RESUMO: O presente artigo científico visa demonstrar a questão jurídica e social que envolve a novel forma de filiação - a socioafetiva – quando se tratar de Adoção de Adulto e este foi criado pelo adotante desde tenra idade e de como esta questão é tratada atualmente pelo doutrina pátria e pelo Poder Judiciário brasileiro, objetivando provocar reflexões no seio acadêmico a respeito da matéria, assim, contribuir para a formação de novas mentalidades jurídicas voltadas para a aplicação do Direito visando o bem estar psíquico, social e econômico do adulto negligenciado ou vítima do abandono afetivo e material, sem as amarras da aplicação literal do texto legal alheio aos anseios da família socioafetiva, para tanto, utilizou-se o método dedutivo e como técnica de pesquisa documentação indireta – com observação sistemática, abrangendo a pesquisa bibliográfica de fontes primárias e secundárias (doutrina em geral, artigos científicos), além de documentação oficial (leis, decisões,), concluindo-se que é necessário uma nova consciência jurídica voltada para os anseios da sociedade.
PALAVRAS CHAVES: Filiação socioafetiva; Adoção; Adulto.
ABSTRACT: This scientific article aims to demonstrate the legal and social issue that involves the novel form of membership- the socio-affective - when it comes to Adult Adoption and this was created by the adopter from an early age and how this issue is currently addressed by the homeland and by the Brazilian Judiciary, aiming to provoke reflections in academic circles on the matter, thus contributing to the formation of new legal mindsets aimed at the application of the Law aiming at the psychological, social and economic well-being of the neglected adult or victim of emotional abandonment and material, without the shackles of the literal application of the legal text alien to the wishes of the socio-affective family, for that, the deductive method was used and as a research technique indirect documentation - with systematic observation, covering the bibliographical research of primary and secondary sources (doctrine in general, scientific articles, etc.), as well as official documentation (laws, decisions, etc.), concluding that a new legal awareness focused on the concerns of society is necessary.
KEYWORDS: Socio-affective affiliation; Adoption; Adult.
INTRODUÇÃO
O Direito de Família no Brasil teve uma grande evolução a da Constituição Federal de 1988, através de princípios inerentes à família (art.1º, o II e III; art. 5º, caput, 2ª parte; e, art. 226, caput, e seus §§ 4º e 7º e art. 277, § 6º).
Nota-se que o art. 5º, da Carta Magna, elenca os direitos e garantias individuais, no entanto, o rol não é taxativo, o que se pode depreender do teor da norma constitucional contida em seu parágrafo 2º: “Os direitos e garantias expresso nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados”. Neste desiderato, há de se integrar os princípios constitucionais adotados: igualdade, liberdade e dignidade humana.
No Código Civil de 1916 imperava a estrutura patriarcal, matrimonialista, heteroparental e biológica. Com o advento da Lei nº 10406/2002 que instituiu o atual Código Civil, operou-se um notável avanço para os institutos civis, dentre os quais, o Direito de Família, ramo do Direito considerado por muitos estudiosos como o ramo mais dinâmico do Direito Civil. Aponta-se dentre os avanços, de
família passar a caracterizar-se pela diversidade, baseando-se na procura do afeto e da felicidade de seus membros.
Nesta perspectiva, Novaes (2.000, p. 53) define a família da atualidade como “modelo eudemonista, ou seja, aquela pela qual cada um busca na própria família, ou por meio dela, a sua própria realização, seu próprio bem estar”
Dentro deste contexto, é reconhecida a filiação socioafetiva, tendo por escopo soluções práticas no âmbito do Direito das famílias e com valorização da convivência entre seus membros e a idealização de um lugar onde interage sentimentos, esperança e valores, proporcionando, assim, a cada membro, o sentimento que este é o local que lhe proporcionará sua realização pessoal.
Assim, a filiação socioafetiva de adultos, baseada no afeto e na convivência, para ser reconhecida pelo Poder Judiciário através da Adoção, uma presentes seus requisitos, deve priorizar a autodeterminação do adotando, em caso de colisão com direitos da personalidade do pai biológico, visto o que deve prevalecer é o bem estar psíquico de quem deseja ser adotado por aquele que lhe deu além das condições matérias, lhe deu, principalmente, amor, notadamente quando o adotante já manifestou a vontade de adotar.
1 CONSIDERAÇÕES GERAIS
Desde os primórdios da humanidade, o homem sentiu a necessidade de convivência. As relações interpessoais passaram por diversas etapas evolutiva. Dentre estas evoluções, surge a relação socioafetiva, como forma psíquica de autorrealização da pessoa. Por conseguinte, a República Federativa do Brasil, visando construir uma sociedade livre, justa e solidária, traz em sua Carta Magna, princípios que servem de arcabouço à legislação infraconstitucional na persecução do seu reconhecimento no âmbito jurídico, sem contudo, olvidar-se que, por tratar a matéria baseada em princípios constitucionais e em direitos fundamentais, haverá sempre algum grau de abstração, e, desta forma, possibilitando ao aplicador da norma, no caso concreto, diversas interpretações.
O reconhecimento judicial da filiação socioafetiva deve pautar-se no interesse preponderante dos pais e filho da relação socioafetiva, notadamente quando tratar-se de adoção de adulto, por não mais haver o poder familiar, estes buscam a adoção como forma de completar as suas felicidades proporcionadas pela convivência com amor, afeto, solidariedade e respeito.
2 DOS DIREITOS HUMANOS
Para o entendimento da abordagem do presente trabalho, imperiosa a necessidade de adentrar-se na análise dos Direitos Humanos.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos prima pela dignidade por ser inerente a todos os homens, valorando o convívio social, fundamental para sobrevivencia, devendo as atividades públicas, notadamente as leis, voltarem-se ao seu bem estar, direito de ordem ética e de validade universal. Passam, então, as Constituições dos Estados a conter normas pautadas na Declaração Universal dos Direitos Humanos, positivando verdadeiras conquistas da humanidade como direitos e garantias fundamentais.
O homem é titular de direitos naturais e de direitos positivados. No caso de colisão entre normas, o bem estar da pessoa deve sobrepor-se às normas positivas.
3 DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
Direitos Fundamentais são aqueles que expressam fortemente a proteção pretendida pela Declaração Universa dos Direitos do Homem. Garantem o mínimo necessário para que a pessoa viva de forma digna em uma sociedade, através de princípios constitucionais que os explicam. Assim, não têm caráter absoluto, destarte, podem ser relativados conforme a situação e o conflito de interesses; mudando e evoluindo.
Constituem-se em direitos protetivos baseados no princípio da dignidade da pessoa humana, de caráter declaratório, os quais se concretizam quando positivados em Constituições de um Estado, e, através das Garantias Fundamentais adquirem caráter assecuratório. São valores constitucionais invariáveis, imutáveis, como, por exemplo, o direito à vida; o direito à alimentação
A Constituição Federal brasileira, elenca os Direitos Fundamentais em seus artigos 5º ao artigo 17, porém este rol não é taxativo, pois, há direitos fundamentais explícitos e direitos fundamentais implícitos que deles decorrem.
Os direitos e garantias fundamentais devem acompanhar o processo histórico e as mudanças sociais, adaptando-se às novas realidades, afinal, o homem está no ápice da estrutura do sistema jurídico.
4 DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
Princípios jurídicos podem ser definidos como sendo um conjunto de padrões de conduta presentes de forma explícita ou implícita no ordenamento jurídico.
Portanto, para se alcançar o entendimento do princípio da dignidade da pessoa humana e os direitos dele decorrentes, necessário ter em mente o sofrimento experimentado pela humanidade ao longo da História, notadamente os sofrimentos enfrentados na Segunda Guerra Mundial proporcionados pelo nefasto nazismo, os quais geraram uma consciência universal a respeito da necessidade de preservação da dignidade da pessoa humana, como conquista de valor ético-jurídico intangível.
Neste diapasão, cita-se ainda, a respeito do princípio da dignidade da pessoa humana, Paulo Otero (2017, p.254) se manifesta:
“dotado de uma natureza sagrada e de direitos inalienáveis afirma-se como valor irrenunciável e cimeiro de todo o modelo constitucional, servindo de fundamento dom próprio sistema jurídico: ‘o homem e a sua dignidade são a razão da sociedade, do Estado e do Direito’. Nas palavras de Flávia Provesan, o valor da dignidade humana impõe-se a todo ordenamento jurídico, como critério e parâmetro de valoração a orientar a interpretação e compreensão de qualquer sistema normativo principalmente o sistema constitucional de cada Estado”
A Constituição brasileira de 1988, em seu artigo 1º, inciso III, adotou a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos da República, destarte, de modo, elevando o homem no topo do sistema jurídico, daí, impondo o respeito à integridade física e psíquica das pessoas.
Não obstante a dignidade da pessoa humana não ter sido inserido no rol dos direitos fundamentais, não se pode negar que a dignidade da pessoa humana se relaciona com estes direitos. Como leciona Ana Paula Barcellos “terá respeitada sua dignidade o indivíduo cujos direitos fundamentais forem observados e realizados, ainda que a dignidade não se esgote neles”.
Alexandre de Moraes (2003, p.41), Ministro do Supremo Tribunal Federal, Tribunal Guardião da Constituição, em sua obra “Direito Constitucional, conceitua a dignidade da pessoa humana:
“a dignidade da pessoa humana: concede unidade aos direitos e garantias fundamentais, sendo inerente às personalidades humanas. Esse fundamento afasta a ideia de predomínio das concepções transpessoalistas de Estado e Nação, em detrimento da liberdade individual. A dignidade é um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que, somente excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos”.
Por não trazer conceituação na Constituição Federal, o princípio da dignidade da pessoa humana ganha grau de subjetividade, o que acaba proporcionando diferentes interpretações e aplicações. Contudo, os Tribunais Superiores têm decidido no sentido de minimizar a diversidade de interpretações e de decisões que desvirtuam o sentido e alcance deste princípio, apontando para decisões baseadas no mínimo essencial à vida dos indivíduos, enfatizando a autodeterminação consciente e responsável da própria vida, decidindo com intuito de proporcionar, através do Direito, a felicidade dos indivíduos.
A dignidade da pessoa humana, base dos direitos fundamentais, deve-se sempre ser levada prioristicamente quando da interpretação dos direitos humanos como bem maior a ser protegido. Neste sentido, cita-se os ensinamentos doutrinário de Ana Paula Lemes de Souza (2015, 22):
“A dignidade da pessoa humana se tornou, no ordenamento distintos e inimagináveis para em demandas das mais diversas, trazendo sentidos cada vez mais jurídico brasileiro, uma espécie de totem, símbolo sagrado e indefinível, que circula duplamente entre as dimensões mágicas e práticas. Com seu poder simbólico, passou a figurar em demandas mais diversas, trazendo sentido cada vez mais distintos e inimagináveis para sua mensagem. Nos tribunais, este metaprincípio passou a ser uma espécie de mestre ou xamã na grande manta principiológica ordenamentária, e tem se disseminado como uma palavra chave, ou manta sagrada, invocada como uma entidade jurídico protetora dos oprimidos (ou a depender, também dos poderosos)”.
A Constituição Federal de 1988, dispõe em seu artigo 226:
Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
§ 7º Fundado no princípio da dignidade humana e da paternidade responsável o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas.”.
Verifica-se que a Constituição Federal de 1988, com base na dignidade da pessoa humana, consagrou a liberdade de autodeterminação.
5 DOS DIREITOS PERSONALÍSSIMOS
Os direitos personalíssimos ou direitos da personalidade, são aqueles inerentes à própria pessoa humana.
O termo personalidade vem do latim persona, derivação do termo personare, que significa ressoar, máscara. Persona foi o nome dado pelos latinos à máscara utilizadas pelos atores gregos da Antiguidade em suas peças teatrais. Portanto, o termo personalidade deve ser entendido como uma máscara por ser uma construção social, como algo exterior ao homem, aquilo que ressoa do indivíduo, aquilo que o caracteriza perante a sociedade.
O homem ao nascer adquire o direito de personalidade e sua duração é a vida, cessando com a morte. Na lição de Clóvis Beviláqua: “A ideia de personalidade está intimamente ligada à de pessoa, pois exprime a aptidão genérica para adquirir direitos e contrair deveres.”. (apud, SANTOS, Washington, Dicionário Brasileiro, p. 187)
Neste mesmo sentido, Caio Monteiro (1997, p.91) leciona:
“Como o homem é o sujeito das relações jurídicas, e a personalidade a faculdade a ele reconhecida, diz-se que todo homem é dotado de personalidade. Mas não se diz que somente o homem, individualmente considerado, tem essa aptidão. O direito reconhece igualmente personalidade a entes morais, sejam os que constituem de agrupamento de indivíduos que se associam para a realização de uma finalidade econômica ou social (sociedades e associações), sejam os que se formam mediante a destinação de um patrimônio para um fim determinado (fundações), aos quais é atribuída com autonomia e independência relativamente às pessoas de seus componentes ou dirigentes.”.
Os direitos inerentes à personalidade, desde os primórdios da humanidade já existiam na forma conceitual. Com a evolução da civilização, tornou-se imperiosa a necessidade a conversão em preceitos e a incorporação em lei e Códigos, figurando o homem como sujeito das relações jurídicas, assegurando-lhe condições mínimas de respeito como integrante da sociedade.
A respeito da personalidade, Goffredo Telles, in Enciclopédia Saraiva (1997, p.341), se manifesta:
“Os direitos da personalidade são os direitos subjetivos da pessoa de defender o que lhe é próprio, ou seja, a identidade, a liberdade, a sociabilidade, a reputação, honra, a autoria etc. Por outras palavras, os direitos da personalidade são direitos comuns de existência, porque são simples permissões dadas pela norma jurídica, a cada pessoa, de defender um bem que a natureza lhe deu, de maneira primordial e direta.”.
Destaca-se que os direitos da personalidade alcançam imensurável dimensão e abrangência devido a sua imensa importância na realização do indivíduo no contexto pessoal e da sociedade. Corrobora neste entendimento, o posicionamento do ilustre mestre Professor Tepedino:
“Os direitos da personalidade, regulados de maneira exaustiva pelo Código Civil, são expressões de cláusula geral de tutela da pessoa humana, contida no art. 1º, III, da Constituição (princípio da dignidade da pessoa humana). Em caso de colisão entre eles, como nenhum pode sobrelevar os demais, deve-se aplicar a técnica da ponderação”. (apud TARTUCE, Manual de Direito Civil, pág. 98).
Portanto, não há prevalência de direito de personalidade em face de outro. O julgador deverá observar o que melhor realiza o indivíduo, resguardando a sua dignidade.
Neste sentido, o Enunciado nº 4 do CJF/STJ, aprovado na I Jornada de Direito Civil, dispõe:
“o exercício dos direitos da personalidade pode sofrer limitação voluntária, desde que não seja permanente”. Em complemento foi aprovado o Enunciado de nº 139, na III Jornada de Direito Civil: “os direitos da personalidade podem sofre limitações, ainda que não especificamente previstas em lei, não podendo ser exercidos com abuso de direito de seu titular, contrariamente à boa fé objetiva e aos bons costumes”.
Importante salientar que, a princípio, os direitos da personalidade não podem sofrer limitação voluntária (caráter ilimitado e absoluto), no entanto, estes caracteres pode comportar exceções, como visto. Estes direitos podem ser subdivididos em dois âmbitos: público e privado. No âmbito público configura-se para efeito de proteção do indivíduo contra o Estado, ou seja, indica um valor constitucional real a ser realizado pelo Estado para alcançar os objetivos fundamentais previstos na Lei Maior (art. 3º, da CF/88).
Desta maneira, o legislador constituinte brasileiro, ao elaborar a Carta Magna, consagrou o princípio da dignidade humana (art. 1º, inciso III) como cláusula geral da tutela da personalidade, ao enunciar direitos e garantias individuais e coletivos, a isonomia, dentre outros. Pode-se afirmar, então, que a personalidade é o ponto de apoio de todos os direitos e obrigações.
6 DO INTERESSE PÚBLICO
O Estado, personificado pelos seus três Poderes, Executivo, Judiciário e Legislativo, justifica a tomada de algumas decisões invocando o denominado “interesse público”.
A Constituição Federal de 1988 não estabeleceu o conceito de interesse público. Por se tratar de uma expressão genérica e abstrata, sua apreciação deverá ser feita no caso concreto, o que acarreta interpretações subjetivas e, não raras vezes, eivadas de equívocos, notadamente em decisões substancialmente baseadas no invocado interesse público em detrimento dos direitos fundamentais.
A doutrina majoritária brasileira concebe que o interesse público é um princípio vigente no ordenamento pátrio e paradigma norteador das ações do Estado. Destarte, entende que há supremacia do interesse público sobre o interesse privado, o que legitima suas ações (de caráter intervencionista) em desfavor do particular. No entanto a prevalência do interesse público em relação ao interesse privado é antagônica ao Estado Democrático de Direito.
Celso Bandeira de Melo (2003, p.59), leciona que “interesse público é o plexo dos interesses dos indivíduos enquanto partícipes da sociedade, ou seja, é a dimensão pública dos interesses individuais. Este só será reconhecido quando o ordenamento normativo identificar como tal”.
Nos Estados Democráticos de Direito, o interesse público revela-se pela observância, de parte dos poderes públicos, dos direitos e princípios consagrados na Constituição e nas leis do sistema jurídico, destarte, o alegado princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse privado é totalmente contrário com o paradigma o Estado Democrático de Direito instituído pela Carta Magna de 1988.
7 DA ADOÇÃO
A respeito da adoção, leciona Maria Helena Diniz (2011), p.546) que a adoção:
“é um ato de amor e de responsabilidade para com o próximo, ao decidir pela inserção de uma pessoa em seu seio familiar, mesmo sem laços sanguíneos, proporcionando-lhe os meios materiais e os valores morais”.
A abordagem conceitual do instituto da Adoção, na concepção legal, é muito ampla, daí, a necessidade de apontar a etimologia da palavra “adoção”. Deriva do latim, composta do prefixo ad=para e do sufixo optio= opção. Consiste, portanto, na opção de escolha por vontade das partes. É uma forma artificial de filiação análoga à filiação natural.
A Adoção consiste em um ato jurídico solene pelo qual se estabelece um vínculo de paternidade e tem por objetivo mudar o núcleo familiar do adotando. Possui vários requisitos legais que devem ser respeitados, de forma a prevalecer os interesses e direitos do adotado. É ato irrevogável e personalíssimo.
O instituto da Adoção, na Roma antiga, chamava-se “ad-rogação”, a qual era submetida a apreciação da sociedade em público. Era adotada a família como um todo, e não na forma que conhecemos nos dias de hoje, onde uma pessoa adota outra.
Nos séculos XVII e XVIII, em razão da explosão populacional, principalmente nos centros urbanos, o número de asilos para acolhimento para crianças órfãs, conhecidos por orfanatos. Apesar desta denominação, os orfanatos não acolhiam somente os órfãos, acolhiam também as crianças abandonadas ou aquelas entregues pelos próprios pais, por não terem condições financeiras para o sustento das crianças.
7.1 DA ADOÇÃO NO BRASIL
Historicamente, no Brasil colonial e imperial, seguindo as normas da Coroa Portuguesa, a doção era um processo informal de transferência de guarda para as instituições de caridade ou para famílias, destarte, não havia vinculo legal ou poder familiar. Na verdade, a grande maioria dos adotantes não queria adotar um filho, mas obter mão de obra barata.
A adoção foi regulamentada a partir de 1916, com intuito de resolver a problemática social do concubinato da mulher desquitada, cuja relação tinha reprovação social pelo fato do concubino morar com a sua companheira. Também ficou regulamentado a adoção de menores de idade.
Com a promulgação da Lei Maior de 1988, a adoção tornou-se um processo mais amplo e justo, e, com o advento do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA/1990, as regras tornaram-se melhores tanto para o adotado como para o adotante.
Em 2002, o novo Código Civil revogou o Código Civil de 1916, regulamentado a adoção de maiores, com aplicação subsidiaria das regras gerias do ECA, porém, a adoção de menores de idade permaneceu regulamentada pelo ECA.
A respeito, transcreve-se o artigo 41 do ECA: “A adoção atribui a condição de filho ao adotando, com os mesmos direitos e deveres, inclusive sucessórios, desligando-se de qualquer vínculo com pais e parentes, salvo os impedimentos matrimoniais”.
O instituto da Adoção, por sua importância para o adotante, para o adotado, para a família, para a sociedade e para o Estado brasileiro, deveria ser mais utilizado e célere em seu processamento.
7.2 DA ADOÇÃO DE CRIANÇAS E DE ADOLESCENTES
O Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, visa precipuamente a proteção destas pessoas, cujas normas estão voltadas para seus interesses e bem estar, como depreende-se do art. 19 deste Estatuto:
Art. 19. É direito da criança e do adolescente de ser criado e educado no seio de sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivencia familiar e comunitária, em ambiente que garanta seu desenvolvimento integral.
Como visto, a norma contida no artigo 19 é a ideal para o desenvolvimento físico e psíquico da criança e do adolescente, no entanto, a realidade brasileira é outra. Inúmeras crianças são abandonadas por seus pais ou por um deles e nem sempre consegue uma família substituta nos termos da lei. Portanto, é gritante o descumprimento da norma do artigo 22, do ECA, senão vejamos:
Art. 22. Aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores, cabendo-lhes ainda, no interesse destes, a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais.
Incontáveis casos em que o comando da norma não é obedecido por muitos pais, por diversas razões sociais. Sabiamente, o legislador previu a solução para o abandono material e afetivo de menores, o que se pode observar na redação do artigo 20, do ECA: Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.
Contudo, apesar do abandono material e/ou afetivo, muitos pais biológicos, invocam direitos personalíssimos para obstaculizar a adoção de menores em estado de vulnerabilidade. Daí, o ECA, em seu artigo 39, § 3º, apresentar solução para o impasse:
Art. 39. A adoção de criança e de adolescente reger-se-á segundo o disposto nesta Lei.
§ 3º Em caso de conflito entre direitos e interesses do adotando e de outras pessoas, inclusive seus pais biológicos, devem prevalecer os direitos e os interesses do adotando.
Nota-se que em caso de impasse entre interesses e direitos de terceiros ou mesmo dos pais biológicos, sempre prevalecerá o que for melhor para o adotando menor. Assim, pode-se afirmar que o legislador relativou direitos personalíssimos dos pais biológicos em favor do adotando menor, alinhando-se ao princípio da dignidade humana adotado na Constituição Federal. Neste mesmo sentido, prossegue o legislador infraconstitucional, no artigo 43, do mesmo diploma legal: “A adoção será deferida quando apresentar reais vantagens para o adotando e fundar-se em motivos legítimos”.
Segue o mesmo raciocínio lógico jurídico, o teor do artigo 45, § 1º, do ECA:
Art. 45. A adoção depende do consentimento dos pais ou do representante legal do adotando.
§ 1º O consentimento será dispensado em relação à criança ou adolescente cujos pais sejam desconhecidos ou tenham sido destituídos do poder familiar.
A adoção de menores, no Brasil, como demonstrado, é regulamentada pelo ECA, cujos requisitos são: idade máxima de 18 anos do adotado na data da distribuição da ação; idade mínima do adotante é de 18 anos, independentemente do seu estado civil; diferença mínima de idade entre adotante e adotando de 16 anos; a adoção conjunta de separados, divorciados e ex-companheiros é possível, desde que exista acordo sobre a guarda e direito de visita e desde que tenha ocorrido o estágio de convivencia na constância da relação; manifesta vontade do adotante; manifestação do adotado, se maior de 12 anos; estágio de convivencia, salvo a sua dispensa legal.
Nota que, o consentimento dos pais biológicos, se conhecidos ou quando não destituídos do poder familiar, é obrigatória, ou seja, é conditio sine qua non para que seja deferida a adoção. Porém quando desconhecidos ou destituídos do poder familiar, com obvio, prescinde de seu consentimento.
Depreende-se do exposto que o instituto da adoção de menores de idade, regulamentado pelo ECA, vai ao encontro dos objetivos fundamentais da Constituição Federal de 1988, no sentido de construir uma sociedade solidária, erradicando a pobreza e a marginalização, reduzindo as desigualdades sociais, bem como promovendo o bem estar de todos e tutelando a dignidade da pessoa humana.
7.3 DA ADOÇÃO DE ADULTO – RELAÇÃO SOCIOAFETIVA
O processo de adoção de adulto, no Brasil, segue regras específicas e os adotantes têm responsabilidades diferentes das estabelecidas para o adotando de menores de idade. Todavia, as regras gerais de proteção aos interesses do menor, contidas no ECA, são aplicáveis à adoção de maiores de 18 anos, desde que quando menor, o adotando adulto já convivia com o adotante com relação afetiva de pai e filho.
Como na adoção de menor de idade, a adoção de o maior de idade cria uma relação legal de pai/mãe e filho, com todas os direitos inerentes à filiação natural e compromissos legais.
Neste tipo de adoção, o ECA é aplicado subsidiariamente, no entanto, há regras que não se aplicam devido à condição jurídica do adotado. Também não é obrigatória a diferença de idade mínima de 16 anos entre adotante e adotado, e esta diferença é fator de aumento da possibilidade de ser deferido o pedido de adoção. Outra exigência que não ocorre na adoção de maior é a obrigação de frequentar curso preparatório para a adoção, pois o pressuposto deste tipo de adoção é a existência de um relacionamento entre as duas pessoas de pai/mãe e filho, o que, via de regra, se dá com a coabitação.
A adoção de maior de idade, até janeiro de 2003, se dava por Escritura Pública. Porém, com a promulgação do Código Civil de 2002, passou-se a ser somente pela via judicial, senão vejamos:
Art. 1.619. A adoção de maiores de 18 (dezoito)anos dependerá de assistência do poder público e de sentença constitutiva, aplicando-se, no que couber, as regras gerias da Lei 8.069, de 13 de julho de 1990 – Estatuto da Criança e do Adolescente.
Justifica-se esta exigência em razão do interesse público, vez que desse ato resultam mudança no âmbito dos interesses e deveres de ambos, adotante e adotado, as novas formas de relações familiares e a observação do princípio da dignidade da pessoa humana. Como consequencia, o registro original será cancelado e um novo registro será expedido, onde constará nova filiação e o prenome do adotado (não é permito sua mudança como ocorre na adoção de menor de idade) e novo sobrenome.
A lei não exige a participação dos pais biológicos no processo de adoção de maior de idade, cabendo ao adotante formular pedido na inicial de dispensa. No entanto, o Ministério Público tem se posicionado contrário a este tipo de pedido, primando pela necessidade da citação em nome do interesse público de uso do nome (direito da personalidade). Essa acepção de interesse público tem sido aceita por parte de membros do Poder Judiciário.
No entanto, não se deve afastar a concepção moderna de democracia que reconhece os cidadãos como pessoas que buscam a realização de desejos e preferencias tipicamente seus, assumindo a responsabilidade por suas vidas. É direito personalíssimo, de observação obrigatória por um Estado Democrático de Direito
A pessoa por estar no ápice do sistema jurídico, devem seus direitos humanos ser respeitados, visto que as normas devem voltar-se para seu bem estar, direito de ordem ética e de validade universal fundadas na dignidade da pessoa humana e, destarte, devendo ser a pessoa valorizada na ordem jurídica.
O instituto da Adoção, por sua importância para o adotante, para o adotado, para a família, para a sociedade e para o Estado brasileiro, deveria ser mais utilizado e célere em seu processamento.
Seguindo os ensinamentos alhures apontados, nossos Tribunais vêm firmando jurisprudência tomando por base a autodeterminação do adotando, condicente com os direitos de personalidade e de outros princípios que com estes se relacionam, como depreende-se da decisão nos autos do Recurso Especial nº 2014/0067421-5/STJ, de relatoria do eminente Ministro Ricardo Villas Lobo Cueva, da Terceira Turma, publicado no Diário da Justiça eletrônico, reconhecendo a desnecessidade do consentimento do pai biológico na adoção socioafetiva cuja paternidade restou demonstrada. Cita-se, também, a decisão do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, nos autos do Recurso de Agravo de Instrumento 0064207-57.2010.8.19.000, de relatoria da eminente Desembargadora Lisa Bottrel Souza – Julgamento no dia 20/12/2010, onde reconheceu a procedência dos embargos contra decisão interlocutória que determinou a emenda da inicial para inclusão no polo passivo dos pais biológicos por se tratar de adoção de maior, cuja obrigatoriedade nos termos do ECA não se aplica por ser de aplicação subsidiaria, notadamente que o adotando foi abandonado desde tenra idade.
As decisões apontadas são no sentido de que com a cessação do poder familiar, a vontade do adotante e do adotado é suficiente para o deferimento do pedido de adoção, desde que haja os laços de sentimento entre ambos pela convivencia e por os pais biológicos não terem o direito subjetivo de figurar no polo passivo da relação jurídica, não há a necessidade de citação.
A adoção de adulto, por sua importância para o adotante, para o adotado, que na condição de adulto já é plenamente capaz de decidir o que é melhor para sua vida (art. 5º, caput, do CCB), para a família socioafetiva, para a sociedade e para o Estado brasileiro, deveria ser mais utilizado e mais célere seu processamento.
CONCLUSÃO
Foi demonstrado ao longo deste trabalho que o instituto da adoção no Brasil vem evoluindo ao longo de sua História, inicialmente com caráter informal até ser regulamentado pelo Código Civil de 1916. Com advento da Constituição Federal de 1988, conhecida por Constituição Cidadã, tendo por escopo o princípio da dignidade humana, muitos direitos fundamentais, dentre os quais os direitos da personalidade, foram inseridos em seu texto, concretizando-se com as garantias constitucionais.
No entanto, por não ter a Constituição Federal conceituado a dignidade humana, o que se o fizesse, correria o risco de restringir seu amplo alcance, ensejou inúmeras interpretações nos direitos fundamentais individuais e coletivos e, desta forma, proporcionando inúmeras decisões judiciais divergentes.
No que concerne à adoção de menor de idade, a lei infraconstitucional foi mais detalhista, não deixando muita margem para interpretações fora do contexto legal.
O ECA, de caráter protecionista, adotou normas gerias, cuja aplicabilidade subsidiária deverá ser efetivada no processo de adoção de adulto, pois detém o principio da dignidade humana como escopo.
A Adoção de adulto na legislação brasileira difere da adoção de menor de idade no que concerne à condição jurídica do adotado, notadamente, em relação a sua emancipação civil. Consiste na valorização da relação socioafetiva entre adotante e adotado, relação paterno filial, adquirida no convívio do adulto quando menor em estado de vulnerabilidade do ponto de vista material e afetivo, e, desta maneira, deve ser efetivada pelo Poder Judiciário, que, aliás, vem firmando entendimento da desnecessidade de figurar os pais no polo passivo, destarte, não havendo a obrigatoriedade da citação destes, em consonância com as regras gerais do ECA.
Mas, o Poder Judiciário pode avançar mais na efetiva e célere prestação jurisdicional na adoção de adulto através de edição de Súmula Vinculante quanto à desnecessidade de citação dos pais biológicos, muitos que sequer o adotando conhece, mas que opôs seu nome na Certidão de Nascimento, portanto, cuja citação se torna inviável por desconhecer sua qualificação, o que inviabiliza sua citação editalicia para integrar a relação processual na Ação de Adoção. Por outro lado, o descumprimento dos deveres da paternidade previsto na legislação pátria deveria ser motivo mais que suficiente para afastar a necessidade de figurar no polo passivo e, via de consequencia, a desnecessidade de citação.
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Artigo publicado em 06/12/2021 e republicado em 25/03/2024
Graduanda de Direito da Fametro.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: LADISLAU, Geicy de Souza. Filiação socioafetiva: adoção de adulto na legislação brasileira Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 25 mar 2024, 04:44. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/57814/filiao-socioafetiva-adoo-de-adulto-na-legislao-brasileira. Acesso em: 22 nov 2024.
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