MARIA SOCORRO RODRIGUES COELHO [1]
(orientadora)
RESUMO: O presente artigo discute o tema da responsabilidade civil decorrente do abandono digital sob a perspectiva das decisões do Superior Tribunal de Justiça, tendo como intuito expor as consequências decorrentes da falta de vigilância parental e os impactos nocivos sobre crianças e adolescentes advindos desse abandono, estes acabam se tornando vítimas de cyberbullying, pedofilia, e outros abusos. O abandono digital decorre da falta de atenção dos pais em relação aos seus filhos. Foi realizada uma pesquisa bibliográfica de caráter narrativo e dedutivo; onde discute-se de forma detalhada as consequências do abandono digital com o objetivo de garantir a proteção integral dos menores. Com a era digital fica cada vez mais difícil conviver sem estar conectado à internet, esse novo mundo virtual prende não só a atenção dos adultos como também das crianças que se conectam desde a infância precoce. Vale ressaltar, que a responsabilidade civil dos pais vai além do ambiente presencial, adentrando a esfera virtual. Além disso, considera-se de fundamental importância estudos detalhados acerca do tema, tendo em vista que o abandono digital está presente de forma contínua no ambiente familiar e por muitas vezes passa despercebido, colocando em risco a saúde física e mental das crianças e adolescentes.
Palavras-chave: Abandono digital, Responsabilidade civil, Criança, Adolescente.
ABSTRACT: This article discusses the topic of civil liability arising from digital abandonment from the perspective of the decisions of the Superior Court of Justice, aiming to expose the consequences arising from the lack of parental surveillance and the harmful impacts on children and adolescents arising from this abandonment, they end up becoming victims of cyberbullying, pedophilia, and other abuses. Digital abandonment stems from the lack of attention from parents towards their children. A bibliographical research of narrative and deductive character was carried out; where the consequences of digital abandonment are discussed in detail in order to guarantee the full protection of minors. With the digital age it is increasingly difficult to live without being connected to the internet, this new virtual world holds not only the attention of adults but also of children who connect from early childhood. It is noteworthy that the civil responsibility of parents goes beyond the face-to-face environment, entering the virtual sphere. In addition, detailed studies on the subject are of fundamental importance, considering that digital abandonment is continuously present in the family environment and often goes unnoticed, putting the physical and mental health of children and adolescents at risk.
Keywords: Digital abandonment, Civil liability, Child, Adolescent.
SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Família e seu desenvolvimento. 2.1. Poder familiar. 3. Abandono digital. 3.1. Legislação acerca dos direitos fundamentais da criança e do adolescente. 3.2. Implicações do abandono digital: impactos nocivos decorrentes da falta de vigilância parental. 4. Responsabilidade civil. 5. Jurisprudências sobre abandono digital e suas consequências jurídicas. 6. Conclusão. Referências.
1 INTRODUÇÃO
O presente artigo tem como objeto de estudo a responsabilidade civil no abandono digital sob a perspectiva das decisões do Superior Tribunal de Justiça. Para contemplar o mencionado objeto de estudo, foi realizada uma análise criteriosa de como os tribunais fundamentam as decisões referentes ao estudo em questão. Nessa perspectiva, o artigo se debruça-se sobre o seguinte problema de pesquisa: quais os argumentos utilizados pelo Superior Tribunal de Justiça para deferir ou indeferir a responsabilidade civil dos pais pelo abandono virtual de crianças e adolescentes?
O desenvolvimento do estudo se deu a partir de uma revisão bibliográfica, de caráter narrativo com método dedutivo. Foi realizada a leitura de artigos, revistas, livros e jurisprudências, partindo de um estudo geral para aspectos específicos referente ao abandono digital, onde foi analisada as possíveis causas decorrentes desse problema para que sejam evitadas as futuras consequências desse fato.
O artigo aborda as decisões do STJ acerca do tema e suas consequências jurídicas pautadas nessa ótica ineficaz da falta de fiscalização dos filhos pelos seus pais no ambiente familiar. Além disso, os pais ou responsáveis devem garantir aos menores a proteção integral. Como disposto no ECA, onde é assegurado aos menores, sujeitos de direitos e deveres, uma segurança fundamental tanto para a família como para o estado e a sociedade. Salienta-se ainda que conforme preconiza na Constituição Federal, o papel da família é essencial como garantidora da proteção integral de seus filhos.
Vale ressaltar, que a família tem a titularidade do poder familiar, advém desse poder uma série de responsabilidades como o dever de sustento, guarda e educação dos menores. No direto romano essa expressão “poder familiar” tinha como entendimento o poder do pai sobre sua família e com isso ele tinha o poder supremo de decidir entre a vida e a morte dos seus filhos o que hoje não se aplica ao direito contemporâneo. Ademais, o que se observava na família patriarcal era a hierarquia de poder, pois o pai detinha todos os poderes alusivos à sua família. A família contempla os filhos. Paralelamente, a Constituição Federal de 1988 trouxe no artigo 226, no parágrafo quinto, que os direitos sobre o poder familiar são exercidos em conjunto tanto pela mulher quanto pelo homem, o estatuto da criança e do adolescente surge então para dispor sobre os direitos e deveres garantidos à criança e adolescente.
O abandono digital constitui uma problemática que surgiu pela omissão dos pais em relação aos filhos, essa falta de vigilância permite deixá-los estagnados na era digital. Com advento do marco civil da internet a velocidade que a internet proporcionou pessoas interligas, essa facilidade de acesso à internet, jogos online, notebooks, computadores.
Em que pese ser uma facilidade esse meio de comunicação, também traz consigo perigos nocivos, tendo em vista se tratar de um ambiente virtual não se sabe o que de fato é real ou não, os jovens estão cada vez mais ligados na era digital a quantidade de horas que se passa com o celular é exagerada. Desta forma, cabe aos pais ou responsáveis monitorar a criança para que não venha ser vítima de crimes como cyberbullying, pedofilia, dentre outros crimes ocorridos no meio digital.
Objetiva-se, desse modo, realizar um trabalho que venha expor as consequências decorrentes do abandono virtual com intuito de prevenir eventuais danos decorrentes dessa omissão. Justifica-se a reflexão e advertência trazida pelo artigo em epígrafe, para a prevenção e diminuição de crimes na esfera digital, tendo em vista que devido a ineficaz vigília dos pais ou responsáveis possibilita aos filhos incidir crimes virtuais. Vale destacar que essa atuação de prevenção e de fiscalização pode diminuir o número de crimes ocasionados ao ambiente digital e consequentemente essa pauta abordada de forma frequente tanto no ambiente familiar como nas demais áreas jurídicas.
Portanto, o presente artigo está estruturado em quatro capítulos. O primeiro capítulo aborda o contexto histórico da família para o desenvolvimento da sociedade e atribui aos pais direitos e deveres infanto-juvenis. No segundo capítulo, discute-se o abandono digital apresentando os riscos advindos da infrutífera vigília dos pais ou responsáveis no ambiente virtual. Nesse seguimento, aponta-se a legislação acerca do estatuto da criança e do adolescente e suas implicações no abandono digital. No terceiro capítulo apresenta-se uma análise da responsabilidade civil dos pais fundamentados na legislação vigente. Por fim, o último capítulo elucida como a jurisprudência vem debatendo o abandono digital e como os pais são penalizados na esfera civil.
2 FAMÍLIA E SEU DESENVOLVIMENTO
É oportuno nesse momento mencionar a família como base da sociedade, e que possui proteção do Estado, incide como célula mater. Posto isso, acrescenta-se que a Constituição Federal alega no artigo 226 essa explanação, é através da família que se desenvolve o convívio em sociedade.
Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
§ 1º O casamento é civil e gratuito a celebração.
§ 2º O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei.
§ 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.
§ 4º Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.
§ 5º Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher.
§ 6º O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio.
§ 7º Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas.
§ 8º O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações (BRASIL, 1988).
Sob essa ótica, por meio da convivência familiar faz-se parte dessa engrenagem o estado, sociedade e a política. Salienta-se, que a família corrobora como função social da sociedade tendo respaldo na intervenção social. Outrossim, esse instituto apresentasse como eixo central para fluir o bem-estar e solidariedade, preceitos básicos cujo obtenção e resguardar a efetividade de tais garantias da criança e adolescente.
Desse modo, incide como direitos essenciais: a moradia, saúde, educação dentre outros. Nota-se que, o meio familiar é o primeiro contato para interação social da criança e adolescente, ambiente seguro para seu desenvolvimento. Nesse viés as relações familiares garantem à criança apropriar-se de hábitos na sociedade que nela está inserida. Segundo Engels (1980 apud MADALENO, 2020) patentear a importância da sociedade é necessária, pois por meio dela se forma a estrutura da sociedade como produto desse sistema social que visa repercutir o estado de cultura desse sistema. Portanto, a família em qualquer aspecto que seja merece ampla proteção do Estado.
Oliveira et al., (2020) destaca que:
A família tem um enorme papel na vida de uma criança, sendo ela sua primeira base e influência. O meio onde ela vive é importante para a construção de sua conduta. Ela é responsável por ensinar, educar e inserir a criança na sociedade, visto que seus costumes e modo de vida influenciarão a criança. A família fica responsável por ensinar, impor respeito, e por incentivar a criança a fazer coisas corretas se necessário a partir de regras (OLIVEIRA et al., 2020 p. 4).
Diante disso, a família é primordial para o aprimoramento social da criança e adolescente e por meio desse instituto a salvaguarda dos menores. Porquanto, as relações familiares são resguardadas e protegidas pelo Estado, na medida em que a comunidade se forma pelos pais e seus descendentes novos arranjos familiares foram incluídos. Diante disso, sob a esfera jurídica a necessidade de reconhecer as relações informais instituídas nos fatos sociais garantem a efetiva conquista pelos avanços históricos e contribuições jurisprudenciais. Além disso, o conceito de família abrange não somente aqueles ligados por vínculo sanguíneo, assim como os pertencentes a um tronco comum, seja pela afinidade, seja por adoções.
Dito isso, com o avanço da família e a edição da Carta Política de 1988 surge um leque de arranjos familiares cujo modelo não se estabelece apenas pelo matrimônio. Assim como a união estável, família monoparental, homoafetiva, unilateral, dentre outros. Novos arranjos familiares foram aceitos após essa consagração da edição da carta Política de 1988. Constituem, desta maneira, diversos arranjos familiares, cuja atenção principal encontra-se voltada para o ambiente familiar. A atenção a ser prestada pela família logo se faz necessária para garantir ao menor todos os direitos e deveres que lhe são inerentes e a responsabilidade por todos os atos dos filhos decorrentes do poder familiar.
Outrossim, discutindo acerca da responsabilidade dos pais sobre seus filhos, é válido destacar que é dever da família: garantir a educação, convivência familiar, dignidade, dentre outros direitos conferidos aos infantes, de acordo com o Estatuto da criança e do adolescente – ECA. Nesse sentido, o planejamento familiar fornece àquele menor uma educação justa e criação digna, que serão promovidas pelos pais ou responsáveis do menor. Contudo, conforme preceitua o Código civil de 2002: qualquer pessoa pode interferir no lar determinado pela família. Da mesma forma, o estado assegurará proteção àquele menor; o âmbito familiar deve ser um ambiente propício ao afeto, os pais têm liberdade para a construção da educação dos seus filhos, entretanto, caso não seja possível a observância destas prerrogativas, o Estado punirá pais ou responsáveis que podem ser responsabilizados na esfera civil e penal de acordo com Radaelli e Batistela (2019).
Evidencia-se pelo artigo 22 do estatuto da criança e adolescente os deveres no plano obrigacional:
Art. 22. Aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores, cabendo-lhes ainda, no interesse destes, a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais.
Parágrafo único. A mãe e o pai, ou os responsáveis, têm direitos iguais e deveres e responsabilidades compartilhados no cuidado e na educação da criança, devendo ser resguardado o direito de transmissão familiar de suas crenças e culturas, assegurados os direitos da criança estabelecidos nesta Lei (BRASIL,1990).
Conforme preceitua a lei 8.069/90 o Estatuto da Criança e do Adolescente, cabe aos pais ou responsáveis garantir as obrigações no plano material e todo conforto possível assim como, uma proteção no plano socioafetivo, moral e psíquico. Com o remodelamento familiar mais abrangente à família ajustou-se aos princípios constitucionais imersos na carta magna de 1988.
Desse modo, os responsáveis pela esfera familiar devem guiar-se pelos seguintes objetivos: garantir a construção familiar definida pela isonomia dos filhos e igualdade de gêneros, coaduna cônjuges e companheiros. É inegável mencionarmos os princípios basilares do direito de família: dignidade da pessoa humana, princípio da prioridade absoluta dos direitos da criança, por fim o da parentalidade responsável, existe diversos princípios que engloba novos arranjos familiares. Nesta esteira, temos o princípio da proteção integral do menor e o princípio do superior interesse da criança e adolescente, supracitados como reconhecedores de afeto e cuidado sendo elementos primordiais e indispensáveis para estruturar a manutenção familiar (AMIN et al., 2019).
Percebe-se que tais princípios mencionados acima garantem ao menor o mínimo de dignidade da pessoa humana, em suma, o princípio da proteção integral tem respaldo na garantia dos direitos fundamentais das crianças e adolescentes. Proteção está que possuí amparo da constituição, estado e família conforme preconiza a Constituição Federal de 1988 no seu artigo 227.
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (BRASIL, 1988).
Tais imposições atribuídas aos pais são consequências do poder-dever da família em decorrência do poder familiar, conjunto de direitos e deveres dos quais as crianças possuem por estarem em desenvolvimento. Para os autores Klunck e Azambuja (2020, p. 11-12) “os pais devem exercer o poder familiar no interesse dos filhos, fazendo jus à ideia da proteção integral, zelando pela integridade física e psíquica das crianças e adolescentes”. Acrescenta-se que essa atribuição de direitos e deveres são designadas aos pais, a pessoa e aos bens da prole, a medida em que, os pais concretiza dessas obrigações de forma espontânea.
Por conseguinte, para a família não resta apenas alimentá-los e deixá-los crescer livremente, a eles fica delegada a obrigação de educá-los e dirigi-los, já que, o ser humano precisa desse acompanhamento até completar a maior idade civil, de quem os crie e eduque desde das necessidades em geral às mínimas possíveis. Posto isso, essas premissas são designadas aos pais que foram submetidas por meio das leis, de tal modo esse instituto conferido aos pais ou responsáveis é resultante do poder familiar (GONÇALVES, 2019).
Destarte, é notório no âmbito do poder familiar não dispor de uma autoridade, mas de encargos: o ônus imposto por lei aos pais, desta maneira o poder familiar constitui um poder decorrente do poder-função ou direito-dever, tendo a finalidade na teoria funcionalista expostas pelo direito de família, se origina de tal modo que atribui um poder exercido pelos pais, mas benéfico aos filhos.
Diante disso, mesmo sendo conferido aos pais o exercício do poder familiar sua autonomia não é absoluta, a medida em que for viável a intervenção do estado, este pode atuar como subsidiário. Portanto, outorgar deveres no campo material não são suficientes a importância que se dar no campo existencial são essenciais para satisfazer outras indigências da prole pautada no afeto.
Em suma, define-se como poder familiar conjunto de todas as faculdades designada aos pais que visa proteger os infantes, sua finalidade é lograr a formação integral dos filhos, gerir a saúde mental, moral, psíquica, social. Diante disso, o poder familiar é um direito personalismo estabelecido como irrenunciável, imprescritível, inalienável decorre da filiação legal e socioafetiva (DIAS, 2016).
Na órbita do direito de família é infundado atribuir aos pais o poder absoluto alusivo ao direito romano, a posteriori sua nomeação era denominada de pátrio dever. Por ora, se cogitava um poder que repercutia, mais em deveres do que em direitos. No direito romano tal poder incidia ao chefe de família podendo este dispor entre a vida e a morte do núcleo familiar, com decorrer dos tempos o chefe familiar não exercia o direito de vida ou morte. Desse modo, extinguiu-se esses poderes, influenciado pelo cristianismo, o poder familiar transcorre de um poder dever que transcende ao poder protetivo (GONÇALVES, 2019).
Em vista disso, o poder familiar possui características do direito protetivo impostos pela ordem pública. Nesse sentindo, a necessidade de zelarem pela formação do filho atribuindo prioridade absoluta conforme preceitua o artigo 227 da Constituição Federal bem como: á saúde, educação, convivência familiar etc. põe a salvo qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (BRASIL,1988).
Por certo, a lei infraconstitucional explana no artigo 1.630 do código civil, Brasil (2002) que os filhos enquanto menores derivam do poder familiar, este poder não pode ser renunciado, delegado ou substabelecido, não sendo passível de abdicação caso seja será nulo. Posto isso, vale ressaltar que uma das características desse poder é imprescritível e somente perde tal direito pelos casos expressos em lei preleciona (GONÇALVES, 2019).
Acrescenta-se, que o poder familiar se dar de forma partilhada entre os pais, no código civil de 2002 preceitua no artigo 1.631 a competência dos pais permanece durante ao casamento e a união estável, na falta de um deles o outro exerce com exclusividade tamanho direto decorrente do poder familiar (BRASIL, 2002).
Deste modo, a legislação infraconstitucional 10.406/2002 artigo 1.690 do código civil o poder familiar e um instituto jurídico que tem como vínculo os pais e os filhos não emancipados sujeitos estes de uma relação que seja por vínculos biológicos, decorrentes desses deveres acarretam um conjunto de atos com intuito de garantir ao menor a devida proteção no âmbito pessoal e patrimonial. Nesse sentido, Rodrigues (2015) preleciona:
Art. 1.690. Compete aos pais, e na falta de um deles ao outro, com exclusividade, representar os filhos menores de dezesseis anos, bem como assisti-los até completarem a maioridade ou serem emancipados (BRASIL,2002).
Certamente, conforme dispõe a lei a necessidade de assisti-los foi designada após completarem a maior idade civil ou se forem emancipados, não somente o código civil a constituição preceitua no artigo 229 “os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade” (BRASIL,1988).
Tendo em vista, que o Estatuto da Criança e Adolescente impõe o rol 22 o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores, cabe ainda no interesse destes no plano obrigacional cumprir e fazer cumprir determinações judiciais (MADALENO, 2020).
No entanto, apesar de haver uma legislação protetora dos direitos infantojuvenis e da responsabilidade e punição de quem atentar contra os seus direitos e garantias fundamentais, seja por ação ou omissão, a sociedade se depara diariamente com crianças e adolescentes cujos direitos estão sendo ameaçados ou violados. Existem diferentes formas e meios de violar os direitos, desde aqueles mais conhecidos como a violência física e sexual, como outros característicos da atualidade, como o abandono digital, questão preocupante e que merece ser amplamente discutida (KLUNCK E AZAMBUJA, 2020).
Portanto, com advento do marco civil as tecnologias ampliaram de forma gradativa. Nesse sentido na medida em que a sociedade evoluí o direito acompanha os fatos a serem tutelados. Posto isso, o abandono digital deriva-se da má vigília dos pais ou responsáveis por seus filhos ao uso exacerbado diário na internet.
3 ABANDONO DIGITAL
Faz-se necessário inicialmente discorrer sobre o marco civil da internet, a internet é um símbolo em conjunto de pessoas interligadas por meio de redes físicas. Sendo assim, a internet se trata de um infinito meio de realizações, não apenas um fim em si mesmo. O marco civil está atrelado à ideia de liberdade de expressão, essa perspectiva tem como fundamento os meios de comunicação da internet, essa interação social onde pessoas e cidadãos expressam suas vontades é envolvem conteúdos práticos. Desse modo, para o marco civil a internet surge com intuito de manifestar a liberdade por meio do ciberespaço, tendo inserido nessa dimensão um infinito número de pessoas que expressam seus pensamentos neste ambiente. Por fim, é a dimensão extrínseca da democracia na esfera digital, segundo Gonçalves (2017).
No entanto, até que ponto a manifestação desses entendimentos são seguros para quem navega no mundo virtual sem as devidas precauções? Diante disso, o marco civil se baseia como princípio da liberdade de expressão, porém nem sempre a remoção de conteúdos lesivos que ofenda determinada pessoa se dá de forma rápida, exceto quando envolve imagens obscenas de nudez e cenas sexuais expondo crianças e adolescentes menores de 18 anos, tendo sua aplicabilidade na lei 8.069/90 de acordo com Costa e Pendiuk (2018).
Desse modo, a remoção desses conteúdos não é suficiente para eximir as consequências advindas desses casos. Nesse sentido, os autores Maruco e Rampazzo (2020, p. 9) advertem: “o uso descontrolado desses meios de comunicação vêm desencadeando inúmeros transtornos que, de forma desmedida, acaba por afetar a vida das pessoas, tanto na comunidade, quanto no núcleo familiar”.
Em síntese, a agilidade dos meios de comunicação atinge significativamente crianças e adolescentes na esfera virtual. Pinheiro (2019), considera que durante anos as televisões fizeram parte do cotidiano familiar, sendo considerada como babá multimídia. Posto isso, após advento das telecomunicações temos na contemporaneidade a babá digital com propósito de manter aqueles menores calmos e entretidos por vias de aparelhos, computadores, tablets etc. Para a autora a internet é a nova calçada digital. Nesse sentido, erguem-se preocupações de garantir à prole um recinto seguro e protegido, vez que as denúncias com exposição de crianças e adolescentes estão sendo efetuadas diariamente, os menores estão sujeitos aos aparatos da internet. O ministério da mulher, da família e dos direitos humanos aponta o Brasil como o segundo país com maior número de crimes cibernéticos.
Denúncias de exposição de crianças e adolescentes na internet estão entre os cinco tipos de violações mais denunciados ao Disque100. O levantamento sobre esse tipo de violência, considerando o local onde ocorre, inclui casos de pedofilia, cyberbullying e pornografia infantil.
Apesar do registro dos casos denunciados, o índice real de violações pode ser bem maior. De acordo com um relatório da Norton Cyber Security, em 2017, o Brasil se tornou o segundo país com o maior número de casos de crimes cibernéticos. A situação, envolvendo cerca de 62 milhões de pessoas, gerou prejuízos de aproximadamente US$ 22 bi.
Dados da Safer Net Brasil mostram que, em 2018, o Brasil registrou um total de 133.732 queixas de delitos virtuais, 110% a mais em relação ao ano anterior. O principal crime denunciado foi a pornografia infantil. Segundo a organização, nos últimos 14 anos, mais de 4,1 milhões de denúncias anônimas foram contabilizadas contra 790 mil endereços eletrônicos por divulgarem conteúdo inapropriado na internet.
Além desses dados, o jornal New York Times informou, em 2019, que empresas de tecnologia registraram mais de 45 milhões de fotos e vídeos online de crianças vítimas de abuso sexual. O número é mais que o dobro do registrado no ano anterior.
Ainda em 2019, de acordo com o Tic Kids, 18% dos meninos, entre 9 e 17 anos, viram imagem ou vídeo de conteúdo sexual na internet; 20% deles receberam mensagens de conteúdo sexual; e 13% das meninas, entre 9 e 17 anos, já receberam pedido para enviarem fotos ou vídeos íntimos. (BRASIL, 2020).
Sendo assim, é essencial os pais inspecionarem os filhos enquanto menores, a internet assim como o mundo real apresenta perigos lesivos para estes menores, percebe-se que tais crimes incidem sobre crianças e adolescentes, cerca de 18% dos meninos na faixa etária de 9 a 17 anos presenciaram imagens ou vídeos de conteúdos sexuais na internet de acordo com pesquisa Tic Kids (BRASIL, 2020).
Diante deste cenário de ameaças, recai sobre os pais a responsabilidade de cuidar, proteger os filhos, além disso, tal responsabilidade é resultante do poder familiar; a prática de negligência dos pais ou responsáveis ao atuar com descuido, desatenção, desleixo, é se abster de portar-se como vigilantes dos filhos em meio à internet, denomina-se o abandono digital.
No tocante ao abandono digital:
A doutrina vem conhecendo a denominação “abandono digital”, que consiste na negligência parental provocada por atos omissos dos genitores que descuidam da segurança dos filhos no ambiente cibernético proporcionado tanto pela Internet, como pelas redes sociais, não evitando os efeitos nocivos delas diante de inúmeros riscos (MARUCO E RAMPAZZO, 2020, p.15).
Portanto, para Pinheiro (2019) os jovens padecem em violências através de clicks, transcende cyberbullying à pedofilia, não sendo um lugar seguro para infantes ficarem desamparado. Por meio da internet, as fotos, preços, agendamento de encontros, todos os atos registrados por máquinas no ciberespaço por vias de publicações na internet ou mensagens. Dito isso, para além do ambiente virtual os danos sucedem a realidade.
Nessa esteira, segundo dados da Safer Net Brasil, no ano de 2018 houve 133.732 queixas de delitos virtuais. Diante disso, a responsabilidade dos pais de manter o monitoramento é incisiva para prevenção de crimes virtuais. Destarte, o abandono digital rompe a convivência familiar tornando lares empobrecidos, eis que os pais facultam a ilusória sensação de proteção por manter os filhos em casa causa uma falsa sensação de segurança. Além disto, a ocorrência de crimes na esfera virtual ampliou-se perenemente.
Por conseguinte, dados do ministério da mulher, da família e dos direitos humanos expõe que, entre as denúncias do disk 100, crianças e adolescentes ocupam a quinta posição no ranking (BRASIL, 2020). Posto isso, se torna indispensável a atuação dos pais aos direitos e garantias fundamentais destas crianças e adolescentes portando-se como salvaguarda destes menores.
3.1 Legislação acerca dos direitos fundamentais da criança e do adolescente
Com os avanços das últimas décadas consagrou-se inúmeros movimentos que contribuíram para crianças e adolescentes serem reconhecidos como sujeitos de direitos merecendo a proteção especial, a priori crianças e adolescentes eram classificados como objetos aos longos dos tempos, atualmente anuiu-se como sujeitos beneficiados destinando-os a proteção integral com garantias constitucionais (AMIN et al., 2019).
Nesse alcance, sucedeu a consagração do documento internacional o olhar para crianças na declaração de Genebra em 1934, nesse documento a criança não era um ser sujeito de direitos. Contudo, trouxe avanços e discussões a causa. Já no ano de 1984 deu-se a declaração universal dos direitos humanos como perspectiva de a criança ser garantidora de atenção e cuidados especiais, somente após 1959 aprovou-se a declaração universal dos direitos da criança para complementar a declaração universal dos direitos humanos.
Desta maneira, após a nova declaração verificou-se transformações, nessa concepção a criança deixar de ser um objeto e passa a ser detentora de proteção e direitos, corroborando sua vulnerabilidade e necessitando de uma legislação específica para esse grupo (KLUNCK E AZAMBUJA, 2020).
Pela primeira vez, foi adotada a doutrina da proteção integral fundada em três pilares como aponta Amin et al., (2019 p. 63-64): 1) reconhecimento da peculiar condição da criança e jovem como pessoa em desenvolvimento, titular de proteção especial; 2) crianças e jovens têm direito à convivência familiar; 3) as nações subscritoras obrigam-se a assegurar os direitos insculpidos na Convenção com absoluta prioridade.
Em vista disso, expresso no artigo 227 da CF/1988 a proteção integral dos menores, enfatiza quem são esses jovens: Art. 2º da lei 8.089/90 “Considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade” (BRASIL,1990). No que concerne à convenção da criança e adolescente no seu artigo primeiro aduz que criança e o indivíduo que tenha idade inferior aos 18 (dezoito) anos, logo temos a salvaguarda das definições de cada estado membro. A necessidade de resguardar a proteção integral do menor os protege.
Dito isso, reiterando o artigo 227 da CF/1988 emerge tal princípio da proteção integral do menor: os três membros responsáveis por essa proteção são compostos por estado, sociedade e a família. Deste modo, faz com que zelem tais princípios asseguram direitos bem como o cuidado no que diz respeito a formação dos menores pelos direitos e cuidados na formação desses menores enquadro-o a qualquer menor de 18 (dezoito) anos, independentemente de estar em situação de risco pessoal ou social (AMIN et al., 2019).
Neste contexto, “Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais.” (BRASIL, 1990). Conforme a legislação vigente a criança não pode sofrer negligência por seus pais ou responsáveis sob pena de infringir o dispositivo da lei.
Deste modo, para Pinheiro (2019) discussões acerca do abandono digital é imprescindível para os pais se atentarem sobre as consequências provenientes deste abandono, quanto maior as tecnologias na mesma proporção devem existir a educação, tais assuntos devem repercutir diariamente nas famílias atentando-se para a pauta de segurança.
Nota-se que para cada rede social tem-se uma idade mínima de uso, assim como redes sociais como o Facebook, Instagram, Twitter, Snapchat delimitam um mínimo exigível de 13 anos para seu acesso, já o WhatsApp a partir 16 anos. Contudo, em uma longa escala meninas e meninos sofrem traumas psicológicos ocorridos pelo imenso número de conteúdos íntimos disponíveis na web a faixa etária mais propício de assédio e exposições nu varia entre 10 a 14 anos. Percebe-se que essas idades são inferiores ao mínimo exigido para acessar o ciberespaço.
Portanto, constata-se que recai sobre esses jovens prejuízos para seu desenvolvimento sadio tais impactos desdobra-se em meio a ineficácia monitoramento dos pais ou responsáveis na era digital.
3.2 Implicações do abandono digital: impactos nocivos decorrentes da falta de vigilância parental
Indubitavelmente, imperioso abordar as implicações lesivas do abando digital em face das crianças e adolescentes, práticas ilícitas ocasionadas no ambiente virtual. Em que pese, a medida em que a internet desperta ao menor habilidades com capacidade de estabelecer educação rápida, facilidade na busca de materiais didáticos, eis que os submete aos aparatos tecnológicos sem vigília adequada dos pais, estes meninos e meninas destina-se para incidência de crimes cibernéticos.
Sob essa perspectiva, a esfera virtual cria uma sensação de terra sem lei, onde o anonimato se torna perfeito para prática destes delitos virtuais (CAVALCANTE, 2019). Posto isto, é necessário elucidar alguns crimes mais praticados por esses criminosos.
Em síntese, temos o cyberbullying ou bullying virtual como ato criminoso, o indivíduo age com a finalidade de agredir as vítimas através das redes digitais, por ora os criminosos comportam-se com intimidações, compartilhamentos de fotos ou mensagens com a finalidade de constranger a vítima, gera comentários sobre raça, religião, identidade física qualquer forma de violação à pessoa.
As consequências são inúmeras bem como: sintomas de ansiedade, depressão, utilização de entorpecentes (KLUNCK E AZAMBUJA, 2020). Como se percebe, os delitos ocorrem por intermédio de comentários que violam de alguma maneira a vítima, estes crimes ficam registrados nas redes virtuais, contudo para além do ambiente virtual tais vítimas acarretam danos físicos.
Neste seguimento, Assis e Moreira prelecionam que:
Quando uma criança ou adolescente é vítima deste delito, muitas vezes por medo, vergonha ou receio, acaba não comentando com os pais, educadores ou responsáveis, o que pode acarretar transtornos mais graves e consequências maiores. Por isso, é importante que os pais ou responsáveis pela criança estejam atentos aos comportamentos dos menores quando estes estão utilizando o computador, ou mesmo nos comportamentos decorrentes de atividades corriqueiras do dia a dia, onde eles demonstram sentimentos de rejeição ou perseguição, e se sentem frequentemente abatidos e amedrontados. (ASSIS E MOREIRA, 2014, p.96).
Portanto, é essencial o papel dos pais como observadores atentos dos comportamentos de seus filhos crianças e adolescentes, uma vez que estes menores fazem uso do ciberespaço, acompanhar tais comportamentos pode prevenir as consequências deste delito.
Por este ângulo, existem diversos perigos na esfera virtual ou decorrentes do uso contínuo destes meios, tais crimes são definidos como abusos, exploração sexual, atos pornográficos infantis, pedofilia, infinitos meios de crimes segundo Klunck e Azambuja (2020). Nesse momento, importa discorrer sobre a pedofilia infantil. Conforme dados do Ministério, já mencionados, a pedofilia faz parte dos cincos tipos de violência mais denunciadas na internet. Outrossim, no Brasil a pedofilia não está tipificada na legislação brasileira, contudo qualquer crime que incide sobre crianças e adolescentes é titulado como pedofilia.
É fato que a globalização impulsionada pela internet, com suas mais diversas ferramentas entre elas as que se pode entrar em contato com várias pessoas, de vários lugares ao mesmo tempo, tem auxiliado e aproximado os pedófilos de suas vítimas: A globalização através da internet propaga dados em tempo real o que facilita a ação dos pedófilos, os quais aproveitam-se da falta de segurança e fiscalização de muitos computadores ligados à rede para satisfazer sua excitação através de um dos crimes mais praticados na internet, hoje, a pornografia infantil, sendo que a falta de normatização possibilitou que pedófilos atuassem livremente, através de perfis falsos na internet.(CAVALCANTE, 2019, p.9).
Deste modo, coexiste uma necessidade de os criminosos satisfazerem seus desejos, já para outros realizam para desfrutar de ganhos econômicos decorrentes dos atos praticados, haja vista que a forma mais comum para tais práticas é por meio de sites virtuais. Qualquer meio que facilite trocas de informações, imagens, vídeos o indivíduo que tem facilidade de manter contato com a vítima configura este crime, qualquer ato que recai sobre criança e adolescente dar-se a consumação do delito segundo Cavalcante (2019). Desta forma, o criminoso possui a lasciva consigo e devido a isso se utiliza das crianças e adolescentes para ensejar seus desejos, deste modo se oportuniza assim para lucros financeiros por meio das crianças e adolescentes.
Nesse sentido, a medida em que o indivíduo comete o crime de pedofilia deve este responder criminalmente, o dispositivo 240 do estatuto da criança e adolescente expõe “Produzir, reproduzir, dirigir, fotografar, filmar ou registrar, por qualquer meio, cena de sexo explícito ou pornográfica, envolvendo criança ou adolescente” (BRASIL,2002). Portanto, responde sob pena reclusão que varia de quatro a oito anos e multa.
4 RESPONSABILIDADE CIVIL
Precipuamente, a responsabilidade civil dos pais está prevista na Constituição e demais áreas correlacionadas pelo Código civil e Estatuto da criança e adolescente. Eis que esta responsabilidade é decorrente da filiação; segundo Gonçalves (2019, p.347) “filiação é a relação jurídica que liga o filho a seus pais”. Assevera-se que a responsabilidade dos pais é objetiva, não se pode levar em consideração a culpa, tal responsabilidade independe desta conduta. Dito isto, essa responsabilidade faz-se mediante a filiação, seja esta consanguínea, adotiva ou socioafetiva, esta última nasceu de um avanço social resultante do vínculo afetivo. Posto isso, ao evidenciar o reconhecimento de filiação existe a responsabilidade parental, eis que esta responsabilidade é fruto do poder familiar já mencionado anteriormente e tais prerrogativas são designadas por pais ou responsáveis (KLUNCK E AZAMBUJA, 2020).
Nesse seguimento, o Código civil define responsabilidade por meio do art.186 na medida em que quem causa dano a outrem tem obrigação de repará-lo “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”. (Brasil, 2002). Neste ínterim, a responsabilidade dos pais é objetiva, podendo estes ser responsabilizados por ação ou omissão. Deste modo, a finalidade se designa pela existência do bem comum e a condição peculiar da criança e adolescente como pessoa em construção.
Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil:
I - Os pais, pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia;
II - Os tutores e o curador, pelos pupilos e curatelados, que se acharem nas mesmas condições;
III - Os empregadores ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele;
IV - Os donos de hotéis, hospedarias, casas ou estabelecimentos onde se albergue por dinheiro, mesmo para fins de educação, pelos seus hóspedes, moradores e educandos;
V - Os que gratuitamente houverem participado nos produtos do crime, até a concorrente quantia (BRASIL, 2002).
Em vista disso, a obrigação de indenizar é atribuída aos responsáveis pelos menores que detém sua autoridade e companhia. Por isso, nota-se que os pais possuem papel crucial para desenvolvimento infanto-juvenil, cabe aos pais ou responsáveis desfrutar de sua companhia, propiciar amor, cuidado, zelo, proteção, afeto, com a finalidade de transformar crianças e adolescentes em cidadãos que cumprem com seus direitos e obrigações (KLUNCK E AZAMBUJA, 2020). Desse modo, na medida em que não são exercidas as garantias mínimas como proteção e cuidado, recaem sobre os aos pais sanções judiciais.
Dessa forma, pode-se dizer que o exercício da responsabilidade pelos pais em todos os atos de seus filhos representa não apenas uma medida de cuidado, determinada em lei para casos de reparação civil, mas também medida de afeto. Caso contrário, esses pais deixariam seus filhos à mercê da sorte e dos efeitos que a exposição lhes proporcionaria (VATANABE, 2017, p.37)
Nesse sentido, não sendo irrogado aos infanto-juvenis direitos e deveres que lhe foram conferidos sobrevém medidas protetivas para as crianças e adolescentes vítimas de lesões ou ameaça aos seus direitos previstos por lei. Sendo assim, deve ser comunicado ao Conselho Tutelar de acordo com artigo 136, I do ECA/1990.
Art. 98. As medidas de proteção à criança e ao adolescente são aplicáveis sempre que os direitos reconhecidos nesta Lei forem ameaçados ou violados:
I - por ação ou omissão da sociedade ou do Estado;
II - por falta, omissão ou abuso dos pais ou responsável;
III - em razão de sua conduta (BRASIL, 2002).
Nesse alcance, destina-se que na falta de qualquer direito admitido por lei aos menores deve-se conceder à prole medidas de proteção. Portanto, as medidas protetivas são a salvaguarda dos jovens que suportam ameaças ou lesões aos seus direitos por meio da ação ou omissão da sociedade e estado, falta de omissão e abusos dos pais ou quem detém guarda, em razão de sua conduta, pautado no viés da proteção integral da criança e adolescentes, são medidas inescusáveis para reprimir e impedir o descumprimento das leis (VATANABE, 2017).
Destarte, a medida em que a família não supre as exigências básicas para crianças e adolescentes, o estado interfere em conformidade do artigo 1.513 do código civil “É defeso a qualquer pessoa, de direito público ou privado, interferir na comunhão de vida instituída pela família” (BRASIL, 2002). Em vista disso, o estado busca com a intervenção estatal a proteção e o melhor interesse da criança, apurada a existência de danos sejam na integridade física ou psíquica da prole. Designa-se a intervenção com fim de responder por tais condutas, bem como suspensão, destituição ou extinção da autoridade parental atuados pela justiça da infância e juventude (PEREIRA E MARTOS, 2019).
Sob essa perspectiva, aos pais incube o plano obrigacional e material e deve ser respeitado e praticado, na ineficácia destes atos os pais cabe responder pelos efeitos da conduta que viabiliza consequências jurídicas para ambos os genitores.
5 JURISPRUDÊNCIAS SOBRE ABANDONO DIGITAL E SUAS CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS
Acerca do abandono digital e corolário jurídico, as medidas protetivas resguardam os menores de situações de danos de acordo com ECA, art. 98, II a inexatidão de omissão ou abuso dos pais ou responsáveis. Por ora, as medidas surtem efeitos de acordo com caso concreto.
Nesse sentido, o conselho tutelar ao tomar conhecimento poderá executar sua aplicabilidade por meio das medidas previstas no ECA como descritas no artigo 101.
Art. 101. Verificada qualquer das hipóteses previstas no art. 98, a autoridade competente poderá determinar, dentre outras, as seguintes medidas:
I - encaminhamento aos pais ou responsável, mediante termo de responsabilidade;
II - orientação, apoio e acompanhamento temporários;
III - matrícula e freqüência obrigatórias em estabelecimento oficial de ensino fundamental;
IV - inclusão em serviços e programas oficiais ou comunitários de proteção, apoio e promoção da família, da criança e do adolescente;
V - requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime hospitalar ou ambulatorial;
VI - Inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos;
VII - acolhimento institucional;
VIII - inclusão em programa de acolhimento familiar;
IX - colocação em família substituta (BRASIL,1990).
Desse modo, em que pese, o rol permite a possibilidade de aplicar outras medidas. Portanto, este rol não é taxativo, comporta outras medidas elencadas no art. 129, I ao X no que diz respeito aos pais ou responsáveis.
Art. 129. São medidas aplicáveis aos pais ou responsáveis:
I - encaminhamento a serviços e programas oficiais ou comunitários de proteção, apoio e promoção da família;
II - inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos;
III - encaminhamento a tratamento psicológico ou psiquiátrico;
IV - encaminhamento a cursos ou programas de orientação;
V - obrigação de matricular o filho ou pupilo e acompanhar sua freqüência e aproveitamento escolar;
VI - obrigação de encaminhar a criança ou adolescente a tratamento especializado;
X - suspensão ou destituição do poder familiar (BRASIL,1990).
Elencadas as medidas de proteção adequadas para crianças e jovens no artigo 249 do ECA comporta-se as infrações administrativas, ao descumprir com dolo ou culpa aos pais ou responsáveis os deveres atribuídos pelo poder familiar seja de tutela ou guarda pela determinação da autoridade judiciária ou conselho tutelar, incorre nas penas que varia de três a vinte salários de referências, caso seja reincidente aplica-se o dobro (BRASIL, 1990).
Diante disso, conforme o artigo supracitado existem medidas mais graves para os pais ou responsáveis assim como a suspensão e destituição do poder familiar, tais medidas são decretadas por meio de sentenças. Nesse sentido, a diferença destes efeitos se aplica de acordo com o caso concreto.
A distinção entre os dois institutos estabelece-se pela graduação da gravidade das causas que as motivam e pela duração de seus efeitos. Se, por um lado, a suspensão é provisória e fixada ao criterioso arbítrio do juiz, dependendo do caso concreto e no interesse do filho menor de idade, a perda do poder familiar pode revestir-se de caráter irrevogável, como na situação de transferência do poder familiar pela adoção (AMIN et al., 2019, p. 268).
Dito isso, as medidas protetivas são inúmeras, assim como o estatuto da criança e do adolescente o código civil dispõe da suspensão familiar.
Art. 1.637. Se o pai, ou a mãe, abusar de sua autoridade, faltando aos deveres a eles inerentes ou arruinando os bens dos filhos, cabe ao juiz, requerendo algum parente, ou o Ministério Público, adotar a medida que lhe pareça reclamada pela segurança do menor e seus haveres, até suspendendo o poder familiar, quando convenha.
Parágrafo único. Suspende-se igualmente o exercício do poder familiar ao pai ou à mãe condenados por sentença irrecorrível, em virtude de crime cuja pena exceda a dois anos de prisão.
Art. 1.638. Perderá por ato judicial o poder familiar o pai ou a mãe que:
II - deixar o filho em abandono (BRASIL, 2002).
Portanto, nos moldes do artigo 1.637 do Código Civil de 2002, estipula que, uma vez que não existam mais as razões para o restabelecimento desse poder, medidas mais brandas podem ser tomadas para suspender a família, o que não conduz à destituição ou perda do poder familiar, em relação à perda do poder familiar, dado quando um dos pais ou responsáveis que abandona a criança ou adolescente.
Em vista disso, o abandono digital consiste em atos omissos dos pais ou da falta de monitoramento e vigília no ciberespaço. Em síntese, os filhos se tornam desprotegidos no ambiente digital. A doutrina vem concedendo um nome a esses comportamentos de omissão dos pais ou responsáveis no que tange ao uso da internet por crianças e adolescentes: “abandono digital”. Ressalta-se que, por ser o abandono digital ou cibernético um tema contemporâneo, inexistem debates aprofundados pelos doutrinadores, contudo encontram-se julgados atinentes ao tema com decisões que condenam os pais negligentes, devido a responsabilidade parental.
Além disso, aos pais cabe a responsabilidade de responder pelos atos praticados pelos filhos até completarem a maior idade civil, uma vez que a responsabilidade é objetiva. Nesse sentido, no momento em que a criança ou adolescente pratica cyberbullying na internet, os pais responderão na esfera civil. Dito isso, em uma decisão do superior tribunal de justiça o relator sentenciou a decisão favorável acerca de uma vítima de crime cibernético tendo como fundamento o exercício do poder familiar dos pais sobre seus filhos.
Colaciona-se o entendimento jurisprudencial em consonância com as ponderações apontadas:
[...] Responsabilidade objetiva dos pais pelos danos causados pelos filhos menores. Art. 932, inc. I, c/c 933, ambos do código civil. Cyberbullying. Criação de comunidade no "orkut". Conteúdo ofensivo à honra e à imagem da autora. Violação a direitos da personalidade. Ilícito configurado. Dever de indenizar caracterizado. Danos morais in re ipsa.
[...] Criação de comunidade no "Orkut" pela ré, menor impúbere, na qual passou a veicular comentários depreciativos e ofensivos a colega de turma de colégio. Conteúdo ofensivo à honra e imagem da autora. Situação... concreta em que verificados o ato ilícito praticado pela menor corré (divulgação de conteúdo ofensivo à imagem-atributo da autora na internet), o dano (violação a direitos da personalidade) e o nexo causal entre a conduta e o dano (pois admitida pela ré a confecção e propagação na internet do material depreciativo), presentes estão os elementos que tornam certo o dever de indenizar (art. 927, CC). Os genitores respondem de forma objetiva, na seara cível, pelos atos ilícitos praticados pelos filhos menores. Responsabilidade que deriva da conjugação da menoridade do filho e da circunstância fática desse se achar sob o pátrio poder dos pais, a quem incumbe zelar pela boa educação da prole.
(Apelação Cível Nº 70042636613, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Miguel Ângelo da Silva, Julgado em 27/05/2015) (SILVA, 2015).
Nesse arcabouço, resta configurada a responsabilidade objetiva dos pais decorrente do pátrio poder, o que se traduz no dever de indenizar os atos praticados pelo infante que cometeu cyberbullying. Ainda mais, a vulnerabilidade da criança ou adolescente vítimas desses crimes gera consequências reais, apesar do crime ter sido praticado no ambiente virtual. O cometimento de crimes virtuais afeta o psicológico da vítima, seus comportamentos na sociedade, incidem sobre este menor as consequências advindas desses crimes.
Desta maneira, o relator em uma decisão se manifestou a favor da indenização para que seja gasto com tratamentos psiquiátricos uma vez que a vítima tentou o suicídio e precisa de tratamentos decorrentes dos efeitos proporcionado pelo crime.
Apelação cível. Responsabilidade civil. Ação indenizatória. Vazamento de vídeo na internet. Veiculação na internet de vídeo contendo gravação de relação sexual da autora com o ex-namorado. Postagem no youtube e facebook. Manifesta imprudência do réu ao emprestar o celular com o material gravado a um amigo, que teria sido o responsável pela postagem na rede mundial.
[...] Danos morais “in re ipsa”.
A postagem e divulgação de vídeo contendo cena de sexo, nessas circunstâncias, gera danos morais “in re ipsa”, dispensando prova do efetivo prejuízo.
“QUANTUM” INDENIZATÓRIO MANTIDO.
Mantido o valor da condenação a título de danos morais fixado na sentença (R$ 15.760,00), mormente considerando a reprovabilidade da conduta do réu (culpa grave) e a extensão dos danos vivenciados pela vítima.
Menor que necessitou de tratamento psiquiátrico, tentou suicídio, e, em razão do “bullying” e das humilhações sofridas acabou transferida de escola juntamente com a irmã, bem ainda foi reprovada no ano letivo.
Sentença de parcial procedência da ação e improcedência da reconvenção mantida.
Recurso dos réus desprovido (SILVA, 2016).
Portanto, a internet proporciona às crianças e adolescentes vítimas de crimes virtuais consequências lesivas, o ambiente virtual não é lugar para crianças navegarem sozinhas, a falta de inspecionamento dos pais gera para os mesmos consequências jurídicas. Outrossim, uma vez que a fiscalização é primordial para a criança e adolescente, nesse sentido os efeitos que surtem do abandono digital prejudicam ao longo da vida os infanto-juvenis.
6 CONCLUSÃO
A família é a base da sociedade, possui amplamente proteção estatal, uma vez que as relações familiares estão inseridas em todo ramo de atuação social. Nesse sentido, superadas as relações familiares constituídas por homem, mulher e seus filhos, novos arranjos familiares foram consagrados bem como a família homoafetiva, unilateral dentre outras, para garantir aos menores proteção integral no plano moral e socioafetivo. Desse modo, a família influencia na criação da criança e adolescente desde a infância até completarem a maioridade civil; no ambiente familiar, os pais possuem poderes e deveres a serem respeitados, os quais são decorrentes do poder familiar. Nesse sentido, o poder familiar atribui a salvaguarda das crianças e adolescentes. Logo, por meio do poder familiar, incumbe aos pais efetivarem todos os direitos garantidos aos menores, como direito à educação, saúde, lazer e não são somente direitos, mas garantir as obrigações atinentes aos pais ou responsáveis, na medida em que é possível, os pais ou responsáveis respondem judicialmente, a depender do caso concreto, ou seja, se comprovada a negligência em relação a efetiva proteção de crianças e adolescente, de modo especial, no tocante aos perigos do ambiente virtual.
Com o advento do marco civil a internet alcança significativamente a longa escala de pessoas interagindo no mesmo ambiente virtual. Em que pese ser um avanço tecnológico precisa ser monitorado pelos pais ou responsáveis, os jovens que se inserem nesse meio sem os devidos cuidados podem serem vítimas de crimes virtuais. Em vista disso, o abandono digital retrata ser a nova incidência de crimes no ciberespaço. Outrossim, na medida em que os pais negligenciam seus filhos deixando-os horas na internet sem a devida fiscalização, eventualmente estas crianças e adolescentes se tornam alvos fáceis para quem tem a intenção de praticar cyberbullying, pedofilia, qualquer crime que possibilite ser cometido nesse ciberespaço.
As crianças e adolescentes por muitos tempos foram tratados como mero objetos. sem ter se quer o direito de possuir a vida, todas essas garantias eram decididas por uma única pessoa o pater família, somente em 1959 com a declaração universal da criança e adolescentes estes menores passam a ter seus direitos efetivados e salvaguardados, ou seja, garantidos pelos pais ou responsáveis.
Em síntese, as consequências do abandono digital são visíveis, crianças e adolescentes costumam se isolar da família, entram em depressão, em casos mais severos cometem suicídio. Portanto, faz-se necessário os pais vigiarem seus filhos uma vez que essa obrigação faz parte do poder dever dos pais, cabe e estes responderem na esfera civil pelos atos de crianças e adolescente. Sob esta ótica, os pais respondem de forma objetiva pelos seus filhos.
Por fim, devido ao abandono digital em relação aos filhos, os pais ou responsáveis, permitem assim que ocorra uma intervenção por parte do estado, no sentido de minimizar os atos praticados de forma errada pelos responsáveis dos menores. Frisa-se ainda que tal interferência Estatal a depender do caso concreto pode ensejar a suspensão do poder familiar ou até mesmo a perda ou destituição deste poder por meio das medidas protetivas. Todavia observa-se que não é só em si a criação de lei ou a interferência do Estado nas famílias, que irá diminuir ou findar o abandono digital dos filhos, deve-se adotar políticas públicas e uma educação voltada para ajudar aos pais e responsáveis maneiras de criar e acompanhar seus filhos em todo seu processo de desenvolvimento manter. Portanto, por se tratar de um assunto atual, são necessárias mais pesquisas sobre o assunto para que se possa fazer uma análise cuidadosa e detalhada de como os tribunais têm proferido julgamentos decorrentes do abandono digital em relação aos filhos. Sendo assim, a necessidade do estudo permite instruir aos pais ou responsáveis situações que põe em risco a vulnerabilidade das crianças e adolescente adotando uma reflexão fundamental para a criação destes menores.
REFERÊNCIAS
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2Doutoranda em Direito – UNICEUB. Professora do Curso de Direito do Centro Universitário Santo Agostinho - UNIFSA. E-mail:[email protected]
Artigo publicado em 08/12/2021 e republicado em 04/04/2024.
Graduada do Curso de Direito do Centro Universitário Santo Agostinho - UNIFSA.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BORGES, Ramila Rayara Vital. A responsabilidade civil no abandono digital sob a perspectiva das decisões do Superior Tribunal de Justiça Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 04 abr 2024, 04:53. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/57852/a-responsabilidade-civil-no-abandono-digital-sob-a-perspectiva-das-decises-do-superior-tribunal-de-justia. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Maria Laura de Sousa Silva
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