Resumo: O presente artigo fará um apanhado de normativas nacionais e internacionais que versam sobre prisão domiciliar e sobre o direito à convivência familiar da criança, indicando que o uso da prisão domiciliar não deve ser feito tão somente nas hipóteses expressamente previstas na legislação penal em sentido amplo, mas que também deve ser usado de forma mais ampla, considerando todo embasamento jurídico do ordenamento jurídico como um todo.
Palavras-chave: prisão domiciliar; direito à convivência familiar; proteção integral da criança.
Sumário: 1. Introdução. 2. O Histórico das previsões normativas expressas de prisão domiciliar para gestantes e mães. 3. A proteção prevista na Constituição Federal. 4. Os direitos das crianças e das mulheres presas assegurados nos Tratados Internacionais. 5. As normas internas do direito brasileiro que buscam proteger o vínculo da criança com sua mãe. 6. O Habeas Corpus coletivo 143.641 e seus desdobramentos. 7. A aplicação do instituto da prisão domiciliar para condenadas por sentença transitada em julgado ainda que em cumprimento de pena em regime diverso do aberto 8. Considerações finais. Referências.
1. Introdução.
O presente artigo fará um breve apanhado de normas brasileiras que tratam expressamente da possibilidade de prisão domiciliar para gestantes e mães, bem como de outras normas nacionais e internacionais que protegem o direito à maternidade e o direito à convivência familiar, para demonstrar a possibilidade e importância da ampliação do instituto para casos não previstos de maneira explícita no ordenamento jurídico nacional.
2. Histórico das previsões normativas expressas de prisão domiciliar para gestantes e mães.
Desde 2011, com o advento da Lei 12.403, medidas cautelares diversas da prisão surgiram no Código de Processo Penal e, com elas, também surgiu a possibilidade da substituição da prisão preventiva em unidade prisional pela prisão domiciliar, em casos especificados pelo legislador, listadas no artigo 318 do Código Processual.
Alguns dos casos são relativos tão somente à pessoa acusada, como quando se tratar de pessoas maiores de oitenta anos de idade ou debilitadas por doenças graves. Outros casos, no entanto, foram pensados para proteger terceiros, como crianças menores de seis anos ou pessoas com deficiência que dependem dos cuidados especiais do agente. Ainda, havia uma terceira hipótese, mista, em que se buscava proteger o feto e a mãe, quando a gestação fosse de risco ou, em todos os casos, a partir do sétimo mês de gravidez.
Em 08 de março de 2016, foi sancionado o Marco Legal de Primeira Infância, lei que trouxe alterações significativas ao Estatuto da Criança e do Adolescente e ao Código de Processo Penal, juntamente com outras leis.
Não obstante o Marco Legal da Primeira Infância dispor sobre políticas públicas para o período que abrange os primeiros seis anos de vida da criança, algumas modificações foram mais extensas, buscando cuidar de crianças até doze anos de idade.
Assim, o artigo 318 do Código de Processo ampliou os casos de substituição pela prisão domiciliar para todas as gestantes – isto é, em qualquer período da gravidez e independentemente de risco –, para as mulheres com descendentes de até doze anos e para homens que sejam os únicos responsáveis pela prole dessa idade.
Não sendo essa substituição concedida pelos magistrados em inúmeros casos, foi impetrado o Habeas Corpus coletivo 143.641 no Supremo Tribunal Federal, que determinou, no início de 2018, a substituição da prisão preventiva pela prisão domiciliar a todas as mulheres gestantes ou mães de crianças até doze anos de idade ou com deficiência.
Menos de um ano depois, em dezembro de 2018, nova alteração legislativa acrescentou o artigo 318-A no Código de Processo Penal, reiterando a necessidade da aplicação do instituto da prisão domiciliar para mães e gestantes e, também, alterando a Lei de Execuções Penais para diminuir o lapso necessário para as progressões de regime dessas mulheres.
Ainda, a Lei de Execuções Penais também conta, desde seu surgimento, com a possibilidade de colocação em prisão domiciliar as mães e gestantes que estiverem cumprindo o regime aberto.
3. A proteção prevista na Constituição Federal.
Como visto anteriormente, os dois diplomas legais brasileiro que versam sobre a situação de pessoas presas – seja o CPP em relação às pessoas em prisão provisória, seja a LEP em relação às que estão em prisão definitiva – não possuem previsão expressa sobre a colocação de mães e gestantes em prisão domiciliar quando elas estiverem cumprindo pena privativa de liberdade em regime fechado ou semiaberto, com sentença transitada em julgado, de forma que seus filhos e filhas, objetos de cuidados extremos do legislador e da Corte Suprema, correm o risco de ficarem desamparados, por certo lapso temporal, em descumprimento do princípio da pessoalidade da pena.
A Constituição Federal traz alguns princípios que devem ser observados como filtro para o entendimento deste trabalho.
Além do dever de cuidado das crianças, que deve ser cumprido pela família, pelo Estado e pela sociedade, conforme o artigo 227 da Carta Magna, também é necessário impedir o desrespeito ao princípio da perpetuidade da pena (art. 5º, XLVII, b, CF), já que, por vezes, o afastamento entre criança e mãe presa pode significar a colocação daquela em acolhimento institucional, com o risco da perda do poder familiar, pena não prevista para a maioria dos delitos causadores do encarceramento feminino no Brasil.
Ademais, o capítulo VII do Título VIII da Constituição fala sobre a família e a criança e o caput de seu primeiro artigo, de número 226, já determina que a família é a base da sociedade e que tem especial proteção do Estado. O parágrafo 7º deste mesmo artigo proíbe, ainda, que instituições oficiais ou privadas interfiram no livre direito ao planejamento familiar.
O já mencionado artigo 227 impõe novamente ao Estado, junto com a família e a sociedade, o dever de assegurar à criança o direito à convivência familiar e, por fim, o artigo 229 estabelece que é dever dos pais assistir, criar e educar seus filhos.
4. Os direitos das crianças e das mulheres presas assegurados nos Tratados Internacionais.
A Convenção sobre os Direitos da Criança (Decreto 99.710/1990) também prioriza que as crianças permaneçam com suas famílias, pois sua convivência é fundamental para seu pleno desenvolvimento.
Esse instrumento não diz que o vínculo só deve ser preservado e estimulado com familiares que não ostentam condenação transitada em julgado, cumprindo pena em regime diverso do aberto.
Com um recorte bastante distinto do foco do presente artigo – focado na questão de alimentação na primeira infância –, a Organização Mundial de Saúde diz que o aleitamento materno deveria ser a fonte exclusiva de nutrição de bebês até o sexto mês de vida e, a partir de então, deveria continuar sendo oferecido até, pelo menos, os dois anos de idade, em complementação à introdução alimentar[1].
No entanto, a OMS não entra no mérito se o aleitamento pode e deve ser feito dentro ou fora de unidades prisionais.
Um dos principais documentos que aborda especificamente a questão da maternidade em cumprimento de pena ou ao responder processo criminal são as Regras das Nações Unidas para o tratamento de mulheres presas e medidas não privativas de liberdade para mulheres infratoras, também conhecidas como Regras de Bangkok.
Heidi Cerneka explica que diferente de um tratado vinculante, cujo descumprimento pode ser levado a um Corte Internacional, “as regras mínimas têm por objetivo estabelecer princípios e regras de uma boa organização penitenciária e das práticas relativas ao tratamento de prisioneiros”[2].
Alguns dos seus principais pontos podem ser vistos nas regras 48, 52 e 64:
Regra 48.2
Mulheres presas não deverão ser desestimuladas a amamentar seus filhos/as, salvo se houver razões de saúde específicas para tal.
Regra 52.1
A decisão do momento de separação da mãe de seu filho deverá ser feita caso a caso e fundada no melhor interesse da criança, no âmbito da legislação nacional pertinente.
Regra 64
Penas não privativas de liberdade para as mulheres gestantes e mulheres com filhos/as dependentes serão preferidas sempre que for possível e apropriado, sendo a pena de prisão considerada apenas quando o crime for grave ou violento ou a mulher representar ameaça contínua, sempre velando pelo melhor interesse do/a filho/a ou filhos/as e assegurando as diligências adequadas para seu cuidado.
Percebe-se que as Regras de Bangkok estão alinhadas com as recomendações de saúde infantil. O artigo 83, §2o, da LEP, busca efetivar a regra 52, já que ele indica que a permanência do bebê com a mãe será de no mínimo seis meses, não determinando tempo máximo. No entanto, normas infralegais acabam legitimando decisões que separam mães de suas crianças com poucos meses de vida.
Ainda sobre as regras das Nações Unidas, sejam as já mencionadas de Bangkok ou mesmo as regras de Mandela[3], há que se ter em mente que, ainda que sejam apenas soft law, não tendo sido internalizadas como lei vinculante, a própria exposição de motivos da LEP[4] indica a importância que lhe deve ser dada. O item 74 deixa expresso que “a declaração desses direitos não pode conservar-se, porém, como corpo de regras meramente programáticas”, indicando a necessidade de o ordenamento jurídico efetivar, na prática, o seu teor.
Além disso, ao menos no estado de São Paulo, essas regras têm força vinculante, já que sua constituição estadual preceitua, em seu artigo 143, que “a legislação penitenciária estadual assegurará o respeito às regras mínimas da Organização das Nações Unidas para o tratamento de reclusos”[5].
5. As normas internas do direito brasileiro que buscam proteger o vínculo da criança com sua mãe.
A Lei de Execução Penal indica de forma expressa que “os estabelecimentos penais destinados a mulheres serão dotados de berçário, onde as condenadas possam cuidar de seus filhos, inclusive amamenta-los, no mínimo, até 6 (seis) meses de idade”.
No entanto, sabe-se que normas infralegais por vezes relativizam esse período, como acontece em São Paulo, pelo Regimento Interno 144/10 da Secretaria de Administração Penitenciária, que trata o período de seis meses como sendo o máximo do tempo permitido para que a criança permaneça com a mãe presa, de acordo com seu artigo 23:
São assegurados, também, além dos direitos constantes no artigo 22 deste Regimento, outros que se aplicam à gravidez, ao parto, ao cuidado com os filhos e à atenção básica às necessidades da mulher presa, entre os quais:
III- guarda do recém-nascido, durante o período de lactância, pelo período de até 06 (seis) meses, em local adequado, mesmo quando houver restrições de amamentação.
Ainda que se entenda que este limite máximo seja colocado para evitar a permanência de crianças em ambientes onde ocorrem “violação generalizada de direitos fundamentais dos presos no tocante à dignidade, higidez física e integridade psíquica”, como descrito no acórdão da ADPF 347, julgado em 09 de setembro de 2015, não se pode deixar de lado uma norma infralegal, por melhor intencionada que seja, não pode ir contra lei ordinária.
Ademais, um simples regimento interno não pode justificar a separação de bebê e mãe na época que deveria começar a transição alimentar da criança – o que acaba ocorrendo antes do sexto mês de vida, para que o desmame completo possa acontecer quando a criança deixa a companhia da mãe.
O Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu artigo 19, deixa nítida a preferência da criação da prole pela família natural. O Marco Legal da Primeira Infância reforça essa ideia de uma maneira global e, especificamente, em relação ao artigo 19 do ECA, trouxe uma alteração da sua redação, revogando a parte que indicava que as crianças deveriam estar em ambiente “livre da presença de pessoas dependentes de substâncias entorpecentes”.
Em 2016, o Ministério da Justiça publicou diretrizes para o tratamento de mães no sistema prisional, indicando a “preferência às penas não privativas de liberdade ou à prisão domiciliar”[6] para essas mulheres, fazendo menção à Resolução do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP) que já determinava que “deve ser garantida a permanência de crianças no mínimo até um ano e seis meses para as (os) filhas (os) de mulheres encarceradas junto as suas mães”.
Merece menção especial a explicação existente para a permanência da criança de até 18 meses com sua mãe, como recomendado pelo CNPCP:
a presença da mãe nesse período é considerada fundamental para o desenvolvimento da criança, principalmente no que tange à construção do sentimento de confiança, otimismo e coragem, aspectos que podem ficar comprometidos caso não haja uma relação que sustente essa primeira fase do desenvolvimento humano; esse período também se destina para a vinculação da mãe com sua (seu) filha (o) e para a elaboração psicológica da separação e futuro reencontro.
Buscando reduzir as hipóteses em que bebês e crianças precisem ficar em unidades prisionais para ter o direito à convivência com a mãe, o Código de Processo Penal foi alterado no fim de 2018 para ampliar as hipóteses de prisão domiciliar como substituta da prisão preventiva, deixando livre para o juiz analisar, caso a caso, em situações que envolvam qualquer tipo de delito supostamente praticado por gestante ou por mãe de criança (situação que já existia desde 2016 no artigo 318) e, nos termos do artigo 318-A, determinado a obrigatoriedade a substituição nos casos de mulheres gestantes ou mães ou responsáveis por crianças ou pessoas com deficiência, nos casos de crimes sem violência ou grave ameaça à pessoa e que não tenham sido praticados contra o filho ou dependente – em qualquer um desses casos, a análise da situação em concreto pode fazer com que a substituição seja feita, nos termos do artigo anterior.
A mudança da legislação em dezembro de 2018 também incidiu na LEP, com a criação do parágrafo 3º do artigo 112, que trata da progressão de regime. Com a nova redação, as mulheres na mesma situação do 318-A do CPP podem progredir de regime de forma mais célere, após cumprir 1/8 de sua pena, preenchendo os mesmos requisitos do 318-A do CPP e, ainda, ser primária e não ter integrado organização criminosa. Além disso, deve ter bom comportamento carcerário, como em todas as outras modalidades de progressão de regime.
Todas essas normativas caminham lado a lado para trabalhar na manutenção do vínculo da mãe com sua prole, postergando o momento de colocação daquela mulher em unidade prisional e para acelerar a sua saída, quando inevitável a sua entrada e permanência.
6. O Habeas Corpus coletivo 143.641 e seus desdobramentos.
Como já mencionado, o HC 143.641 foi um marco histórico ao tratar das gestantes e mães em situação de prisão preventiva.
Alguns trechos do acórdão deste HC merecem destaque, em razão das valiosas lições trazidas pelo relator Ministro Lewandowski, que assim o ementou:
HABEAS CORPUS COLETIVO. ADMISSIBILIDADE. DOUTRINA BRASILEIRA DO HABEAS CORPUS. MÁXIMA EFETIVIDADE DO WRIT. MÃES E GESTANTES PRESAS. RELAÇÕES SOCIAIS MASSIFICADAS E BUROCRATIZADAS. GRUPOS SOCIAIS VULNERÁVEIS. ACESSO À JUSTIÇA. FACILITAÇÃO. EMPREGO DE REMÉDIOS PROCESSUAIS ADEQUADOS. LEGITIMIDADE ATIVA. APLICAÇÃO ANALÓGICA DA LEI 13.300/2016. MULHERES GRÁVIDAS OU COM CRIANÇAS SOB SUA GUARDA. PRISÕES PREVENTIVAS CUMPRIDAS EM CONDIÇÕES DEGRADANTES. INADMISSIBILIDADE. PRIVAÇÃO DE CUIDADOS MÉDICOS PRÉ- NATAL E PÓS-PARTO. FALTA DE BERÇARIOS E CRECHES. ADPF 347 MC/DF. SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO. ESTADO DE COISAS INCONSTITUCIONAL. CULTURA DO ENCARCERAMENTO. NECESSIDADE DE SUPERAÇÃO. DETENÇÕES CAUTELARES DECRETADAS DE FORMA ABUSIVA E IRRAZOÁVEL. INCAPACIDADE DO ESTADO DE ASSEGURAR DIREITOS FUNDAMENTAIS ÀS ENCARCERADAS. OBJETIVOS DE DESENVOLVIMENTO DO MILÊNIO E DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL DA ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. REGRAS DE BANGKOK. ESTATUTO DA PRIMEIRA INFÂNCIA. APLICAÇÃO À ESPÉCIE. ORDEM CONCEDIDA. EXTENSÃO DE OFÍCIO. (grifei)
Como já mencionado no início do artigo, o respeito ao princípio da intranscendência da pena foi balizador da decisão:
Aqui, não é demais relembrar, por oportuno, que o nosso texto magno estabelece, taxativamente, em seu art. 5º, XLV, que “nenhuma pena passará da pessoa do condenado”, sendo escusado anotar que, no caso das mulheres presas, a privação de liberdade e suas nefastas consequências estão sendo estendidas às crianças que portam no ventre e àquelas que geraram.
São evidentes e óbvios os impactos perniciosos da prisão da mulher, e da posterior separação de seus filhos, no bem-estar físico e psíquico das crianças. (...)
Trazendo tais reflexões para o caso concreto, não restam dúvidas de que a segregação, seja nos presídios, seja em entidades de acolhimento institucional, terá grande probabilidade de causar dano irreversível e permanente às crianças filhas de mães presas.
Nos cárceres, habitualmente estão limitadas em suas experiências de vida, confinadas que estão à situação prisional. Nos abrigos, sofrerão com a inconsistência do afeto, que, numa entidade de acolhimento, normalmente, restringe-se ao atendimento das necessidades físicas imediatas das crianças.
Finalmente, a entrega abrupta delas à família extensa, como regra, em seus primeiros meses de vida, privando-as subitamente da mãe, que até então foi uma de suas únicas referências afetivas, é igualmente traumática. Ademais, priva-as do aleitamento materno numa fase em que este é enfaticamente recomendado pelos especialistas.
Decisão proferida em outubro de 2018, no mesmo HC, para sanar dúvidas sobre quais seriam as situações excepcionais que obstariam a substituição da prisão preventiva pela domiciliar, determinou que situações como tráfico de drogas, ainda que praticado dentro da residência ou em unidade prisional, não obstam, por si só, a colocação da mulher em prisão domiciliar.
Ainda, o ministro Lewandowski determinou que fosse oficiado o Congresso Nacional para que, caso entendesse pertinente, fossem realizados estudos para verificar a ampliação da regra prevista no artigo 318, I e IV, do CPP, para as presas definitivas. Essa recomendação foi fundamentada nos “compromissos internacionais assumidos pelo Brasil e, em especial, as regras de Bangkok”.
7. A aplicação do instituto da prisão domiciliar para condenadas por sentença transitada em julgado ainda que em cumprimento de pena em regime diverso do aberto
Como se percebe pelas normativas existentes atualmente sobre maternidade e cárcere, há uma lacuna ainda a ser coberta, pois a necessidade que a criança tem de permanecer com sua mãe não deixa de existir pelo simples fato de haver uma condenação definitiva que determine seu cumprimento em regime fechado ou semiaberto.
As leis que hoje existem não foram criadas para que as mães que ainda tenham a presunção de inocência a seu favor – ou que estejam em fase final de cumprimento de pena – possam ter o benefício de criar seus filhos. Elas existem buscando proteger especificamente a criança.
A criança de até dois anos de idade não deixa de precisar do leite materno para seu desenvolvimento pleno ou, mesmo depois dessa idade, ela não tem sua necessidade de convívio com a mãe diminuída em razão da mãe estar cumprindo reprimenda penal em meio diverso do aberto.
O legislador compreendeu que o direito da criança ainda persiste não obstante qualquer situação em que sua mãe se encontre e, por isso, agiu, ainda que timidamente, para amenizar essa situação, reduzindo o tempo necessário para que possa ser pleiteada a progressão de regime, em certos casos.
A forma que optou por inovar na Lei de Execução Penal mostra de maneira gritante que o “público-alvo” do novo lapso é justamente a maior população carcerária feminina – a que cumpre pena por condenação por delitos previstos na Lei de Drogas.
É compreensível a timidez da medida, já que se a prisão domiciliar fosse positivada para todos os casos de gestantes e mães, a mídia e sociedade – que insistem em dizer que o Brasil é o país da impunidade – entenderia essa substituição automática como uma carta branca para qualquer mulher cometer delitos e depois engravidar para não ser responsabilizada – esquecendo que a prisão domiciliar ainda é pena e ainda traz consequências sérias para a vida das pessoas.
No entanto, os motivos que fundamentaram todas as normativas aqui apresentadas persistem em qualquer etapa do processo penal, mesmo após o trânsito em julgado da sentença condenatória e essas são as bases usadas para pleitear, judicialmente, a garantia de direitos dos filhos – ao aleitamento materno, à convivência familiar etc.
8. Conclusão
Assim, ainda que os instrumentos que regulamentam a prisão preventiva e a prisão definitiva não contem com previsão expressa de possibilidade de prisão domiciliar, nos casos de condenação em regime fechado ou semiaberto, após o trânsito em julgado, é imperiosa uma leitura holística do ordenamento jurídico, não apenas das normativas penais.
Ao se usar o filtro da dignidade da pessoa humana e demais princípios que protegem a maternidade e a infância, percebe-se a possibilidade da flexibilização do artigo 318, CPP, e do artigo 117, LEP.
É de extrema importância, todavia, manter em mente que mesmo pedidos que possuem respaldo na letra da lei de forma absoluta são muitas vezes rechaçados por magistrados de primeiro e segundo grau, resistência ainda maior poderá ser encontrada ao formular pedido feito por analogia, de forma que imperiosa a insistência nas Cortes Superiores, para garantir o direito das crianças e de suas mães.
Referências.
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BRASIL. Lei n. 13.257, de 08 de março de 2016. Marco Legal da Primeira Infância. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2016/lei/l13257.htm. Acesso em 11 nov. 2021.
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[1] Disponível em: https://www.who.int/news/item/15-01-2011-exclusive-breastfeeding-for-six-months-best-for-babies-everywhere, acesso em 04 set. 2021.
[2] CERNEKA, Heidi Ann. Regras de Bangkok: está na hora de fazê-las valer. Boletim IBCCRIM, v. 20, n. 232, p. 18, 2010.
[3] Regras Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento de Reclusos, também conhecida por “Regras de Mandela”, não abordam especificamente a maternidade, mas tratamento de pessoas presas em geral. Disponível em https://www.unodc.org/documents/justice-and-prison-reform/Nelson_Mandela_Rules-P-ebook.pdf, acesso em 11 nov. 2021.
[4] Disponível em https://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/1980-1987/lei-7210-11-julho-1984-356938-exposicaodemotivos-149285-pl.html, acesso em 23 out. 2021.
[5] Disponível em https://www.al.sp.gov.br/repositorio/legislacao/constituicao/1989/compilacao-constituicao-0-05.10.1989.html, acesso em 23 out. 2021.
[6] MINISTÉRIO DA JUSTIÇA; DEPARTAMENTO PENITENCIÁRIO NACIONAL. Diretrizes para a convivência mãe-filho/a no sistema prisional, p. 12. Disponível em https://carceraria.org.br/wp-content/uploads/2018/01/formacao-diretrizes-convivencia-mae-filho-1.pdf. Acesso em 11 nov. 2021.
Artigo publicado em 25/11/2021 e republicado em 28/03/2024
Mestra em Direito Processual Penal na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP, 2023), Especialista em Direito Penal e Criminologia (Uninter/ICPC, 2019), membra do Grupo de Pesquisa “Políticas Públicas de Segurança e Direitos Humanos” (PUC-SP). Analista Jurídica na Defensoria Pública do Estado do Amazonas e pós-graduanda em Tribunal do Júri (CEI, 2023).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SANTOS, Josianne Pagliuca dos. O uso da prisão domiciliar para garantir o direito à convivência da prole com a mãe Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 28 mar 2024, 04:50. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/57619/o-uso-da-priso-domiciliar-para-garantir-o-direito-convivncia-da-prole-com-a-me. Acesso em: 22 nov 2024.
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