Resumo: O estudo em questão tem por objetivo analisar a teoria da função social do contratual, mormente sua aplicação na seara laboral, e correlacioná-la com as regras que normatizam o término do contrato de trabalho. Especificamente, visa: identificar o conceito de função social do contrato; descrever a função social do contrato de trabalho; e explicar a relação entre função social do contrato de trabalho e o término do vínculo laboral. O problema deste trabalho é: é possível relacionar a função social do contrato de trabalho com as normas que preveem a finalização desse contrato? A justificativa pauta-se na atualidade e na relevância da temática. A metodologia estrutura-se num procedimento metodológico de revisão bibliográfica e documental, com base em outros materiais já publicados como livros e artigos científicos, e na legislação e na jurisprudência. A hipótese central da pesquisa é de que é possível relacioná-las, principalmente se forem consideradas situações de finalização contratual laboral de modo fraudulento.
Palavras-chave: Função social. Função Social do contrato de trabalho. Rescisão do contrato por razão social.
1 INTRODUÇÃO
A evolução econômica e social do que se chama hoje “modernidade” deu-se a passos frenéticos, intercalado por eventuais tropeços. Atualmente, é inegável a massificação e complexidade das relações sociais, que acabam por exigir uma demanda jurídica e judicial cada vez mais atenta.
Nesse cenário, o contrato de trabalho se insere como um dos personagens protagonistas, em especial no campo capitalista. A visão mercantilista da figura do trabalhador que predominava no século XIX, tratando o obreiro como um produto que pode ser de qualquer forma utilizado, originou diversas digladiações, intelectuais e de fato, que repercutiram no ordenamento jurídico, constituindo solo fértil para o surgimento das primeiras lições do direito laboral. Com o tempo, as primeiras normas justrabalhistas foram evoluindo, sempre percorrendo a trilha deixada pela evolução dos direitos humanos.
Nos dias atuais, ante a dimensão jurídica coletiva da sociedade impulsionada pela realidade – conforme já aludido – massificada, inquieta e complexa, é cada vez mais comum a preocupação do direito do trabalho com os chamados direitos de grupos, que embora repercutam na esfera individual, não importa ao obreiro como um só, por exemplo, o direito ao meio ambiente laboral saudável e equilibrado. Outrossim, enraíza-se cada vez mais profundamente o direito do trabalho constitucionalizado, que impele a reinterpretação das normas laborais a fim de adequá-las ao espírito das Cartas Políticas.
É justamente ante este panorama de constitucionalização das normas laborais que se passa a ter uma nova ótica do contrato de trabalho, que assume uma função social. Hodiernamente, essa recente ótica da função social do contrato de trabalho impulsiona uma releitura do liame laboral. E é nessas recém descobertas águas que se mergulha a seguir.
Analisar a teoria da função social do contratual na seara laboral e correlacioná-la com as regras que normatizam o término do contrato de trabalho. Os objetivos específicos são: identificar o conceito de função social do contrato; descrever a função social do contrato de trabalho; e explicar a relação entre função social do contrato de trabalho e o término do vínculo laboral.
Para isso foram utilizadas as doutrinas, jurisprudências e legislações do Ordenamento Jurídico Pátrio que tratam acerca do tema “função social”. Será feita uma pesquisa prioritariamente de cunho bibliográfico e documental. As fontes utilizadas na pesquisa são: livros e artigos jurídicos, referentes ao tema da terceirização; legislação pertinente à função social do contrato no Brasil; levantamento, nos Tribunais, de jurisprudência especializada no assunto.
Tem-se presenciado cada mais enfaticamente a inserção do conteúdo da função social do contrato nos meandros jurídicos. Porém, nos caminhos trabalhistas o tema ainda engatinha, sendo poucos os trabalhos acadêmicos que fazem incursões teóricas e, principalmente, práticas. Considerando tal referencial, buscou-se aqui se aprofundar na matéria, realizando buscas na doutrina civil e trabalhista acerca do tema função social, a fim de patentear a relativização subjetiva do contrato de trabalho e de que forma há um interesse da sociedade sobre este.
Como o tema função social do contrato de trabalho é recente, o material literário sobre a disciplina é escasso. Assim buscou-se a referência em autores do ramo cível e trabalhista, como o advogado Gustavo Tepedino e o desembargador Maurício Godinho Delgado, além de doutrinas sobre a função social do contrato de trabalho, como Rodrigo Trindade de Souza e Enoque Ribeiro dos Santos.
Ao fim, pretende-se buscar a análise de uma situação concreta, a fim de demonstrar como a função social do contrato permite novas fórmulas judiciais de apreciação da disciplina “término do contrato de trabalho”.
2 FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO
A transição do Estado Liberal para o Estado Social implicou numa revisão dos moldes juspositivistas que embasavam os ordenamentos jurídicos, mormente no que se referia ao direito privado. Da reformulação do sistema jurídico ocorreu a “fragmentação do direito privado”, uma abertura do sistema jurídico civil para inserir nestes novos valores na contramão dos puramente normativos e positivistas que permeavam o pensamento jurídico da época.
Assim, numa realidade em que o intervencionismo estatal passa a ser a regra no intuito de resguardar a justiça social, os aparelhos jurídicos passam a ser modernizados, a fim de imbuir o espírito seco da lei de valores essenciais e, por conseguinte, conferir-lhe uma verdadeira eficácia. Na órbita pátria, os principais instrumentos de renovação da atmosfera jurídica foram os microssistemas legais – a exemplo do Código de Defesa do Consumidor - e as cláusulas gerais.
As cláusulas gerais, de origem germânica, podem ser conceituadas, segundo as palavras de Gustavo Tepedino, como:
Normas que não prescrevem uma certa conduta, mas, simplesmente, definem valores e parâmetros hermenêuticos. Servem assim como ponto de referência interpretativo e oferecem ao intérprete os critérios axiológicos e os limites para a aplicação de demais disposições normativas (TEPEDINO, 2002).
Assim, surgem novos conceitos, que passam a nortear os sistemas jurídicos e ser o ponto de partida de aplicação das próprias normas.
É neste contexto que se insere a função social. Este conceito foi inserido no ordenamento jurídico pátrio e elevado ao patamar de direito fundamental pela Carta Social de 1988, a qual faz alusões à função social da propriedade em diversos pontos de seu texto, como o inciso XXIII do art. 5º e o inciso III do art. 170.
Essa matriz constitucional repercutiu na ordem privada, ante a eficácia horizontal dos direitos fundamentais, decorrente da dimensão objetiva destes. Nessa trilha, a função social do contrato é uma cláusula geral insculpida no art. 421 do Código Civil e representa um mandado de otimização do comportamento das partes pactuantes.
Hodiernamente, numa realidade globalizada, caracterizada pela massificação de relações sociais, não mais se admite a pura e simples formulação e execução de contratos capazes de ofender a dignidade da pessoa humana ou que destoem de valores sociais mínimos. Aliás, urge sublinhar que o contrato, um dos principais elementos negociais da vida moderna, senão o mais relevante, tem papel fundamental na dinâmica econômica de qualquer nação e, por conseguinte, acaba por repercutir não apenas na esfera dos pactuantes, mas também, de forma reflexa, na esfera de terceiros que não participam da relação contratual.
Nesse diapasão, a função social do contrato é um elemento limitador da vontade dos contratantes, inclusive quanto ao conteúdo do pacto, dela decorrendo novos princípios e deveres contratuais, como a boa-fé objetiva. Outrossim, a função social do contrato acaba por relativizar o princípio do pacta sunt servanda, segundo o qual “o contrato faz lei entre as partes”, não merecendo cumprimento aquele pacto firmado destoando dos valores constitucionais e das mínimas exigências e expectativas da sociedade.
Doutra banda, além de agente limitador do ímpeto dos pactos, a função social constitucionaliza o ato de contratar, adaptando-o à nova realidade ansiada pela Carta de Outubro, que nada mais representa as aspirações da sociedade. Assim, o objetivo traçado pela Constituição Federal de 1988 de buscar pela construção de uma sociedade “livre, justa e solidária” se torna paradigma do direito privado, ensejando a incidência de novos conceitos e princípios, como o de boa-fé objetiva, incorporados e absorvidos pela nova hermenêutica da disciplina contratual.
Por fim, ante todo o exposto, a função social impõe uma nova dimensão ao objeto da relação jurídica, impondo um solidarismo constitucional. As relações bilaterais se desgarram dos interesses privados e assimilam uma nova perspectiva, um corte subjetivo a fim de adaptar o contrato aos anseios sociais estatuídos na Carta Magna.
3 FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO DE TRABALHO
Uma vez exposto o ideal de função social do contrato, não serão necessários maiores esforços para inserir a cláusula geral sob lume no ramo laboral. Consoante analisado, o embasamento da função social dos pactos privados é a legítima expectativa de terceiros decorrente dos reflexos que podem ser causados a estes duma desarrazoada execução contratual pelos sujeitos contratantes. Vigora, não é despiciendo sublinhar, o solidarismo constitucional, que impele a uma nova ótica das relações privadas segundo a lente dos direitos fundamentais. Nas relações de trabalho, a lógica não é diversa.
Numa perspectiva mais ampla, a empresa, além do objetivo natural de lucro, deve deter responsabilidade social, a fim de prover à sociedade produtos e serviços decorrentes de uma atividade sustentável. Esta estabilidade passa pelo ideal não apenas de respeito aos direitos coletivos da sociedade, mas também pela forma como os empregados são tratados. O caminho é fornecido por Eduardo Farah:
Para que a autonomia empresarial atenda ao princípio da solidariedade social, é imprescindível que o homem seja o epicentro dos interesses da empresa, não apenas objeto ou considerado como valor econômico-financeiro. Porém isso somente será possível se houver uma política econômica direcionada a este fim, pois as chamadas "leis de mercado" não atendem, por si só, a estas premissas.
O exercício da atividade empresarial equilibrada se sustenta no preceito de não apenas atuar de forma a não prejudicar os demais, mas sim de que haja benefícios a outrem. Inserindo essa teleologia no contrato laboral, não basta ao trabalhador ter seus direitos mínimos respeitados - o que infelizmente sequer é a regra. O obreiro deve ter seu trabalho valorizado, pois os seus esforços devem ser um meio deste ascender socialmente ou, ao menos, manter sua condição. Do contrário, perpetrar-se-á uma marginalização, que imporá uma resposta social dada, em regra, pelo Poder Público ao custo do erário, através de programas sociais e outras atividades com o escopo de consagrar direitos sociais mínimos.
Nessa trilha, é de bom alvitre trazer à baila o conceito de dumping social, prática empresarial de buscar novos mercados onde as legislações trabalhistas são mais frágeis, alcançando maiores lucros ao custo da exploração do trabalhador. De um lado, essa prática implica em desemprego, inferindo na saúde econômica dos trabalhadores, suas famílias, comunidades e, porque não, de toda uma nação, quando se considera que não apenas uma empresa pode vim agir nessa linha. Doutra banda, o dumping social implica na marginalização das relações empregatícias nas novas terras que lhe favoreça o binômio lucro-exploração, interferindo no patamar civilizatório mínimo de qualquer Estado segundo a ótica dos direitos humanos.
Afunilando a linha de raciocínio e nacionalizando-a, podem ser apreciadas duas situações: o FGTS (Fundo de Garantia de Tempo de Serviço) e o seguro-desemprego.
No primeiro caso, os recursos do FGTS, enquanto depositado, é gerido pelo Ministério da Ação Social e aplicado em diversos programas sociais (art. 6º, inciso I, da lei 8.036/90). Assim, quaisquer fraudes praticadas pelos envolvidos um liame trabalhista, no intuito de se apropriar de numerários que não poderiam ser ainda sacado, repercutirá na esfera jurídica de tantos outros que deveriam se beneficiar do investimento de tais importes em políticas sociais do Estado.
Não menos diferente, o seguro-desemprego é um benefício previdenciário financiado por dotações públicas. Considerando isto, a desenfreada escala de desemprego decorrente do exercício abusivo do direito patronal de despedir involuntariamente seus subordinados pode acarretar largos prejuízos aos cofres públicos. Quem paga a conta, assim, é a sociedade.
Nessa trilha, é irrefragável que, assim como os contratos regulados pelo direito civil, o pacto laboral exerce uma forte influência na realidade econômica e social de qualquer nação. O emprego, aqui no conceito de população trabalhadora ativa e remunerada, é um importante termômetro econômico-social que acaba por retratar o ponto de desenvolvimento em que se encontra uma nação. Outrossim, são diversos os institutos atrelados ao contrato de trabalho que detém natureza pública e, por conseguinte, impõem um interesse social.
Aliás, institutos como a boa-fé objetiva – como já dito, decorrente da função social do contrato - em sede de direito do trabalho são cada vez mais anunciados, quer pela doutrina, quer pela jurisprudência pátria. Nesse diapasão, destaca-se a seguinte decisão:
CONTRATO DE TRABALHO - REGÊNCIA DOS PRINCÍPIOS SOCIAIS DO CONTRATO - FUNÇÃO SOCIAL E BOA FÉ OBJETIVA. Após a instituição do Código Civil de 2002, não mais prevalece o status formal das partes, mas a finalidade à qual se dirige a relação dinâmica. Neste contexto, revela-se uma nova perspectiva para os negócios jurídicos, instituindo-se princípios sociais que irão reger as relações obrigacionais, mitigando-se o velho princípio do pacta sunt servanda. Recurso conhecido e parcialmente provido. (Processo: 1597200500116001 MA; Relator(a): LUIZ COSMO DA SILVA JÚNIOR; Publicação: 17/07/2007)
Aliás, não é forçoso falar em relativização subjetiva do contrato laboral, apresentando-se a sociedade como parte que possui legítimas expectativas sobre citado pacto, podendo ingerir sobre este. Todo o exposto somente permite concluir como é imperiosa a aplicação dos preceitos da novel doutrina da função social na seara laboral, a fim de permitir uma lídima execução dos pactos trabalhistas firmados, assim como a extinção daqueles que contrariam o interesse público.
4 FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO DE TRABALHO E O TÉRMINO DO VÍNCULO LABORAL
O anunciado no tópico anterior demonstrou de forma hialina a importância da doutrina da função social do contrato na seara trabalhista. A partir de agora discutir-se-á sobre como o solidarismo constitucional nos contratos de trabalho pode refletir no término do pacto.
A função social do contrato de trabalho tem se sedimentado cada vez mais em matéria de deslinde do pacto. Aliás, os Tribunais Trabalhistas pátrios, coadunando com o novo espírito do solidarismo contratual imposto pela renovação da hermenêutica legislativa à luz da Carta de Outubro, vêm proferindo decisões com espeque em conceitos decorrentes da função social, dignidade da contratante e boa-fé objetiva na apreciação do término do contrato de trabalho. Segue exemplo:
TRT-PR-30-07-2010 EMENTA. FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO DE TRABALHO. PODER DIRETIVO DO EMPREGADOR. DIGNIDADE DA PESSOA E BOA-FÉ OBJETIVA. RESCISÃO INDIRETA. Também no contrato de trabalho, o recíproco respeito aos direitos de personalidade das partes constitui obrigação implícita e inafastável à avença, sob pena de afronta à proteção à dignidade da pessoa, à função social dos contratos e à boa-fé objetiva (CF, art. 1º, III e CC/2002, Arts. 421 e 422), autorizando, enfim, a resolução do pacto laboral quando violada essa cláusula geral pelo empregador (CLT, art. 483, d e e). Recurso ordinário da reclamada conhecido e desprovido. (Processo:PR 22019-2008-9-9-0-0; Relator(a): ALTINO PEDROZO DOS SANTOS; Órgão Julgador: 3A. TURMA; Publicação: 30/07/2010)
Ocorre que o mais comum é a aplicação da doutrina da função social contratual em sintonia com o princípio da continuidade do contrato de trabalho, na maioria dos casos vedando o comportamento abusivo do empregador.
No entanto, questiona-se: e quando o comportamento de ambas as partes contratantes se opuser ao interesse social? Melhor ilustrando: e quando posto sob apreciação judicial demanda em que se reconhece simulação de rescisão contratual, originalmente um pedido de demissão, mas forjado como dispensa imotivada, no sentido de fraudar o saque do FGTS e a percepção do seguro-desemprego?
A situação acima narrada é cada vez mais comum nas bancadas da Justiça, onde resta evidente a desvalorização dos princípios norteadores do direito do trabalho em face de simples interesses financeiros, quer por parte do patrão, quer por parte do trabalhador. Cabe aqui ressalvar que de fato o caso exposto retrata uma ocorrência pontual. Mas o fato de ser uma circunstância específica não impede que se assente uma nova maneira de resolução, mormente quando se percorre um caminho de inovação doutrinária.
A solução prática e repetidamente aplicada pelo judiciário é reconhecer a nulidade do ato de término do contrato, ante a constatação de simulação e, em razão do princípio da continuidade do trabalho, declarar que o pacto ainda persiste. Contudo, será esse raciocínio o mais adequado ao solidarismo contratual e aos interesses sociais?
Consoante já assinalado, a sociedade possui legítimos interesses numa lídima execução do contrato de trabalho. E este possui extensões que vão além do campo de direito privado, emergindo em diversos pontos no campo jurídico público. Nessa linha, na conjuntura descrita, é evidente que a prática dos contratantes é dissonante com a função social que deve deter o pacto laboral, contrariando a vontade da sociedade, que irá arcar, ainda que indiretamente, por um desate contratual fraudulento.
Nesse ínterim, propõem-se duas possíveis e adequadas formas de resolução. É de bom alvitre ressalvar que aqui não se questiona a nulidade do ato de resilição por justa causa reconhecida pelo Juízo. As reflexões se inserem no passo seguinte a esta constatação.
A primeira delas seria reconhecer a ilicitude do contrato de trabalho antagônico ao interesse social. Em regra, o conceito de ilicitude decorre da contrariedade do objeto do pacto laboral à legislação penal. Mas a função social do contrato permite a extensão de tal definição, podendo ser a ilicitude reinterpretada de forma a tornar o contrato ilícito aquele cujo objeto ou forma de execução contrarie a lei penal. E é evidente que a prática do patrão e do trabalhador acima descrita consiste em crime contra o erário público.
Resultante desta perspectiva, o contrato é nulo, não gerando efeitos e, deste modo, não possui o empregado direito à percepção de quaisquer haveres trabalhistas.
Doutra giro, uma segunda proposta – e ainda mais inovadora - seria a instituição de uma nova forma de resilição por justa causa: o desate por razão social. Se é fato que a sociedade possui interesse na execução correta do pacto laboral, é igualmente assertivo que a contrariedade desta expectativa pública permite uma reação pela parte prejudicada Assim, seria possível ao magistrado, no exercício de seu múnus de aplicador da lei, reconhecer a resilição do contrato de trabalho por justa causa “por razão social”.
Foi esta a solução aplicada pelo Exmo. Magistrado Rodrigo Anderson Ferreira, pertencente ao quadro do Tribunal Regional do Trabalho da 6ª Região - Pernambuco, tendo decidido num cenário idêntico ao proposto da seguinte forma:
“Outrossim, nos termos da fundamentação supra, declaro a rescisão do contrato de trabalho firmado entre as partes desta demanda, por justa causa, por força do art. 482 da CLT, alínea “b”, por mau procedimento do obreiro, ante o desrespeito ao comportamento socialmente dele exigido, dever assessório de seu pacto laboral perante terceiros.” (Dr. Juiz Rodrigo Anderson Ferreira de Oliveira, processo 0000285-33.2013.05.06.0361)
Não se pode olvidar aqui de ressalvar que a segunda solução sugerida e acima exemplificada pode levar a questionamento de violação ao princípio dispositivo, posto que não teria sido essa modalidade de término contratual objeto de pleito pelas partes litigantes. Todavia, este óbice pode ser facilmente afastado, quando se leva em conta que o fundamento desta decisão é a função social, matéria de ordem pública que, portanto, permitiria a conduta reativa do Magistrado. Este raciocínio está longe de ser teratológico, principalmente quando se leva em conta que o Poder Público pode agir de imediato, aplicando à medida que entende cabível, em caso de não cumprimento da função social da propriedade urbana ou rural.
5 CONDIDERAÇÕES FINAIS
Detalhando os preceitos de função social do contrato e os fundamentos que permitem trazer seu conteúdo à seara laboral, foi possível trabalhar sobre uma nova ótica um caso específico, permitindo novas reflexões acerca da disciplina “término do contrato de trabalho”. Cumpriu-se, dessa forma, com o escopo proposto.
Faz-se mister destacar que o estudo do tema “função social do contrato de trabalho” é fundamental para que o direito do trabalho possa retomar os trilhos, realocando-o em sintonia com o melhor e mais atualizado espírito constitucional. Entendo que disciplina aqui discutida permite uma reanálise do contrato de trabalho, a fim de retomar ao trabalhador sua dignidade humana, ao mínimo amenizando a ótica mercadológica que ainda predomina quanto ao obreiro, visto mais como instrumento-meio do que fundamento-fim.
Por outro lado, a discussão do caso apresentado torna evidente como a função social do contrato de trabalho permite, na prática judicial, um novo horizonte. Em razão da exiguidade de espaço nesse trabalho acadêmico, não é possível maiores incursões sobre as soluções apontadas, tendo se limitado aqui a dar passos iniciais no que se entende um campo fértil para renovação do direito e da atividade judicial trabalhista.
A esperança é que esta breve obra incentive aqueles que sobre ela se debrucem a darem novos saltos doutrinários e hermenêuticos sobre a disciplina. Creio que este é o constante caminho que o ordenamento jurídico deve percorrer: da inovação e da reação, em prol da paz e prosperidade social.
REFERÊNCIAS
ALMEIDA, Renato Rua de. Subsiste no Brasil o direito potestativo do empregador nas despedidas em massa? LTr, São Paulo, n. 4, p. 391-393, abr. 2009.
BOBBIO, Norberto. Da estrutura à função: novos estudos de teoria do direito. São Paulo: Editora Manole, 2007.
BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da 6ª Região. Processo nº 0000285-33.2013.05.06.0361. Disponível em <http://apps.trt6.jus.br/consultaProcessual/viewDocument/view?FileType=RTF&QueryType=MANUAL_REGISTER_BINARY&numberStick=361&filename=arq&zipped=true&idArquivo=SE01201306280920005>. Acesso em 21 de Junho de 2022.
BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região. Processo nº 2201920089900. Disponível em <http://trt-9.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/18895771/2201920089900-pr-22019-2008-9-9-0-0-trt-9>. Acesso em 21 de Junho de 2022.
BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da 16ª Região. Processo nº 1597200500116001. Disponível em < http://trt-16.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/4467424/1597200500116001>. Acesso em 21 de Junho de 2022.
CARVALHO, Paulo César de. Cláusulas gerais no novo Código Civil. Boa-fé objetiva, função social do contrato e função social da propriedade. Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 983, 11 mar. 2006. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/8077>. Acesso em: 21 jun. 2022.
DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 10 ed. São Paulo: Editora LTr, 2011.
FARAH, Eduardo Teixeira. A disciplina da empresa e o princípio da solidariedade social. In: MARTINS COSTA, Judith. A reconstrução do direito privado: reflexos dos princípios, diretrizes e direitos fundamentais constitucionais no direito privado. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002.
LÔBO, Paulo Luiz Netto. Princípios Sociais dos Contratos no Código de Defesa do Consumidor e no Novo Código Civil. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, v. 42, abr-jun, 2002.
MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado: sistema e tópica no processo obrigacional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.
NALIN, Paulo R. R. Do contrato: conceito pós-moderno em busca de sua formulação na perspectiva civil constitucional. Curitiba: Juruá, 2001.
NANNI, Giovanni Ettore. A evolução do direito civil obrigacional: a concepção do direito civil constitucional e a transição da autonomia da vontade para a autonomia privada. In: LOTUFO, Renan (org.). Cadernos de autonomia privada. Curitiba: Juruá, 2001.
NETTO, João Afonso Dallegrave. Responsabilidade Civil no contrato de trabalho. 4ª ed. São Paulo: LTr, 2010.
PAES, Arnaldo Boson. A função social do contrato e sua aplicação nas relações de trabalho. Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 2934, 14 jul. 2011. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/19545>. Acesso em: 13 set. 2013.
PETTER, Lafayette Josué. Princípios constitucionais na ordem econômica: o significado e o alcance do art. 170 da Constituição Federal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005.
SANTOS, Eduardo Sens dos. O Novo Código Civil e as Cláusulas Gerais: exame da função social do contrato. Revista de Direito Privado, São Paulo, v. 10 abr.-jun. 2002.
SANTOS, Enoque Ribeiro. Função social do contrato, a solidariedade e o pilar da modernidade nas relações de trabalho. 1 ed. São Paulo: LTr, 2003.
SOUZA, Rodrigo Trindade de. Função social do contrato de emprego. 1 ed. São Paulo: LTr, 2008.
TEPEDINO, Gustavo. Crise de fontes normativas e técnica legislativa na parte geral do código civil de 2002. In: TEPEDINO, Gustavo. A parte geral do novo código civil: estudos na perspectiva civil constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2002.
Graduado em bacharelado direito pela UNIT.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVEIRA, Ivahyr Pessoa Lebre. A função social do contrato de trabalho e sua repercussão na rescisão contratual Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 27 jun 2022, 04:07. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/58756/a-funo-social-do-contrato-de-trabalho-e-sua-repercusso-na-resciso-contratual. Acesso em: 21 nov 2024.
Por: PATRICIA GONZAGA DE SIQUEIRA
Por: Beatriz Ferreira Martins
Por: MARCIO ALEXANDRE MULLER GREGORINI
Por: Heitor José Fidelis Almeida de Souza
Por: JUCELANDIA NICOLAU FAUSTINO SILVA
Precisa estar logado para fazer comentários.