RESUMO: A instituição familiar, dentro da concepção jurídica e social, tornou-se um aspecto de debate predominante no ordenamento jurídico brasileiro, principalmente nas doutrinas. O conceito de abandono afetivo envolve uma amplitude de relações e indivíduos, sendo bastante presente no Direito de Família, principalmente na relação entre os pais e filhos, o denominado -- abandono afetivo inverso. O presente trabalho tem como objetivo discutir, à luz dos princípios do Direito de Família no ordenamento jurídico brasileiro, o abandono afetivo de pais idosos e a responsabilidade civil dos filhos. O enquadramento metodológico da pesquisa foi definido em dois tipos: a pesquisa dedutiva e os procedimentos técnicos com base na coleta bibliográfica. A discussão sobre o abandono afetivo inverso é ampla dentro do ordenamento jurídico brasileiro, tendo em sua conjuntura de análise uma série de aspectos de debate, desde a questão social e o fator econômico até a necessidade de compreender a questão da responsabilidade civil no caso de abandono. Concluiu-se então que a responsabilização civil, dentro dos aspectos jurídicos e de proteção constitucional e das legislações que versam sobre o direito do idoso, não apresenta uma materialidade mais objetiva sobre o reconhecimento da lesão moral. O estudo também observou a diferença entre os dois tipos de abandono: o abandono afetivo tradicional (de pais com filhos) e o abandono afetivo inverso (de filhos com pais idosos) apresentando as suas implicações e diferenciações.
Palavras-chave: Direito do Idoso. Direito de Família. Abandono Afetivo Inverso. Responsabilidade Civil.
ABSTRACT: The family institution, within the legal and social conception, has become an aspect of debate prevalent in the Brazilian legal system, mainly in doctrines. The concept of affective abandonment involves a wide range of relationships and individuals, being very present in Family Law, mainly in the relationship between parents and children, the so-called reverse affective abandonment. This paper aims to discuss, in the light of the principles of Family Law in the Brazilian legal system, the emotional abandonment of elderly parents and the civil liability of their children. The research methodological framework was defined in two types: deductive research and technical procedures based on bibliographic collection. The discussion about inverse affective abandonment is broad within the Brazilian legal system, having in its conjuncture of analysis a series of aspects of debate, from the social issue and the economic factor to the need to understand the issue of civil liability in the case of abandonment. It was concluded, then, that civil liability, within the legal and constitutional protection aspects and the laws that deal with the right of the elderly, does not present a more objective materiality about the recognition of moral injury. The study also noted the difference between the two types of abandonment: traditional affective abandonment (of parents with children) and reverse affective abandonment (of children with elderly parents) presenting their implications and differentiations.
Keywords: Elderly Law. Family Right. Reverse Affective Abandonment. Civil Responsibility.
SUMÁRIO: INTRODUÇÃO. 1. DIREITO DE FAMÍLIA. 1.1. ORIGEM DO CONCEITO DE FAMÍLIA. 1.2. NOÇÕES SOBRE O DIREITO DE FAMÍLIA. 2. ABANDONO AFETIVO: CONTEXTUALIZAÇÃO JURÍDICA. 2.1. Abandono Afetivo: Conceito. 2.2. O Abandono Afetivo de Pais Idosos (O Abandono Afetivo Inverso). 2.3. A Responsabilidade Civil e o Idoso. 3. DISCUSSÃO SOBRE ABANDONO AFETIVO INVERSO À LUZ DAS DOUTRINAS JURÍDICAS DO DIREITO DE FAMÍLIA. CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS.
INTRODUÇÃO
O processo de envelhecimento da população vem crescendo em uma constante nas últimas décadas, apesar da evolução da ciência e da medicina e a relação direta com o aumento da expectativa de vida, essa tendência de aumento no processo de envelhecimento da sociedade é uma característica natural da humanidade. O Brasil é um país com uma população elevada de idosos, que de acordo com os últimos levantamentos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) no censo de 2010 foi de 34% em relação ao ano de 2000.
O ordenamento jurídico brasileiro, tendo por base a Constituição Federal, promulgada em 1988, estabeleceu princípios fundamentados em valores e eixos sociais com o propósito de amparar a sociedade através de pilares de sustentação legal. Eixos como: família, preservação da vida, dignidade da pessoa humana e a defesa dos direitos humanos, são previstos na CF/1988 em seu artigo 1º. Desse modo, a Constituição Federal garante em seus dispositivos o estabelecimento de princípios que sustentam a defesa da família, dentro do âmbito de defesa dos direitos humanos e da garantia à vida, princípios esses considerados básicos na Carta Magna.
O desenvolvimento dos conceitos sociais e jurídicos com o tempo em torno do aspecto familiar trouxe para o debate público inúmeras modificações nas concepções de família e das relações familiares dentro do trato relacional: vínculo social, vínculo afetivo, vínculo econômico e relacionamento intra e extrajudicial. A instituição familiar, dentro da concepção jurídica e social, tornou-se um aspecto de debate predominante no ordenamento jurídico brasileiro, principalmente nas doutrinas.
O direito do indivíduo, dentro do debate jurídico, tem sido um tema abordado em diversas vertentes do direito, aproximando cada vez mais a necessidade de analisar, à luz da doutrina e da legislação, o seu posicionamento nas relações jurídicas. Assim sendo, observa-se o abandono afetivo – tema esse muito debatido dentro da concepção do direito do indivíduo – sendo discutido de maneira demasiadamente ampla na doutrina e pelo judiciário. O conceito de abandono afetivo envolve uma amplitude de relações e indivíduos, sendo presente no Direito de Família, principalmente na relação entre os pais e filhos, o denominado -- abandono afetivo inverso.
A afetividade também é um tema de relevante destaque para os estudos jurídicos e a formação da doutrina que tange a criação de legislações específicas de proteção dos idosos. O abandono é um tema sensível, que envolve uma série de nuances de discussão: aspecto familiar, aspecto social, aspecto comportamental, aspecto psicológico (saúde mental). De tal forma, é de suma importância observar que a pessoa idosa, assim como qualquer outro individuo, carece de atenção básica dentro da estrutura de ordenamento jurídico, tendo em vista as suas especificidades diante da sociedade e do trato da lei.
O enquadramento metodológico da pesquisa foi definido em dois tipos: a pesquisa dedutiva e os procedimentos técnicos com base na coleta bibliográfica. O modelo adotado para o estudo foi o da pesquisa qualitativa, cuja característica, de acordo com Gil (2017, p.45), corresponde a um tipo de método baseado na investigação linguística-semiótica, com enfoque na análise dos contextos do objeto de pesquisa. O método do estudo foi definido como o dedutivo, que segundo Gil (2017, p.14) denota do uso do raciocínio de análise partindo de uma perspectiva mais geral para um contexto mais particular, ou seja, uma investigação mais compartimentada.
Zanella (2013, p.12) argumenta que o procedimento técnico de um estudo deve ser alinhado com a proposta da pesquisa, tendo a finalidade de definir as estratégias de coleta dos dados – bibliográficos ou não bibliográficos. Os procedimentos técnicos de coleta e análise dos dados do estudo foram baseados na técnica bibliográfica e documental de levantamento do material de análise da pesquisa: artigos científicos, livros, doutrinas, legislações, sites especializados na área do Direito, jurisprudências e teses.
Posto isto, o artigo busca discutir, à luz dos princípios do Direito de Família no ordenamento jurídico brasileiro, o abandono afetivo de pais idosos e a responsabilidade civil dos filhos, a fim de compreender os princípios do Direito de Família e a relação com o com o Direito dos Idosos, observar o princípio da afetividade no contexto do abandono afetivo de idosos pelos seus filhos; analisar a responsabilidade civil dos filhos em caso de abandono afetivo de pais idosos e debater a relação entre o abandono afetivo tradicional e o abandono afetivo inverso.
1 DIREITO DE FAMÍLIA
Os assuntos tratados quanto ao âmbito familiar dentro do aspecto jurídico precisam ser observados dentro dos princípios constitucionais e da formação da sociedade, principalmente sob o conceito de família. É de fundamental importância analisar que o conceito de família pode ser observado de forma ampla, tendo a sua origem relacionada a historicidade da sociedade e a representatividade como instituição. Ademais, como será apresentado ao decorrer desse capítulo, as abordagens sobre família e as relações entre os filhos e os pais idosos apresentaram uma estrutura de discussão envolta do tema apresentado, a fim de possibilitar uma melhor compreensão (LOBO, 2017, p.32).
1.1 Origem do Conceito de Família
A origem do conceito de “família” é histórica e aborda uma relação de contextos sociais que vão além da representação da instituição familiar que observamos nos dias de hoje. Dias (2017, p.23) apresenta o conceito jurídico de família como um conjunto de pessoas que estão vinculadas por um grau de parentesco e forma um lar, residindo na mesma casa e estabelecendo vínculos: união matrimonial ou união de fato, pais e filhos e outras características peculiares de formação de família.
De acordo com Farias (2011, p.23) a origem do conceito de família está diretamente ligada a evolução da civilização humana. Observa-se que, historicamente, o núcleo de composição familiar eclodiu da necessidade do ser humano em estabelecer vínculos e relações afetivas de forma estável. Leite (1991, p.48) argumenta que a estrutura familiar que conhecemos hoje veio da raiz Greco-romana em um modelo criado a partir da ideia do pater famílias, ou seja, do conceito de família patriarcal.
Para Pereira Junior (2014, p.14), no que tange a constituição da família sobre a perspectiva legal:
Perante a filosofia social, a família é uma sociedade natural, primeira e principal entidade responsável pela formação da pessoa humana. Para o presente estudo, interessa analisar, perfunctoriamente, o conceito jurídico de família, bem como sua atual compreensão no direito constitucional brasileiro. Com essa breve análise, podem-se identificar alguns fundamentos da intervenção dos círculos sociais maiores - sociedade civil e Estado - nas relações familiares. O valor social da família foi assimilado no dispositivo constitucional que é fundamento para a intervenção do Estado no âmbito familiar. Trata-se do art. 226 da CF, que afirma que “a família, base da sociedade civil, terá especial proteção do Estado”. Em face dessa afirmação, convém perguntar-se sobre o que se pode entender por família, neste caso, e que categoria de família constitui base da sociedade civil.
Dentro do aspecto jurídico, observa-se o conceito de família tradicional e a formação da entidade familiar dentro da origem de modelo de família monoparental e da família anaparental, perpassando pela união estável (WALD, 2004, p.45). De acordo com Lobo (2004, p.22) a ressignificação social e jurídica da entidade familiar foi construída, ao longo do tempo, pelo conceito de pluralidade, observada hoje nas novas doutrinas e na jurisprudência do direito.
No Brasil, o conceito de família pode ser observado no art. 226 da Constituição Federal de 1988: “A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado”. Para Madaleno e Madaleno (2015, p.11) o conceito de família na Carta Magna apresenta explicita as entidades familiares e os modelos adotados e amparados pelo Estado: união estável, família monoparental e o casamento. Todos os modelos, de acordo com os autores, trazem uma visão jurídico-social do conceito de instituição familiar no Brasil.
Lima (2018, p.22) analisa, no bojo da CF/1988, à luz da jurisprudência e da doutrina jurídica, que o conceito de família no campo jurídico brasileiro sofreu forte influência da igreja e dos princípios sociais de igualdade e defesa dos direitos do indivíduo. Com o passar dos anos, o vínculo familiar passou a ser representado de diversos modos, e no âmbito jurídico, a representação foi alicerçada em sua Carta Magna e por meio de dispositivos jurídicos e institucionais.
1.2 Noções Sobre o Direito de Família
A construção do Direito de Família, segundo Dias (2017, p.43) deu-se, ao longo da história da humanidade, pela formação parental e estabelecimento do vínculo afetivo. De acordo com Beviláqua (2003, p.67) a codificação civil e direito de família brasileiro foi construído a partir do estabelecimento de bases alicerçadas na família tradicional. O primeiro Código Civil Brasileiro, de 1916, seguia uma tradição jurídica com base no código alemão e nos princípios do direito romano, tratando a relação de família de modo conservador e tradicional, seguindo diretrizes de característica mais elitista (BEVILÁQUA, 2003; BRASIL, 2004)
Com o Código Civil de 2002 observou-se uma grande mudança no aspecto das relações de família, tratando o vínculo familiar de modo mais flexível e com um caráter menos conservador (DIAS, 201, p.18). Já a partir do estabelecimento da CF/1988 e com o Código Civil de 2002, a família como instituição passou a apresentar uma amplitude de relações reconhecidas pelo Estado, como a união estável e os grupos monoparentais, além do fortalecimento da igualdade das relações entre e mulher no modelo familiar ALVES, 2007, p.123).
A materialização do direito de família é a relação familiar e a instituição da lei perante a família. Segundo Farias (2011, p.34) o direito de família estabelece uma complexidade de normas que tem por objetivo a regulação dos efeitos e das relações de vínculo familiar: casamentos, uniões afetivas, relações pessoais e econômicas dentro do âmbito conjugal, vinculo familiar e de parentesco, tutela e quaisquer outras relações inerentes ao âmbito jurídico da família.
Para Madaleno (2018, p.41) o Direito de Família:
Tendo como marco inicial a Carta Federal de 1988, o Direito de Família passou a ser balizado pela ótica exclusiva dos valores maiores da dignidade e da realização da pessoa humana, sem desconsiderar os notáveis avanços da ciência, permitindo a pesquisa certeira da identidade genética para investigação da paternidade ou da maternidade. À vista de tantas alterações sociais, legais e científicas, Caio Mário da Silva Pereira disse ter o legislador perdido a oportunidade de tratar de temas da maior importância, como ocorreu no campo da fertilização assistida.
Segundo Cunha Pereira (2005, p.43) os princípios basilares do Direito de Família versam sobre a família como um conjunto complexo de pessoas que possuem um vínculo efetivo e relacional e são direcionados a nortear as relações e as apreciações jurídicas no âmbito do ramo familiar.
2 ABANDONO AFETIVO: CONTEXTUALIZAÇÃO JURÍDICA
A contextualização jurídica sobre o abandono afetivo parte de uma análise mais generalizada sobre o conceito da palavra “abandono” especificando a relação conceitual do termo com o aspecto de afetividade. De acordo com o Dicionário On-line Português (2011, sem paginação) a definição da palavra “abandono” significa: “Ação de deixar uma coisa, uma pessoa, uma função, um lugar: abandono da família; abandono do posto; abandono do lar. Esquecimento, renúncia: abandono de si mesmo”.
Em uma percepção geral, o ato de abandonar está diretamente relacionado ao aspecto de esquecimento e renúncia, de modo que exista em uma determinada relação um processo de rompimento afetivo. Conforme Braga (2011, p.33) o abandono é originário de um processo que desvincula do ser humano a capacidade de afeição ou desprendimento de um sentimento por outro. Dentro do aspecto jurídico, ainda de acordo com Braga (2011, p.29), o abandono pode ser caracterizado pela ausência, descumprimento de obrigatoriedade ou interrupção de uma relação, sem que haja um consenso legal.
Para fins de contextualização do tema, cabe então observar o princípio da afetividade à luz do entendimento sobre abandono. De acordo com o abandono, dentro do princípio da afetividade, representa uma ação de ordem mora, decorrente da ausência de um representante ou responsável, caracterizado como uma negligencia quanto a companhia e guarda. No que concerne o abandono afetivo de filhos com os pais, o princípio da afetividade denota de uma expressão clara de expressão da família e de cumprimento da afetuosidade como relação (ANGELUCI, 2006, p.98).
O princípio afetivo no direito brasileiro trata o abandono afetivo como uma ação que produz dano moral e é configurado como ato ilícito. A afetividade, por ser um princípio do Direito de Família, está implícita na CF/1988, deixando claro a relação de responsabilidade civil e moral no que tange a condição de valor afetivo (BRAGA, 2011). Para entender e compreender o abandono afetivo sob a ótica do princípio da afetividade é salutar observar para a “teoria do desamor” no âmbito jurídico – é trazido para o ordenamento jurídico a compreensão de que o sentimento protetor e natureza da dedicação tutorial permeia esse princípio (LOBO, 2017, p.111).
Desse modo, o princípio da afetividade, de modo geral, caracteriza uma relação expressa no direito no sistema jurídico codificado para garantir, do Estado, uma relação protecionista para o responsável com o seu tutelado (ANGELUCI, 2006, p.73).
2.1 Abandono Afetivo: Conceito
O ato de abandonar denota de um processo de rompimento de afeição, logo, é uma ação originária da afetividade. Lobo (2017, p.15) observa que o abandono afetivo diz respeito a omissão de cuidados, de assistência social, assistência psíquica e assistência financeira, de modo que as consequências geradas ensejem no rompimento de relação por parte do que abandona, na qual o abandonado é prejudicado socialmente e emocionalmente. Dentro do âmbito jurídico é importante os dois tipos de abandono afetivo: o abando afetivo dos pais com os filhos e o abandono efetivo do filho com os pais (denominado de abandono afetivo inverso).
A afetividade é um sentimento que está diretamente relacionado com o laço familiar. Maluf (2016, p.99) observa que o abandono afetivo, independentemente do tipo e da relação, imbrica em um rompimento de vínculo de emoções e sentimentos entre pessoas. Esse vínculo observado por Maluf (2016, p.121) se trata de uma relação estabelecida pela afetuosidade ou afetividade que, como em uma relação entre pais e filhos, é formada desde os primeiros contatos, até mesmo do contato físico.
Ademais, Lobo (2017, p.32) comenta que o abandono afetivo vai além do aspecto emocional e se trata de um rompimento judicial, ou seja, de obrigatoriedade civil e de descumprimento de deveres jurídicos e legais estabelecidos nas legislações vigentes. Também é de suma importância observar que a caracterização do abandono afetivo, nesse caso, não se trata de mero caráter subjetivista, como aponta Maluf (2016, p.89) ao afirmar que é necessário que o abandono afetivo deva ser tratado de forma específica e objetivo, sendo ele de caráter normal ou inverso, de acordo com legislação específica.
2.2 O Abandono Afetivo de Pais Idosos (O Abandono Afetivo Inverso)
A relação entre pais e filhos é observada pelo ordenamento jurídico em diversos dispositivos jurídicos. Segundo Lobo (2017, p.144) ao tratar do abandono afetivo de pais idosos, o art. 3º do Estatuto dos Idosos apresenta uma obrigatoriedade quanto a responsabilização do filho em relação ao pai idoso, assegurando a efetividade e o direito do idoso ao gozo da vida. Todavia, ainda de acordo com a Lei nº 10.741/2003, compreende-se que a princípio, não deva ter uma regulamentação específica para caracterizar a relação dos filhos com os pais idosos, entretanto, a obrigatoriedade na tutela jurídica pode ser observada como uma garantia cumprimento mínimo para não haver qualquer tipo de abandono.
O abandono afetivo de pais, também apresentado como abandono inverso, é definido Rosenvald (2015, p.67) como a ausência de cuidados dos filhos em relação ao pai idoso, de tal forma que haja um descumprimento de obrigatoriedades previstas em lei, na qual os pais em estado de velhice estejam sendo marginalizados nesse processo de relação. De acordo com Braga (2011, p.38) o abandono afetivo inverso se trata de um descumprimento legal e jurídico dos filhos com os pais idosos por meio de ações que vão de encontro ao art. 3º do Estatuto do Idoso e aos princípios constitucionais de garantia da dignidade humana e direito à vida, privando o idoso do gozo pleno de seus direitos como cidadão.
O descumprimento legal no âmbito jurídico por parte dos filhos em relação às obrigações com os pais idosos incide em um processo de responsabilização civil, que pode vir a tratar de dano moral na relação familiar. Conforme argumentaMaluf (2016, p.81) o dever dos filhos em relação aos pais idosos, mesmo que dispostos na CF/1998 e no Estatuto dos Idosos decorrem da obrigação apresentada em lei, independente da relação de afetividade. Observa-se que a regulação nesses casos surge para lidar com casos atípicos, na qual prevaleça o destrato na relação dos filhos para os pais, como aponta Rosenvald (2015, p.55).
Apesar da ampla discussão sobre a obrigação dos filhos com os pais idosos, o Estatuto dos Idosos não apresenta, de forma clara, a materialidade da responsabilidade dentro da relação de abandono. Lobo (2017, p.31) observa que o art. 3º apenas apresenta as obrigações, sem mencionar o eixo de responsabilidade e as medidas e sanções apresentadas em caso de descumprimento. Bertoni e Viecili (2014, p.12) analisam que essa denominada “lacuna” no Estatuto do Idoso dificultou uma especificação e uma objetividade na materialização das sanções em casos de abandono inverso, sendo que dentro do Direito de Família, os casos específicos de abandono de idosos passaram a ser tratados diretamente dentro do âmbito jurídico da responsabilidade civil.
2.3 A Responsabilidade Civil e o Idoso
O abandono inverso, como exposto por Rosenvald (2015, p.34) e Maluf (2016, p.88) é a falta de cuidado e a ausência da afetividade dos filhos para com os seus pais idosos, tendo por característica um rompimento dos valores sociais e jurídicos. Mediante isso, é de suma importância observar a responsabilidade como um instrumento jurídico de adequação ao cumprimento de direitos, como afirma Bevilaqua (2003, p.14).
Para Bittar (1994, p.23) a responsabilidade advém da palavra respondere – do latim – e trata da necessidade de se responsabilizar por algo ou a necessidade de cumprir uma determinada regra ou ordenança, de modo que haja uma sanção ou dano caso não seja cumprido. Ainda Bittar (1994, p.67) observa que a responsabilidade civil, dentro do fundamento básico da esfera jurídica, diz respeito a reparação de danos – onde há a necessidade de reparação por danos provocados – que pode ser originário de uma materialidade patrimonial, social, econômica, moral ou de outro fator que acarrete em rompimento.
As relações dentro do Direito de Família são representadas e garantidas pelos princípios constitucionais e estabelecidas em legislações específicas, cuja finalidade precípua é de sustentar o vínculo familiar no ordenamento jurídico (GOMES, 2000, p.136). Entretanto, como observa Gonçalves (2016, p.59), para aplicar a responsabilidade civil dentro da materialidade perante o âmbito jurídico é necessário que ações e medidas sejam estabelecidas para caracterizar tal ação.
Dentro do contexto da responsabilidade civil, o dano moral incide como uma das ações mais recorrentes e representativas no caso de agravo em relação a uma determina conduta que venha a infringir ou violar um direito, seja ele material ou moral (GOMES, 2000, p.21). Nesse caso, há de se definir esses dois tipos de dano dentro do contexto da responsabilidade civil. Segundo Gonçalves (2016, p.114) o dano material tem por definição a ação que fere a materialidade patrimonial de uma pessoa, tendo a ação praticada pelo agressor um prejuízo de ordem material, logo, quantificada no ponto de vista patrimonial.
Já o dano moral, de acordo com Iglesias (2002, p.24), pode ser definido como aquela ação ou menção que fere uma pessoa dentro da sua esfera extrapatrimonial, ou seja, que não tem materialidade patrimonial (física), logo, é caracterizado por não ter um agravo mensurável ou quantificável dentro de um sentido patrimonial. Há uma distinção clara dentro do ponto de vista da ação de materialidade no contexto da responsabilidade civil ao observar os dois tipos de danos: Gomes (2000) observa que o dano moral, por ser de origem subjetiva, diluiu-se na observância do bem jurídico e do objeto que sofreu a lesão do seu agressor.
No âmbito do abandono afetivo inverso é possível que haja os dois tipos de danos: moral e material. No entanto, o dano moral tem sido mais aprofundado no ordenamento jurídico para os casos de abandono dos filhos para os pais, tendo em vista que o ente que foi lesionado teve suas condições e garantias, estabelecidos em lei específica, infringidas (IGLESIAS, 2002; MALUF, 201, p.34). Os direitos institucionalizados de proteção ao idoso são constitucionalmente estabelecidos desde 1988, além de dispostos em legislações específicas, entretanto, a questão social e a ineficiência no cumprimento das políticas públicas no Brasil tem sido um grande desafio para lidar com a materialidade na responsabilização civil em casos de abandono (GONÇALVES, 2016; GOMES, 2000, p.113).
A reparação civil tem sido objeto de profundo debate em relação ao abandono afetivo inverso. Maluf (2016, p.115) observa que há uma necessidade cada vez mais urgente de compreender o idoso abandonado como alguém que foi desamparado e passou por um processo de vexame e sofrimento, logo, ele precisa ser indenizado e a natureza da ação de lesão deve ser reparada juridicamente. Peres (2008, p.22) argumenta que, em caso de dano moral, a materialidade da prova é muito difícil de avaliar, tendo em vista que há uma característica de subjetividade bastante presente nesse tipo de lesão, que pode ser ainda mais dificultado a depender do caso.
Dentro desse contexto, a responsabilidade civil pode ser observada, para esses casos, a luz do Código Civil nos seus artigos 186 e 927, ao tratar da indenização compensatória. Speiss (2017, p.12) afirma que o reparo ao dano moral do idoso precisa ser observado dentro das características que o torna um lesado em relação ao abandono familiar sofrido. O ressarcimento em caso de dano moral pode ser em função protetiva e punitiva, tendo com base o fator ofensivo e o grau de repercussão da ofensa na vida socioeconômica do lesado, no caso, o idoso (SPEISS, 2017; PERES, 2008, p.156).
Iglesias (2012, p.46) observa que o dano é uma ação que caracteriza uma determinada infração e um cometimento de um ato ilícito que tem por resultado imbuir um determinado dolo no lesado. No caso da pessoa idosa, Peres (2008, p.34) argumenta que o dano moral na relação familiar, por ser imaterial e está diretamente ligado com laços de afetividade, pode acarretar em um agravo bem maior que um dano material. Maluf (2016, p.81) menciona o nexo causal como pressuposto da responsabilidade civil, que tem como base a Teoria da Responsabilidade Civil, cuja relação da presença do dano com a causa se faz necessário para que haja uma responsabilização de um determinado ato.
Todavia, a relação de abandono afetivo de filhos para genitores idosos advém da caracterização subjetiva pela presença da afetividade como vínculo imaterial. De acordo com Gomes (2000, p.14) o vínculo de afetividade no abandono afetivo inverso traz à luz do debate jurídico a necessidade de responsabilizar o agente infrator e o lesado, de modo que haja presunção de culpa, e que a caracterização do dano seja materializada com provas. A reparação pecuniária é possível em casos de abandono afetivo inverso, entretanto, conforme Iglesias (2012, p.32), o remédio jurídico para esses casos requer uma compreensão mais clara e objetiva no ordenamento jurídico, de modo que o lesado seja devidamente indenizado.
3 DISCUSSÃO SOBRE ABANDONO AFETIVO INVERSO À LUZ DAS DOUTRINAS JURÍDICAS DO DIREITO DE FAMÍLIA
A discussão sobre o abandono afetivo inverso é ampla dentro do ordenamento jurídico brasileiro, tendo em sua conjuntura de análise uma série de aspectos de debate, desde a questão social e o fator econômico até a necessidade de compreender a questão da responsabilidade civil no caso de abandono.
A doutrina jurídica brasileira apresenta miscelânea de estudos e observâncias quanto a tutela jurídica do idoso e a responsabilização civil dos filhos em relação aos pais idosos. Observa-se que não há um consenso de análises sobre o tema, visto que até mesmo a legislação vigente atual não possui uma determinação objetiva em casos de responsabilização, principalmente pela caracterização da subjetividade dos casos referentes aos danos morais e patrimoniais.
A questão da responsabilização civil vem sendo objeto de discussão dentro do Direito Civil envolvendo o Direito de Família há bastante tempo, tendo em vista que os casos de violação de direitos e abandono estão relacionados com o princípio de afetividade e aos princípios de garantia do direito à vida e ao gozo pleno dos direitos básicos do idoso. Observa-se que o campo de debate para essa discussão perpassa por uma análise que envolve o Direito de Família e o Direito dos Idosos como áreas de correlação, ambos tratando da relação parental e dos processos de afetividade que denota a própria relação do pai com o filho.
Quando há uma observância da doutrina brasileira é apresentada uma série de percepções jurídico-sociais acerca de definições sobre o conceito de família e as relações parentais, principalmente ao que diz respeito a nova formação familiar multiparental. Nesse aspecto, o debate sobre o abandono afetivo inverso tem sido discutido dentro da concepção jurídica com o objeto de buscar compreender como pode se dá o fortalecimento da lei quanto ao amparo dos genitores idosos e como o mecanismo jurídico ampara esse tipo de situação.
Dentro da doutrina jurídica do Direito de Família há um amplo debate sobre o abandono afetivo inverso e suas implicações sociais e jurídicas, além das análises e percepções com base em jurisprudências e no entendimento das leis, principalmente sob a ótica do Estatuto do Idoso, da Política Nacional do Idoso e da CF/1988. Tratou-se nesse estudo de analisar algumas doutrinas sobre o assunto e compreender o abandono afetivo inverso dentro do Direito de Família, de modo a observar as discussões e pontos de vista sobre o assunto. A análise foi realizada a partir das obras de Boas (2012), Madaleno (2018), Gonçalves (2016) e na Peres (2008) – além da análise de outras obras de apoio nesse estudo.
Madaleno (2018, p.43) faz em sua obra uma análise bem ampla do Direito de Família em todos os seus eixos, dando uma definição bem específica para cada tipo de abordagem dentro da família no âmbito jurídico, principalmente pela proteção do Estado. Afirma que:
De acordo com a Constituição Federal, a entidade familiar protegida pelo Estado é a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes, podendo originar do casamento civil, da união estável e da monoparentalidade. Mas nem sempre teve toda essa extensão, pois durante muito tempo o sistema jurídico brasileiro reconhecia apenas a legitimidade da família unida pelo casamento civil, e os filhos originados dessa união por concepção genética ou através da adoção (MADALENO, 2018, p.82).
Observa Madaleno (2018, p.111) que a proteção constitucional para a entidade familiar, presente na CF/1988, denota de uma ação do Estado para reconhecer a legitimidade da família dentro do sistema jurídico, independente do seu tipo de formação conjugal. Na relação entre os filhos e os pais idosos há um debate bem acentuado sobre a responsabilização dos filhos dentro da relação com os pais, vice versa, porém o abandono afetivo inverso ainda apresenta alguns entraves jurídicos quanto a percepção do objeto e da natureza da tipificação do dano.
Nesse contexto, Madaleno (2018, p.111) analisa em sua doutrina que a relação familiar, dentro da concepção de tutela jurídica, parte da compreensão de subjetividade e da objetividade quanto a responsabilização em casos de abandono. A responsabilização civil é apresentada como uma ação que visa proteger o lesado, nesse caso, um ente familiar abandonado. Madaleno (2018, p.115) observa que o abandono pode gerar danos psicológicos e materiais, de modo que as observâncias para definir o modo de mensuração do dano recaem uma análise subjetiva no campo jurídico, dificultando a definição do tipo e da forma de indenização.
A análise subjetiva sobre os danos morais e patrimoniais tem sido observada como os principais entraves jurídicos para um processo de reconhecimento de supressão da causa tutelar jurídica no Brasil. Gonçalves (2016, p.48) observa que essa percepção de materialização subjetiva para as análises de jurisprudência em casos de abandono afetivo inverso não tem sido observada de uma forma padrão em alguns casos. A questão da subjetividade no ato de responsabilizar o filho pode ser analisada por fatores que influencia, de forma não objetiva, na decisão de um juiz ao decidir sobre o caso, na qual muita das vezes a observância na decisão não favorece o idoso.
Uma consideração importante sobre o abandono afetivo precisa ser observada quanto ao aspecto da omissão de cuidado. De acordo com Madaleno (2018, p.86) a família é o núcleo composto por membros que estão juridicamente e afetuosamente aliançados, tanto no aspecto social quanto no aspecto de responsabilidade mútua. Nesse sentido, o abandono afetivo estende a discussão para uma compreensão do dano de afetividade e do psicológico do ente abandonado. Quando o abandono afetivo inverso é abordado existe uma discussão mais amena quando em comparação ao abandono afetivo tradicional (do filho para o pai), o que pode vir a gerar uma exigência e uma possível relevância em menor grau para a sociedade e para a própria estrutura jurídica brasileira.
A questão da responsabilidade civil do filho para com o pai idoso vai além do pagamento de uma pensão. De acordo com Boas (2012, p.99) a pensão, seja ela da natureza originária designada, não deve ser observada como uma mera ação de responsabilização que atende ao aspecto de afetividade. De acordo com jurisprudências observadas em casos, como no processo nº9375/2010 no Tribunal de Justiça de Minas Gerais, no caso de pagamento de indenização por danos morais, o mero pagamento da pensão alimentícia não substitui a afetividade e o tratamento dado ao pai idoso, onde nesse caso específico o sentido da ação foi tratado como sendo “a afetividade um sentimento, não um mero negócio”.
Boas (2012, p.100) faz uma apresentação comentada do Estatuto do Idoso por meio de uma análise mais específica, ponto a ponto, da lei e de suas implicações jurídicas. Quanto a responsabilização civil, Boas (2012, p.100) observa em sua doutrina que, ao analisar o vínculo e a afetividade, o abandono afetivo inverso pode ser caracterizado como um tipo de dano moral e, em alguns casos, material. O autor argumenta que o Estatuto do Idoso traz em seu art.3º uma especificação importante quanto ao trato de responsabilização dos entes na relação com o idoso, definindo a família como um núcleo responsável.
É de suma importância analisar que o idoso, apesar de ter a garantia constitucional de sua proteção e do gozo do seu direito à vida, ele é objeto de abandono no próprio núcleo familiar. Boas (2012, p.97) argumenta que, apesar do cuidado com o idoso ser regulamentado dentro do ordenamento jurídico brasileiro, os casos de abandono têm sido cada vez mais frequentes, tendo então o poder público buscado mecanismos jurídicos e ações legais para coibir esse tipo de caso.
Gonçalves (2016, p.66) analisa que a garantia constitucional em casos de abandono familiar de cunho afetivo não pode ser considerada como um fator único e definitivo de proteção ao abandonado – ou lesado – sendo importante que a proteção seja alicerçada também em outros ramos jurídicos. O autor observa que dentro do Direito Civil a proteção em casos de danos morais tem crescido nas últimas décadas, principalmente em relação ao crescimento de casos advindos da família, que saem do objeto do Direito de Família. Boas (2012, p.98) pontua que para auxiliar juridicamente a proteção do idoso é fundamental que o poder público cumpra com suas obrigações constitucionais, dando apoio e garantindo com que a Teoria da Responsabilização seja plenamente efetivada.
Sobre a Teoria da Responsabilização, ainda de acordo com as observações apresentadas por Boas (2012, p.99) se faz importante analisar que ela tem por finalidade garantir o cumprimento de obrigações, entretanto, o auxilio jurídico garantido por ela deve ser amparado no que versa a própria Constituição. No art. 230 da CF/1988 a garantia da responsabilidade é apresentada como sendo precípua para a família ao pontuar que é dever da família, da sociedade e próprio Estado ampararem o idoso, garantindo com que ele tenha participação efetiva na sociedade.
A responsabilidade sobre o idoso, dentro do contexto social-jurídico, precisa ser compreendida como um processo compartilhado, na qual o poder público e a família devem coadunar para garantir que não haja qualquer supressão ou interferência na garantia constitucional. Ademais, como observa Peres (2008, p.34), o idoso não pode ser tratado como um indivíduo isolado, ou seja, sem que haja uma análise mais ampla das relações que o cercam. Nesse caso, a compreensão do idoso e dos seus direitos traz à luz do debate a necessidade de protegê-lo, fisicamente e psicologicamente, para que não haja nenhuma transgressão, tanto por parte da sociedade como um todo, quanto pela família.
Peres (2008, p.21) trata em sua obra “Proteção aos idosos” que pessoa idosa deve ser amparada em todos os núcleos que envolvem a sua participação social: família, sociedade e poder público. A autora observa em sua doutrina que o trato jurídico para com o idosoem casos de abandono afetivo inverso deve ser efetivado pelo Estado, tendo esse um papel vital na efetivação dos direitos constitucionais do idoso. Peres (2008, p.32) faz menção ao dever de indenizar os pais idosos abandonados, tendo em vista que a materialidade na tutela jurídica é de responsabilidade precípua do Estado, garantido na Constituição e respaldado nas legislações específicas.
A dificuldade, porém, advém da própria ausência de unilateralidade de decisão com base na materialidade jurídica sobre os casos de danos morais, principalmente. Boas (2012, p.87) observa que os danos morais em casos de abuso e abandono de pessoas idosas são recorrentes, entretanto, há uma grande dissociação da realidade dos fatos com a decisão jurídica, tendo em vista, principalmente, que o hiato entre a dificuldade de materializar a decisão sobre o objeto jurídico e os fatos, geralmente, tendem a prejudicar os pais idosos em casos de abandono afetivo inverso.
As transgressões ocasionadas pelo abandono afetivo inverso possuem, na observância de Gonçalves (2016, p.68), um grave impacto na vida social, econômico e afetiva do idoso. Observa-se que em casos dessa natureza é importante analisar a perspectiva do idoso, cuja realidade, em muitos casos, principalmente em situação de abandono, carece da atenção imediata do poder público. De acordo com Peres (2008, p.35) o poder público tem o dever de garantir que haja uma mitigação dos danos ocasionados pelo processo de abandono, sendo inclusive responsabilizado por omissão, juntamente com a família.
Não obstante, de acordo com Peres (2008, p.112), a representação dos filhos como protetores dos pais advém do conceito de convivência familiar e da formação do núcleo afetivo, que surge antes de qualquer designação pragmática apresentada em lei. Essa abordagem faz compreender que a velhice é um estado natural da vida e que os filhos precisam cumprir (obrigação) com o seu papel de protetor. Para isso, Boas (2012, p.99) complementa a ideia de Peres (2008, p.15) ao argumentar que, de acordo com o Estatuto do Idoso, o progenitor abandonado durante a sua velhice pode vir a adquirir sequelas, seja ela emocionais ou financeiras, que podem ser até irreparáveis.
A partir do entendimento das consequências jurídicas em relação ao abandono afetivo inverso também pode ser discutida a consequência moral no pai abandonado. Nesse sentido, Peres (2008, p.24) analisa que o dano moral, apesar de circunstancialmente ser subjetivo para uma análise mais aprofundada, não pode ser apenas observado no ponto de vista comum ou simplório do caso. Faz-se necessário compreender que o idoso abandonado é um indivíduo que carece não somente de uma pensão, mas sim de afetuosidade. O aspecto da afetuosidade é outro contraponto para o entendimento de ressarcimento em casos de dano moral e material, cuja jurisprudência na legislação brasileira ainda se encontra em dubialidade nessas decisões.
A subjetividade na análise do dano moral no abandono afetivo inverso trata de uma ausência de unilateralidade na percepção da lei em decorrência de fatos mais palpáveis para determinação e uniformidade nas decisões. O estudo observou que as doutrinas em relação aos processos de abandono afetivo de filhos para com os pais idosos recaem em um entendimento um pouco mais difuso quando se trata de uma percepção mais clara sobre a ausência da responsabilidade do filho. Gonçalves (2016, p.44) observa que a responsabilidade civil em casos de abandono deve ser observada dentro de uma percepção que enquadre o abandonado e o agente abandonador em um mesmo foco de percepção, logo, não deve haver qualquer sentido de diferença para analisar os fatos. Em suma, essa situação ocorre por dois aspectos, de acordo com Boas (2012, p.101): ausência de uniformidade no entendimento da lei e legislações específicas limitadas quanto ao idoso no Brasil.
A partir do ponto de vista apresentado por Boas (2012, p.101) é de suma importância analisar que a relação de abandono afetivo em casos de pais idosos, em tese, não decorre apenas de um processo de transgressão da afetividade, ou seja, ele não se limita apenas ao sentido de abandono em termo de carinho e amorosidade. O autor analisa que o processo que decorre em transgressão e infração dos princípios constitucionais de garantia à vida e a dignidade humana vão além do princípio afetivo, pois ultrapassam o limite da moralidade e podem agir com maior impacto na moralidade do indivíduo.
Essa perspectiva apresentada por Boas (2012, p.101) é acompanhada por Peres (2008, p.25) ao observar que o abandono afetivo inverso, apesar de não apresentar um apelo maior tanto quanto o abandono afetivo tradicional (de pai para com os filhos) decorre de um processo que afeta um tipo de público considerado vulnerável, como os idosos. O autor lembra que o idoso é considerado, perante a legislação específica e na Constituição, como um tipo de indivíduo que precisa de amparo do Estado, da sociedade e da família, de modo que qualquer transgressão aos princípios e garantias sejam considerados crime de gravidade alta e complexa dentro da perspectiva legal brasileira, a depender do grau e da intensidade da lesão, seja ela moral ou material.
CONCLUSÃO
O estudo sobre o Direito do Idoso no ordenamento jurídico brasileiro é fundamental para compreender como ele está diretamente inserida no âmbito jurídico, dentro no Direito de Família, e suas implicações legais a partir da compreensão do abandono afetivo inverso como sendo uma infração moral que precisa ser discutida amplamente na doutrina jurídica.
Para esse estudo foi realizada uma ampla discussão sobre as legislações específicas que tratam da proteção e da garantia de direitos ao idoso (Estatuto do Idoso – Lei nº 10.741/2003 e a Política Nacional do Idoso – Lei nº 8.842/1994), uma análise do conceito de família dentro do direito de família e uma abordagem mais específica para a responsabilização civil em casos de abando afetivo inverso. A partir desse apanhado de análise, foipossível observar a relação do direito de família com o direito dos idosos dentro do ponto de vista da afetividade e do abandono afetivo inverso, de modo que houvesse a percepção dos diferentes tipos de dano que afeta o idoso: dano moral e dano material.
O estudo sobre os direitos dos idosos no Brasil perpassa por uma historicidade de acontecimentos que permeou o desenvolvimento de ações da sociedade civil e do poder público para garantir proteção ao idoso. O estudo apresentou, dentre outros aspectos, a relação do idoso com o âmbito jurídico-social brasileiro, com base nas relações de afetividade com os filhos. O idoso é um individuo que possui uma série de características peculiares, tanto do ponto de vista do poder público, quanto no aspecto da sociedade e o trato jurídico – por isso, é de suma importância analisar, como o estudo observou, as suas relações sociais e os seus direitos e garantias constitucionais.
No entanto, como foi observado nas doutrinas discutidas no estudo, se faz necessário ampliar as discussões no âmbito jurídico sobre mecanismos e ações que tornem mais possíveis a proteção do idoso em casos de abandono afetivo. Apesar de ainda existir controvérsias e dualidades quanto a materialidade das ações de responsabilização em caso de abandono, é salutar aprimorarem o debate para tratar o reconhecimento do abandono afetivo como um caso digno de aplicação de indenização e reparo pecuniário, de modo que o idoso seja amparado em todos os seus direitos que, em algum momento, sejam tolhidos.
Recomenda-se para pesquisas futuras na área jurídica do direito de família o aprofundamento nas pesquisas sobre o abandono afetivo inverso e a relação com os pais idosos, tendo em vista a concepção de observância dos danos materiais e dos danos morais nesse processo. De todo modo, é de suma importância analisar que a sociedade e o processo de envelhecimento da população são fatores que estão diretamente interligados com os desdobramentos jurídicos, tanto na formação da doutrina quanto na efetivação de legislações específicas que precisam, cada vez mais, garantir que o idoso seja amplamente protegido e amparado pela lei.
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Artigo publicado em 22/11/2021 e republicado em 05/04/2024
Graduanda no Curso de Direito pelo Centro Universitário Faculdade Metropolitana de Manaus - FAMETRO.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CONEGUNDES, MARIA DE NAZARÉ MACIEL. O abandono afetivo dos idosos pelos filhos: um estudo à luz do princípio da afetividade no Direito de Família Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 05 abr 2024, 04:54. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/57550/o-abandono-afetivo-dos-idosos-pelos-filhos-um-estudo-luz-do-princpio-da-afetividade-no-direito-de-famlia. Acesso em: 22 nov 2024.
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