Prof. DANILO BEZERRA DE CASTRO[1]
(orientador)
RESUMO: O presente trabalho tem como tema a verificação jurídica da utilização da fosfoetanolamina sintética conhecida popularmente como pílula do câncer, sendo questão levantada como ponto de partida em casos de pacientes diagnosticados com o câncer terminal. Há, porém, um empasse jurídico-científico na prática sobre a autorização para uso do medicamento no território brasileiro por parte da Agencia Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). O objetivo geral é verificar se a liberação e fornecimento na rede pública de saúde da fosfoetanolamina sintética, manifesta uma responsabilidade do Estado, em face da concretização do direito à vida, previsto na Constituição, apresentando, criticamente, que a liberdade de escolha caberia unicamente ao paciente diagnosticado com uma doença terminal. A metodologia empregada é por meio de utilização de várias interpretações dadas ao conteúdo da matéria legal que disciplina sobre o referido tema, optando-se pelo método básico, dedutivo, através da pesquisa de levantamentos bibliográficos, documentais e exploratório. Como resultado alcançado, conclui-se que o uso da pílula do câncer é uma escolha que cabe ao paciente, ainda que o medicamento não seja liberado pela ANVISA, visto que direito à vida e qualquer forma de prolongamento desta deve ser considerado, por ser tratar este de um direito e uma garantia fundamental.
Palavras-chave: Direito à Vida; Fosfoetanolamina Sintética; Paciente; Pílula Do Câncer.
ABSTRACT: The present work has as its theme the legal verification of the use of synthetic phosphoethanolamine popularly known as the cancer pill, being a question raised as a starting point in cases of patients diagnosed with terminal cancer. There is, however, a legal-scientific issue in practice regarding the authorization for the use of the drug in Brazilian territory by the National Health Surveillance Agency (ANVISA). The general objective is to verify whether the release and supply in the public health network of synthetic phosphoethanolamine, manifests a responsibility of the State, in view of the realization of the right to life, provided for in the Constitution, presenting, critically, that the freedom of choice would belong solely to the patient diagnosed with a terminal illness. The methodology used is through the use of several interpretations given to the content of the legal matter that governs the referred theme, opting for the basic, deductive method, through the research of bibliographic, documentary and exploratory surveys. As a result, it is concluded that the use of the cancer pill is a choice for the patient, even if the drug is not authorized by ANVISA, since the right to life and any form of extension of it must be considered, as it is a treatment this of a fundamental right and guarantee.
Keywords: Right to Life; Synthetic Phosphoethanolamine; Patient; Cancer Pill.
SUMÁRIO: 1 INTRODUÇAO. 2 ASPECTOS GERAIS DA FOSFOETANOLAMINA SINTÉTICA. 2.1 CARACTERIZAÇÃO E HISTÓRICO DA FOSFOETANOLAMINA. 2.2 TRATATIVA DE APROVAÇÃO DE MEDICAMENTOS NO BRASIL. 3 ANÁLISE CONSTITUCIONAL SOBRE O USO DA FOSFOETANOLAMINA EM TRATAMENTOS CONTRA O CÂNCER NO BRASIL. 3.1 NOÇÃO INTRODUTÓRIA DA TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS. 3.2 A LIBERDADE INDIVIDUAL NA ESCOLHA DO TRATAMENTO COM O USO DA PÍLULA DO CÂNCER VERSUS O PODER DIRETIVO DO ESTADO NO CONTROLE DE DROGAS. 3.3 POSICIONAMENTO DA JURISPRUDÊNCIA QUANTO A LIBERAÇÃO DO USO DA PÍLULA DO CÂNCER. 4 CONSIDERAÇOES FINAIS. REFERÊNCIAS.
1 INTRODUÇAO
O presente trabalho tem como tema a verificação jurídica da utilização da fosfoetanolamina sintética “pílula do Câncer” tendo como referência o direito constitucional pátrio. A questão levantada tem como ponto de partida que em casos de pacientes diagnosticados com o câncer terminal, a faculdade do uso da pílula (fosfoetanolamina sintética) como forma de um novo, ou ao menos alternativo, tratamento contra o câncer poderia trazer benefício diverso do encontrado em operações convencionais, tais como: cirurgia, radioterapia e quimioterapia, surgindo assim, como uma nova esperança à população brasileira. Há, porém, um empasse jurídico-científico na prática.
A eleição deste tema, por sua vez, pretende a análise do discurso jurídico que acontece no plano constitucional entre a liberdade e autonomia do portador da doença com o dever de controle do Estado. Deixando de lado, até por ausência de capacidade técnica, a eficácia do medicamento, passa-se ao sopesamento entre as normas constitucionais que é o dever do Estado em promover a saúde, além do seu poder discricionário do controle de drogas por meio de suas agências reguladoras, e o direito fundamental da liberdade individual de escolha do paciente em submeter-se ao tratamento ainda que não tenha convalidação científica.
A problemática está envolta a seguinte questão: Qual a premissa deve prevalecer no que tange a utilização da fosfoetanolamina sintética (pílula do câncer): a liberdade individual de escolha de tratamento, ainda que não liberado pelas agências reguladoras, ou o poder diretivo do Estado no controle de drogas?
O objetivo geral é verificar se a liberação e fornecimento na rede pública de saúde da fosfoetanolamina sintética – pílula do câncer, manifesta uma responsabilidade do Estado, em face da concretização do direito à vida, previsto na Constituição, apresentando, criticamente, que a liberdade de escolha caberia unicamente ao paciente diagnosticado com uma doença terminal. Tecendo também objetivos específicos, a) demonstrar que é dever do Estado atribuir a efetividade a direito fundamental; b) analisar o debate entre dever de controle do poder público com a liberdade individual; c) aproximar as divergências entre prós e contras o uso da substância e problematizar, no plano constitucional, qual seria a primazia decisória no confronto indivíduo versus regulação estatal.
Dessa maneira, para desenvolver o presente trabalho foi utilizado várias interpretações dadas ao conteúdo da matéria legal que disciplina sobre o referido tema, por tal razão optou-se pelo método básico, dedutivo, através da pesquisa de levantamentos bibliográficos, documentais e exploratório.
O desenvolvimento do trabalho em comento se justifica na medida em que direitos essenciais ao ser humano estão sendo colocados em confronto, impondo à comunidade jurídica o dever de analisar detidamente a situação para oferecer um adequado resultado. A atualidade da controvérsia e sua crescente discussão na sociedade, também motivam o alcance de uma solução para o dilema apresentado. Assim, o tema apresentado é atual, extremamente controvertido, além de apresentar relevância jurídica e social, posto que possa afetar milhares de pacientes em tratamento terminal contra o câncer. Esse tema é importante pelo fato de oportunizar um novo tratamento no que diz respeito à fosfoetanolamina sintética. Assim, questiona-se se o uso da pílula do câncer seria um direito individual e, portanto, uma garantia fundamental, em virtude do direito à vida, à liberdade de escolha, sendo esta primária em relação ao poder diretivo do estado no controle de drogas.
2 ASPECTOS GERAIS DA FOSFOETANOLAMINA SINTÉTICA
A saúde é algo primordial para existência do ser humano, pois ao ser acometido por uma doença, geralmente se busca o melhor tratamento disponível clinicamente para aquela enfermidade. Nada obstante, ao entrar em foco moléstias que não possuem medicamentos eficazes para tratamento, é o caso do câncer, podem emergir no mercado farmacêutico medicamentos capazes de aflorar a esperança pela cura, como a fosfoetanolamina sintética conhecida popularmente no Brasil como “pílula do câncer”.
2.1 CARACTERIZAÇÃO E HISTÓRICO DA FOSFOETANOLAMINA
Em estimativa divulgada pelo Instituto Nacional do Câncer (2020), para cada ano do triênio 2020/2022 no Brasil, aponta-se com base nos dados fornecidos pela referida entidade que cerca de 625 mil novos casos de câncer incidirão sobre a população brasileira, sem considerar os casos de câncer de pele, com base nas informações do portal o câncer é o principal problema de saúde no mundo e está entre as principais causas de mortes prematuras.
No decorrer dos anos surgiram vários medicamentos que foram taxados como possíveis curas para o câncer, dentre estes, está a fosfoetanolamina sintética ou pílula do câncer conforme dito acima. A substância é naturalmente produzida pelo corpo, estando presente na membrana das células (GALLO NETTO, 2018).
A fosfoetanolamina foi isolada pela primeira vez em 1936 no Canadá dando surgimento a versão sintética, (aquela produzida em laboratório), e estudada no Brasil a partir dos anos 90. Por sua vez, a fosfoetanolamina sintética (objeto deste estudo), é um medicamento produzido e com a fórmula criada pelo grupo de pesquisa do professor Gilberto Orivaldo Chierice, na Universidade de São Paulo (USP). Diante da grande repercussão a pílula do câncer ganhou notoriedade popular em meados de 2015 quando milhares de pacientes que lutavam contra o câncer passaram a requerer o uso do medicamento na justiça do Estado de São Paulo (DIAS, 2021).
Reitera ainda que depois de pesquisas com células cancerígenas em animais, o Professor Gilberto Orivaldo Chierice da USP, passou a promover a distribuição de cápsulas da fosfoetanolamina sintética para portadores de diversos tipos de doença, principalmente o câncer (DIAS, 2021).
Em razão da esperança de cura por parte de pacientes com câncer, a procura pelo medicamento ganhou destaque por todo Brasil. É tanto que, em 2016 fora editada a Lei nº 13.269/2016 pela então Presidente da República Dilma Rousseff, autorizando o uso da fosfoetanolamina sintética para pacientes diagnosticados com neoplasia maligna. A proposta originou do Projeto de Lei nº 3/2016, posteriormente a lei teve eficácia suspensa pelo Supremo Tribunal Federal, assunto que será tratado em tópico específico sobre o tema. (BRASIL, SENADO FEDERAL, 2015)
Segundo Oliveira (2015, p. 3-7) tem-se que “todas as medicações e produtos químicos em geral, a priori, regulados pela Lei nº 6.360/1976[2], devem ter seu uso autorizado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), órgão regulador competente e responsável para tanto”.
Entretanto, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária, nunca aprovou a eficácia da fosfoetanolamina sintética, justamente pelo fato da pílula do câncer jamais ter passado por um estudo clínico que comprovasse seus benefícios para a cura do câncer (ANVISA, 2018).
Atualmente, o uso da pílula do câncer voltou a ter evidência após as declarações do atual Presidente da República Jair Messias Bolsonaro favoráveis a permissão do uso do medicamento no Brasil. Aliás, recentemente, uma vacina contra o câncer de pele foi aplicada e testada em humanos (ainda em fase de testes e sem aprovação), produzida pela farmacêutica alemã Biontech que investe fortemente na pesquisa da cura para o câncer (BULHÕES, 2021).
No entanto, as recentes declarações de Bolsonaro, colocaram em discussão a premissa da morosidade da Agência Nacional de Vigilância Sanitária para a aprovação de medicamentos, alguns autores como Barifouse (2019) em pesquisa realizada para BBC News Brasil, comenta que o órgão tem excesso de zelo e procura dificultar a venda facilitada de drogas que a população necessita, mas que estão em fase de experiência.
Em 2018 a ANVISA[3] emitiu comunicado informando que jamais foi protocolado qualquer pedido de registro da fosfoetanolamina como suplemento ou medicamento (pílula contra o câncer). Por fim, a última informação que se tem sobre o uso da fosfoetanolamina como medicamento é a realização de pesquisa pela Universidade Federal do Ceará desde junho de 2019 utilizando pela primeira vez no Brasil, a pílula do câncer em seres humanos[4]. A seguir serão abordadas as premissas brasileiras para aprovação de novos medicamentos pela ANVISA, estabelecendo critérios para permitir o uso experimental de qualquer droga comercializada no país.
2.2 TRATATIVA DE APROVAÇÃO DE MEDICAMENTOS NO BRASIL
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária é a agência nacional que regulamenta a política da saúde do país. Assim, sem a autorização da ANVISA um medicamento não poderá ser comercializado.
A Lei nº 9.782/1999 definiu o Sistema Nacional de Vigilância Sanitária e estabeleceu a criação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, conforme a disposição da lei que assim prevê:
Art. 3º Fica criada a Agência Nacional de Vigilância Sanitária - ANVISA, autarquia sob regime especial, vinculada ao Ministério da Saúde, com sede e foro no Distrito Federal, prazo de duração indeterminado e atuação em todo território nacional. (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.039-24, de 2000) (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.190-34, de 2001)
Art. 8º Incumbe à Agência, respeitada a legislação em vigor, regulamentar, controlar e fiscalizar os produtos e serviços que envolvam risco à saúde pública.
§ 1º Consideram-se bens e produtos submetidos ao controle e fiscalização sanitária pela Agência:
I - medicamentos de uso humano, suas substâncias ativas e demais insumos, processos e tecnologias;
Sendo assim, a ANVISA foi criada pela Lei nº 9.782/1999, definida como autarquia sob regime especial que tem sede no Distrito Federal, cuja a finalidade é promover a saúde da população, com o controle sanitário da produção e consumo de produtos e serviços submetidos à vigilância sanitária, inclusive incidindo sobre medicamento.
A gerência e a administração serão exercidas por Diretoria Colegiada composta de cinco membros. Os membros da Diretoria Colegiada são brasileiros, indicados pelo Presidente da República e por ele nomeados, após aprovação prévia pelo Senado Federal (BRASIL, ANVISA, 2020). Em 30 de outubro de 1998, foi publicada a Política Nacional de Medicamentos (PNM), ligada à Política Nacional de Saúde (PNS), por intermédio da Portaria n ° 3.916, permitindo que atividades fossem implantadas por meio da criação da ANVISA, que trabalha para garantir condições de segurança e qualidade nos medicamentos consumidos no país (NANDI, 2016). Por esse viés, a Política Nacional de Medicamentos do Brasil foi instituída pelo Ministério da Saúde que definiu regras para o uso de medicamentos, as tratativas se baseiam na legislação. Vale ressaltar que a referida medida teve implantação concreta somente em 2004 por iniciativa do Diretor da Anvisa na época dos fatos.
Afirma Mirta (2007, p. 2-34) que a Política de Regulamentação de Medicamentos, proposta pela ANVISA em 2004, “trata da redefinição de regras para o registro de medicamentos com mudanças baseadas em diversos fatores que trouxeram maiores critérios ao cenário de regulação de medicamentos no Brasil”.
Além disto, a Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED) é responsável pela regulamentação de medicamentos no mercado econômico brasileiro, adotando medidas que estimulem a concorrência no setor, monitoramento da comercialização e aplicação de penalidades. A ANVISA age como Secretária Executiva da Câmara (BRASIL, ANVISA, 2021). A respeito do registro de um novo medicamento pela Anvisa, destaca Nandi (2016, p. 47-48) que:
(...) um medicamento não registrado na Anvisa (que tem atuação sobre a regulamentação, inspeção e fiscalização do sistema farmacêutico), destacam-se duas das diretrizes mencionadas: a regulamentação sanitária de medicamentos, a qual se refere à segurança na produção e comercialização do medicamento, principalmente no momento do registro dele, permitindo ainda, a restrição e/ou eliminação de medicamentos que não estejam adequados para consumo ou que sejam prejudiciais à saúde, de acordo com as exigências da farmacovigilância; e a garantia de segurança, eficácia e qualidade dos medicamentos, a qual é concretizada mediante a atuação do Sistema Nacional de Vigilância Sanitária, visando tornar eficazes os medicamentos comercializados e dar cumprimento efetivo das disposições elencadas na Lei n° 8.080/90 e suas regulamentações.
Pelos apontamentos de Nandi (2016) resta demonstrada a importância da Política Nacional de Medicamentos para concretização do efetivo direito à saúde e à vida como princípios fundamentais esculpidos na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Encerrando a questão, em nota publica no site oficial em dezembro de 2018 a ANVISA emitiu o seguinte parecer sobre a fosfoetanolamina sintética:
A fosfoetanolamina não é uma substância proibida, mas, para ser comercializada, de acordo com a legislação brasileira, e em conformidade com as regras praticadas em todos os países desenvolvidos do mundo, precisa estar registrada na Anvisa. Para que “suplementos” à base de fosfoetanolamina possam ser comercializados no Brasil, é necessário que esses produtos não façam alegações de que possuem indicações terapêuticas ou medicamentosas, conforme estabelece o art. 56 do Decreto-Lei 986/69. Essa medida é importante para evitar que o consumidor seja enganado por produtos que prometam a cura de doenças sem que tenham apresentado qualquer prova científica nesse sentido. Caso houvesse intenção de uso de alegação de propriedade funcional, isto é, de função relacionada ao papel metabólico ou fisiológico no crescimento, desenvolvimento, manutenção e outras funções do organismo, a substância poderia ser avaliada na categoria de “Alimentos com Alegações de Propriedade Funcional”, que também possui obrigatoriedade de registro. Nesse caso, além da comprovação da segurança, haveria a necessidade de comprovar a eficácia da alegação proposta.
Em resumo, a ANVISA prestou compromisso com a proteção da saúde da população, dispondo que a comercialização da fosfoetanolamina sintética no Brasil, como medicamento ou suplemento, dependente inteiramente do pedido de registro como os devidos testes de qualidade, segurança e eficácia forem analisados.
3 ANÁLISE CONSTITUCIONAL SOBRE O USO DA FOSFOETANOLAMINA EM TRATAMENTOS CONTRA O CÂNCER NO BRASIL
Visto as premissas estruturais da fosfoetanolamina sintética. A presente seção aborda o enfoque do estudo, relacionado a constitucionalidade do uso da fosfoetanolamina sintética (pílula do câncer) no ordenamento brasileiro. A questão central adentra na tratativa dos direitos fundamentais, especificamente o direito à saúde, à vida e a liberdade individual do paciente em escolher o melhor tratamento, frente o poder do Estado no controle de drogas e ainda a liberação do medicamento pela agência reguladora.
3. 1 NOÇÃO INTRODUTÓRIA DA TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
Tendo em vista a relação do tema em foco com os direitos fundamentais, este tópico se deslinda a tratar sobre esse importante fenômeno. A vista disso, os direitos fundamentais ou também intitulados por parte da doutrina como teoria geral dos direitos fundamentais são um copilado de normas estabelecidas na Constituição Federal, com status de relevância perante todo o ordenamento brasileiro, violar direito fundamental é atentar contra a vida humana.
A respeito de sua conceituação, a teoria geral dos direitos fundamentais é definida como o conjunto de regras e princípios que influenciam a interpretação dos direitos fundamentais, auxiliando na aplicabilidade e compreensão sobre o assunto (SENA, 2021).
Para Tavares (2012) o termo direito fundamental se aproxima da noção de direitos naturais, em referência ao entendimento da natureza do ser humano que é portador de um vasto número de direitos fundamentais, mesmo não se falando de uma lista imutável, pois os direitos fundamentais variam conforme o passar do tempo.
O renomado autor José Afonso da Silva prefere utilizar ao se tratar de direitos fundamentais, a denominação de direitos do homem que se referem nos ensinamentos do autor como princípios que resume a concepção do mundo e fomentam a ideologia político jurídica, amparando prerrogativas que garantam a liberdade para toda a população (SILVA, 2006). Drago (2019 apud BONAVIDES, 2013) conceitua direitos fundamentais como o direito do homem livre e isolado, em face do Estado, referindo-se a uma concepção que os direitos não são absolutos, e que se relativizam segundo o critério da lei ou dentro dos limites da legais.
Por sua vez, Alexandrino (2015. p. 143) defende que a expressão direitos fundamentais difere-se do termo direitos humanos:
(...) utilizada para designar os direitos relacionado as pessoas, inscritos em textos normativos de cada Estado. São direitos que vigoram uma determinada ordem jurídica, por isso sendo garantidos e limitado no espaço e no tempo, pois são assegurados na medida em que cada Estado os estabelece. Enfim, a expressão direitos humanos, é utilizada para designar direitos pertencentes ao ordenamento jurídico ou limitação geográfica, já os direitos fundamentais como dito, são aqueles reconhecidos como tais em determinado ordenamento jurídico de certo Estado.
Por força da Constituição Federal existem tratados de direito internacional em matéria de direitos humanos que não podem ser considerados como direitos fundamentais. Sendo assim, a Constituição pretendeu diferenciar ambos institutos de modo a evitar possíveis implicações no caso concreto, no tocante a hierarquia e proteção das normas de âmbito jurídico (BITENCOURT; RECK, 2019).
Assim, os direitos fundamentais são os direitos do homem emergidos para dentro de uma determinada Constituição, sendo positivados no âmbito constitucional do Estado. Já os direitos humanos são supranacionais e universais, independentes de reconhecimento nas Constituições (FUTTERLEIB, 2012).
A origem histórica dos direitos fundamentais remete-se ao surgimento dos direitos humanos. Nesse sentido, ressalte-se que alguns autores consideram os direitos fundamentais uma subdivisão dos direitos humanos.
Inclusive, em conformidade com Sena (2021, p. 66) é comum que a doutrina utilize os referidos termos como sendo sinônimos:
(...) nas provas de concurso, os conteúdos de direitos humanos são apartados do direito constitucional, podendo diferenciar os dois em razão do seu nível de generalização e abstração. Geralmente os direitos humanos possuem um nível maior de generalização e abstração, pois quando forem desenvolvidos, o foram por todos os povos do mundo, eles guardam preceitos que se comunicam entre as diversas culturas.
Diante disso, Sena (2021) conclui que os direitos fundamentais são os próprios direitos humanos internalizados na Constituição Federal e voltados a realidade da sociedade e sua cultura. Para o autor, os direitos fundamentais não foram conquistados da noite para o dia. Foram necessários séculos de luta e sofrimento, para que hoje se pudesse usufruir de direitos.
Esclarece Tavares (2012, p. 502) desde logo que, “os direitos fundamentais não se encaixarão em apenas uma das dimensões, nem será possível estabelecer uma linha divisória estrita e precisa entre categorias individuais de direitos e categorias sociais ou de exercício coletivo”. Para tanto, é difícil estabelecer um marco normativo de início dos direitos fundamentais no ordenamento brasileiro.
Aponta Alexandrino (2015) que o marco inicial dos direitos fundamentais foi na Carta Inglesa de 1215, no entanto, os direitos dispostos no referido diploma não visavam garantias a uma esfera irredutível de liberdades, assegurando somente o essencial, inclusive com a limitação de poderes do rei. Além disso, para o mencionado autor, conforme os ensinamentos de Canotilho, os direitos fundamentais teriam sido positivados a partir da Revolução Francesa, e com a implementação da Declaração Universal dos Direitos do Homem. Assim, em suma, os direitos fundamentais surgiram para restringir a atuação do Estado em favor da liberdade dos cidadãos.
Mendes e Branco (2020) dizem que os direitos fundamentais têm a sua origem, em grande parte atribuída aos ensinamentos e atribuições de valores para os seres humanos que nortearam a construção do direito positivo. Assim, os direitos fundamentais foram sendo consolidados ao longo dos tempos de modo que hoje possuem enorme relevância.
Alexandrino (2015) comenta com base nos embasamentos apontados por Alexandre de Moraes em sua obra, que elenca como principais características dos direitos fundamentais, a imprescritibilidade, inalienabilidade, irrenunciabilidade, inviolabilidade, universalidade, efetividade, interdependência, complementaridade, relatividade. Interligada a essa premissa, há o entendimento que as ações que impliquem em violação dos direitos fundamentais são imprescritíveis.
Desse modo, a Constituição Federal em seu Título II dispõe sobre os direitos e garantias fundamentais (artigo 5º), quais sejam: direitos e deveres individuais e coletivos, direitos sociais, direitos de nacionalidade e direitos políticos que serão tratados no tópico seguinte (BRASIL, 1988). Para tanto, o artigo 5º da Constituição Federal trata-se de rol exemplificativo, pois os direitos fundamentais não excluem outros decorrentes do regime dos princípios adotados pela Constituição ou ainda em Tratados Internacionais em que a República Federativa do Brasil seja signatária. Além disso, o Supremo Tribunal Federal colabora com o entendimento da doutrina, dispondo que podem ser encontrados direitos fundamentais em outros diplomas normativos, fora aqueles já previstos no artigo 5º da Constituição Federal (LENZA, 2019).
Assim, atualmente os direitos fundamentais estão previstos ao longo de toda a Constituição Federal, por opção do legislador da Constituinte de 1988, contando com cinco capítulos (DRAGO, 2019). Desta maneira, os direitos fundamentais estabelecidos na Constituição Federal, em grande parte, podem ser definidos como uma serie de direitos necessários a existência do ser humano que foram dados pela Constituição, impondo ainda ao Estado o respeito a essas normativas, tendo o dever de atender aos chamados populares (HACK, 2012).
Além da constante ligação entre direitos humanos e direitos fundamentais como sendo sinônimos, por parte de alguns autores, há ainda um enorme debate quanto a definição da construção histórica dos direitos fundamentais. Para tanto, é essencial analisar se o termo correto é dimensão ou geração de direitos fundamentais e suas peculiaridades. Anota Tavares (2012) que alguns autores têm preferido falar gerações, contudo, a ideia de gerações é inequívoca, na medida em que dela se deduz que uma geração substitui naturalmente a outra e assim sucessivamente. Por tal razão, o autor faz preferência pelo termo dimensões.
Por sua vez, Diógenes Júnior (2021) afirma que a respeito dos direitos fundamentais de primeira, segunda, terceira, quarta e quinta dimensão ou geração, deve-se ter por base que a divisão entre geração ou dimensão por parte da doutrina, é meramente acadêmica, todavia, a maioria da doutrina faz uso da terminologia dimensão por inúmeros motivos.
Encerando a discussão, Lenza (2019, p. 1.759) diz que dentre diversos critérios, costuma-se classificar os direitos fundamentais em gerações de direitos ou como prefere a doutrina atual, dimensões de direitos fundamentais:
(...) por entender que uma nova “dimensão” não abandonaria as conquistas da “dimensão” anterior e, assim, esta expressão se mostraria mais adequada no sentido de proibição de evolução reacionária. Em um primeiro momento, partindo dos lemas da Revolução Francesa, liberdade, igualdade e fraternidade, anunciavam-se os direitos de 1.ª, 2.ª e 3.ª dimensão e que iriam evoluir segundo a doutrina para uma 4.ª e 5.ª dimensão.
Embora Lenza (2019) vislumbre cinco dimensões de direitos fundamentais, alguns autores como é o caso de Bitencourt e Reck (2019, p. 44-45) consideram a existência de somente três dimensões de direitos fundamentais:
Na primeira dimensão os direitos fundamentais são denominados de civis, individuais, e políticos, surgiram consoante as ideias iniciais do constitucionalismo. Referem-se ao direito de liberdade dos cidadãos diante do Estado. Na segunda dimensão estão os direitos econômicos, sociais e culturais, desencadeados pelo impacto causado pela industrialização e dos graves problemas econômicos e sociais que acompanham esse processo, podendo perceber que somente o reconhecimento formal dos direitos de igualdade e liberdade não são suficientes para garanti-los aos cidadãos. A terceira geração de direitos paira sobre a influência das disparidades de condições entre países desenvolvidos e subdesenvolvidos, voltada ao bem-estar universal, por isso, fala-se em direitos de terceira dimensão como os direitos de solidariedade, fraternidade.
A medida que houve evolução histórica, os direitos fundamentais também foram sendo sistematizados, emergindo novas dimensões, Sena (2021, p. 73-75) comenta sobre os direitos de quarta e quinta dimensão:
A quarta dimensão é caracterizada por divergências doutrinarias, mas o melhor pensamento considera essa dimensão como da globalização dos direitos fundamentais, englobando direitos relacionados a democracia e ao pluralismo político. Outro viés da doutrina apresenta ainda como direitos de quarta dimensão, os direitos informáticos, espacial ou genético. A quinta dimensão é a mais recente classificação da doutrina, surgindo após o ataque terrorista do 11 de setembro de 2001 (a queda das torres gêmeas nos Estados Unidos), com esse atentado, percebeu-se que nada adianta conquistar direitos fundamentais se não houver paz. Desta forma, essa geração está destinada ao direito a paz de forma plena.
Diante disso, os direitos e garantias fundamentais possuem eficácia direta e imediata, não podendo ser abolidos da Constituição Federal, mas somente alterados de modo a aumentar sua extensão e aplicação, considerados cláusulas pétreas (nos ditames descritos no artigo 60) e não podem ser abolidos em hipóteses nenhuma (BITENCOURT; RECK, 2019).
Nos termos do artigo 60, §4º, IV, da Constituição Federal atual, nota-se a presença de um caráter de cláusula pétrea intrínseco aos direitos fundamentais que, nesse particular, funcionam como limites à restrição do texto constitucional. Universais, absolutos, inalienáveis e indisponíveis, os direitos fundamentais, segundo Ingo Sarlet (2012, p. 109), “ao menos de forma geral, podem ser considerados concretizações das exigências do princípio da dignidade da pessoa humana”.
Sendo assim, a existência de várias dimensões é completamente compreensível, pois decorrem da própria natureza do homem, cuja as possibilidades são inesgotáveis e estão em constante evolução (TAVARES, 2012). Em razão disso, ao longo da construção histórica dos direitos e garantias no Brasil, assistiu-se à consagração dos direitos civis, dos direitos políticos, dos direitos sociais básicos e econômicos, dos direitos coletivos e dos direitos das minorias.
3.2 A LIBERDADE INDIVIDUAL NA ESCOLHA DO TRATAMENTO COM O USO DA PÍLULA DO CÂNCER VERSUS O PODER DIRETIVO DO ESTADO NO CONTROLE DE DROGAS
Descritos os direitos fundamentais em síntese geral. Enfim, aborda-se sobre o foco do estudo. Mas antes disso, é preferível tecer alguns comentários acerca da importância do direito fundamental à vida.
Para o renomado autor constitucionalista Silva (2006) define à vida como um direito fundamental expresso no texto constitucional no artigo 5º caput, que vai além do sentido biológico.
Por sua vez, na visão do Ministro e professor de Direito Constitucional, Moraes (2018) o direito à vida envolve garantia da continuidade da vida e em segundo plano, a efetividade de uma vida digna por parte do Estado.
O direito à vida é pressuposto essencial para existência humana, considerado como o mais fundamental dos direitos, ou seja, sem vida não é possível exercer os demais direitos fundamentais. Compreendendo além do direito de estar vivo, a integridade física e moral do indivíduo, impondo ao Estado o dever da máxima efetividade, garantindo uma vida com qualidade (SENA, 2021).
Conforme a Constituição Federal de 1988 a vida é direito inviolável, o Estado deve protege-la, sendo impedido de tirá-la, preservando-se o direito à existência. Todas discussões envolvendo eutanásia, células tronco e como no presente caso o uso da pílula do câncer, estão amparadas pelo direito à vida (HACK, 2012).
Observa-se que à vida é o direito fundamental supremo, pois sem vida não há a fruição de todos outros direitos previstos no ordenamento brasileiro. Por outra vertente, fora o direito à vida também há o direito fundamental à liberdade de escolha. Nesse sentido, relaciona-se a premissa do direito à vida como a liberdade de escolha do paciente em escolher o melhor tratamento.
A Constituição Federal de 1988, consagra o direito genérico a liberdade, com base nesse princípio, há que se prezar pela liberdade do indivíduo, de escola e sobre o livre-arbítrio. Desse modo, o indivíduo é livre para buscar seus caminhos, podendo agir da forma como achar melhor, seja na busca da felicidade ou na escolha de um tratamento (HACK, 2012).
O direito à liberdade individual está amparado pela primeira dimensão dos direitos fundamentais conquistados pela humanidade que possuem como finalidade limitar o poder do Estado à medida que o poder Público é impedido de interferir na vida do indivíduo quando se deparada com a liberdade estabelecida (SENA, 2021).
Acerca da permissão uso ou não da pílula do câncer pela ANVISA, tem-se que desrespeitar a escolha do paciente ao melhor tratamento viola a Constituição Federal e fere o princípio que rege os direitos fundamentais, o princípio da dignidade da pessoa humana. Vislumbra-se uma aversão por parte do Estado de tratamentos alternativos da medicina (desde que eficientes para salvaguardar a vida), cita-se como exemplo o uso da maconha para fins medicinais em que há uma espécie de polêmica sobre o assunto no Brasil. Nos ditames da Constituição o paciente possui o direito de escolher uma medicina aliada à concretização de seus direitos (SENA, 2021).
Embora, não se admita a planificação típica de regimes totalitários em que o Estado decide o que é melhor para os cidadãos, escolhendo suas ações em diversos aspectos da vida (HACK, 2012).
Dessa forma, o paciente possui o direito à vida assegurado, nisso inclui-se a garantia de gozar a vida com autonomia e liberdade, podendo deliberar sobre questões que envolvam decisões medicas sobre sua própria vida, promovendo harmonia entre os direitos fundamentais e os avanços da medicina, mesmo que suas vontades vão em desencontro com as convicções dispostas pelo Estado (DURÇO, 2016).
Ressalte-se que embora o direito à vida e o direito à liberdade são consagrados como garantias fundamentais, não há que se falar em direito fundamental absoluto, alguns direitos individuais poderão ser restringidos em prol da coletividade (SENA, 2021).
Isso quer dizer que possuem limitações e restrições. De acordo com os posicionamentos dos renomados autores constitucionalistas Mendes e Branco (2020, p. 296) os direitos fundamentais “apenas podem ser limitados por expressa disposição constitucional (restrição imediata) ou mediante lei ordinária promulgada com fundamento imediato na própria Constituição (restrição mediata) ”. A Carta Constitucional não possui direitos ou garantias que sejam de caráter absoluto, em razão do interesse público. Com isso, encontram-se revestidos de limites, alguns direitos individuais podem ser restritos em prol dos direitos coletivos (ALEXANDRINO, 2015).
Sob a óbice que direito à liberdade do paciente em escolher o melhor tratamento, é uma ramificação do direito à vida. Nessa conjuntura está o poder diretivo do Estado no controle de medicamentos autorizados para uso em território nacional. Moraes (2018, p. 235) é dever do Estado garantia dos direitos fundamentais:
O Estado deverá garantir esse direito a um nível de vida adequado com a condição humana respeitando os princípios fundamentais da cidadania, dignidade da pessoa humana e valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; e, ainda, os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil de construção de uma sociedade livre, justa e solidária, garantindo o desenvolvimento nacional e erradicando-se a pobreza e a marginalização, reduzindo, portanto, as desigualdades sociais e regionais.
Acerca disso, Mota e Sousa (2017) comentam que existem aqueles que defendem a distribuição da pílula do câncer, sustentando que o Estado tem o dever de assegurar o direito à vida para o cidadão, oferecendo melhor qualidade de vida ao portador de câncer. Por outra perspectiva, há um lado que também defendam a não distribuição da substância até que está seja registrada junto a agência competente, exprimindo que é dever do Estado apenas permitir o uso de substâncias cadastradas e desde que comprovadamente não provoquem risco a população.
Sendo assim, a autonomia da vontade do paciente (a liberdade de escolha do melhor tratamento) sobre decisões que envolvam o próprio corpo do indivíduo, não podem ser prejudicadas pelas intromissões do Estado. Desse modo, a decisão pelo uso de tratamento experimental ou não deve ser permitida pelo Estado, na medida em que o a pessoa tem direito ao tratamento médico mesmo que este não tenda sido regulamentado pela autoridade competente, neste caso a ANIVISA, além do mais, já é unânime o entendimento que a fosfoetanolamina sintética não é toxica, portanto, deve o Estado intervir somente quando o tratamento provocar riscos à saúde e a integridade dos pacientes, o que não se vislumbra no presente caso, ao contrário disso, em algumas pessoas os resultados foram bastantes significativos , é tanto que houve a judicialização da questão envolvendo a pílula do câncer (CHIELLE, 2017).
Por fim, aponta que o controle do Estado pode ser relativizado, em caso do uso da pílula do câncer por pacientes terminais de câncer e na hipótese de inexistir outras opções de tratamentos, o autor ainda comenta que o Congresso Nacional poderia autorizar a produção da substância, dispensando o registro junto a ANVISA (VITAL, 2020). Desse modo, há um conflito entre princípios, a colisão do direito à vida e do poder diretivo do Estado no uso e controle de medicamentos no Brasil cuja função conforme já dito, é exercida pela ANVISA com base nos ditames da Lei nº 6.360/1976.
3.3 POSICIONAMENTO DA JURISPRUDÊNCIA QUANTO A LIBERAÇÃO DO USO DA PÍLULA DO CÂNCER
Conforme já dito, em meados de 2016 o Supremo Tribunal Federal suspendeu a eficácia da Lei nº 13.269/2016 que autorizava o uso da fosfoetanolamina sintética para pacientes diagnosticados com neoplasia maligna. Todavia, em 2020 a Suprema Corte brasileira julgou a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5501/DF ajuizada pela Associação Médica Brasileira que trata justamente da legislação em comento. Veja o teor da decisão:
SAÚDE – MEDICAMENTO – AUSÊNCIA DE REGISTRO – INCONSTITUCIONALIDADE. É INCONSTITUCIONAL ATO NORMATIVO MEDIANTE O QUAL AUTORIZADO FORNECIMENTO DE SUBSTÂNCIA, SEM REGISTRO NO ÓRGÃO COMPETENTE, CONSIDERADOS O PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DE PODERES E O DIREITO FUNDAMENTAL À SAÚDE – ARTIGOS 2º E 196 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. (STF-ADI 5501/DF, Relator: Min, Marco Aurélio, Tribunal Pleno, Julgamento: 26/10/2020, Publicação: 01/12/2020)
Por maioria dos votos, o Plenário do Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade da Lei nº 13.269/2016, colocando fim a discussão sobre a autorização da fosfoetanolamina sintética por pacientes portadores de neoplasia maligna no Brasil.
Na ocasião o relator Ministro Marco Aurélio em seu voto assinalou a competência da ANVISA para permitir ou não a distribuição de substâncias medicamentosas. Assinalando ainda que conforme a Lei nº 6.360/1976 a aprovação de produto pela ANVISA é exigência para comercialização e importação.
Com isso, não é permitida a importação da pílula do câncer de outros países. Divergentes ao entendimento do Relator, os Ministros Edson Fachin e Gilmar Mendes consideraram o uso privado de substancias mesmo que possam apresentar efeitos nocivos ao paciente está interligado a autonomia privada e imune a interferência estatal, pois a ANVISA possui competência relativa para proibir uso ou comercialização de medicamentos, além disso, se não há lei que proíba, pelo viés da lógica a fosfoetanolamina é permitida.
Com base nisso, é fundamental destacar-se os entendimentos dos demais tribunais brasileiros sobre o assunto em foco, destaca-se decisão do Tribunal de Justiça do Paraná:
APELAÇÃO CÍVEL. ALVARÁ JUDICIAL. SENTENÇA DE EXTINÇÃO DO FEITO. PRETENSÃO DE AUTORIZAÇÃO PARA AQUISIÇÃO DA SUBSTÂNCIA FOSFOETANOLAMINA SINTÉTICA. IMPOSSIBILIDADE. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL QUE, NO ÂMBITO DA ADI Nº 5501, DECLAROU A INCONSTITUCIONALIDADE DA LEI Nº 13.269/2016, E QUE AUTORIZAVA O USO DA FOSFOETANOLAMINA SINTÉTICA (“PÍLULA DO CÂNCER”), POR PACIENTES DIAGNOSTICADOS COM NEOPLASIA MALIGNA. DIREITO À VIDA, À SAÚDE E À LIBERDADE DE ESCOLHA QUE NÃO SE PRESTA A AUTORIZAR A INDISCRIMINADA COMERCIALIZAÇÃO E UTILIZAÇÃO DE MEDICAMENTOS AO ARREPIO DOS CRITÉRIOS CIENTÍFICOS EXIGIDOS PARA A APROVAÇÃO PELO ÓRGÃO COMPETENTE. REGISTRO PERANTE A AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA – ANVISA QUE SE PRESTA A ATESTAR NÃO APENAS A EFICÁCIA, MAS TAMBÉM A SEGURANÇA DA COMERCIALIZAÇÃO E USO DE MEDICAMENTO. EXIGÊNCIA DE CRITÉRIOS CIENTÍFICOS QUE É MEDIDA NECESSÁRIA PARA A EFETIVA PROTEÇÃO DA SAÚDE E DA VIDA EM SUA PERSPECTIVA COLETIVA. PREVALÊNCIA SOBRE DIREITOS INDIVIDUAIS. AUSÊNCIA DE CADASTRO. INADEQUAÇÃO PRESUMIDA. PROGRAMAS DE ACESSO EXPANDIDO E DE USO COMPASSIVO QUE DEVEM SER RESOLVIDOS ADMINISTRATIVAMENTE. PRECEDENTE DO STF. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. (TJ-PR-APL: 00016634220218160158, São Mateus do Sul, Relator: Marco Antonio Antoniassi, Data de Julgamento: 21/09/2021, 8º Câmara Cível, Data da Publicação: 22/09/2021)
Nota-se que os tribunais brasileiros vêm decidindo acerca da autorização da fosfoetanolamina sintética conforme o mesmo entendimento proferido pelo Supremo Tribunal Federal, ou seja, proibindo a utilização da substância para fins medicinais, principalmente contra o câncer.
Vale mencionar ainda que, atualmente a fosfoetanolamina sintética é comercializada no Brasil e no mundo como suplemento alimentar pela empresa norte americana Quality Medical Line com sede em Miami, constituída por sócios brasileiros, a substância promete melhorar a qualidade de vida do paciente e o desempenho de células de defesa do organismo, equilibrando as funções metabólicas do corpo, embora fosse anteriormente explorada como cura para o câncer (GALLO NETTO, 2018). Menciona-se ainda que não foram encontradas informações relacionadas a comercialização da fosfoetanolamina sintética como medicamento para cura do câncer ou de outras doenças em outros países.
Verifica-se a importância do direito à vida e à liberdade conforme a doutrina. Conforme observado, o direito à vida está atrelado ao direito à liberdade. Assim, na ocorrência de flexibilização de direito individuais sobre direitos coletivos em prol de algo maior, e mesmo que interfira o poder diretivo do Estado e impliquem em restrições as garantias do Estado, deve-se pautar sempre pela autonomia e o direito de existência do indivíduo já que estas são premissas que englobam o princípio basilar da dignidade humana.
4 CONSIDERAÇOES FINAIS
A pesquisa está norteada a um objetivo geral em verificar se a liberação e fornecimento na rede pública de saúde da fosfoetanolamina sintética, intitulada de pílula do câncer, manifesta uma responsabilidade do Estado, em face da concretização do direito à vida esculpido na Constituição Federal. Tem-se que o direito à vida, no Brasil em particular, traz uma discussão assaz enérgica que tem sido vislumbrada entorno da distribuição e autorização do uso da fosfoetanolamina, substância recentemente criada visando à cura do câncer, estando o direito à vida (e à liberdade de escolha do paciente ao melhor tratamento) e o controle estatal sobre os medicamentos em frontal conflito neste caso.
Nessa senda, surge uma divergência cientifica quanto a eficácia da fosfoetanolamina sintética, haja vista apontado pelos autores descritos ao longo do trabalho, o pouco tempo de pesquisa e testes. Em razão desta, a referida pílula ainda não foi autorizada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária - ANVISA. Contudo, fomentando ainda mais o debate, em 13 de abril de 2016, fora sancionada a Lei 13.269 que autorizaria o uso da substância no combate ao câncer. Apesar da previsão legal, o diploma legal teve eficácia suspensa em razão de liminar deferida na Ação Direta de Inconstitucionalidade proposta pela Associação Médica Brasileira. Sendo que posteriormente houve a proibição do uso do medicamento no Brasil por parte do Supremo Tribunal Federal no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5501/DF.
Observou-se que a citada controvérsia possui um substrato no fato de que, embora o medicamento referido ainda não tenha sido aprovado pela agência reguladora responsável, seria viável no combate ao problema.
Visando alcançar um resultado para o questionamento suscitado, o presente trabalho discorreu sobre a moléstia motivadora da substância fosfoetanolamina, o câncer. Neste ponto, é de vital importância saber que a doença traz além de uma moléstia física, um desgaste emocional ao paciente, e somente a este indivíduo caberia resposta sobre a ação ou inação em um tratamento de risco, ainda não completamente testado em seres humanos.
Diante do apresentado, conclui-se que o uso da pílula do câncer é uma escolha que cabe ao paciente, ainda que o medicamento não seja liberado pela ANVISA, visto que direito à vida e qualquer forma de prolongamento desta deve ser considerado, por ser tratar este de um direito e uma garantia fundamental, ademais a saúde deve ser prestada com a máxima eficiência (artigo 6º da CRFB/1988) e efetividade possível (art. 5º da CRFB/1988).
REFERÊNCIAS
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Conforme a NBR 6023:2000 da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SOARES, Gustavo Braga. A Possibilidade De Utilização Da Fosfoetanolamina Sintética (Pílula Do Câncer) No Brasil À Luz Da Constituição Federal. Conteúdo Jurídico, Brasília-DF: 02 nov. 2021. Disponível em: Acesso em: 02 nov. 2021.
[1] Titulação. Professor da Faculdade de Ciências Jurídicas de Paraíso do Tocantins (FCJP). E-mail:
[2] A respeito da distribuição da fosfoetanolamina para fins medicamentosos (especificamente contra o câncer) pelo Professor Gilberto Orivaldo Chierice durante a realização de estudos independentes no Instituto de Química de São Carlos (IQSC) da Universidade de São Paulo (USP). Vale destacar que foram observados os parâmetros legais, sendo estes interligados a legislação federal (Lei nº 6.360/1979) que trata sobre drogas com finalidade medicamentosa, bem como fora editada em 2014 a Portaria nº 1389/2014 do IQSC em conformidade com a Resolução no 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde. (INSTITUTO DE QUÍMICA DE SÃO CARLOS - USP. Esclarecimentos à sociedade. Publicado em 2014. Disponível em: https://www5.iqsc.usp.br/quarentena/esclarecimentos-a-sociedade/. Acesso em: 29 set. 2021).
[3] BRASIL. AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA. Nota sobre fosfoetanolamina como suplemento alimentar. Atualizado em 2021. Disponível em: https://www.gov.br/anvisa/pt-br/assuntos/medicamentos/cmed. Acesso em: 03 set. 2021.
[4] Pílula do câncer começa a ser testada em humanos pela Universidade Federal do Ceará. A substância de fosfoetanolamina será administrada num total de 64 voluntários para testar possíveis efeitos colaterais e dosagem máxima de tratamento. Informações disponível em: https://g1.globo.com/ce/ceara/noticia/2019/06/17/pilula-do-cancer-comeca-a-ser-testada-em-humanos-pela-universidade-federal-do-ceara.ghtml. Acesso em: 29 set. 2021.
Artigo publicado em 16/11/2021 e republicado em 15/10/2024
Graduado do curso de Direito da Faculdade de Ciências Jurídicas de Paraíso do Tocantins (FCJP).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SOARES, Gustavo Braga. A possibilidade de utilização da fosfoetanolamina sintética (pílula do câncer) no Brasil à luz da Constituição Federal Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 15 out 2024, 04:50. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/57460/a-possibilidade-de-utilizao-da-fosfoetanolamina-sinttica-plula-do-cncer-no-brasil-luz-da-constituio-federal. Acesso em: 21 nov 2024.
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