados por companhia aérea em virtude de suposta diminuição do seu patrimônio decorrente de planos econômicos em vigor no período objeto da ação em consequência da política de congelamento tarifário vigente no País.”
A respeito da natureza discricionária da prorrogação contratual pela Adminis- tração Pública, um caso interessante para analisar é o litígio entre a Cemig e a União (RMS 34.203, rel. min. Dias Toffoli, 2ª Turma. DJE de 20-3-2018). A Cemig relata que firmou contrato de concessão em 1997. Neste contrato, a União garantiu no contrato a prorrogação do prazo de vigência por mais 20 anos. Diante da publicação da nova lei 12.783/13, o Ministro de Energia indeferiu o pedido de prorrogação protocolado pela Cemig. Por esse motivo, a concessionária alegou violação de ato jurídico perfeito (contrato assinado) e do direito adquirido (garantia de prorrogação).
Mas o Supremo entendeu que não há direito líquido e certo – aquele concludente e inconcusso, na linguagem de Pontes de Miranda - à prorrogação contratual do contrato de concessão de usina hidrelétrica. Nos termos do voto do Min. Toffoli, relator do processo:
“Nesse passo, admitir o raciocínio pretendido pela impetrante (que implica imposição de renovação contratual à União, sem qualquer margem de dis- cricionariedade administrativa) seria o mesmo que conceder ao contratado (concessionário) posição de supremacia sobre a Administração (o que é um contrassenso com os princípios e postulados administrativos) e, no mesmo passo, seria conferir à cláusula de prorrogação contratual a natureza de verda- deira cláusula exorbitante em favor do concessionário, o que, evidentemente e conforme demonstrado, não se coaduna com a natureza desse instituto.”
Outro caso interessante analisado pelos ministros do Supremo Tribunal Federal tratou do princípio da intranscendência subjetiva das sanções no litígio entre o Estado de Pernambuco e a União.[31] O caso tratava de falhas apuradas pela União na execução de convênios entre a União e os estados. Foram apuradas irregularidades durante fiscalização feita pelo Ministério da Justiça e o Estado de Pernambuco foi inscrito em sistema de restrição ao crédito utilizado pela União.
Segundo o Ministro Luiz Fux, relator do processo, o princípio da intranscendência subjetiva das sanções impede a aplicação de sanções severas às administrações por ato de gestão anterior. Nas palavras do eminente Ministro:
“Não se pode inviabilizar a administração de quem, tendo sido eleito demo- craticamente, não foi responsável direto pelas dificuldades financeiras que acarretaram a inscrição de Estado-membro no sistema de restrição ao crédito utilizado pela União e está tomando providências para sanar as irregularidades verificadas.
Nesse sentido, o propósito é neutralizar a ocorrência de risco que possa comprometer, de modo grave e/ou irreversível, a continuidade da execução de políticas públicas ou a prestação de serviços essenciais à coletividade.”
A respeito da prerrogativa de alteração unilateral e prevalência do interesse pú- blico sobre o interesse particular, vale mencionar o litígio entre os titulares de terminais portuários privativos e a União (RMS 24286/DF, rel. Min. Cármen Lúcia, 18.2.2014). Nesse processo, os concessionários alegaram que o Ministério dos Transportes alterou o contrato de adesão para passar a cobrar tarifa portuária.
O Supremo entendeu legítima a atuação da Administração Pública, que goza da prerrogativa de alterar unilateralmente cláusula contratual. Nas palavras da eminente Ministra Carmen Lucia, relatora do processo:
“O contrato administrativo possui peculiaridades, e os poderes atribuídos à Administração Pública devem satisfazer as necessidades coletivas, como forma de promoção dos direitos fundamentais.
A possibilidade de alteração unilateral decorre do zelo pelo interesse público, pressuposto essencial do contrato administrativo. Nada obstante, a Administra- ção deve observar os termos da lei e o objeto do procedimento licitatório, bem como a essência do contrato dele proveniente e a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro.”
Outro caso relevante para ser trazido trata do transporte gratuito de idosos. Em processo movido pela Viação Cometa que, assim como outras empresas de trans- porte, ingressaram com ação judicial para alegar rompimento do equilíbrio econômico- financeiro diante de leis que asseguravam o transporte grauito de idosos. Dentre os processos jukgados, trecho da ementa do processo relatado pelo Min. Celso de Mello, que verifica a função social nesses contratos administrativos:
“DECISÃO: Trata-se de recurso extraordinário interposto contra acórdão, que, confirmado, em sede de embargos de declaração, pelo E. Tribunal Regional Federal da 1ª Região, está assim ementado: “CONSTITUCIONAL E ADMINIS- TRATIVO. TRANSPORTE COLETIVO INTERESTADUAL DE PASSAGEIROS. ESTATUTO DO IDOSO. GRATUIDADE E DESCONTO NO PREÇO DA PAS- SAGEM. DIREITO FUNDAMENTAL SOCIAL. EQUILÍBRIO ECONÔMICO-FINANCEIRO. GARANTIA PRÓPRIA DE CONTRATO CELEBRADO MEDI- ANTE LICITAÇÃO. FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO ADMINISTRATIVO. 1. Dispõe a Constituição, no art. 5°, § 2°, que os direitos expressos não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte. 2. A lei pode estender os direitos fundamentais sociais expressamente previstos na Constituição, aplicando os princípios constitucionais pertinentes, assim como fez ao estabelecer ‘benefício tarifário’ para os idosos no transporte coletivo in- terestadual de passageiros. 3. O reequilíbrio econômico-financeiro é um direito de categoria inferior e, por isso, não se pode antepô-lo ao direito fundamental dos idosos ao transporte coletivo gratuito ou incentivado. 4. As limitações ad- ministrativas, dentro de limites razoáveis, estão implícitas na função social da propriedade (‘lato sensu’). Exigir compensação sempre que a lei restringe a potencial exploração econômica seria compelir o Estado a regular mediante compra, regime evidentemente impraticável. 5. Não houve limitação despro- porcional, em nome da função social do contrato administrativo de prestação de serviço público de transporte coletivo de passageiros (cuja finalidade é assegurar o direito fundamental de ir e vir), aos interesses econômicos em causa.“ (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 613831 . Relator: Ministro Celso de Mello. Disponível em: <https://jurisprudencia.stf.jus.br/pages/search/despacho236166/fals.Acesso em: 22 jun. 2020).
Para arrematar, vale trazer duas decisões judiciais argentinas, que tratam de equidade e boa-fé nos contratos administrativos. Essas decisões mostram um posicio- namento arrojado e bem fundamentado.
O primeiro caso trata da aplicação do princípio da equidade para readequar o ajuste contratual. Assim decidiu o Tribunal Argentino (Argentina. Sentencia. Camara de apel. Cont. Adm. Y trib. De la ciudad aut. De bs. As., 31/8/2006):
“La equidad como manifestación funcional del conjunto de principios genera- les del derecho tiene especial significación en el marco de los derechos patrimoniales, y particularmente en el ámbito de los contratos.
Es dable una aplicación en base a la equidad del órgano jurisdiccional, ten- diente al mantenimiento de la ecuación real y/o económica del contrato, si las especiales circunstancias de la causa revelan que en el caso concreto, de otro modo aparece clara y nítidamente configurado un ejercicio antifuncional del derecho por parte de uno de los contratantes. No resulta admisible tal aplicación sobre la exclusiva base de una apreciación genérica a priori de equidad.
La facultad de adecuar el objeto de obligaciones emergentes de un contrato fundada en equidad, puede operar tanto para reducir como para incremen- tar la prestación originaria de cualquiera de las partes.”
O outro caso mostra o dever de agir com boa-fé imposta ao particular que contrata com a Administração Pública (Argentina. SENTENCIA: 18 de Diciembre de 1990. Camara nac. Apelac. En lo contencioso administrativo federal. Capital federal, ciu- dad autónoma de buenos aires. SAIJ: FA90100201). Abaixo, um trecho da decisão do referido processo:
“El principio de buena fe impone a quien contrata con la Administración Pública un comportamiento oportuno, diligente y activo, antes que displicente, lo cual lo- obliga a poner de manifiesto del modo más inmediato posible la aparición de circunstancias que, a su juicio, impongan la modificación de cláusulas contractuales, a fin que el órgano estatal pueda a su vez decidir si, ante la nueva situación, conviene al interés público celebrar el contrato o dejar sin efecto la licitación.”
A porosidade entre direito público e privado fica bem evidente nos contratos administrativos. A Pandemia de Covid-19 coloca em cheque velhos princípios, cria novos, e chacoalha os paradigmas que buscavam manter alheios regras de contratação de direitos privado e administrativo. Aliás, a premissa de que o direito estatal é oposto ao direito privado é falsa, inconveniente e perigosa. Para exemplificar, basta olhar o regime jurídico aplicável às empresas estatais e a faculdade conferida à Administração direta do Estado para celebrar contratos regidos pelo direito privado.
O direito administrativo é um direito do interesse público.[32] E, segundo Celso Antonio Bandeira de Mello, o interesse público reflete a dimensão pública dos interesses individuais, sem que isso o dissocie dos interesses dos indivíduos. Para o ilustre jurista, o interesse público “só se justifica na medida em que se constitui em veículo de realização dos interesses das partes que o integram no presente e das que o integrarão no futuro“.[33]
Sendo assim, a interseção entre as normas de direito público e de direito privado no contrato administrativo é uma decorrência lógica do sistema jurídico para lhes atribuir características peculiares que os tornem condizentes com o interesse público que os formou.
Os princípios comuns e os princípios colidentes dos contratos privados e admi- nistrativos mostram a evolução da atuação estatal e do direito positivo no sentido de socializar os ajustes contratuais dentro do contexto econômico que a política adminis- trativa entende convenientes para a persecução do interesse público.
Assim como os contratos privados sofreram alterações drásticas nos princípios que lhe são aplicáveis e uma grande relativização de antigos valores absolutos como pacta sunt servanda e lex inter partes, os contratos administrativos deixaram de ser um instrumento de opressão completamente apartado da realidade do regime privado. Cada vez mais os institutos criam vasos comunicantes para servir os interesses da comunidade.
Para a aplicação correta dos princípios aos contratos administrativos e para assegurar a integridade do direito, a interpretação dos contratos depende de um exercício racional e objetivo para diferenciar o que são atos de política administrativa (sem que a intervenção judicial se proponha a controlar a conveniência e oportunidade da atuação administrativa), aquilo que deve ser perseguido pela Administração Pública em conjunto com os particulares na execução dos contratos administrativos e aquilo que deve ser descentralizado pelo Estado para que os particulares possam atuar, em consonância com as necessidades sociais.
E para que os princípios aplicáveis aos contratos administrativos não se tornem armas de preguiçosos e espertos, urge impor, a quem os emprega, o ônus de verificar se a questão é de sua competência (por ex: determinar política tarifária com base no princípio da dignidade da pessoa humana é tarefa do judiciário?) e o ônus de fundamentar a sua competência. Como observado por Carlos Ari Sundfeld, os juízes que julgarem com base em princípios excederem função regulatória e, por tal motivo, não podem fazê-lo superficialmente. E devem buscar sopesar princípios constitucionais sempre dando prevalência à vida, e à boa-fé.A decisão deve trazer a regra que decorre do princípio aplicado de forma clara e precisa, da mesma forma e com o mesmo rigor que um regulador elabora um regulamento, caso contrário, alerta o renomado jurista:
“Em suma, é preciso que o Judiciário, transformado em regulador, comporte-se como tal, com todos os ônus que isso envolve. Do contrário teremos decisões puramente arbitrárias, construídas de modo voluntarista, gerando uma juris- prudência capaz de flutuar ao sabor das intuições e dos azares - em resumo: pura feitiçaria.
É preciso insistir nisto: citar múltiplos, belos e vagor princípios, transcrever páginas e páginas de elogios a eles, manifestar propósitos generosos, nada disso é motivar: é soltar fumaça.“ (SUNDFELD, 2017, p. 229)
Por fim, admitindo que tais princípios sejam mandados de otimização (na linha do ensinamento de Robert Alexy[34]) e que as decisões judiciais (ou arbitrais, conforme o caso), construirão uma nova regra subsumida ao caso concreto, assim como a intervenção do Estado na ordem econômica e a dinâmica das suas relações com os particulares devem ser observadas atentamente para garantir a satisfação do interesse público, também devemos focar no comportamento do judiciário ao tentar aplicar os princípios que regem os contratos administrativos para garantir a perfeita adequação dos arranjos contratuais que verdadeiramente instrumentalizam o desenvolvimento econômico e social do país.
ANTÓNIO, I. A fase de formação dos contratos públicos: breves notas sobre o contencioso pré-contratual. Revista de Direito da Administração Pública, Rio de Janeiro, v. 01, n. 02, p. 232 – 264, jul/dez 2019.
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[1] Cf. GRAU, E. R. A ordem econômica na Constituição de 1988. 14. ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 26.
[3] A esse respeito, a diferenciação explicitada pelo Tribunal de Contas da União: “3.5.A moderna doutrina aceita dois tipos de contratos públicos, quanto ao seu regime jurídico: ‘contratos administrativos clássicos’, os quais são regidos por normas e princípios próprios do Direito Público, atuando o Direito Privado apenas supletivamente, e ‘contratos regidos parcialmente pelo direito privado’, também denominados ‘contratos semipúblicos’. Mesmo nesses últimos con- tratos, onde predomina a contratação nos termos da legislação do Direito Civil, permanece uma certa superioridade jurídica da administração perante o contratado, como bem esclarece Marçal Justen Filho (in Comentários à Lei de Licitação, 6ª edição, Dialética, ps. 520 e 521): ‘A mera participação da Administração Pública como parte em um contrato acarreta alteração do regime jurídico aplicável. O regime de direito público passa a incidir, mesmo no silêncio do instrumento escrito. O conflito entre regras de direito privado e de direito público resolve-se em favor destas úl- timas. Aplicam-se os princípios de direito privado na medida em que sejam compatíveis com o regime de direito público. Isso pode, inclusive, provocar a desnaturação do contrato de direito privado. Assim se passa com alguns contratos, tais como o depósito ou o comodato, em que se assegure a uma das partes faculdades de exigir a restituição do bem sob a pena de determi- nadas sanções. Não se pode cogitar da incidência de tais regras contra a Administração Pública. Os contratos administrativos típicos impõem à Administração, como dever peculiar, pagar uma importância em dinheiro. Excluída a hipótese de aliena- ção, os contratos de obra, serviço ou compra não exigem da administração prestação diversa de pagar uma quantia em dinheiro. Já os contratos de direito privado possuem outra configuração. Mesmo aqueles de dar coisa certa costu- mam estabelecer prestações acessórias de fazer ou não fazer. Sempre haverá óbices à execução específica contra a Administração Pública de obrigação de restituir, fazer ou não fazer. Não se admitirá a execução específica, resolvendo- se tudo em perdas e danos. Por isso, a efetivação pela Administração Pública de contratos de direito privado sempre traz em si o potencial afastamento das regras correspondentes’.“(BRASIL. Tribunal de Contas da União. Acórdão n. 445/2002. Plenário. Unidade Técnica SEMAG - Secretaria de Macroavaliação Governamental. Relator: Guilherme Palmeira. Julgado em 04 de dezembro de 2002).
[7] Cf. MEIRELLES, H. L. Direito Administrativo Brasileiro: Hely Lopes Meirelles, José Emmanuel Burle Filho. 42. ed. São Paulo: Malheiros, 2016, p. 238.
[8] TEIXEIRA, , apud DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 32 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019, p. 562.
[14] Para arrematar esse conceito, vale mais uma vez nos valermos das lições valiosas do renomado jurista: “Chega-se, então à conseqüência natural da extensão da idéia de interesses institucionais ao campo privado. A regra da função social do contrato, adquira caráter de norma de proteção (Schutzgesetz - v. supra item 3.2) dos interesses institucionais eventualmente atingidos pelo contrato e seu mero descumprimento gera a obrigação de reparação do bem lesado. Todas essas características fazem surgir um novo contrato, instrumentalizado aos interesses da sociedade, representados pelas garantias institucionais. São elas o seu limite, impondo que as obrigações nele contidas sejam dissecadas de forma a respeitar os interesses da sociedade atingidos, e a verdadeira norma de proteção desses interesses contida no art. 421 do novo CC. O con- trole material difuso introduzido por esse importante princípio do novo Código vem complementar o sentido dos instrumentos processuais de controle difuso (por exemplo: ação civil pública), instrumentos de verdadeiro controle social. Caso bem interpretado, pode transformar-se, portanto, em poderoso canal de proteção da sociedade civil e controle social da atividade empresarial e civil.“ (SALOMÃO FILHO, 2004)
[29] Cf. RE no 364.511-AgR-AM, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, DJ de 30/11/1997; QO- PET (MC) no 2.900-RS, Rel. Min. GILMAR MENDES, Pleno, DJ 08/03/2003; MS no 24.268-MG, Rel. p/ o ac. Min. GILMAR MENDES, Pleno, DJ de 17/09/2004; MS no 22.357-DF, Rel. Min. GILMAR MENDES, Pleno, DJ de 05/11/2004; RE no 598.099-MS, Rel. Min. GILMAR MENDES, Pleno, DJ de 30/09/2011; MS no 25.116-DF, Rel. Min. AYRES BRITTO, Pleno, DJ de 10/02/2011; RE no 552.354-AgR-ED-AC-AC, Rel. Min. ELLEN GRACIE, Segunda Turma, DJE de 27/04/2011; e MS 25.963-DF, Pleno, DJ de 20/11/2008; MS 26.628- DF, Pleno, DJ de 21/02/2008, ambas Rel. Min. Cezar Peluso.
[30] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação cível originária nº 79/MT – Mato Grosso. Relator: Ministro Cezar Peluso. Pesquisa de Jurisprudência, Acórdãos. Disponível em: <https://jurisprudencia.stf.jus.br
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[31] AC 2614/PE, rel. Min. Luiz Fux, 23.6.2015. (AC-2614); AC 781/PI, rel. Min. Luiz Fux, 23.6.2015. (AC-2614); AC 2946/PI, rel. Min. Luiz Fux, 23.6.2015. (AC-2614)
Advogada atuante no mercado financeiro e de capitais desde 2002. Cursando o mestrado em Direito na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Responsável pelo jurídico da Constellation Investimentos e Participações Ltda.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, LUCILA PRAZERES DA. Interseção das normas do Direito Administrativo com o Direito Privado nos Contratos Administrativos Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 08 abr 2024, 04:25. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/57409/interseo-das-normas-do-direito-administrativo-com-o-direito-privado-nos-contratos-administrativos. Acesso em: 22 nov 2024.
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